Acórdão 248/2002/T. Const. - Processo 89/2002. - 1 - Pela 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo interpôs o licenciado Jorge da Silva Ribeiro recurso contencioso de anulação do despacho proferido em 7 de Junho de 1996 pelo Secretário de Estado da Justiça na parte em que, na sequência de recurso hierárquico do despacho prolatado pelo director-geral do Gabinete de Planeamento e Coordenação do Combate à Droga, embora tivesse anulado o procedimento classificatório, considerou improcedente a arguição de preterição da formalidade consistente em não ter sido subscrita pelos dois notadores a resposta à reclamação dirigida à notação de serviço do recorrente referente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 1995.
O representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, no "parecer" que exarou, pronunciou-se no sentido de dever ser rejeitado o recurso, por manifesta ilegalidade na respectiva interposição, ex vi do § 4.º do artigo 57.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA), já que, tendo o despacho impugnado anulado parcialmente o procedimento classificatório, não decidiu do mérito da classificação de serviço do recorrente, consequentemente não podendo aquele despacho ser perspectivado como um acto lesivo susceptível de impugnação contenciosa. Ouvido sobre esta questão, o recorrente sustentou a sua improcedência.
Tendo o Supremo Tribunal Administrativo, fundado no § 4.º do artigo 57.º do aludido Regulamento, rejeitado o recurso por manifesta ilegalidade na sua interposição, veio o impugnante recorrer para o pleno da 1.ª Secção daquele alto Tribunal.
Na alegação que apresentou, o recorrente formulou as seguintes "conclusões":
"1) A invocação do disposto no artigo 57.º, § 4.º, do RSTA, e a interpretação do mesmo que fez vencimento, foi arguida pelo Ministério Público no seu parecer final.
2) Ao qual o recorrente respondeu arguindo a desconformidade desse preceito, interpretado nesse sentido, com vários preceitos da Constituição, que indicou.
3) O tribunal a quo não conheceu dessa questão prejudicial.
4) Pelo que o douto acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronuncia [artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC].
5) Sem prejuízo disso e sem conceder, tal preceito é inaplicável ao caso vertente.
6) É objecto do recurso contencioso de cuja decisão ora se recorre o despacho de S. Ex.ª o Secretário de Estado da Justiça, praticado em sede de recurso hierárquico necessário, na parte em que julgou o recurso improcedente, por entender não estar verificado vício consubstanciado na resposta, por apenas um dos notadores, de reclamação dirigida a ambos, nos termos do artigo 32.º do Decreto Regulamentar 44-B/83, de 1 de Junho.
7) Quando é certo que o recorrente, para além de alegar que tal resposta [fora] singular, alegou que o referido notador tinha laborado sem conceder os documentos que instru[í]am a reclamação, o que provou.
8) Ao entender-se que o recurso contencioso, com tal objecto, é ilegal, na medida em que o recurso hierárquico fora provido com fundamento na existência de vício situado em fase procedimental posterior, aplica-se erroneamente o artigo 57.º, § 4.º, do RSTA.
9) De facto, ao entender-se como se entendeu, recusa-se a sindicância judicial da legalidade do acto recorrido, na parte em que foi desfavorável ao recorrente.
10) Admitindo-se, assim, que, por esta via, a Administração imponha aos Tribunais os termos em que vai ser judicialmente confrontada.
11) E que os tribunais dêem como boa e conforme à lei a prola[]ção administrativa na parte em que desatenda pretensão de particular, desde que a mesma tenha sido atendida sob outro pressuposto.
12) Tal entendimento viola o princípio do acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, constante dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, bem como os princípios da separação de poderes e da independência dos tribunais, constantes dos artigos 111.º e 202.º e 203.º e 212.º, n.º 1, do mesmo diploma.
13) Preceitos esses que, por serem directamente aplicáveis, o douto acórdão violou, ao dispor como dispôs.
14) Sendo certo que o princípio da impugnação unitária, por ter carácter meramente formal e não se encontrar constitucionalmente consagrado, não prevalece, ao contrário do doutamente julgado, sobre o princípio da tutela jurisdicional efectiva, de consagração constitucional."
E, no "teor" daquela alegação, inter alia, escreveu o recorrente:
"[...] Cumpre aqui referir que a questão prejudicial, mui doutamente julgada procedente, foi arguida pelo Ministério Público, no seu parecer final, a fls. 166 e 167.
A este não menos douto parecer opôs-se o recorrente a sua contestação, na qual pugnou pela improcedência da argumentação que viria a fazer vencimento, ao mesmo tempo que arguiu a inconstitucionalidade do disposto no artigo 57.º, § 4.º, do RSTA, interpretado em termos segundo os quais não é susceptível de recurso contencioso, por não ser lesivo, o acto que concede provimento parcial a recurso hierárquico de acto classificatório, na parte desfavorável ao recorrente por violação do disposto nos artigos 20.º, 268.º, n.º 4, 18.º, 111.º, 202.º, 203.º e 212.º, n.º 3, da CRP. [...]"
O pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 15 de Novembro de 2001, negou provimento ao recurso.
Pode ler-se, em dado passo, naquele aresto:
"[...] A Constituição, ao garantir a tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, incluindo, nomeadamente, a impugnação de quaisquer actos administrativos, que os lesem (artigo 268.º, n.º 4), não impõe a abertura de um recurso contencioso imediato de todo e qualquer acto da Administração. Designadamente, para nos ficarmos pelo tipo de ilegalidade que o recorrente quer fazer valer, não impõe que a cada alegada infracção a regras de procedimento por parte da Administração se siga um recurso contencioso imediato. A garantia de recurso contencioso apenas exige que o desvio ao procedimento legalmente prescrito possa ser posto em juízo em tempo útil, ainda que porventura a decisão de provimento comporte sacrifício de mais actos procedimentais do que o que resultaria da admissão de um recurso contencioso imediato (que, aliás, nunca seria apto a evitar esse sacrifício, salvo se tal proliferação de recursos fosse sistematicamente acompanhada de um efeito suspensivo do procedimento, com a consequente paralisação da actividade administrativa, cuja desrazoabilidade não é preciso demonstrar).
Ora, os vícios de procedimento que a decisão de não provimento parcial do recurso hierárquico tenha deixado subsistir serão susceptíveis de arguição no recurso que venha a ser interposto da (nova) decisão de classificação (lato sensu, englobando a decisão de recurso hierárquico necessário da decisão homologatória do dirigente máximo do serviço), na medida em que nela se repercutam. Está, portanto, garantida a via contenciosa de reacção contra a ilegalidade administrativa.
Obviamente, que outra teria de ser a resposta a esta questão da recorribilidade se se considerasse existir caso resolvido, impeditivo da arguição contenciosa posterior dos vícios julgados improcedentes no recurso hierárquico (o que o recorrente nunca afirma, mas parece recear). Mas como já se decidiu no Acórdão, do pleno, de 20 de Janeiro de 1998, processo 27 511 (apêndice ..., p. 5), revogando acórdão contrário da Subsecção de 1 de Março de 1995 (apêndice ..., p. 1967), 'não se pode sustentar que configura acto destacável o despacho que julgue procedente um recurso hierárquico necessário, na parte em que ele decide a improcedência de outro ou outros fundamentos. Mas, se isto é assim, não pode também argumentar-se com o caso resolvido por falta de impugnação desse despacho para julgar improcedente vício igual alegado no recurso contencioso no despacho que, na sequência de nova classificação, e ordenação dos concorrentes [estava em causa um procedimento concursal, mas isso não diferencia os casos para este efeito] e novo despacho homologatório da lista (consubstanciando um acto distinto do anterior revogado), nega provimento ao segundo recurso hierárquico interposto deste último acto de homologação'.
Isto admitido, o sistema fica perfeitamente harmónico e a accionabilidade da ilegalidade administrativa garantida na medida e na ocasião da lesividade que comporte. [...]"
É do acórdão que em parte se encontra transcrito que, pelo impugnante, licenciado Jorge da Silva Ribeiro, vem interposto, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o vertente recurso, por seu intermédio, e na sequência da delimitação do objecto efectuada por despacho do ora relator, se pretendendo ver apreciada a conformidade (ou não conformidade) com a Constituição da norma vertida no § 4.º do artigo 57.º do RSTA, na dimensão interpretativa segundo a qual constitui manifesta ilegalidade do recurso a impugnação contenciosa da parte de um acto administrativo praticado em sede de recurso hierárquico em que se nega provimento a um dos fundamentos deste, sendo que, noutra parte, por intermédio desse mesmo acto, se veio a anular o procedimento que conduziu à prática do acto hierarquicamente impugnado, e na consideração de que o decidido quanto ao não provimento de um dos fundamentos do recurso hierárquico não constitui caso resolvido para efeitos de eventual impugnação contenciosa do acto administrativo que, posteriormente, venha a ser praticado.
2 - Determinada a feitura de alegações, concluiu o recorrente a por si apresentada, formulando as seguintes "conclusões":
"1) O artigo 57.º, § 4.º, do RSTA, quando interpretado no sentido segundo o qual constitui manifesta ilegalidade do recurso a impugnação contenciosa da parte de um acto administrativo praticado em sede de recurso hierárquico em que se nega provimento a um dos fundamentos deste, sendo que, noutra parte, por intermédio desse mesmo acto, se veio a anular o procedimento que conduziu à prática do acto hier[a]rquicamente impugnado, e na consideração de que o decidido quanto ao não provimento de um dos fundamentos do recurso hierárquico não constitui caso resolvido para efeitos de eventual impugnação contenciosa do acto administrativo que, posteriormente, venha a ser praticado é inconstitucional.
2) De facto, tal preceito, assim interpretado, viola o disposto nos artigos 20.º da CRP, e, designadamente, o n.º 4 deste preceito, e 268.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, na medida em que, segundo tal interpretação, o particular, para sindicar tal vício, teria de interpor novo recurso contencioso de acto de classificação e, apenas na medida em que a Administração conhecesse de tal vício, interpor novo recurso contencioso deste acto.
3) Ora, tal entendimento viola o princípio da decisão judicial em prazo razoável, ao mesmo tempo que, ao obrigá-lo a reiniciar a via contenciosa, na sequência de reinício da via administrativa, restringe intoleravelmente o direito dos cidadãos a uma tutela jurisdicional efectiva e o direito a uma decisão em prazo razoável, constantes dos artigos 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, da CRP.
4) Acresce ainda que tal entendimento, ao implicar que o Tribunal renunciasse ao conhecimento de vícios invocados pelo particular, com fundamento em a Administração deles não ter conhecido e, portanto, não terem afectado o acto administrativo contenciosamente recorrido, permite que a Administração defina os termos pelos quais admite ser contenciosamente confrontada.
5) Tal situação viola o princípio constitucional da separação de poderes, vertido no artigo 111.º da CRP, e o princípio da independência dos tribunais, constante dos artigos 202.º e 203.º do mesmo diploma."
Por seu turno, a Ministra da Justiça rematou assim a sua alegação:
"a) O acto recorrido foi proferido na sequência do recurso hierárquico interposto da homologação da classificação de serviço do recorrente relativo ao ano de 1995.
b) Em virtude de ter sido dado provimento ao recurso hierárquico interposto, foi anulado parcialmente o procedimento classificativo, reconduzindo-o a uma fase intercalar. Não se decidiu aqui a única questão que possibilitaria ao alegante o acesso à via contenciosa: a da classificação de serviço respeitante ao ano de 1995.
c) Só após a prolação de novo acto classificativo final é que, se disso for caso, o recorrente poderá aceder à via graciosa e, posteriormente, à contenciosa.
d) Os eventuais efeitos lesivos potencialmente contidos na decisão que conduziu ao não provimento parcial só virão a ser produzidos pela nova lista de classificação de serviço referente ao ano de 1995.
e) Como se pode extrair do acórdão do STA de 1 de Julho de 1999 (recurso n.º 39 957), 'não é susceptível de recurso contencioso (mesmo na parte desfavorável) o despacho que concede provimento parcial ao recurso hierárquico do acto homologatório da lista de classificação final. Fazendo regressar o procedimento à fase de elaboração da lista classificativa, esse despacho assume a natureza de acto preparatório do acto final do concurso'.
f) O acto impugnado apresenta-se despido de lesividade imediata, pelo que a efectividade da tutela jurisdicional não justifica o sacrifício do princípio da impugnação unitária.
g) As conclusões insertas nas alíneas antecedentes não ofendem os preceitos constitucionais invocados pelo recorrente, máxime os artigos 13.º, 18.º e 168.º, n.º 4, da CRP."
Cumpre decidir.
3 - Está em causa a dimensão interpretativa conferida ao preceito ínsito no § 4.º do artigo 57.º do RSTA segundo a qual constitui manifesta ilegalidade a interposição de um recurso contencioso da parte de um acto administrativo, praticado em sede de recurso hierárquico, em que se nega provimento a um dos fundamentos deste, conce dendo-se, porém, provimento noutra parte e, em consequência, anulando-se o acto hierarquicamente recorrido e o procedimento que a ele conduziu, e tendo ainda em consideração que o decidido quanto ao não provimento de um dos fundamentos daquele recurso hierárquico não constitui caso resolvido para efeitos de futura impugnação contenciosa do acto que venha, posteriormente, a ser praticado pelo superior hierárquico.
Segundo o recorrente, uma tal interpretação viola o direito a uma decisão judicial em prazo razoável, assim se postergando o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, e, igualmente, viola os princípios da separação de poderes e da independência dos tribunais.
Será assim?
Adianta-se já que deve ser dada resposta negativa a tal questão.
4 - Na verdade, não se vê em que é que uma tal dimensão interpretativa possa contender com o princípio da obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável.
Aquele princípio, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da vigente versão da lei fundamental (e que, por alguma doutrina, já antes da actual redacção da Constituição era algo que decorria do direito de acesso aos tribunais - assim, v. g., Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, 3.ª ed., p. 163), aponta para que, quando os cidadãos recorram aos tribunais para defenderem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, venham a obter, da parte destes órgãos de administração de justiça, uma decisão sem dilações indevidas, ou seja, um pronunciamento, sobre a acção ou recurso que intentaram ou interpuseram, dentro de um prazo razoável e proporcionado à complexidade do processo, designadamente dentro dos prazos que se encontrarem estabelecidos para a formação e proferimento da decisão nas cabidas leis processuais.
Se isto é assim, não é concebível que, se a providência judiciária solicitada, efectivamente, veio a ser proferida nesses lapsos temporais, se esgrima com o argumento de que a circunstância de a decisão judicial não acolher parte da pretensão do impugnante ou de ter perfilhado o entendimento segundo o qual essa pretensão se afigurava inútil ou ilegal, porque a alegada lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos em causa ainda se não verificara ou era passível de vir a ser apreciada em acção posterior, a intentar após a efectivação da lesão, vai redundar num diferimento da apreciação que se quis submeter ao veredicto do tribunal.
E não é concebível, desde logo porque, quanto à segunda das elencadas situações, a decisão judicial - como, aliás, no caso sucedeu - se estribou na consideração de que ainda não tinha ocorrido a lesão cuja reparação se pedia ao órgão judiciário.
4.1 - Se atentarmos na situação originadora do processo de onde emanou o presente recurso, o acto impugnado concedeu provimento ao recurso hierárquico do acto homologatório praticado pelo inferior hierárquico da classificação de serviço do recorrente. Esse provimento, porém, fundou-se na circunstância de haver sido preterida uma formalidade essencial, justamente a que consistia na audição do interessado, não considerando, todavia, procedente uma outra preterição de formalidades, invocada pelo recorrente, e que se consubstanciaria em não ter sido subscrita pelos dois notadores a resposta à reclamação que, pelo notando/recorrente, foi apresentada. Em consequência, determinou o acto recorrido a anulação de todo o procedimento classificativo a partir do relatório da comissão paritária.
Segundo o acórdão em crise, os efeitos do acto de provimento do recurso hierárquico serão os de fazer desaparecer a decisão do subalterno e, assim, a homologação da classificação, reabrindo-se o procedimento com a audição do interessado/recorrente.
Nesta postura, facilmente se concluirá que, aquando dessa audição, aquele interessado pode, uma vez mais, brandir com a circunstância de a anterior resposta dos notadores não ter sido subscrita por todos eles e, no caso de não acolhimento desse ponto de vista e, ainda, no caso de a sua classificação de serviço vir a ser homologada em desarmonia com óptica do mesmo recorrente, a ele é permitida a impugnação hierárquica e, posteriormente, a não ser deferido o recurso gracioso, a impugnação contenciosa, fundada, inter alia, na preterição das formalidades que não foram, no acto primitivamente impugnado no recurso, tidas por procedentes.
Não há, pois, e por isso, qualquer vislumbre de ofensa ao artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, uma vez que a via de impugnação do acto da Administração que vier a ser praticado continua totalmente em aberto.
Por outro lado, quer na impugnação contenciosa originadora do presente recurso, quer na eventual impugnação contenciosa que porventura venha a ser instaurada, a ocorrer aquele circunstancialismo, é direito do recorrente obter dos órgãos jurisdicionais uma decisão em tempo razoável. Se a obteve na primeira, não é do facto de nela se ter considerado que não haveria que curar do não acolhimento, por banda do acto impugnado, de um dos fundamentos do recurso hierárquico, já que o respectivo provimento inculcava a inexistência de um acto lesivo dos direitos do recorrente, que se poderá retirar que este não obteve o pronunciamento de uma decisão judicial em prazo útil.
E daí que se não possa falar que, em casos como o presente, não esteja assegurada a prolação de uma decisão judicial tomada em prazo razoável.
5 - Aduz ainda o recorrente o argumento segundo o qual o sentido normativo em análise contraria os princípios constitucionais da separação de poderes e da independência dos tribunais, já que "sempre seria possível à Administração fugir ao escrutínio judicial, alegando, em sede de recurso hierárquico, verdadeiros ou supostos vícios de forma [...], deixando na sombra outros vícios de maior gravidade que não poderiam ser contenciosamente impugnados", desta sorte autolimitando os poderes cognitivos do tribunal.
É evidente a falência de um tal argumento.
Na realidade, em primeiro lugar, se é dado provimento a um recurso hierárquico, obviamente que se não mantém a lesividade dos direitos ou interesses legalmente protegidos do impugnante levada a efeito pelo acto praticado pelo subalterno. E se, na sequência de um tal provimento, o subalterno vier a manter a anterior decisão, já não obviamente com fundamento na circunstância que ditou a anterior anulação, pois que o primitivo acto padecia do vício declarado pelo superior hierárquico, mas sim com base naqueloutra circunstância, portadora do vício que não foi declarado pelo superior, é por demais claro que se não cerram as portas ao interessado para esse vício ser novamente posto em crise perante o superior e, no caso de não ser dado atendimento ao novo recurso hierárquico, ser o acto praticado por este submetido à apreciação jurisdicional.
Assim, em nada ficam limitados os poderes de sindicância pelos tribunais, e não é a vontade da Administração que vai condicionar estes ou pôr em causa a independência que dos mesmos é apanágio.
E daí que não se possa dizer, como o faz o recorrente, que, deste modo, é a Administração a seleccionar o vício que há-de ser submetido à apreciação do tribunal, retirando-lhe a possibilidade de conhecimento de outros, porventura menos abonatórios da sua actuação, sendo de assinalar que, de todo o modo, releva a circunstância de que, enquanto se mantiver a anulação, ditada hierarquicamente, do acto do inferior, ainda se não manifestou a lesividade do acto potencialmente lesivo dos direitos ou interesses do administrado.
6 - Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
4 de Junho de 2002. - Bravo Serra (relator) - Guilherme da Fonseca - Paulo Mota Pinto - José Manuel Cardoso da Costa.