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Acórdão 194/2001/T, de 17 de Julho

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Texto do documento

Acórdão 194/2001/T. Const. - Processo 726/2000. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Maria da Graça Macedo Antunes deduziu embargos à falência decretada por sentença do 3.º Juízo Cível da Comarca de Braga. Nesses embargos, suscitou desde logo a questão de inconstitucionalidade orgânica dos artigos 147.º e 149.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (abreviadamente designado CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril.

Após contestação do embargado BANIF - Banco Internacional do Funchal, S. A., e porque as questões suscitadas pelas partes dispensavam a produção de prova, foi proferida decisão, datada de 2 de Fevereiro de 2000, que julgou improcedentes os embargos deduzidos e manteve a sentença que decretara a falência.

Inconformada, a embargante interpôs recurso de apelação desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas suas alegações, continuou a suscitar a questão de inconstitucionalidade orgânica daquelas normas.

Admitido o recurso, e juntas as contra-alegações do embargado, os autos subiram ao Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por Acórdão de 31 de Outubro de 2000, julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.

2 - Novamente inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da questão de inconstitucionalidade orgânica das normas constantes dos artigos 147.º e 149.º do CPEREF.

Admitido o recurso, subiram os autos a este Tribunal, onde a recorrente produziu alegações, que concluiu pela forma seguinte:

"1 - O Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, estabeleceu nos seus artigos 147.º e 149.º uma regulamentação que exorbita a autorização que lhe foi concedida, pelo que padece de inconstitucionalidade orgânica.

2 - O mesmo foi elaborado pelo Governo, no uso de autorização legislativa concedida pela Assembleia da República, nos termos dos artigos 164.º, alínea e) [actualmente artigo 161.º, alínea d)], e 168.º, n.º 1, alíneas b), c), i) e s) [actualmente artigo 165.º, alíneas b), c), i) e q)], da Constituição.

3 - Dispõe o artigo 4.º da lei de autorização (Lei 16/92): 'Fica o Governo autorizado a determinar a inibição do falido, ou, no caso de sociedade ou de pessoa colectiva, dos seus administradores para o exercício do comércio, incluindo a possibilidade de ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação privada de actividade económica ou empresa pública.' (Itálico nosso.)

4 - O artigo 147.º do CPEREF dispõe que: 'A declaração de falência priva imediatamente o falido [...] da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes ou futuros que passam a integrar a massa falida [...]'

5 - Por seu lado, o artigo 149.º estabelece: 'O falido e, no caso de sociedade ou pessoa colectiva, os seus administradores são obrigados a apresentar-se pessoalmente no tribunal [...], a fim de prestarem os esclarecimentos necessários.'

6 - Confrontando o teor destes dois artigos com a disposição que concedeu autorização legislativa ao Governo, conclui-se que a regulamentação constante daqueles artigos não cabe no âmbito do artigo 4.º da Lei 16/92.

7 - Na verdade, o Governo legislou sobre o 'estado e capacidade das pessoas' e sobre 'direitos, liberdades e garantias' (artigo 168.º, actual artigo 165.º da Constituição), matérias essas que são da exclusiva competência da Assembleia, 'salvo autorização ao Governo'.

8 - Repete-se, os artigos 147.º e 149.º do CPEREF estabeleceram limitações relativas à pessoa do falido, limitações essas que afectam o seu estado e capacidade e os seus direitos, liberdades e garantias (privação da administração e poder de disposição dos seus bens e obrigação de apresentação no tribunal).

9 - E tal exorbita claramente o âmbito da autorização concedida pela Assembleia, a qual se referia, unicamente, à 'inibição [...] para o exercício do comércio'."

Por sua vez, o recorrido BANIF, nas suas contra-alegações, concluiu pela improcedência do recurso. Entendeu aí:

"Na verdade, como bem se decidiu no douto acórdão recorrido, as disposições do CPEREF que a recorrente reputa de inconstitucionais contêm-se na autorização legislativa n.º 16/92 de 6 de Agosto.

É que a expressão ou conceito 'inibição do falido' comporta em si mesma, atenta a evolução do processo falimentar no ordenamento jurídico português, a apreensão dos bens do falido e a sua afectação ao pagamento das suas dívidas.

Apreensão e afectação de bens que define e caracteriza juridicamente a própria falência.

Foi pois neste sentido e entendimento do conceito de inibição do falido que foi concedida a autorização legislativa supra-referida ao Governo.

Dela, inibição, se realçando o exercício do comércio pela circunstância de essa proibição poder, ela sim, ferir princípios fundamentais da Constituição relativamente reservados à actividade legislativa da Assembleia da República.

Por último, não se afigura ao recorrente que a obrigatoriedade de apresentação em juízo e a prestação de esclarecimentos necessários pelo falido constitua qualquer violação de princípios constitucionais, máxime os invocados pela recorrida.

Tanto mais porque é obrigação dos cidadãos colaborarem com a boa administração da justiça."

Cumpre, então, decidir.

II - Fundamentos. - 3 - A questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente refere-se, pois, às normas constantes dos artigos 147.º, n.º 1, e 149.º do CPEREF, na medida em que, segundo a recorrente, tais normas dispõem sobre questões atinentes ao estado e capacidade das pessoas e sobre direito, liberdades e garantias, matérias essas da exclusiva competência da Assembleia da República e para as quais o Governo não possuía autorização válida ou bastante que lhe permitisse regulamentar ou legislar.

Tais normas são do seguinte teor:

Artigo 147.º

Limitações resultantes da declaração de falência

1 - A declaração de falência priva imediatamente o falido, por si ou, no caso de sociedade ou pessoa colectiva, pelos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial.

2 - ...

Artigo 149.º

Dever de apresentação

O falido e, no caso de sociedade ou pessoa colectiva, os seus administradores são obrigados a apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo liquidatário, a fim de prestarem os esclarecimentos necessários, salvo a ocorrência de legítimo impedimento ou expressa permissão de se fazerem representar por mandatário."

Por sua vez, o artigo 4.º da Lei 16/92, de 6 de Agosto - lei que autorizou o Governo a legislar sobre os processos especiais de recuperação das empresas e de falência -, estabelece:

"Fica o Governo autorizado a determinar a inibição do falido ou, no caso de sociedade ou pessoa colectiva, dos seus administradores, para o exercício do comércio, incluindo a possibilidade de ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação privada de actividade económica ou empresa pública."

4 - Sobre semelhante questão de inconstitucionalidade orgânica, ainda que em concreto reportada a outras normas do CPEREF [a do artigo 129.º, n.º 1, alínea a), e a do artigo 228.º], se debruçou já este Tribunal, no seu Acórdão 479/98 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 40.º, pp. 491 e segs.); embora nesse aresto a questão se reportasse a pessoa colectiva, não deixou o Tribunal de desde logo antever algumas considerações pertinentes à situação das pessoas singulares, pela forma seguinte:

"E, se da declaração de falência porventura decorressem, para pessoas singulares, determinados efeitos com incidência na sua capacidade, nem por isso o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, quanto a esse particular, poderia ser visto como padecendo de vício de desconformidade orgânica com a Constituição, tendo em conta o que se dispõe no artigo 4.º da Lei 16/92, de 6 de Agosto, segundo o qual ficava o Governo autorizado 'a determinar a inibição do falido ou, no caso de sociedade ou pessoa colectiva, dos seus administradores, para o exercício do comércio, incluindo a possibilidade de ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial, associação privada de actividade económica ou empresa pública'.

[...] Por último, [...] o dever de apresentação (no caso releva o respeitante aos administradores da pessoa colectiva declarada falida) pessoal no tribunal para prestar os necessários esclarecimentos, sempre que isso seja determinado pelo juiz ou pelo liquidatário, a que se reporta o artigo 149.º, também não é inserível em matéria que contenda ou afecte o estado e capacidade desses administradores. Por essas razões, a argumentação deduzida pela recorrente neste particular revela-se inapropriada para justificar o vício de inconstitucionalidade que assaca à norma que ora se aprecia (cf., sobre o ponto, Oliveira Ascenção, 'Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido', in Revista da Ordem dos Advogados, ano 55, Dezembro de 1995, pp. 641 a 688, e Luís Carvalho Fernandes, 'Efeitos substantivos da declaração de falência', estudo publicado na Revista de Direito e Justiça, pp. 19 a 49).

[...] Seja como for, aquela norma é, visivelmente, uma norma de estrito âmbito processual, não contendendo, sequer, com qualquer limitação da capacidade da pessoa colectiva falida ou com os direitos e vinculações que os respectivos administradores, perspectivados como pessoas individuais, possam, ou não, exercer, afora a consequência prevista no n.º 1 do artigo 148.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, plenamente autorizada a ser editada num diploma de origem governamental pelo artigo 4.º da Lei 16/92.

Ora, aquele âmbito processual, até porque não se insere de modo imediato e directo numa adjectivação de 'institutos' ou matérias verdadeiramente substantivas que tenham a ver com questões ligadas, qualquer reflexo sobre a já mencionada medida de direitos e vinculações que alguém, pessoalmente, possa exercer e cumprir, afastaria, numa visão de primeira linha, a necessidade da edição da norma pelo órgão parlamentar, fundada na sua reserva relativa de competência [e isto, claro está, independentemente de se saber se, estando em causa, por exemplo, matérias ínsitas na alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, a reserva parlamentar há-de abranger somente as suas regras materiais, ou também as regras que aquelas adjectivem]."

5 - Pois bem, e antes de mais, as normas em causa não se mostram inovadoras nem representam qualquer alteração face ao anterior regime, antes consagram aspectos tradicionalmente aceites.

Com efeito, e à semelhança do que já no Código de 1939 se consagrava, o Código de Processo Civil de 1961 dispunha no seu artigo 1189.º, sob a epígrafe "Inibição do falido":

"1 - A declaração da falência produz a inibição do falido para administrar e dispor de seus bens havidos ou que de futuro lhe advenham [...]"

E o artigo 1193.º, por seu lado, impunha o dever de apresentação pessoal do falido em tribunal sempre que tal fosse determinado "pelo juiz ou pelo síndico, a fim de prestar todos os esclarecimentos [...]".

Estes preceitos apenas foram revogados pelo artigo 9.º do Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, que aprovou o CPEREF - do qual constam as normas que precisamente os substituíram e cuja inconstitucionalidade vem suscitada, pois que as diversas intervenções legislativas no âmbito do direito falimentar, que foram sucessivamente publicadas após 1976, se debruçaram sobre outros aspectos, nomeadamente os relativos à recuperação de empresas, não se tendo verificado qualquer revogação das referidas normas do Código de Processo Civil.

Assim, para além de se poder, desde logo, entender que estas normas - como se afirmou, de resto, no transcrito Acórdão 479/98 - revestem natureza processual, a verdade é que, ainda que se considere que elas regulam, numa determinada perspectiva, direitos, liberdades ou garantias (sobre a natureza e conteúdo da inibição do falido, v. Oliveira Ascensão, "Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido", in Revista da Ordem dos Advogados, ano 55, Dezembro de 1995, pp. 647 a 652, e Luís Carvalho Fernandes, "O novo regime da inibição do falido para o exercício do comércio", in Direito e Justiça, vol. XIII, t. 2, 1999, pp. 7 a 13), não assumem elas qualquer carácter inovatório, o que afasta a respectiva inconstitucionalidade orgânica (limitam-se a reproduzir soluções jurídicas já constantes de outras normas que foram revogadas pelo mesmo diploma legal em que elas se inserem).

Aliás, sempre haveria de concluir-se pela suficiência da autorização legislativa constante do artigo 4.º da Lei 16/92, de 6 de Agosto, para a edição das normas questionadas, pois o que nelas se determina corresponde a mera regulamentação do instituto da inibição do falido, em forma em tudo semelhante ao regime já anteriormente vigente, que o legislador parlamentar não pretendeu seguramente que viesse a ser alterado.

Não pode, pois, proceder a invocada inconstitucionalidade orgânica.

III - Decisão. - 6 - Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.

Lisboa, 8 de Maio de 2001. - Luís Nunes de Almeida (relator) - Artur Maurício - Vítor Nunes de Almeida - Maria Helena Brito - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2037226.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1992-08-06 - Lei 16/92 - Assembleia da República

    AUTORIZA O GOVERNO A LEGISLAR RELATIVAMENTE AOS PROCESSOS ESPECIAIS DE RECUPERAÇÃO DAS EMPRESAS E DE FALÊNCIA, VISANDO A CRIAÇÃO DE UM REGIME FISCAL MAIS FAVORÁVEL A RECUPERAÇÃO FINANCEIRA DE EMPRESAS ECONOMICAMENTE VIÁVEIS. FICA O GOVERNO AUTORIZADO A ALTERAR O CODIGO PENAL.

  • Tem documento Em vigor 1993-04-23 - Decreto-Lei 132/93 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, visando auxiliar as empresas nacionais em dificuldades financeiras, mas economicamente viáveis. Altera também o Código de Processo Civil, o Estatuto Judiciário, o Código das Custas Judiciais, o Código Penal e o Código de Processo Tributário, bem como demais legislação avulsa.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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