Resolução do Conselho de Ministros n.º 160/2006
O Programa do Governo inclui o compromisso de rever o Código do Trabalho com base na avaliação dos efeitos da legislação aprovada pela Assembleia da República em 2003 e estipula que essa avaliação será cometida a uma comissão de peritos de reconhecida competência.
Trata-se de uma tarefa da maior importância, já que é indispensável que Portugal disponha de uma legislação laboral que compatibilize, actualizada e adequadamente, os direitos e os deveres no mundo do trabalho com os imperativos da cidadania plena dos trabalhadores e com as exigências da competitividade empresarial.
A legislação do trabalho portuguesa é, desde há décadas, frequentemente caracterizada como um sistema excessivamente rígido, que dificultaria a adaptação das empresas aos ciclos económicos, que beneficiaria algumas formas de emprego em detrimento de outras e que, consequentemente, criaria obstáculos desnecessários à inovação empresarial e social.
De facto, a avaliação da legislação laboral que vem sendo regularmente publicada por organizações internacionais como a OCDE e o Banco Mundial coloca Portugal numa posição extrema quanto à rigidez das normas legais sobre contratação e despedimento de trabalhadores, bem como sobre gestão do tempo de trabalho.
Porém, embora esse facto seja frequentemente negligenciado quando se avalia o grau de rigidez do quadro legal vigente, é igualmente conhecido que Portugal se conta entre os Estados membros da UE com mais elevadas taxas de emprego atípico e de trabalho por conta própria.
Acresce que quer os níveis de emprego e de desemprego quer a composição estrutural do emprego e do desemprego ao longo dos ciclos económicos mostram que a sociedade portuguesa dispõe de capacidades de adaptação que, muito embora tenham efeitos perversos conhecidos, seriam dificilmente explicáveis se as relações laborais não fossem, de facto, menos rígidas do que o que decorreria da leitura simplista dos indicadores.
Porém, o quadro global acima sintetizado indica que existem restrições legais da flexibilidade, externa e interna, das empresas que coexistem quer com restrições normativas ao pleno reconhecimento e utilização das competências profissionais dos trabalhadores quer com efectivas dificuldades destes em se adaptarem às mudanças económicas e sociais de que dependem os seus empregos presentes e futuros e com manifestas dificuldades de conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar.
Por último, é bem sabido que, com o crescimento dos tipos de contrato de trabalho e com o recurso crescente das empresas a novas formas de emprego e de trabalho, diminui a clareza da fronteira que, tradicionalmente, separava o emprego subordinado por conta de um só empregador do trabalho independente e economicamente autónomo.
Após três anos de existência do Código do Trabalho, é possível e necessário realizar uma avaliação do seu impacte social e económico, tendo por referência os problemas que se exprimem no triângulo adaptabilidade/empregabilidade/contratualidade.
Numa primeira iniciativa, tomada em consonância com o compromisso assumido no seu Programa e na sequência do acordo tripartido alcançado em sede de concertação social, o Governo submeteu à Assembleia da República uma proposta de lei visando a revisão do Código do Trabalho em algumas das suas disposições, com especial relevo para as que se referem à necessidade de superação dos bloqueios à contratação colectiva.
A legislação aprovada pela Assembleia da República consubstancia uma intervenção ditada por maior premência, já que o regime do Código foi acompanhado de uma redução nítida da cobertura contratual colectiva, possibilitando a criação de vazios contratuais.
Assim, além do aperfeiçoamento das regras sobre o processo negocial e os meios de solução pacífica dos conflitos colectivos, regulou-se em novos moldes a arbitragem obrigatória, nomeadamente em termos de a tornar efectivamente exequível, o que até agora não sucedia.
Cumprida esta primeira fase, o Governo promoveu a caracterização do sistema de relações laborais e a análise dos seus principais problemas, do que resultou a publicação do Livro Verde sobre as Relações Laborais, cujo período de debate público se aproxima do seu termo.
Há, portanto, que prosseguir a metodologia, constante do Programa do Governo, de reforma fundamentada do sistema de relações laborais, criando uma comissão de peritos capaz de realizar o estudo das diversas alternativas e de propor ao Governo as medidas que, no plano legislativo e com respeito pelos princípios que enformam o Programa do Governo, garantam a plena adequação do Código do Trabalho aos objectivos de modernização das relações laborais no nosso país, conjugando a competitividade das empresas e da economia com os direitos de cidadania de quem trabalha.
Assim:
Ao abrigo do disposto no artigo 28.º da Lei 4/2004, de 15 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei 51/2005, de 30 de Agosto, e nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Criar, na dependência do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, a estrutura de missão denominada «Comissão do Livro Branco das Relações Laborais», adiante abreviadamente designada por Comissão.
2 - A Comissão tem a missão de reavaliar o quadro legal vigente e propor alterações com vista à promoção do emprego, à redução da segmentação do sistema de emprego, à mobilidade protegida entre os diferentes tipos de contrato de trabalho e de actividade profissional, ao desenvolvimento da adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas à mudança económica e social e ao fomento da contratualidade.
3 - No cumprimento da missão que lhe é cometida, compete à Comissão, nomeadamente:
a) Propor a redefinição das relações entre a lei, as convenções colectivas de trabalho e os contratos individuais de trabalho susceptíveis de promover os objectivos definidos no número anterior;
b) Propor alterações com vista à promoção da flexibilidade interna das empresas e à melhoria das possibilidades de conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar de todos os que trabalham para a empresa, bem como à promoção da igualdade de género;
c) Propor medidas de desburocratização e simplificação do relacionamento entre as empresas e os trabalhadores, e de uns e de outros com a Administração Pública;
d) Propor a definição do objectivo e do conteúdo dos instrumentos legislativos necessários à execução das medidas propostas;
e) Caracterizar os instrumentos necessários à monitorização e ao controlo da execução das medidas propostas.
4 - A Comissão dispõe de plena autonomia técnica e científica, podendo, designadamente, para o desempenho das funções que lhe são cometidas:
a) Obter dos serviços públicos todas as informações e documentação neles disponíveis relacionadas com o seu mandato;
b) Recolher a opinião de especialistas e personalidades, de instituições, de parceiros e de organizações económicas e sociais sobre as medidas a adoptar;
c) Convidar outros especialistas, nacionais ou estrangeiros, a participar nos seus trabalhos e organizar missões de estudo em Portugal e no estrangeiro, de acordo com termos de referência a aprovar por despacho do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
5 - O mandato da Comissão tem a duração de 12 meses contados a partir da data da sua tomada de posse, extinguindo-se com a conclusão dos respectivos trabalhos.
6 - A Comissão deve apresentar um relatório de progresso até ao termo dos primeiros seis meses do seu mandato.
7 - O resultado dos trabalhos da Comissão será consubstanciado num relatório final que conterá o diagnóstico da situação, com a identificação dos principais problemas e as propostas de intervenção legislativa tidas por adequadas pela Comissão, bem como a estimativa das implicações económicas, sociais, financeiras e institucionais das medidas propostas.
8 - Os serviços a quem a Comissão solicitar apoio têm o dever de colaboração na prestação em tempo útil das informações, opiniões e pareceres em matérias das suas atribuições.
9 - Constituem a Comissão:
a) Presidente - António de Lemos Monteiro Fernandes;
b) Relator - António Maria Bustorff Dornelas Cysneiros;
c) Vogais:
António Manuel Carvalho Casimiro Ferreira;
João José Garcia Correia;
Júlio Manuel Vieira Gomes;
Manuel Eugénio Pimentel Cavaleiro Brandão;
Maria da Conceição Santos Cerdeira;
Mário José Gomes de Freitas Centeno;
Pedro de Sá-Carneiro Furtado Martins;
A directora-geral de Estudos, Estatística e Planeamento;
O director-geral do Emprego e das Relações de Trabalho;
O inspector-geral do Trabalho;
O presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.
10 - A actividade desenvolvida pelos membros da Comissão enquanto tais reveste-se de interesse público, nomeadamente para efeito de ponderação no quadro de regime de justificação de faltas.
11 - O trabalho da Comissão é remunerado, salvo para os membros que por lei ou contrato de trabalho estejam impedidos de acumular esta remuneração.
12 - Ao presidente da Comissão é atribuída a remuneração mensal correspondente a 50% do índice 100 do pessoal dirigente, auferindo o relator, que substitui o presidente nas suas faltas e impedimentos, remuneração igual a 75% da remuneração do presidente e os vogais remuneração igual a 50% da remuneração do presidente, podendo as respectivas funções ser exercidas em regime de acumulação.
13 - Aos membros da Comissão que residem fora de Lisboa são abonadas, nos termos da lei geral, ajudas de custo e encargos de deslocação para a participação nos trabalhos da Comissão.
14 - O presidente da Comissão pode designar, de entre os vogais da Comissão, até mais dois relatores, a quem fica atribuída a remuneração prevista para o desempenho de tais funções.
15 - O presidente, o relator e os vogais que o presidente tenha designado como relatores constituem o secretariado executivo da Comissão.
16 - Os encargos orçamentais decorrentes do previsto na presente resolução são suportados por verbas do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P., o qual assegurará o apoio administrativo e logístico ao funcionamento da Comissão.
17 - A presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação em Conselho de Ministros.
Presidência do Conselho de Ministros, 2 de Novembro de 2006. - O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.