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Acórdão 120/2002/T, de 15 de Maio

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Texto do documento

Acórdão 120/2002/T. Const. - Processo 599/2000. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Em 18 de Janeiro de 2000, Luís Filipe Anacleto Rocha foi condenado pelo Tribunal Judicial da Comarca das Caldas da Rainha na pena única de 18 meses de prisão, suspensa, e em 15 dias de multa, a 700$ diários, pela prática respectiva dos crimes de tráfico de droga de menor gravidade e de consumo.

O Ministério Público, inconformado com esta decisão, interpôs recurso da mesma, na parte respeitante à execução da pena e respectiva suspensão, concluindo nos seguintes termos:

"I - Tendo o arguido condenação anterior em pena de prisão efectiva e não tendo projecto de vida e emprego nem capacidade de censura e disponibilidade para a mudança, não deve ser suspensa a pena de prisão pela prática de novo crime de igual natureza.

II - O acórdão recorrido violou o artigo 50.º do Código Penal."

Por Acórdão de 4 de Maio de 2000, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou este recurso, com os seguintes fundamentos:

"Quanto ao recurso do acórdão final, há que dizer que o mesmo versa apenas uma questão de direito, pois põe-se em causa a suspensão da execução da pena de prisão. Ora, versando unicamente matéria de direito, as conclusões têm de indicar, sob pena de rejeição do recurso, os elementos referidos no n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. Em cumprimento deste dispositivo, o recorrente limitou-se a indicar como norma jurídica violada o artigo 50.º do Código Penal. Porém, o recorrente não indicou o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou a norma violada ou com que a aplicou nem o sentido em que devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada.

E isto viola o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, o que implica a rejeição do recurso."

Considerou ainda que o recurso interlocutório, interposto pelo Ministério Público em 14 de Janeiro de 2000, referente ao despacho que revogou a prisão preventiva aplicada ao arguido, sujeitando-o a termo de identidade e residência, deveria subir em separado, sendo do conhecimento do Tribunal da Relação.

2 - Inconformado, o Ministério Público, em 17 de Maio de 2000, veio arguir a nulidade deste acórdão, com os seguintes fundamentos:

"1.º Decidiu-se naquele douto aresto 'que o recurso interlocutório sobe para o Tribunal da Relação de Lisboa, imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, devendo o mesmo ser instruído na 1.ª instância com a certidão das peças referidas a fls. 137.'

2.º Sucede, porém, que tal questão não constitui objecto de recurso nem foi, a qualquer título, submetida à apreciação deste Supremo Tribunal.

3.º Na realidade, de acordo com o preceituado no n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, 'havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse.'

4.º Ora, da leitura singela das conclusões do recurso dirigido a este Supremo Tribunal extrai-se que o recorrente Ministério Público não indicou aquele recurso interlocutório como mantendo interesse na sua apreciação.

5.º E, se assim é, não pode deixar-se de entender-se esse seu silêncio como uma desistência, com os mesmos efeitos da expressamente prevista no artigo 415.º do Código de Processo Penal.

6.º De que decorre, salvo melhor opinião, que o referido recurso interlocutório já não pode ser objecto de conhecimento quer por este Supremo Tribunal quer pelo Tribunal da Relação.

7.º Assim, tendo o douto Acórdão de 4 de Maio de 2000 deste Supremo Tribunal conhecido do aludido recurso interlocutório, incorreu o mesmo na nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do C.P. Penal."

Para além de arguir a nulidade do acórdão em causa, o Ministério Público pediu ainda a sua aclaração, invocando o seguinte:

"8.º No douto aresto aclarando, reconhecendo-se embora que o recorrente indicou a norma jurídica violada pela decisão recorrida - artigo 50.º do Código Penal.

9.º Considerou-se, porém, que não foi dado cumprimento ao disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, pois 'o recorrente não indicou o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou a norma violada ou com que a aplicou nem o sentido em que devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada.'

10.º No caso em apreciação, todavia, a questão de direito suscitada no recurso não se prendia com o sentido da interpretação/aplicação da norma jurídica violada.

11.º Mas tão-só com a aplicação ou não aplicação da mesma norma.

12.º Ou seja, o tribunal aplicou o artigo 50.º do Código Penal.

13.º E o recorrente entende que o tribunal não devia tê-lo aplicado.

14.º Assim, não compreende o requerente nem, salvo o devido respeito, tal flui do douto aresto aclarando, qual o sentido e alcance da exigência nele formulada.

15.º Sendo certo que, tal como se apresenta na douta decisão aclaranda, a interpretação nela feita acerca do artigo 412.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal representa-se como inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, garantia do direito ao recurso."

Por Acórdão de 6 de Julho de 2000, o Supremo Tribunal de Justiça, no que diz respeito ao recurso interlocutório e pedido de declaração de nulidade, pronunciou-se no sentido de que "só a Relação decidirá se deve, ou não, conhecer de tal recurso, nomeadamente face ao disposto no artigo 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal [...] É óbvio que este Supremo Tribunal não conheceu do recurso interlocutório, pelo que não cometeu a nulidade de excesso de pronúncia".

No que diz respeito ao pedido de aclaração formulado pelo Ministério Público, o mesmo foi indeferido, com os seguintes fundamentos:

"[...] o que a Exma. Magistrada impugnante vem manifestar é, antes, a sua discordância quanto ao decidido a respeito da aplicação, in casu, do artigo 412.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.

Assim, no acórdão decidiu-se que este normativo não foi cumprido, e a ilustre magistrada entende que, no presente caso, não é exigível tal cumprimento. Logo, a reacção própria não é o pedido de aclaração, mas sim o recurso, se for admissível."

3 - Em 26 de Julho de 2000, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Maio, "na parte em que rejeitou o recurso com o fundamento de o recorrente não ter dado cumprimento à norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, uma vez que o mesmo não indicou o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou a norma violada ou com que a aplicou nem o sentido em que devia ter sido interpretada ou que com devia ter sido aplicada".

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto em funções neste Tribunal concluiu as suas alegações nos seguintes termos:

"1.º É inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consignado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa do artigo 412.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal que se traduza em facultar ao tribunal ad quem a liminar rejeição do recurso, quando considere que o recorrente não especificou, nas conclusões da motivação, os sentidos normativos ali previstos, sem lhe facultar previamente o suprimento de tais deficiências formais.

2.º Padece ainda de inconstitucionalidade a interpretação de tal exigência legal que assente em critérios de índole desproporcionadamente formalista, desligando a avaliação do cumprimento adequado de tal ónus pelo recorrente de um critério de natureza funcional, ligado decisivamente não aos termos literais utilizados nas conclusões mas à enunciação, intelegível e concludente, de uma verdadeira questão de direito, ligada ao momento aplicativo de certa norma ou preceito legal, e susceptível de integrar os poderes cognitivos e decisórios de um tribunal de revista."

Notificado para se pronunciar, querendo, sobre estas alegações, o recorrido veio manifestar a sua adesão a elas.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - 3 - O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que o seu conhecimento requer, designadamente, que a inconstitucionalidade da norma impugnada tenha sido suscitada durante o processo, que esta tenha sido aplicada na decisão recorrida, e que tenham sido esgotados os recursos ordinários.

Sendo evidente o preenchimento deste último requisito, importa, porém, precisar o sentido da norma aplicada na decisão recorrida, e cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada.

Nos termos do respectivo requerimento, o recurso foi interposto de decisão que rejeitou o recurso com o fundamento de o recorrente não ter dado cumprimento à norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, uma vez que o mesmo "não indicou o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou a norma violada ou com que a aplicou nem o sentido em que devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada", quando estava apenas em questão no dito recurso a aplicação ou não aos factos de uma norma (o artigo 50.º do Código Penal, que prevê os pressupostos da suspensão de execução da pena de prisão), e não uma sua interpretação (e consequente aplicação) num determinado sentido.

Nem no requerimento de recurso nem no pedido de aclaração da decisão recorrida se refere como integradora da dimensão normativa cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada a necessidade de concessão ao recorrente da oportunidade processual de (de convite para) suprir a aludida divergência.

É certo - notar-se-á - que o tribunal recorrido aplicou a norma do artigo 412.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal com o sentido de prever um imediato e irremediável efeito preclusivo (a rejeição do recurso), sem conceder ao recorrente aquela oportunidade de suprimento. Todavia, não é nessa específica dimensão norma tiva - a da necessidade do convite para aperfeiçoamento - que o recorrente pretende ver apreciada a norma em causa, mas sim na da própria previsão, para casos como o presente (em que estava apenas em questão a aplicação, ou não, da norma), do efeito cominatório consistente na rejeição do recurso.

É o que - pese embora a determinação da dimensão normativa em causa nas alegações produzidas pelo Exmo. Procurador-Geral-Adjunto em funções neste Tribunal, por forma a incluir a necessidade de convite para aperfeiçoamento - resulta não só do teor do requerimento de recurso como, também, do próprio pedido de aclaração da decisão de rejeição de recurso, dos quais resulta que o recorrente considera inaplicável ao caso e, portanto, sem possibilidade de satisfação, mesmo se lhe fosse concedida oportunidade processual para o fazer, a exigência de indicação do sentido com que o tribunal recorrido interpretou a norma do artigo 50.º do Código Penal ou com que a aplicou, bem como do sentido com que devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, pois apenas estava em questão a aplicação ou não aplicação da norma aos factos. Como se dizia naquele pedido de aclaração:

"10.º No caso em apreciação, todavia, a questão de direito suscitada no recurso não se prendia com o sentido da interpretação/aplicação da norma jurídica violada.

11.º Mas tão-só com a aplicação ou não aplicação da mesma norma.

12.º Ou seja, o tribunal aplicou o artigo 50.º do Código Penal.

13.º E o recorrente entende que o tribunal não devia tê-lo aplicado.

14.º Assim, não compreende o requerente nem, salvo o devido respeito, tal flui do douto aresto aclarando, qual o sentido e alcance da exigência nele formulada." (Itálico aditado.)

Entende-se, pois, que não está em causa, na dimensão normativa questionada no presente recurso, a necessidade de um convite para aperfeiçoamento que formule exigências que se consideram sem sentido, ou inaplicáveis ao caso, mas apenas a cominação do efeito de rejeição do recurso para o não cumprimento de tais exigências - isto é, para a não indicação do sentido com que o tribunal a quo interpretou a norma violada ou com que a aplicou, e do sentido com que devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, quando estava apenas em questão a aplicação ou não aplicação de tal norma.

4 - A norma referida foi, sem dúvida, aplicada na decisão recorrida. A sua constitucionalidade não foi, porém, impugnada "durante o processo", entendido este requisito no sentido (não formal, mas funcional) com que a jurisprudência deste Tribunal o determinou. Ou seja, num sentido tal que, como se lê no Acórdão 352/94 (in Diário da República, 2.ª série, de 6 de Setembro de 1994), a suscitação da inconstitucionalidade "haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão", isto é, "antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita". E "deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura e ambígua, há-de entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade" (cf., ainda, de entre tantos outros, os Acórdãos n.os 94/88 e 90/85, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 22 de Agosto de 1988 e de 11 de Julho de 1985).

Todavia, como este Tribunal também tem salientado (assim, por exemplo, no citado Acórdão 352/94), tal situação sofre restrições "em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final". É o que acontece também quando, pela natureza insólita ou surpreendente da interpretação (ou da aplicação) da norma em causa efectuada pela decisão recorrida, não era exigível ao recorrente que contasse com ela.

Entende-se que é esta a situação no caso presente - tal como, por exemplo, nos casos dos Acórdãos n.os 74/00 e 56/01 (ainda não publicados), considerando-se como "decisão surpresa", de conteúdo imprevisível para o recorrente, a decisão proferida pelo tribunal recorrido, para rejeição do recurso em causa.

Na verdade, no recurso interposto pelo Ministério Público da decisão da 1.ª instância salientava-se que estava apenas em causa a violação do artigo 50.º do Código Penal pela sua aplicação aos factos provados - designadamente, que "tendo o arguido condenação anterior em pena de prisão efectiva e não tendo projecto de vida e emprego, nem capacidade de censura e disponibilidade para a mudança, não deve ser suspensa a pena de prisão pela prática de novo crime de igual natureza".

O tribunal ad quem decidiu, porém, que era igualmente de exigir, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 412.º, a indicação do "sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada", quando tal sentido interpretativo não era controvertido, confinando-se a divergência à aplicação da norma aos factos em questão (incluindo a valoração da factualidade efectuada).

A interpretação da norma em causa, ao exigir que o recorrente, quando discute apenas a valoração da factualidade e a aplicação da norma a ela, reporte tal divergência a um sentido interpretativo da norma em causa - como que "transformando" a questão em divergência quanto ao sentido da norma - deve ser considerada imprevisível, anómala ou insólita. Não era exigível que o Ministério Público antecipasse tal interpretação, suscitando a inconstitucionalidade da mesma solução. Fê-lo quando formulou o pedido de aclaração da decisão proferida, quando já estava esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido - mas não teve oportunidade processual para, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido, suscitar tal questão de constitucionalidade.

Toma-se, pois, conhecimento do presente recurso, tendo como objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 412.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual permite ao tribunal ad quem rejeitar o recurso por falta de indicação do sentido em que o tribunal recorrido interpretou a norma violada ou com que a aplicou e do sentido com que devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, quando está apenas em questão a aplicação ou não aplicação da norma em questão à factualidade fixada.

5 - Importa começar por relembrar que o presente recurso, que é o meio que o nosso sistema conhece para fiscalização concentrada, em via de recurso, da conformidade constitucional das normas aplicadas pelos tribunais, é restrito à questão de constitucionalidade. Significa isto que não cumpre nesta sede decidir, com independência da questão de constitucionalidade, sobre a interpretação mais adequada - mais próxima da letra da lei, mais conveniente, ou mais favorecida por outros elementos interpretativos - do artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Nem, sequer, pode este Tribunal sancionar determinada interpretação normativa, aplicada na decisão recorrida, apenas porque ela se lhe afigura errada - ou mesmo anómala, insólita ou imprevisível - se em tal dimensão normativa não reconhecer uma violação dos preceitos constitucionais.

Ora, se, no requerimento de recurso, o recorrente impugnou a conformidade constitucional desta norma por confronto com o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição - violação do direito ao recurso -, o Exmo. representante do Ministério Público neste Tribunal sediou antes o problema de constitucionalidade na "violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consignado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa."

É com tais parâmetros que há que confrontar a norma em questão.

6 - Este Tribunal tem, na verdade, considerado inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, diversas interpretações normativas em processo penal (dos artigos 412.º, n.os 1 e 2, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) que ligam a determinadas deficiências formais da motivação do recurso um efeito irremediavelmente preclusivo, sem oportunidade processual para as corrigir.

Assim, entendeu-se que os artigos 412.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal são inconstitucionais quando interpretados no sentido da falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido, sem a formulação de convite ao aperfeiçoamento dessas conclusões (cf. os Acórdãos n.os 193/97 - inédito -, 43/99, in Diário da República, 2.ª série, de 26 de Março de 1999, e 417/99 - inédito -, e 337/00, in Diário da República, 1.ª série-A, de 21 de Julho de 2000, pelo qual se declarou a inconstitucionalidade de tal norma com força obrigatória geral). No Acórdão 288/00 (ainda inédito), num caso em que o tribunal recorrido considerara que a recorrente não havia cumprido o ónus de indicar a norma jurídica violada, bem como o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, julgou-se "inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação normativa do artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que atribui ao deficiente cumprimento dos ónus que nele se prevêem o efeito da imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade processual de suprir o vício detectado". No domínio do processo de contra-ordenação, considerou-se inconstitucional a interpretação dos artigos 59.º, n.º 3, e 63.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, no sentido de que o recurso apresentado sem conclusões ou com falta de indicação das razões do pedido nas conclusões deve ser imediatamente rejeitado, sem que o recorrente seja previamente convidado a suprir a falta (v. os Acórdãos n.os 303/99, 319/99 e - com a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral - 265/01, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 16 de Julho e de 22 de Outubro de 1999, e 1.ª série-A, de 16 de Julho de 2001).

E também determinadas exigências excessivamente formalistas e de consequências desproporcionadas para o recurso foram julgadas inconstitucionais (cf. o Acórdão 275/99, in Diário da República, 2.ª série, de 13 de Julho de 1999, que julgou inconstitucional a norma do artigo 690.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à resultante dos Decretos-Leis n.os 329/A-95 e 180/96, subsidiariamente aplicável em processo penal ainda regido pelo Código de 1929, quando, para o efeito de decidir que certa alegação não contém conclusões, implicando o não conhecimento do recurso, se interpreta em termos de considerar relevante um critério baseado exclusivamente no número das conclusões formuladas ou das páginas por elas ocupadas, e quando se interpreta no sentido de que a consequência aí prevista do não conhecimento do recurso se não restringe à parte das conclusões que se mostra efectivamente afectada).

No presente caso, porém - para além de não estar em questão, como se disse, a necessidade de concessão de oportunidade processual para suprimento de deficiências do requerimento de recurso -, o recurso que foi rejeitado havia sido interposto não pelo arguido em processo penal mas pelo Ministério Público, visando a não aplicação da norma que prevê a suspensão da execução de pena.

Resulta, assim, afastado, como parâmetro relevante para a aferição da constitucionalidade da norma em causa, o artigo 32.º, n.º 1, na parte em que prevê que o processo penal tem de assegurar "todas as garantias de defesa", incluindo, como tal - e não como garantia autónoma, aplicável tanto ao arguido como ao titular da acção penal -, o direito ao recurso (salientando que a Constituição formula exigências diferenciadas para o regime dos recursos do arguido, por um lado, e do assistente ou do Ministério Público, por outro, v. o Acórdão 71/99, in Diário da República, 2.ª série, de 5 de Agosto de 1999).

7 - Como parâmetro para um juízo de desconformidade constitucional, resta, pois, o invocado (nas alegações do recorrente) princípio da proporcionalidade, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consignado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Assim, no já referido Acórdão 275/99, a norma do artigo 690.º, n.º 3, do Código de Processo Civil - na redacção anterior à resultante dos Decretos-Leis n.os 329/A-95 e 180/96, subsidiariamente aplicável a processo penal ainda regido pelo Código de 1929 -, interpretada no sentido de que a consequência aí prevista do não conhecimento do recurso se não restringe à parte das conclusões que se mostra efectivamente afectada, foi julgada inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição. No caso estava, porém, em questão um recurso interposto pelo arguido, que havia sido rejeitado por falta de conclusões (pois não eram concisas), tendo-se entendido, quanto à consequência jurídica, que "seria efectivamente desproporcionado que o excesso de argumentação ou fundamentação, ou a desnecessária extensão material de certa peça processual, pudesse, sem mais, conduzir a uma total e irremediável preclusão de todas as questões de direito suscitadas no recurso, incluindo aquelas em que a intelegibilidade e concludência das pretensões e fundamentos da impugnação deduzida em nada fosse inquinada pela desmesurada extensão de outras parcelas ou segmentos da mesma peça processual."

O princípio da proporcionalidade, em conjugação com o direito de acesso à justiça e aos tribunais, foi, pois, também neste caso, aplicado a um recurso do arguido, e a propósito da extensão da consequência jurídica admissível para a falta detectada.

A situação é diversa no presente caso, em que o recorrente era o Ministério Público.

Na verdade, não está em questão apenas a extensão da consequência de um falta na motivação de recurso - em termos de afectar uma parte não inquinada. Mas, antes, a própria consequência jurídica de rejeição do recurso, por falta de indicação do sentido com que o tribunal a quo interpretou a norma violada ou com que a aplicou, e do sentido com que devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, quando estava apenas em questão a aplicação ou não aplicação de tal norma.

Por outro lado - e decisivamente -, entende-se que não cabe argumentar com o "direito de acesso à justiça e aos tribunais", em conjugação com o princípio da proporcionalidade, para defender a admissão de recursos interpostos pelo Ministério Público no exercício da acção penal.

Na verdade - independentemente da questão de saber se o direito de acesso à justiça e aos tribunais é, como direito dirigido contra o Estado, um direito de que apenas sujeitos privados, e nunca o Ministério Público, podem beneficiar -, tem-se por adquirido que o Ministério Público não pode invocar o exercício do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais previsto no artigo 20.º para exercer a acção penal.

É o que, se não logo de outros argumentos - como a previsão do Ministério Público dentro do título V da Constituição, dedicado aos "Tribunais", a consagração da competência para exercício da acção nesse mesmo contexto, ou o próprio sentido histórico dos direitos fundamentais enquanto direitos de que são titulares sujeitos particulares contra o Estado, e não direitos reconhecidos a este ou aos seus órgãos -, resulta da própria letra do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, no qual se assegura o "acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos", e não para o exercício do jus puniendi.

Ora, sem a referência a esse direito de acesso à justiça e aos tribunais, consignado no artigo 20.º da Constituição, entende-se que o princípio da proporcionalidade, só por si, não é susceptível de fundar um juízo de inconstitucionalidade da dimensão normativa em questão. E isto, ainda que a adopção da referida interpretação do artigo 412.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal (como que "sem as necessárias adaptações") se possa eventualmente considerar surpreendente, ou anómala, o que, com independência da questão de constitucionalidade, já não cabe a este Tribunal censurar.

Tal dimensão normativa - que tem como consequência prática a imposição de, na motivação de recurso, se enunciar uma interpretação da norma que se entendia que não devia ter sido aplicada (ou, para a hipótese contrária, que o devia ter sido) reportada aos elementos de facto considerados relevantes para tal - não se afigura, pois, inconstitucional, pelo menos quando, como é o caso, está em questão um recurso interposto pelo Ministério Público no exercício da acção penal.

Há, por conseguinte, que negar provimento ao presente recurso.

III - Decisão. - Com estes fundamentos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita.

Lisboa, 14 de Março de 2002. - Paulo Mota Pinto (relator) - Bravo Serra - Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto junta) - Maria Fernanda Palma (vencida, pelo essencial das razões constantes da declaração de voto do Sr. Conselheiro Guilherme da Fonseca) - José Manuel Cardoso da Costa.

Declaração de voto. - 1 - Votei vencido, pois dava provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, emitindo um juízo de inconstitucionalidade da norma, talqualmente vem definida no acórdão, "do artigo 412.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual permite ao tribunal ad quem rejeitar o recurso por falta de indicação do sentido em que o tribunal recorrido interpretou a norma violada ou com que a aplicou e do sentido com que devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, quando está apenas em questão a aplicação ou não aplicação da norma em questão à factualidade fixada" (a norma do artigo 50.º do Código Penal), por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais, consignado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, consagrado nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º, e com o artigo 219.º, n.º 1, onde se definem as funções do Ministério Público.

Concordando com a delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade que é feita no acórdão - reporta-se àquela norma acima transcrita - e com a conclusão a que nele se chega de que o único parâmetro para um juízo de desconformidade constitucional é "o invocado (nas alegações do recorrente) princípio da proporcionalidade, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consignado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa", discordo, todavia, do que a seguir é dito no acórdão quanto a distinguir a situação no presente caso, em que o recorrente era o Ministério Público, dos demais casos em que se tratasse de um recurso do arguido.

2 - É que, contrariamente ao que se lê no acórdão, entendo que cabe, à luz do artigo 219.º, n.º 1, perfeitamente "argumentar com o direito de acesso à justiça e aos tribunais, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, para defender a admissão de recursos interpostos pelo Ministério Público no exercício da acção penal", não podendo dar-se por adquirido que "o Ministério Público não pode invocar o exercício do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais previsto no artigo 20.º para exercer a acção penal". São essas afirmações do acórdão claramente precipitadas, desde logo porque, tratando-se de sujeitos processuais - o Ministério Público e o arguido -, que devem ser perspectivados no mesmo plano quando se trata do puro ritualismo processual, como é a hipótese da interposição de um recurso, para defesa da legalidade democrática, o resultado a que se chega no acórdão é o de um tratamento desigual desses sujeitos (não é o caso do exercício da acção penal, mas apenas o caso da simples interposição de um recurso, que é rejeitado pelo tribunal ad quem, por meras razões de ordem processual, excessivamente formalistas, na ponderação de um efeito preclusivo, que não tem cabimento na lei).

Como diz o Ministério Público recorrente nas suas alegações, "a interpretação normativa delineada pelo Supremo Tribunal de Justiça na decisão recorrida se configura, em si mesma, como eivada da concepção estritamente formalista do conceito e funções atribuídas, quer às conclusões da motivação quer às especificações exigidas pelo n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Penal", pois, "para saber se o recorrente especificou adequadamente os sentidos normativos ínsitos na alínea b) do n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, deveria a decisão impugnada ter utilizado um critério funcional, traduzido em saber se o recorrente lograra colocar à apreciação do tribunal ad quem uma verdadeira "questão de direito" atinente ao momento interpretativo e aplicativo do artigo 50.º do Código de Processo Penal - tarefa que obviamente se não mostra realizada pela lacónica decisão impugnada".

Encurtando razões, remeto agora para as considerações do voto de vencido da Exma. Conselheira Maria Fernanda Palma aposto no Acórdão 530/2001, que acompanhei e que interessa aqui reproduzir:

"Votei vencida pelas razões que enunciarei muito brevemente:

a) Condição lógica da possibilidade de recorrer, motivadamente, pode ser a análise detalhada da prova produzida em audiência que terá fundamentado a decisão. E isto é sobretudo patente se o recorrente pretender que a decisão em matéria de facto é nula ou pelo menos se o sentido do seu recurso for o da obtenção de elementos que lhe permitam analisar a prova produzida em audiência para posteriormente impugnar a decisão sobre os factos;

b) Não me parece que ao Ministério Público tenha sido garantida, no caso, a efectivação do poder correspondente ao direito de recurso consagrado explicitamente como garantia de defesa na nossa ordem jurídico-constitucional. Com efeito, o Ministério Público, no exercício das suas funções de titular do exercício da acção penal e de defensor da legalidade democrática (artigo 219.º da Constituição), tem o poder e o dever de recorrer sempre que, em face dos critérios legais, o considerar necessário. O recurso é essencial ao controlo das decisões judiciais num Estado de direito e quaisquer restrições injustificadas afectam essa importantíssima função de controlo da correcta fundamentação das sentenças, bem como a inerente preservação da legalidade democrática;

c) Não pode deixar de ser considerada restritiva do poder de recorrer a imposição da impugnação de factos concretos quando se pretende obter, pelo recurso, o conhecimento exacto dos factos provados. Assim, a presente interpretação normativa do artigo 401.º, n.º 2, do Código de Processo Penal viola, seguramente, o artigo 219.º da Constituição;

d) Está a referida dimensão normativa ainda em conflito com o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Na verdade, este preceito, para além de reconhecer um direito fundamental, formula valores ou princípios gerais cuja protecção não depende apenas de uma manifestação de interesse subjectivo, mas tem um carácter mais objectivo e abrangente. Há, assim, não só um direito de acesso à justiça, mas protege-se o valor do acesso à justiça independentemente da sua subjectivação numa posição jurídica individual. Isto é, tal valor vive como muitos outros independentemente da subjectivação, merecendo a tutela numa medida mais alargada.

A inserção sistemática na Constituição do artigo 20.º não deve ser obstáculo a esta conclusão. Assim, por exemplo, também é claro que a protecção do segredo de justiça não é apenas derivada de uma pretensão pessoal (aliás, a protecção do segredo de justiça não se confunde necessariamente com um direito ao segredo). No acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, há, para além de um direito fundamental, um princípio e um valor que são assegurados, mesmo para além de um interesse subjectivo. E não me parece sequer necessário considerar para obter esta conclusão conceitos metodologicamente instáveis, como o de direitos fundamentais dos entes públicos;

e) Por outro lado, com o exercício da acção penal pelo Ministério Público, revela-se sempre uma dimensão colectiva de defesa de direitos que torna as restrições a um controlo jurisdicional efectivo pela via do recurso uma afectação dos interesses que justificam o valor geral do acesso ao direito;

f) Finalmente, não me parece aceitável que restrições da possibilidade de recorrer desta ordem (em que são as condições lógicas da fundamentação do recurso que são postas em causa) não sejam toleráveis na perspectiva das garantias de defesa - que aqui não estarão em causa -, e já o sejam para um sentido colectivo de realização da justiça que cabe ao Ministério Público prosseguir."

Guilherme da Fonseca.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2014109.dre.pdf .

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