E como serviço público que é tem de ser garantido pelo Estado. Mas esta função de garante não pode ser confundida com a função de gerente.
Definidos que sejam pelo Estado os padrões de volume e qualidade do serviço a prestar e criadas as condições de actuação, o serviço pode e deve ser executado por outrem, empresas públicas ou privadas. Ao Estado ficam cometidas as funções normativas, de fiscalização e de coordenação das relações entre operadores por forma que os padrões definidos para o serviço público sejam alcançados e mantidos.
2 - A intervenção do Estado como gerente, através das empresas públicas, só deve surgir em actuação supletiva, complementar e correctora da iniciativa privada, apenas onde e quando se afigurar imprescindível. É assim que a estruturação do sector empresarial do Estado deverá traduzir a preocupação de só garantir a concretização das actividades não satisfeitas pelo sector privado, por razões conjunturais ou estruturais não facilmente superáveis.
Dentro deste contexto justifica-se plenamente a existência de empresas públicas na área dos transportes rodoviários de passageiros, sobretudo do tipo suburbano e urbano. A pressão da procura, os investimentos volumosos e a natureza marcadamente social de que se reveste a sua oferta aconselham tal opção. A empresa pública de transportes surge, assim, como um meio de intervenção estratégica e económica e de prestação de um serviço de interesse público.
3 - Contudo, a prossecução eficaz pelas empresas públicas de transportes, das tarefas que lhes estão reservadas como instrumento da política do Estado exigem que elas se confinem ao seu objecto principal, libertas de actividades acessórias e espúrias que nelas foram integradas por arrastamento irracional, decorrente, em regra, da carga política e ideológica que perturbou as nacionalizações.
O Estado terá de ser libertado de todas as preocupações e encargos que não tenham contrapartida no bem-estar dos portugueses. Há que dar transparência a toda a economia, desbloqueando os mecanismos entorpecidos e criando condições para uma sã concorrência.
4 - A viabilização do sector público empresarial requer, também, uma apreciável melhoria de produtividade, necessariamente aliada ao saneamento financeiro das empresas e ao aumento do investimento. Este, como é obvio, deverá ser aplicado nos meios directamente concorrentes para o objecto principal das empresas; o que conduzirá, a prazo, à asfixia progressiva de todas aquelas actividades que, por irracional arrastamento, foram integradas no património das empresas públicas ou imporá a sua separação imediata, de modo a permitir a inserção no sector económico em que a sua existência ganhe justificação.
5 - A Rodoviária Nacional, E. P., criada pelo Decreto-Lei 288-C/75, de 12 de Junho, absorveu o património de noventa e três empresas privadas que foram nacionalizadas pelos Decretos-Leis n.os 280-B/75, de 5 de Junho, 280-C/75, de 5 de Junho, e 469/75, de 28 de Agosto, pelo mero facto de serem empresas de transportes, o que está claramente expresso no preâmbulo dos diplomas. Todo o património das empresas foi nacionalizado, mesmo que pouco ou nada tivesse a ver com a produção/oferta do transporte rodoviário.
É assim que a Rodoviária Nacional, hoje, tanto abrange a actividade de transportes de passageiros e de mercadorias como hotéis, explorações horto-frutícolas, representações comerciais, captação e venda de água, agências de viagem, estabelecimentos de ensino, empresas cinematográficas, empreendimentos turísticos, explorações de grutas com fins turísticos e actividades imobiliárias.
6 - Aliás, o legislador de 1976 teve consciência da anomalia da empresa constituída. e é assim que o Decreto-Lei 427-J/76, de 1 de Junho, que aprovou o segundo estatuto da Rodoviária Nacional, retirou do seu objecto estatutário o exercício de outros ramos de actividade comercial ou industrial que não prejudiquem a prossecução do seu objecto principal.
No entanto, este realismo do legislador não foi acompanhado da necessária vontade política dos governos, e essa é a razão por que a Rodoviária Nacional continua, na actualidade, a gerir uma amálgama de actividades, apesar de, para isso, não estar estatutariamente legitimada. A Rodoviária Nacional apresenta uma estrutura pesada, lenta e burocratizada, que será cada vez mais agravada se o contexto actual não for imediatamente alterado.
7 - Assim, reconhecendo a necessidade de criar à Rodoviária Nacional, E. P., as condições necessárias para que possa exercer as importantes funções que lhe devem estar reservadas na área dos transportes urbanos, suburbanos e interurbanos de passageiros e assegurar, na medida em que as circunstâncias o exigirem, o segmento do transporte de mercadorias indispensável à implantação de um sistema nacional de transportes rodo-ferroviários de detalhe.
O Conselho de Ministros, reunido em 17 de Fevereiro de 1981, resolveu incumbir os Ministros dos Transportes e Comunicações e das Finanças e do Plano de prepararem os diplomas legais e desencadearem as acções adequadas à prossecução dos objectivos atrás enunciados, tendo em conta que a sua realização implica designadamente que:
a) Se dê concretização prática às intenções que presidiram à actual redacção do artigo 4.º dos Estatutos, a qual, ao omitir no objecto da empresa outros ramos de actividade comercial ou industrial que não prejudiquem a prossecução do seu objecto principal - expressão esta consignada no inicial Estatuto, de 1975 -, demonstra a vontade política de cometer à Rodoviária Nacional única e exclusivamente a função transportadora, que tinha justificado, quer a sua constituição, quer as nacionalizações que a precederam;
b) Se promova a revisão dos seus Estatutos, com a finalidade de clarificar o seu objecto, adequando-o à função de gestora do transporte rodoviário de passageiros e do segmento de transporte de mercadorias que, pelas razões expostas, deva continuar a pertencer ao sector público empresarial;
c) Se conclua o processo de regularização das dívidas transmitidas para a Rodoviária Nacional, directamente ou na posição de fiadora e responsável solidária, e principalmente decorrentes de contratos de aquisição de empresas rodoviárias ou das suas partes sociais;
d) Se reveja o acordo de saneamento económico-financeiro da Rodoviária Nacional, no que concerne aos critérios de cálculo das indemnizações compensatórias para os serviços com natureza social, o que pressupõe a fixação de regras de definição da política tarifária;
e) Seja revisto o sistema de concessões de serviço público de transpotre rodoviário de passageiros, com vista ao estabelecimento de áreas lógicas de actuação por parte dos operadores envolvidos.
Devem os Ministros dos Transportes e Comunicações e das Finanças e do Plano acordar na programação temporal das acções referidas nos pontos anteriores, de modo que a sua concretização não ultrapasse os cento e oitenta dias.
Presidência do Conselho de Ministros, 17 de Fevereiro de 1981. - O Primeiro-Ministro, Francisco José Pereira Pinto Balsemão.