de 8 de Agosto
A Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), reformando profundamente esta área do ordenamento jurídico. O NRAU contém o quadro essencial do Regime do Arrendamento Urbano, remetendo-se para legislação complementar o tratamento de aspectos que, por motivos de técnica legislativa, não devem integrar o diploma principal. Entre esses diplomas complementares encontra-se o diploma que regula as comissões arbitrais municipais, previstas no artigo 49.º do NRAU e que ora se publica.Pretende-se que as comissões arbitrais municipais (CAM) desempenhem um papel de relevo na aplicação do NRAU, sobretudo no que concerne ao regime transitório destinado aos contratos de arrendamento mais antigos.
A relação arrendatícia, sobretudo nos contratos que vigoram há mais tempo, é fonte frequente de conflito entre as partes, sendo desejável a criação de meios de resolução desses conflitos alternativos aos tribunais. Assim, as CAM terão competência para dirimir alguns tipos de conflitos, nomeadamente os relativos a obras e à efectiva utilização do locado. Essa competência não abrange, em caso algum, a possibilidade de determinar a cessação do contrato.
As CAM desempenham também funções essenciais na determinação do nível de conservação do locado para efeito de actualização da renda. Cabe à CAM de cada município receber os pedidos de determinação, encaminhá-los para os técnicos que efectuarão as vistorias necessárias e comunicar os resultados aos interessados. As CAM coordenam todo o processo de determinação do coeficiente de conservação, o qual tem reflexos no valor da renda a pagar.
As CAM desempenham ainda funções relevantes em matéria de recolha e encaminhamento de informação, de forma a permitir a monitorização da aplicação prática do NRAU.
De molde a permitir que a aplicação efectiva do NRAU seja possível de forma atempada em todo o território nacional, prevê-se que, transitoriamente, enquanto as CAM não estiverem instaladas em cada município, os municípios possam desempenhar algumas das funções que àquelas são atribuídas, designadamente a promoção da determinação do coeficiente de conservação.
Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, a Ordem dos Advogados, a Ordem dos Engenheiros e a Ordem dos Arquitectos.
Foram, ainda, ouvidas as várias associações com interesses no sector, designadamente a Associação Lisbonense de Proprietários, a Associação dos Inquilinos Lisbonense e a Associação dos Inquilinos do Norte, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal e a Confederação do Turismo Português, a Federação da Restauração, Cafés, Pastelarias e Similares de Portugal, a Federação Portuguesa da Indústria de Construção e Obras Públicas e a Federação Nacional de Comércio, a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, e ainda várias entidades representativas das empresas de consultoria e avaliação imobiliária, de mediação mobiliária, de fundos de investimento e de fundos de pensões.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
SECÇÃO I
Composição e funcionamento
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto-lei regula as comissões arbitrais municipais, adiante designadas por CAM, previstas no artigo 49.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Artigo 2.º
Natureza das comissões arbitrais municipais
As CAM são entidades oficiais não judiciárias com autonomia funcional.
Artigo 3.º
Dever de colaboração
1 - As autoridades administrativas têm o dever de colaborar com as CAM no exercício das suas atribuições.2 - O dever de colaboração incumbe igualmente às pessoas singulares e colectivas que para tal sejam solicitadas.
Artigo 4.º
Constituição das comissões arbitrais municipais
1 - Cada CAM é constituída por:
a) Um representante da câmara municipal, que preside;
b) Um representante do serviço de finanças;
c) Um representante dos senhorios, nomeado pelas associações de senhorios;
d) Um representante dos arrendatários habitacionais, nomeado pelas associações de arrendatários;
e) Um representante dos arrendatários não habitacionais, podendo este ser nomeado por associações representativas de interesses económicos;
f) Um representante da Ordem dos Engenheiros;
g) Um representante da Ordem dos Arquitectos;
h) Um representante da Ordem dos Advogados;
i) Nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e nos municípios com mais de 100000 habitantes, podem ser cooptados pela comissão um a três cidadãos com especial qualificação nos domínios da habitação ou da reabilitação urbana.
2 - Caso as associações representativas dos senhorios ou dos arrendatários não cheguem a acordo quanto aos representantes que lhes compete indicar, cabe à câmara municipal indicar os representantes de entre aqueles que tiverem sido propostos.
Artigo 5.º
Designação dos membros
1 - Os membros da CAM são nomeados pela entidade que representam, sendo a sua designação inicial efectuada no prazo de 30 dias a contar de solicitação efectuada nos termos do número seguinte.2 - Após a designação pela câmara municipal do seu representante, compete a este, como presidente e no prazo de oito dias, solicitar às demais entidades representadas na CAM as designações necessárias.
3 - Em caso de falta de designação por uma ou mais entidades, a CAM considera-se constituída desde que tenham sido designados cinco dos seus elementos, incluindo necessariamente o representante do serviço de finanças.
Artigo 6.º
Substituição
Os membros da CAM prestam serviço por tempo indeterminado, podendo ser substituídos:a) Quando apresentem pedido de escusa ou aleguem impedimento;
b) Quando faltem, sem justificação, a três sessões seguidas ou cinco interpoladas;
c) Por iniciativa da entidade que os haja designado.
Artigo 7.º
Reuniões
1 - A CAM reúne sempre que o julgue conveniente, estando presente a maioria dos seus membros.2 - Na falta do presidente, este é substituído pelo vogal designado pelo serviço de finanças.
3 - Na falta do secretário, o presidente designa, de entre os membros da CAM, quem o substitua.
4 - As deliberações são tomadas por maioria, tendo o presidente, em caso de empate, voto de qualidade.
5 - Ao funcionamento das CAM aplica-se o disposto no Código do Procedimento Administrativo sobre o funcionamento dos órgãos colegiais em tudo o que não contrariar o presente decreto-lei.
6 - Na primeira reunião são escolhidos, por maioria absoluta de votos, os elementos que exercem funções de árbitro.
Artigo 8.º
Membros
1 - Os membros da CAM desempenham as suas funções com imparcialidade e independência técnica.2 - Os membros da CAM consideram-se domiciliados no local onde esta tiver a sede.
3 - Os membros da CAM previstos nas alíneas c) a i) do n.º 1 do artigo 4.º são remunerados mediante senhas de presença.
Artigo 9.º
Senhas de presença
1 - Os membros da CAM cuja remuneração seja feita mediante senhas de presença têm direito a uma senha de presença por cada reunião, no valor correspondente a 2% do valor base da remuneração do presidente da câmara municipal.2 - O pagamento das senhas de presença é encargo do município.
Artigo 10.º
Impedimentos
1 - Os membros da CAM estão impedidos de intervir em qualquer assunto relativo a prédios próprios ou em que seja interessada, a qualquer título, entidade de que sejam administradores ou colaboradores, ou a prédios em que sejam interessados seus ascendentes, descendentes ou parentes e afins até ao 4.º grau da linha colateral.2 - Os actos realizados em violação do disposto no número anterior são anulados pela CAM oficiosamente ou a requerimento dos interessados.
Artigo 11.º
Apoio logístico e técnico
1 - As instalações e os meios administrativos de apoio, humanos ou materiais, necessários ao funcionamento das CAM são assegurados pelo município.2 - No desenvolvimento da sua actividade, as CAM podem ser apoiadas tecnicamente pelo Instituto Nacional da Habitação, podendo ser celebrados protocolos de cooperação para o efeito.
SECÇÃO II
Competência
Artigo 12.º
Competência territorial
1 - As CAM exercem a sua competência na área do município onde têm sede, sendo a competência territorial aferida em função da localização do prédio.2 - Nos municípios com mais de 100000 habitantes, pode ser criada, quando se justifique, mais de uma CAM, com competências numa ou mais freguesias, nos termos a definir por decisão da câmara municipal.
3 - A faculdade conferida no número anterior está dependente, no que respeita à divisão territorial, da sua conjugação territorial com os serviços locais de finanças.
Competência material
As CAM têm funções administrativas, decisórias e de acompanhamento, nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 14.º
Competência administrativa
Compete às CAM, no exercício das suas funções administrativas:a) Promover a determinação do nível e do coeficiente de conservação dos prédios;
b) Indicar os técnicos responsáveis pela determinação do nível de conservação, nos termos do Decreto-Lei 156/2006, de 8 de Agosto;
c) Definir, a requerimento dos interessados, as obras necessárias para a obtenção de nível de conservação superior.
Artigo 15.º
Determinação do coeficiente de conservação
1 - A determinação do coeficiente de conservação do locado tem por base o nível de conservação resultante da ficha de verificação do estado de conservação do edifício, nos termos da portaria a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei 156/2006, de 8 de Agosto.
2 - Na determinação do coeficiente de conservação aplicável a cada caso, a CAM tem em consideração as seguintes circunstâncias:
a) A conservação do prédio dever-se a obras efectuadas licitamente pelo arrendatário, caso em que se aplica o coeficiente de conservação imediatamente inferior ao correspondente estado de conservação;
b) A degradação do prédio dever-se a actuação ilícita do arrendatário, ou a falta de manutenção por este quando o dever de manutenção lhe assistisse, caso em que se aplica coeficiente de conservação superior, determinado de acordo com a equidade;
c) Ambas as partes terem efectuado obras de conservação, caso em que o coeficiente de conservação é determinado de acordo com a equidade, sendo intermédio em relação ao coeficiente correspondente ao nível de conservação e ao coeficiente imediatamente inferior.
3 - Para a definição do coeficiente de conservação a CAM pode solicitar às partes informação relativa às circunstâncias referidas nas alíneas do número anterior.
4 - A determinação do nível e do coeficiente de conservação é válida durante três anos.
Artigo 16.º
Definição das obras necessárias
1 - Quando da avaliação resulte um nível de conservação mau ou péssimo, tanto o senhorio como o arrendatário podem requerer à CAM a descrição das obras a efectuar para se atingir o nível médio.2 - O senhorio pode ainda requerer:
a) Sendo atribuído ao prédio nível médio ou bom, a descrição das obras necessárias para se atingir nível superior;
b) A indicação da necessidade de desocupação do locado pelo arrendatário durante a realização das obras.
Artigo 17.º
Competência decisória
1 - Compete às CAM decidir:a) As reclamações relativas à determinação do coeficiente de conservação;
b) As questões levantadas por senhorios ou arrendatários relativas a obras a realizar no locado, nomeadamente quanto a responsabilidade, custo, compensação com o valor da renda, necessidade de desocupação e adequação do realojamento;
c) A falta de utilização do locado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 45.º e na alínea a) do artigo 56.º do NRAU;
d) Outras matérias previstas na lei.
2 - Para a decisão de cada procedimento é sorteado um árbitro de entre os elementos da CAM a quem tenham sido atribuídas essas funções, o qual pode solicitar aos demais membros da CAM a colaboração que entenda útil.
3 - Nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e nos municípios com mais de 100000 habitantes, a CAM pode, quando o número de pedidos de arbitragem o justifique, recorrer a pessoas que não a integrem para desempenhar as funções de árbitro.
4 - As decisões proferidas pela CAM têm o valor de decisões arbitrais e delas cabe recurso para o tribunal de comarca.
5 - O recurso referido no número anterior tem efeito meramente devolutivo e conhece matéria de facto e de direito.
Artigo 18.º
Procedimento decisório
1 - O procedimento inicia-se pela apresentação de requerimento escrito, com indicação do nome e do domicílio do senhorio e do arrendatário, bem como do local arrendado, contendo a exposição sucinta dos factos e o pedido e a indicação do valor atribuído à questão.2 - O requerimento pode ser subscrito simultaneamente pelo senhorio e pelo arrendatário, contendo neste caso a exposição das posições de ambas as partes.
3 - O mesmo procedimento pode ser usado por um senhorio em relação a vários arrendatários, quando as questões a resolver sejam idênticas para todos eles.
4 - Não sendo o requerimento subscrito por ambas as partes, a outra parte é citada para, em 10 dias, dizer o que lhe aprouver, sendo-lhe enviada cópia do requerimento apresentado.
5 - A resposta é apresentada por escrito, sendo imediatamente notificada à contraparte.
6 - As citações são efectuadas por via postal ou pessoalmente pelo funcionário; as notificações podem ser também efectuadas por telefone, telecópia, correio electrónico ou via postal e são dirigidas para o domicílio ou local de trabalho do citando ou notificando ou, no caso do arrendatário, para o local arrendado.
7 - Reunidas as posições das partes, ou esgotado o prazo de resposta, o processo é distribuído ao árbitro, o qual determina um dia para audiência e o faz notificar, não podendo esse dia distar mais de 15 dias da data da notificação.
8 - A audiência inicia-se com a tentativa de conciliação das partes, precedida, quando conveniente, de breve exposição sobre os termos do litígio.
9 - Se as partes chegarem a acordo, é este reduzido a escrito e assinado por todos os intervenientes, para imediata homologação pelo árbitro.
10 - Na falta de acordo, as partes apresentam imediatamente os meios de prova que entenderem, com o limite de três testemunhas apresentadas por cada parte.
11 - Quando o considere necessário à decisão, o árbitro pode determinar inspecção ao local, por si ou por membro da CAM por si designado, suspendendo-se a audiência até nova data.
12 - A falta do requerente equivale à desistência do pedido e a do requerido à sua confissão, excepto se, em três dias, a falta for justificada, caso em que se marcará nova, e última, data para a audiência.
13 - A decisão é proferida na audiência de julgamento e reduzida a escrito, dela constando uma sucinta fundamentação, sendo imediata e pessoalmente notificada às partes.
Artigo 19.º
Acompanhamento
Compete às CAM, no exercício das suas funções de acompanhamento:a) Recolher e tratar informação relativa ao estado de conservação dos prédios arrendados do município;
b) Recolher e tratar informação relativa aos resultados das avaliações feitas;
c) Informar os interessados acerca dos procedimentos relativos à actualização de rendas;
d) Aprovar o relatório anual de actividades e avaliação elaborado pelo presidente e enviá-lo à assembleia municipal.
Artigo 20.º
Taxas
1 - São devidas taxas pela determinação do coeficiente de conservação, pela definição das obras necessárias para a obtenção de nível de conservação superior e pela submissão de um litígio a decisão da CAM no âmbito da respectiva competência decisória.2 - As taxas previstas no número anterior constituem receita municipal, a afectar ao funcionamento da CAM.
3 - As taxas previstas no n.º 1 têm os valores seguintes, se a assembleia municipal não fixar valores distintos:
a) 1 unidade de conta (UC), tal como definida no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei 212/89, de 30 de Junho, pela determinação do coeficiente de conservação;
b) 0,5 UC pela definição das obras necessárias para a obtenção de nível de conservação superior;
c) 1 UC pela submissão de um litígio a decisão da CAM.
4 - As taxas previstas nas alíneas a) e b) do número anterior são reduzidas a um quarto quando se trate de várias unidades de um mesmo edifício, para cada unidade adicional à primeira.
5 - Pela submissão de um litígio a decisão da CAM é devida metade da taxa por cada uma das partes, sendo o pagamento efectuado pelo requerente juntamente com a apresentação do requerimento inicial e pelo requerido no momento da apresentação da defesa.
6 - O pagamento das restantes taxas previstas neste artigo é efectuado simultaneamente com a apresentação do requerimento a que respeitem.
SECÇÃO III
Disposições finais e transitórias
Artigo 21.º
Norma transitória
Enquanto não estiverem instaladas as CAM:a) As competências administrativas e de acompanhamento previstas neste decreto-lei são atribuídas ao município;
b) Os litígios enquadráveis no n.º 1 do artigo 17.º são dirimidos, nos termos da legislação aplicável, pelos tribunais judiciais ou pelos julgados de paz, aplicando-se, quanto aos tribunais judiciais e com as necessárias adaptações, o regime previsto nos artigos 1.º a 5.º do anexo a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro.
Artigo 22.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no 30.º dia seguinte ao da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 8 de Junho de 2006. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - António Luís Santos Costa - Fernando Teixeira dos Santos - Alberto Bernardes Costa - Francisco Carlos da Graça Nunes Correia.
Promulgado em 26 de Julho de 2006.
Publique-se.
O Presidente da República, ANÍBAL CAVACO SILVA.
Referendado em 27 de Julho de 2006.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.