Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Assento 3/82, de 21 de Julho

Partilhar:

Sumário

Fixa a seguinte jurisprudência: o termo «indemnização» constante do n.º 2 do artigo 182.º do Código de Processo do Trabalho de 1963 está empregado em sentido amplo, abrangendo as prestações pecuniárias devidas aos trabalhadores resultantes de obrigações cujo incumprimento integrou a respectiva infracção penal laboral.

Texto do documento

Assento 3/82

Processo 43 - Tribunal pleno - Relação de Lisboa - Recorrente: Ministério Público. - Cópia dactilografada do acórdão proferido de fl. 60 a fl. 68.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenário:

Em 2 de Dezembro de 1980 o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu um acórdão segundo o qual, condenado o réu em processo de transgressão laboral, deve o juiz, nos termos do n.º 2 do artigo 182.º do Código de Processo do Trabalho então vigente, condenar também o mesmo infractor nas retribuições em dívida - diferenças salariais, subsídios de férias e de Natal -, por se deverem considerar integradas no conceito de indemnização a que aquela norma se refere.

Em 19 de Novembro de 1979 decidira a Relação do Porto que as importâncias em dívida aos trabalhadores «não estão abrangidas na categoria das indemnizações por perdas e danos» referidas no artigo 182.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, não obstante o réu ser condenado pela infracção de que vinha acusado.

Entendendo que havia oposição entre estes dois arestos, transitados em julgado, insusceptíveis de recurso ordinário e proferidos no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão de direito, o Exmo. Procurador da República junto da Relação de Lisboa interpôs recurso para o plenário deste Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do preceituado no artigo 669.º do Código de Processo Penal.

A secção social decidiu existir a oposição que serve de fundamento ao recurso.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto apresentou as suas alegações, nas quais pretende demonstrar que no n.º 2 do artigo 182.º em causa «se buscou propositadamente uma formulação que de algum modo se desprende da ideia de reparação para reportar a indemnização ao direito violado, ou seja, aos preceitos que criam obrigações cujo incumprimento constitui a própria infracção penal», sugerindo para o assunto a seguinte fórmula:

O artigo 182.º do Código de Processo do Trabalho acolhe uma noção genérica de indemnização, a qual engloba não só tudo aquilo que constitui indemnização em sentido técnico rigoroso, como também aquilo que representa a realização da obrigação cujo incumprimento integra a respectiva infracção penal laboral.

Foram corridos os vistos de todos os Exmos. Conselheiros que compõem o Tribunal.

É manifesta a aposição entre os dois acórdãos, proferidos no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão de direito, havendo, assim, que julgar o conflito.

(Antes de mais deve dizer-se que o preceito em apreço é do Código de Processo do Trabalho de 1963, sendo deste diploma os preceitos que se mencionaram sem qualquer outra indicação.) No n.º 2 daquele artigo 182.º dispõe-se:

O juiz, no caso de condenação e embora isso não lhe tenha sido requerido, arbitrará a indemnização que corresponder, nos termos dos preceitos aplicáveis, ao direito violado.

Importa, pois, determinar qual o sentido da palavra «indemnização» ali empregada, uma vez que o número anterior do mesmo artigo tem a redacção seguinte:

O Ministério Público deverá formular o pedido de indemnização de perdas e danos quando a ela tenham direito pessoas que lhe pertença patrocinar ou representar.

Pode parecer à primeira vista que se teve por fim fazer-se referência a duas realidades distintas, o que não é verdade, como a história do preceito o demonstra.

Com efeito, no projecto inicial do Código de Processo do Trabalho, do Prof.

Raul Ventura, tanto no n.º 1 como no n.º 2 deste artigo 182.º se falava em «indemnização de perdas e danos», e só por uma preocupação de estilo, na redacção final, se fala naquele n.º 2, abreviadamente, em «indemnização».

O Prof. Paulo Cunha, nas lições sobre Direito das Obrigações, 1943, pp.

354-355, escreve:

A verdade, porém, é que a expressão «indemnização de perdas e danos» (que não tem interesse restrito à matéria de responsabilidade do devedor remisso, mas que interessa a toda a matéria de responsabilidade civil, mesmo à responsabilidade civil extra-obrigacional) entrou na linguagem técnica corrente, em termos tais, que sem se poder já reputar incorrecção, é empregada hoje a cada passo para significar toda e qualquer indemnização devida por responsabilidade civil.

Quer dizer, podemos sem inconveniente assentar em que na prática é a mesma coisa falar-se em indemnização só por si, falar-se em indemnização por responsabilidade civil ou falar-se em indemnização por perdas e danos.

E a propósito do artigo 706.º do Código Civil de 1867, diploma à luz do qual foi elaborado o Código de Processo do Trabalho de 1963, o mesmo mestre escreve ainda (ob. cit., p. 234):

Nesta disposição a lei fala em indemnização de perdas e danos para abranger não só aquilo que em técnica rigorosa seria indemnização, mas também aquilo que em técnica rigorosa representa a realização, em equivalente patrimonial, do próprio direito que não conseguiu realização voluntária.

E à pergunta que faz o Prof. Figueiredo Dias no suplemento XVI ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1963, «Sobre a reparação de danos em processo penal»:

[...] o arbitramento, na sentença condenatória penal, de uma reparação ao ofendido (artigo 34.º) será efectivamente uma decisão em coisa cível - uma indemnização civil de perdas e danos? Respondemos pela afirmativa, seguindo as lições dos Profs. Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, I, pp. 137 e segs.), Vaz Serra (Boletim do Ministério da Justiça, 91, p. 190), Gomes da Silva (O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, pp. 109 e segs.) e Pereira Coelho «Culpa do lesante e extensão da reparação», Revista de Direito e Estudos Sociais, VI, pp. 84 e segs.).

É também esta a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal, como pode ver-se do acórdão das secções reunidas de 8 de Maio de 1974, Boletim, 237, p. 201, e do de 5 de Novembro de 1974, Revista da Legislação Jurídica, 108, p. 308.

Tese que o nosso direito parece hoje acolher, quando no artigo 12.º do Decreto-Lei 605/75, de 3 de Novembro, se determina que nos casos de absolvição da acusação crime o juiz condene em indemnização civil, provado que seja o ilícito desta natureza, e o acórdão de 21 de Fevereiro de 1980, Boletim, 294, p. 224, expressamente reconheceu a «natureza especificamente civil» desta indemnização.

Como se sabe, o critério civil de determinar o quantum respondeatur se estrutura fundamentalmente na base da teoria da diferença - em relação a danos materiais - segundo a qual o montante da indemnização deve corresponder, tanto quanto possível, à diferença entre a situação real e a situação hipotética actual do património do lesado.

Transportando este princípio para o campo laboral teremos que as indemnizações que a lei manda atribuir aos trabalhadores devem precisamente respeitar às quantias a que eles tinham direito e que, não lhes tendo sido pagas, constituem a respectiva infracção penal laboral.

Tem a maior oportunidade e relevo o constante da douta alegação do Exmo.

Procurador-Geral-Adjunto no seguinte passo:

Na verdade, as infracções penais laborais quase se esgotam no plano do ilícito contravencional que, podendo apresentar, e apresentando efectivamente, uma fisionomia que se não afaste das características do ilícito penal de justiça e do ilícito administrativo, não raras vezes tem o seu núcleo e a sua génese na falta de cumprimento de obrigações, maxime, na falta de pagamento correcto e atempado de retribuições salariais e de outras prestações pecuniárias devidas aos trabalhadores por virtude da relação jurídica de trabalho.

Como se escreveu no acórdão da 4.ª Secção de 30 de Outubro de 1981, recurso n.º 47, em que foi relator o destes autos, a propósito de «indemnização»:

Com efeito, do exame das normas da nossa legislação laboral concluiu-se que, muitas vezes, se emprega a expressão em causa em sentido amplo para abranger as prestações pecuniárias devidas aos trabalhadores.

Na grande maioria dos casos as infracções penais laborais têm o seu fundamento na falta de cumprimento de obrigações, designadamente na falta de pagamento das retribuições legais ou de outras prestações pecuniárias devidas aos trabalhadores, como, por exemplo, subsídios de Natal e de férias.

E, de facto, assim é.

Uma simples digressão pelas mais recentes leis laborais mostra à evidência o que acima se expôs.

Tomemos como exemplo o Decreto-Lei 519-C1/79, de 29 de Dezembro, regulador do regime jurídico das relações colectivas de trabalho, em cujo artigo 4.º, n.º 1, se dispõe:

Sem prejuízo das sanções especialmente previstas na lei, as entidades patronais que infringirem os preceitos dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho serão punidas.

E nos n.os 3 e 4 acrescenta-se:

3 - As infracções aos preceitos relativos às retribuições serão punidas com multa, que poderá ir até ao dobro das importâncias em dívida.

4 - Conjuntamente com as multas, serão sempre cobradas as indemnizações que forem devidas aos trabalhadores prejudicados, as quais reverterão a favor dos referidos trabalhadores.

Ora, as indemnizações mencionadas neste n.º 4 não podem deixar de ser as retribuições em dívida aos trabalhadores a que se refere o número anterior.

O próprio Código de Processo do Trabalho, em vários preceitos, nos leva a idêntica conclusão.

Assim:

a) No n.º 1 do artigo 181.º determina-se que não tendo sido proposta acção cível «a obrigação cujo incumprimento constituiria a infracção» será pedida no respectivo processo penal;

b) No artigo 183.º prescreve-se que a acusação penal interrompe a prescrição «de obrigações pecuniárias cujo incumprimento, por parte do arguido, constitua a infracção que for objecto da acusação»;

c) O artigo 185.º, na sua actual redacção, dispõe:

1 - Sempre que haja lugar à aplicação de multas por infracções constituídas pela falta de cumprimento de obrigações pecuniárias, o arguido satisfará essas obrigações dentro do prazo estabelecido para a multa.

E logo no n.º 2 seguinte se impõe que o montante daquelas importâncias em dívida seja incluído na conta.

E, quanto a esta, o n.º 2 do artigo 42.º do Código das Custas Judiciais do Trabalho estabelece:

São para todos os efeitos equiparadas a custas de parte as remunerações, indemnizações, percentagens, contribuições, quotizações e quaisquer outras verbas que, por força da lei, devam ser incluídas na conta.

Também aqui o termo «indemnização» «abrange as prestações pecuniárias devidas aos trabalhadores».

d) Finalmente, no n.º 1 do artigo 190.º determina-se que «não será admitido o pagamento de multas enquanto o arguido não provar a satisfação das obrigações correspondentes». Mas, acrescenta-se logo a seguir, «tratando-se de indemnizações devidas a trabalhadores, o seu pagamento só pode ser feito no processo».

A explicação da dicotomia «obrigações correspondentes» e «indemnizações devidas a trabalhadores» foi dada já no mencionado acórdão de 30 de Outubro e, por isso, dele de novo nos socorremos:

[...] é que nas transgressões laborais pode haver obrigações diferentes devidas aos trabalhadores, como, v. g., a falta de pagamento de contribuições à Previdência, o envio das folhas de férias, etc. - tudo isto pode ser feito extraprocesso; mas as indemnizações aos trabalhadores (o pagamento das prestações pecuniárias que lhes são devidas), essas terão, para protecção dos próprios trabalhadores, de ser feitas no processo.

Mas o próprio artigo 182.º contém em si elementos que resolvem a questão, ao prescrever que será arbitrada a indemnização que corresponder «nos termos dos preceitos violados».

Ora, se a violação dos preceitos resultar da falta de pagamento de quaisquer prestações pecuniárias, deverão elas ser objecto da «indemnização» ao trabalhador a quem não foram oportuna e legitimamente pagas.

Por outro caminho chegamos à mesma conclusão:

O n.º 1 do artigo 182.º impõe ao Ministério Público que formule o pedido de indemnização de perdas e danos quando a ela tenham direito as pessoas que lhe pertença patrocinar ou representar. É óbvio que este pedido é o relativo às quantias que se entenderam ser devidas pela violação das normas objecto da contravenção e a que se refere o acima citado n.º 1 do artigo 181.º Por isso, logo a seguir o n.º 2 determina que no caso de condenação, ainda que nada tenha sido pedido, o juiz arbitrará a indemnização, que tem necessariamente de ser aquela a que se refere o número anterior.

Mas, perguntar-se-á, para que existe o n.º 1 se no número seguinte se manda arbitrar essa mesma indemnização? A isso responde o n.º 3, muito anterior ao Decreto-Lei 605/75, e que marcou um passo em frente no nosso direito processual penal, embora no restrito sector do trabalho: o juiz conhecerá da indemnização, no caso de absolvição, quando pedida.

Quer dizer: verificado apenas o ilícito civil, o juiz deverá condenar no pagamento, a título de indemnização, das prestações pecuniárias que deviam oportunamente ter sido pagas.

Aliás, que espécie de indemnização se pode arbitrar a um trabalhador num processo de transgressão por violação das disposições legais sobre prestações pecuniárias (traduzam-se elas na falta de pagamento do salário legalmente devidos, de subsídios de férias, de Natal, de diuturnidades e semelhantes) que não seja a de fazer integrar no património desse trabalhador aquilo que lhe devia ter sido pago e não foi? A interpretação do termo «indemnização» constante do artigo 182.º, no sentido que lhe foi agora dado, constituía jurisprudência unânime da extinta 3.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se do acórdão de 14 de Março de 1978, Boletim do Trabalho e Emprego, 2.ª série, n.º 4/78/675, tem sido uniformemente seguida na Relação de Lisboa e teve acolhimento no já citado acórdão da 4.ª Secção deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro do ano findo e no n.º 2 do artigo 187.º do actual Código de Processo do Trabalho, onde se determina:

O juiz, no caso de condenação, como no de absolvição, arbitrará ao lesado as quantias a que tenha direito, nos termos dos preceitos aplicáveis, ainda que isso lhe não tenha sido requerido.

Por todo o exposto, dão provimento ao recurso e formulam o seguinte assento:

O termo «indemnização» constante do n.º 2 do artigo 182.º do Código de Processo do Trabalho de 1963 está empregado em sentido amplo, abrangendo as prestações pecuniárias devidas aos trabalhadores resultantes de obrigações cujo incumprimento integrou a respectiva infracção penal laboral.

Sem custas.

Lisboa, 1 de Junho de 1982. - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Vieira - José Fernando Quesada Pastor - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Orlando de Paiva de Vasconcelos Carvalho - José Luís Pereira - João Fernandes Lopes Neves - Manuel do Amaral Aguiar - Manuel dos Santos Carvalho - Augusto Victor Coelho - Mário de Brito - José dos Santos Silveira - Manuel Batista Dias da Fonseca - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - António Augusto Afonso Liberal - Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos - Abel Vieira de Campos Carvalho Júnior - Manuel Arêlo Ferreira Manso - Manuel dos Santos Victor - António Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira - Aníbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro - António Furtado dos Santos - Manuel Alves Peixoto - Rui de Matos Corte-Real - Amílcar Moreira da Silva.

Está conforme.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Junho de 1982. - O Escrivão de Direito, Carlos Luís Augusto de Sousa Pimentel.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1982/07/21/plain-197709.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/197709.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda