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Resolução 196/2005, de 22 de Dezembro

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Sumário

Aprova o documento de orientação estratégica da política externa de cooperação denominado «Uma visão estratégica para a cooperação portuguesa», publicado em anexo.

Texto do documento

Resolução do Conselho de Ministros n.º 196/2005

Portugal precisa de uma política de cooperação. Os investimentos que ao longo de três décadas tiveram lugar em actividades de cooperação obedeceram a lógicas muito variadas, foram de natureza extremamente diversa e tiveram resultados mistos, ambíguos e mesmo em muitos casos desconhecidos. Exige-se, por uma questão de responsabilidade e responsabilização política, e por razões de eficiência e clareza quanto aos objectivos, que se definam as linhas de orientação para a cooperação portuguesa, as quais terão em consideração as restrições orçamentais actualmente existentes.

É esse o propósito desta resolução do Conselho de Ministros.

Assim:

Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:

Aprovar o documento de orientação estratégica da cooperação denominado «Uma visão estratégica para a cooperação portuguesa», anexo à presente resolução, da qual faz parte integrante.

Presidência do Conselho de Ministros, 24 de Novembro de 2005. - O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

ANEXO

UMA VISÃO ESTRATÉGICA PARA A COOPERAÇÃO PORTUGUESA

1 - Introdução

Portugal precisa de uma política de cooperação. Os investimentos que ao longo de três décadas tiveram lugar em actividades de cooperação obedeceram a lógicas muito variadas, foram de natureza extremamente diversa e tiveram resultados mistos, ambíguos e mesmo em muitos casos desconhecidos. Exige-se, por uma questão de responsabilidade e responsabilização política, e por razões de eficiência e clareza quanto aos objectivos, que se definam as linhas de orientação para a cooperação portuguesa.

Em 1999 o XIII Governo aprovou em Conselho de Ministros um documento de orientação estratégica com o título «A cooperação portuguesa no limiar do século XXI» (ver nota i). Tratou-se da primeira - e, até à data, da única - descrição coerente e completa de uma política de cooperação portuguesa.

Esse documento e as reformas então encetadas deixaram importantes marcas na cooperação portuguesa. Retoma-se agora o processo de atribuição de racionalidade e direcção estratégica à cooperação que foi entretanto interrompido.

A preocupação central em 1999, ainda hoje válida, ficou descrita na introdução à resolução do Conselho de Ministros que aprovou o documento:

«O importante desafio que se coloca a Portugal é o de saber articular, nos planos político, económico e cultural, a dinâmica da sua integração europeia com a dinâmica de constituição de uma comunidade, estruturada nas relações com os países e as comunidades de língua portuguesa no mundo, e de reaproximação a outros povos e regiões.

É neste quadro que a política de cooperação para o desenvolvimento, vector essencial da política externa, adquire um particular sentido estratégico, constituindo um elemento de diferenciação e de afirmação de uma identidade própria na diversidade europeia, capaz de valorizar o património histórico e cultural do País.

Torna-se assim necessário dotar a política de cooperação de mais rigor e coerência estratégica, de um comando político mais eficaz, de uma organização mais racional e de um sistema de financiamento adequado.» A política de cooperação para o desenvolvimento que aqui se propõe contém fortes traços de continuidade com a estratégia de 1999 e contém também inovações. No plano da continuidade, destacamos a preocupação em estabelecer uma ligação visível, consequente e eficaz entre princípios, prioridades, programas e projectos. Sublinhamos também a importância que em ambos os momentos se atribui ao requisito fundamental de comando e responsabilização política, por contraste com uma tradição de dispersão dos centros de decisão (inclusive no nível político) por entre as instituições que contribuem para a cooperação portuguesa, com a consequente perda de eficiência e sentido estratégico.

No plano da inovação, é notório que se verificou, desde 1999, uma acentuada tendência para a coordenação internacional da ajuda pública ao desenvolvimento (APD) e que a cooperação portuguesa está actualmente pouco equipada para lidar com esta realidade, reduzindo desta forma a margem de actuação e a influência nacional nos grandes centros de discussão e decisão sobre as relações Norte-Sul. Esta tendência sublinha a urgência do aperfeiçoamento dos instrumentos e mecanismos da cooperação portuguesa, encontrando-se neste documento um conjunto de orientações a este respeito.

Na senda da estratégia de 1999, o actual documento procura atribuir clareza, objectividade e transparência à cooperação portuguesa. Apesar da quebra nos montantes atribuídos à APD em Portugal em 2003 e 2004 (ver nota ii), estamos hoje perante uma dinâmica internacional de acréscimo da APD a que Portugal não pode permanecer alheio. Existem, aliás, diversos compromissos internacionais que apontam precisamente neste sentido, conforme se poderá verificar no capítulo 2. Porém, não pode justificar-se que haja uma participação activa portuguesa neste processo internacional sem que haja igualmente um importante esforço no sentido da rentabilização da cooperação portuguesa - rentabilização para os países beneficiários e rentabilização para Portugal, nomeadamente para a sua inserção mais dinâmica nas redes e nos mecanismos que constituem a malha da globalização.

1.1 - A cooperação e a política externa portuguesa

A experiência histórica mais recente do processo de globalização, e em particular desde o fim da guerra fria, trouxe uma renovada consciência e uma nova atitude quanto às relações Norte-Sul. Em outros momentos, a cooperação - a portuguesa e a de outros países - encontrava a sua justificação num conglomerado de razões que incluíam sentimentos de solidariedade humanitária ou política, interesses de ordem geostratégica ou económica e expressões de proximidade linguística ou cultural. Hoje, sobrepõe-se a este tipo de raciocínio a consciência de que, para funcionar, a globalização não pode continuar a ter largas manchas de exclusão no Hemisfério Sul. Essa possibilidade constitui a mais poderosa dúvida quanto aos benefícios da globalização e a mais perigosa semente para a instabilidade global. É esta consciência que está na base da transformação histórica do papel da cooperação internacional a que se assiste, em especial desde a Cimeira do Milénio, de 2000. De forma cada vez mais vincada, os países da OCDE [e em particular os da União Europeia (UE)] entendem as suas políticas de cooperação como elementos integrantes das suas estratégias para a globalização. Para Portugal, também a cooperação constitui um dos pilares da sua política externa e um instrumento imprescindível na sua relação com o mundo.

A política de cooperação reflecte a política externa portuguesa, fundamentalmente de três maneiras. Em primeiro lugar, no que diz respeito aos países de língua portuguesa, destacando-se em particular os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) e Timor-Leste. A relação com os países africanos de expressão portuguesa constitui um dos pilares fundamentais da nossa política externa, juntamente com a integração europeia e a aliança atlântica. Igualmente a ligação a Timor-Leste, cuja independência constitui um dos grandes êxitos da diplomacia portuguesa, é profunda. O desenvolvimento desses países e a sua boa integração nas dinâmicas económicas da globalização constituem desideratos importantes da nossa política externa. Trata-se de desideratos com importância intrínseca, com evidentes consequências positivas para a qualidade de vida das populações desses países, sendo ao mesmo tempo favoráveis para os intercâmbios culturais e económicos que enriquecem a sociedade portuguesa.

Segundo, a língua portuguesa constitui um valor fundamental para a nossa política externa. A promoção da língua portuguesa no mundo contribui para a sedimentação, longevidade e proficuidade de uma comunidade linguística que constitui, a um só tempo, um importante contributo histórico português para o mundo e um trunfo relevante na era da globalização. A cooperação, em particular através do apoio à educação básica e à alfabetização nos países parceiros, consubstancia-se como um instrumento imprescindível para a promoção da nossa língua.

Terceiro, um dos objectivos da política externa nacional reside em promover a nossa capacidade de interlocução e influência em redes temáticas internacionais cujos centros de decisão são supranacionais. Ora, uma das características mais salientes da cooperação nos anos mais recentes é o enorme reforço da coordenação internacional através dessas redes. Não falamos aqui de uma característica exclusiva da cooperação internacional, antes pelo contrário: encontra-se o mesmo padrão em numerosas facetas da vida internacional contemporânea. Para um país de dimensão média e recursos limitados, o desafio essencial que se coloca é o de saber, com eficiência e profissionalismo, aplicar os instrumentos de que dispõe de forma a maximizar a qualidade da sua intervenção nos teatros de discussão e decisão que se identificam como mais importantes. A cooperação para o desenvolvimento internacional oferece um caso paradigmático desta forma de trabalhar. Urge agora orientar a nossa cooperação - tanto a multilateral como a bilateral - de modo a tirar o melhor proveito possível das vantagens que temos em algumas das arenas de coordenação internacional. Ao fazê-lo, conforme aqui se propõe, a política de cooperação insere-se de forma inequívoca e descomplexada no cerne da política externa nacional.

1.2 - Recursos e objectivos

Face aos desafios de desenvolvimento que se colocam nos países parceiros, os recursos à disposição da cooperação portuguesa serão sempre escassos.

Em todas as áreas podemos encontrar, nos países parceiros, carências que poderão eventualmente ser atenuadas - pelo menos num primeiro momento - através dos esforços da cooperação. Esta realidade, que deveria constituir um incentivo para o desenvolvimento de uma estratégia de intervenção racional e baseada em prioridades claramente assumidas, funcionou antes como um mecanismo de incentivo para a proliferação de actividades de cooperação em quase todos os sectores, sendo essas actividades desenvolvidas com um elevado grau de autonomia. Em parte, esta trajectória histórica relaciona-se com a grande importância das ligações interpessoais, em particular entre funcionários de serviços homólogos das administrações públicas. Em parte, há que admiti-lo, estamos também perante a evidência de uma abdicação de responsabilidades políticas ao longo dos anos, pois é ao nível político que se encontra a responsabilidade pela definição de estratégias e prioridades. O documento de orientação estratégica de 1999, já mencionado, constitui a este respeito uma honrosa excepção.

Um dos objectivos do presente documento é precisamente o de definir, para a cooperação portuguesa, uma estratégia geral, identificando os mecanismos necessários para a canalização de recursos de acordo com essa estratégia e com as prioridades que ela implica.

Portugal dispõe de algumas vantagens comparativas interessantes se olharmos para o conjunto de países doadores, em particular (mas não exclusivamente) nos países de língua portuguesa. Essas vantagens comparativas relacionam-se sobretudo com a língua - o que aponta para as áreas da educação e formação - e com a história - sugerindo-se por esta via uma atenção especial às áreas jurídica e de administração pública. Mas vamos também encontrar algumas vantagens comparativas em outros sectores, conforme adiante se verá. A capitalização das vantagens comparativas portuguesas requer evidentemente uma estratégia de concentração de recursos nessas áreas bem como o desenvolvimento de instrumentos e metodologias de trabalho actualizados face aos imensos progressos na cooperação internacional nestes últimos anos. A tradição de descentralização orçamental da cooperação, envolvendo igualmente uma descentralização de decisões administrativas e políticas, constitui um obstáculo maior à racionalidade, à eficiência e à eficácia da cooperação portuguesa. Esta particularidade, diversas vezes identificada ao longo dos anos, e muito em especial pelos relatórios sobre a cooperação portuguesa feitos pelo Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE em 1997 e 2001, obriga a que se procurem agora novos métodos de trabalho, mais adequados à realidade contemporânea.

1.3 - A responsabilidade política pela cooperação para o

desenvolvimento

Uma das prioridades para esta etapa da cooperação portuguesa reside no estabelecimento de uma relação correcta entre decisões e responsabilização política. Efectivamente, a dispersão de centros de decisão administrativa e política em matéria de cooperação não só tem inviabilizado uma política de cooperação, na qual as diversas actividades de cooperação correspondam a um paradigma e desígnio comum, como tem deixado órfã a questão da responsabilidade política por essas actividades.

A este respeito convém estabelecer uma distinção entre responsabilidade técnica e responsabilidade política. A responsabilidade técnica por actividades de cooperação encontra-se em numerosos pontos da administração pública portuguesa, e de forma mais ampla também na sociedade civil. As competências necessárias à boa execução de projectos não podem e não devem ser concentradas todas numa só instituição pública dedicada à cooperação para o desenvolvimento. Contudo, a actual etapa de retoma e consolidação de uma política de cooperação, com os seus imperativos de racionalidade, eficiência e eficácia, exige que as actividades de cooperação tenham um quadro de responsabilização política que é novo no panorama português, apesar de estar formalmente consagrado em sucessivas leis orgânicas dos governos.

Registam-se actualmente três objectivos fundamentais para atingir a conciliação necessária entre a orientação e a execução de uma política. O primeiro reside na elaboração de mecanismos mais adequados para a orçamentação e execução da APD portuguesa; o segundo reside no desenvolvimento de mecanismos de coordenação interministerial a nível político, retomando uma prática ensaiada entre 1999 e 2001, dos conselhos de ministros para a cooperação; o terceiro consiste na valorização e coordenação das iniciativas da sociedade civil, nas suas múltiplas manifestações, em prol de uma abordagem comum.

PARTE I

Valores, princípios e objectivos

2 - O contexto internacional da cooperação para o desenvolvimento

Enquanto parte integrante da política externa portuguesa, a política de cooperação insere-se num contexto internacional cuja relevância é determinante para a definição dos princípios, valores e objectivos que a regem.

Os factores principais que estruturam o sistema internacional actual condicionam também as prioridades e actividades dos vários actores que se dedicam à cooperação internacional.

Encontra-se hoje plenamente consolidada, no plano internacional, a ideia de que desenvolvimento e segurança são duas faces da mesma moeda. O relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, «In larger freedom» é a expressão mais completa deste consenso. A ideia dominante neste relatório é a de que os desafios que se colocam no presente deverão ser abordados numa perspectiva integrada, envolvendo esforços de desenvolvimento, segurança e promoção dos direitos humanos, a um só tempo: «Desenvolvimento, segurança e direitos humanos são não só imperativos em si mesmo como também se reforçam mutuamente» (ver nota iii). A dignidade, bem-estar básico, e a salvaguarda física do indivíduo, enquanto detentor de direitos universais, são alvo central das preocupações neste relatório, o qual preconiza também um esforço multilateral orientado para a acção global e assente na construção e promoção de parcerias internacionais.

Toda a comunidade internacional é presentemente confrontada com a necessidade de lidar com movimentos de globalização das trocas, comunicações, transportes e outros fluxos, a par de uma crescente integração ou pelo menos cooperação intensificada a nível regional. O desenvolvimento e o progresso internacional neste contexto dependem sobremaneira da capacidade de encontrar, nos espaços internacionais a que cada país pertence, o caminho para a inserção saudável e equilibrada na economia mundial. Atenta a esta problemática, a cooperação portuguesa procurará, em estreita coordenação com as autoridades dos países parceiros, apoiar a sua integração económica internacional, através de estratégias destinadas a fomentar a competitividade económica.

Assim, o enquadramento e a coordenação multilateral assumem-se como uma via privilegiada para permitir a convergência de esforços no sentido da promoção do desenvolvimento sustentável universal, alicerçando a globalização numa base mais justa e contribuindo para diluir alguns dos novos riscos e ameaças. Importa aqui traçar o quadro geral das tendências internacionais que definem os esforços cada vez mais integrados e institucionalizados de ajuda ao desenvolvimento dos vários países doadores, nos quais Portugal se insere. Tais esforços constituem o contexto de esperança e empenho da próxima década, para que em 2015 o mundo se apresente mais optimista, o que só acontecerá se forem aproveitadas as oportunidades e sinergias que resultam de um esforço partilhado por todos.

2.1 - Os objectivos de desenvolvimento do milénio

A Declaração do Milénio, aprovada durante a Cimeira do Milénio, em 2000, constitui um marco fundamental na história internacional da cooperação para o desenvolvimento. Durante as grandes reuniões internacionais da década de 90, como a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento (Cimeira do Rio), em 1992, a IV Conferência das Nações Unidas sobre as Mulheres, em Pequim em 1995, ou a Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Social, em Copenhaga, no mesmo ano, foi sendo gerado um consenso em torno da necessidade de ser adoptado, ao nível global, um conjunto de medidas enérgicas no sentido de ultrapassar as desigualdades e injustiças existentes e em constante agravamento. Esta determinação teve um impacte muito significativo não só ao nível do sistema das Nações Unidas mas também ao nível de outros dispositivos institucionais cuja área de actividade se prende com a cooperação para o desenvolvimento.

Os valores fundamentais inscritos na Declaração do Milénio são os da liberdade, igualdade, solidariedade, tolerância, respeito pelo ambiente e partilha de responsabilidades. Os objectivos definidos nessa Declaração foram depois incorporados nos chamados «objectivos de desenvolvimento do milénio» (ODM), que têm desde então funcionado como elemento agregador e sintetizador de uma multiplicidade de metas, as quais vêm sendo enquadradas nos programas de actividades dos doadores internacionais. Tais metas apresentam também um calendário de actuação e indicadores mensuráveis que os diferentes Estados, beneficiários e doadores, se comprometeram a observar. Portugal terá em atenção, na medida das suas possibilidades, as formas mais eficazes de contribuir para os diferentes objectivos e esforçar-se-á para que não haja duplicação de esforços e para que os apoios sejam atribuídos e coordenados de forma eficaz.

Objectivos de desenvolvimento do milénio

1 - Erradicar a pobreza extrema e a fome.

2 - Alcançar a educação primária universal.

3 - Promover a igualdade do género e capacitar as mulheres.

4 - Reduzir a mortalidade infantil.

5 - Melhorar a saúde materna.

6 - Combater o VIH/sida, a malária e outras doenças.

7 - Assegurar a sustentabilidade ambiental.

8 - Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento.

À Cimeira do Milénio seguiram-se outras reuniões globais de grande relevo, que têm assegurado o acompanhamento dos compromissos assumidos em 2000 em diferentes áreas de intervenção, através da definição de medidas concretas destinadas a operacionalizar e efectivar a prossecução dos ODM.

Algumas destas reuniões têm-se dedicado à avaliação de progresso do trabalho iniciado durante os anos 90. Assim, em 2000 foi reiterado o empenho no acompanhamento da implementação da Plataforma de Acção de Pequim, aprovada em 1995, e em 2004 foi reafirmado o consenso da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento de 1994, consenso esse ainda mais substanciado pelos ODM.

A Cimeira de Joanesburgo, em 2002, gerou um empenhamento considerável no reforço dos compromissos assumidos na Declaração do Rio e na Agenda XXI para a promoção do desenvolvimento sustentável. Alguns desses compromissos prendem-se com a concretização de metas e calendários em matérias como o acesso à água e ao saneamento básico, aposta na melhoria da estrutura institucional para lidar com as questões da pobreza e da degradação ambiental, com a promoção da modificação de hábitos de consumo e produção e com a protecção e gestão dos recursos naturais na base do desenvolvimento económico e social.

Em Monterrey, no mesmo ano, a Cimeira de Financiamento para o Desenvolvimento pautou-se pelo consenso relativamente à necessidade de uma resposta global e integrada entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. A discussão essencial centrou-se na erradicação da pobreza e na promoção do desenvolvimento sustentável através da mobilização e utilização mais eficaz dos recursos financeiros por forma a atingir os ODM.

Para isso, acordou-se num maior empenho relativamente à mobilização de recursos domésticos, atracção de fluxos internacionais, promoção de comércio internacional como motor do desenvolvimento, aumento da cooperação técnica e financeira para o desenvolvimento, financiamento sustentável da dívida e alívio da mesma, aumento da coerência e consistência dos sistemas financeiros e comerciais internacionais.

A questão dos sistemas comerciais foi particularmente debatida em Doha, na IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, em 2001, onde os países representados assumiram compromissos sobretudo ao nível da limitação de tarifas impostas aos países menos desenvolvidos (PMD). A preocupação com os PMD foi sublinhada no mesmo ano, durante a III Conferência das Nações Unidas sobre os Países Menos Desenvolvidos, onde foi aprovada a Declaração de Bruxelas, que contém o objectivo explícito de acabar com a marginalização dos PMD na economia global.

Portugal, para além de ter estado representado em todas estas reuniões e de aí ter assumido compromissos, participa também nos mecanismos institucionais que asseguram o seguimento e implementação dos mesmos e pretende contribuir de forma, cada vez mais, eficaz para o processo de decisão a este nível.

2.2 - A coordenação internacional

Todo este movimento internacional de convergência aponta em dois sentidos fundamentais: por um lado, a necessidade de políticas de cooperação mais eficazes na utilização dos recursos e, por outro lado, a necessidade de aumentar tais recursos. Uma preocupação central dos países doadores tem sido a de reestruturar as suas políticas de cooperação para que as questões de eficácia se sobreponham a outro tipo de considerações na afectação da ajuda pública ao desenvolvimento. Para isso, três tipos de medidas têm dominado os esforços internacionais: a harmonização das políticas de doadores, o alinhamento das políticas de doadores com as dos beneficiários e o desligamento da ajuda.

O movimento de harmonização aponta para a convergência de esforços nas diferentes políticas de cooperação, com os objectivos de reduzir a duplicação de esforços, aumentando a sua complementaridade, racionalizar e simplificar os procedimentos dos doadores para permitir maior interacção entre as diferentes iniciativas, aumentar a coerência e coordenação entre os doadores.

Ao nível da UE, por exemplo, tal tendência reflecte-se nas políticas dos «3 C» constantes do Tratado de Maastricht, fortemente traduzidos nas políticas da Comissão Europeia: complementaridade, coordenação e coerência.

A Declaração de Roma, de 2003, marcou a tendência para o alinhamento das políticas dos doadores com as prioridades dos beneficiários, e foi sublinhada na Declaração de Paris, de 2005. Ambas se inserem numa lógica bidimensional de apropriação pelos beneficiários das políticas de desenvolvimento, por um lado, e, por outro, de capacitação dos beneficiários para definirem eles próprios prioridades que possam ser aproveitadas pelos doadores.

Uma outra preocupação prende-se com o desligamento da ajuda, pretendendo-se desta forma uma maior influência das considerações de eficácia na definição das prioridades e eixos de políticas, em detrimento dos interesses políticos ou económicos dos países doadores. Na reunião de alto nível do Comité de Auxílio ao Desenvolvimento da OCDE, em 2001, os Estados membros e as agências de desenvolvimento elaboraram uma recomendação no sentido de desligar a ajuda pública aos PMD ao mesmo tempo que reforçava a responsabilidade dos países receptores na adjudicação dos fundos (ver nota iv). É neste contexto que se exige cada vez mais aos próprios países beneficiários a definição das suas prioridades em documentos estratégicos que são colocados à disposição da comunidade internacional, e na base dos quais a política dos diferentes doadores para esse país é definida.

Isto permite maior eficácia na distribuição dos recursos. Esta tendência é apoiada pela definição de metas, objectivos e indicadores bastante precisos, em diversos eixos de actuação, que permitem condicionar a ajuda internacional a esses critérios técnicos. Para além disso, o estabelecimento destes critérios facilita o progresso no sentido de uma maior coordenação e articulação de esforços entre doadores.

Por outro lado, a crescente participação de instituições da sociedade civil nas grandes conferências internacionais, quer como observadoras quer como participantes efectivas nos trabalhos preparatórios e consultas prévias, e até mesmo com voz activa nas próprias reuniões, reflecte a tendência para se consensualizar as políticas de cooperação para o desenvolvimento com os diversos intervenientes.

No entanto, aumentar a eficácia na utilização dos recursos não chega. É consensual a ideia de que é vital o aumento dos próprios recursos. Tal tem estado a ser trabalhado no contexto do financiamento para o desenvolvimento, iniciado em Monterrey. Ao nível da UE, foram formalizados compromissos concretos relativamente ao aumento da APD. Os compromissos assumidos pela UE para os valores de APD são de 0,7% do RNB até 2015. Como objectivo colectivo intermédio foi estabelecido para 2010 o valor de 0,56%. Este inclui objectivos individuais de 0,51% para os Estados membros mais antigos, no grupo dos quais Portugal se insere, e uma meta de 0,17% para os novos Estados membros. Portugal comprometeu-se ainda, em 2002, a cumprir o valor de 0,33% do RNB para a APD até 2006. A Declaração de Paris, de 2005, contém também compromissos ao nível do conjunto de doadores internacionais para aumento da APD.

Os esforços de aumentar os recursos e racionalizar a sua aplicação têm-se reflectido também na criação de instituições financeiras, instrumentos e mecanismos financeiros com vocação específica para o desenvolvimento, como, por exemplo, a facilidade de investimento do Acordo de Cotonou, a facilidade de investimento do NEPAD ou as european development finance institutions (EDFI), que já existem em muitos países da UE.

3 - Princípios orientadores

A globalização, naquilo que nos oferece de esperanças e potencialidades, e também de perigos e vulnerabilidades, obriga a que Portugal tenha ideias e estratégias muito claras para a cooperação, baseadas em valores e princípios que, sendo universais, assentam também numa visão da história e da realidade contemporânea portuguesas. Assim, a missão fundamental da cooperação portuguesa consiste em «contribuir para a realização de um mundo melhor e mais estável, muito em particular nos países lusófonos, caracterizado pelo desenvolvimento económico e social, e pela consolidação e o aprofundamento da paz, da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito».

Esta visão do papel da cooperação portuguesa desdobra-se em diversas orientações de fundo, entre as quais podemos destacar as seguintes:

Empenho na prossecução dos ODM;

Reforço da segurança humana, em particular em «Estados frágeis» ou em situações de pós-conflito;

Apoio à lusofonia, enquanto instrumento de escolaridade e formação;

Apoio ao desenvolvimento económico, numa óptica de sustentabilidade social e ambiental;

Envolvimento mais activo nos debates internacionais, em apoio ao princípio da convergência internacional em torno de objectivos comuns.

3.1 - Empenho na prossecução dos objectivos de desenvolvimento do

milénio

A missão fundamental da cooperação portuguesa converge harmoniosamente com todo o trabalho internacional, liderado sobretudo pelas Nações Unidas, em torno dos ODM.

Os ODM constituem a expressão paradigmática norteadora dos esforços internacionais de cooperação para o desenvolvimento. Portugal orienta os seus apoios de cooperação para o desenvolvimento por forma que a cooperação portuguesa esteja plenamente ancorada neste esforço internacional. Os valores subjacentes aos ODM foram já mencionados:

liberdade, equidade, solidariedade humana, tolerância, respeito pelo ambiente e partilha de responsabilidades. Os objectivos específicos e as metas que resultam desses valores terão uma presença acrescida e mais visível nos programas da cooperação portuguesa, para que Portugal esteja mais sintonizado com o actual momento de convergência internacional em torno de objectivos comuns, valorizando em particular os contributos que Portugal pode oferecer através da língua portuguesa e da sua experiência histórica.

Mais do que uma expressão de solidariedade básica enraizada na simples partilha da condição humana, os ODM oferecem-nos uma afirmação das condições mínimas para a estabilidade e para a paz internacional no contexto da globalização. A postura global da política externa portuguesa é inteiramente consentânea com este objectivo, enquadrando-se deste modo a cooperação portuguesa no cerne da política externa nacional.

O combate à pobreza e à exclusão assume-se, assim, quer como valor em si mesmo quer como factor de paz e estabilidade. Assim, a cooperação portuguesa contribuirá para aumentar as capacidades dos países beneficiários em todas as áreas, fortalecendo o tecido social e as instituições locais, promovendo o acesso à escolaridade e à saúde básicas e criando condições de emprego, sobretudo para jovens. O combate à pobreza exige melhorias constantes em matéria de boa governação e constitui igualmente um contributo para a boa governação. Sabemos hoje que políticas que tenham em consideração a equidade de género tendem a ter efeitos multiplicadores mais importantes para a sociedade, para além de serem também intrinsecamente mais justas, e este aspecto será tido em conta na definição dos apoios a prestar pela cooperação portuguesa. Consideramos importante a valorização do papel social da mulher bem como dos seus direitos sexuais e reprodutivos.

Nesta matéria, a cooperação portuguesa oferece um claro contributo nacional para a prossecução dos objectivos consagrados na Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 1979, e na Plataforma de Acção de Pequim, de 1995. Em suma, os ODM servem à cooperação portuguesa, tal como servem à cooperação de muitos dos países mais evoluídos em matéria de APD, como um guião fundamental para as escolhas que têm de ser efectuadas, atendendo à harmonia entre os valores fundamentais da política externa portuguesa e os valores subjacentes aos ODM.

3.2 - Reforço da segurança humana

A revisão dos conceitos dominantes de segurança que teve lugar nos anos que se seguiram ao fim da guerra fria levou à consagração da ideia de segurança humana, e em 2003 a Comissão sobre Segurança Humana, estabelecida por Kofi Annan e presidida por Sadako Ogata e Amartya Sem, publicou o relatório «A segurança humana, agora». Neste relatório, que é actualmente parte integrante do consenso internacional cada vez mais vincado em matéria de responsabilidades globais, chama-se a atenção para o facto de a privação ser uma das grandes causas de violência, apesar de serem necessárias cautelas no estabelecimento de relações simplistas e lineares. A cooperação para o desenvolvimento constitui um instrumento de reforço da segurança humana, e por conseguinte da segurança internacional, desde que devidamente enquadrada.

No âmbito do reforço da política de segurança humana, e da sua estreita interligação com os ODM, importará ter presente a contribuição da cooperação técnico-militar e da cooperação técnico-policial, designadamente na reforma do sector da segurança.

A cooperação técnico-militar dispõe, neste contexto, de um campo de actuação abrangente para, em articulação com os países com os quais cooperamos:

Garantir eficácia acrescida nos respectivos processos de estabilização interna e de construção e consolidação do Estado;

Participar, no seu âmbito de intervenção, na capacidade de estes Estados garantirem níveis de segurança compatíveis com os princípios da democracia, da boa governação, da transparência e do Estado de direito, envolvendo questões relacionadas com a estruturação, regulação, gestão, financiamento e controlo do sistema de defesa, desta forma facilitando o desenvolvimento.

A cooperação técnico-policial visa contribuir para o desenvolvimento de formas de organização do sistema de segurança interna, controlo de fronteiras, gestão de informações, manutenção de ordem pública e combate à criminalidade dos países com os quais cooperamos, privilegiando as relações entre forças e serviços de segurança ao nível da organização, métodos, formação e treino, participando no reforço das condições de estabilidade interna, autonomia das instituições políticas e segurança das populações e na consolidação do primado dos valores essenciais da democracia e do Estado de direito.

As cooperações técnico-militar e técnico-policial contribuirão, pois, para a reforma do sector da segurança, apoiando o desenvolvimento de estruturas institucionais adequadas que garantam a primazia do controlo político e sejam capazes de levar a efeito as tarefas operacionais atribuídas pelas autoridades civis.

No contexto actual, em que também a segurança e a defesa são marcadas pela globalização, impõe-se dar atenção especial às áreas de inserção regional dos nossos parceiros, seja aos países vizinhos seja às organizações regionais e sub-regionais que integram.

Esta tendência significa, ainda, ter em consideração as parcerias que, gradualmente, vêm sendo estabelecidas entre aquelas organizações regionais e sub-regionais, a UE e a NATO, e nas quais a «dupla» experiência e conhecimento das nossas forças armadas, por um lado pela participação na União e na Aliança, por outro pela longa relação bilateral com os parceiros da cooperação técnico-militar, poderá ser de enorme utilidade para estes e relevante para a afirmação e visibilidade externa de Portugal. De acordo com estas normas de actuação, e na medida em que se traduzem iniciativas indutoras de segurança, condição básica para o desenvolvimento, as despesas decorrentes da cooperação técnico-militar deverão, cada vez mais, ser contabilizadas como APD, de acordo com os critérios de elegibilidade internacionalmente vigentes.

A cooperação portuguesa está atenta a duas dimensões fundamentais de apoio à segurança humana: a protecção e a autonomização. Protecção significa apoiar civis que são vítimas de conflito violento, integrando abordagens políticas, militares, humanitárias e de desenvolvimento. Em particular, é importante ter em atenção a situação de refugiados e deslocados internos, apoiando a acção de organizações internacionais em prol destas pessoas. Autonomização significa criar as condições de assentamento e de emprego em situações de pós-conflito, incluindo o apoio à desmobilização e reintegração de militares, e ainda o reforço dos mecanismos de criação de segurança humana em «Estados frágeis», incluindo cooperação apropriada nos âmbitos da polícia e das forças armadas.

O apoio à boa governação, ao Estado de direito e ao respeito pelos direitos humanos constitui elemento importante de uma política de reforço da segurança humana. A criação de uma comissão para a construção da paz no âmbito das Nações Unidas é apoiada por Portugal, precisamente por nela vermos um importante instrumento de reforço da segurança humana. A cooperação portuguesa, bilateralmente e através da sua acção multilateral, dedicará uma atenção especial a questões de segurança humana, incluindo o apoio a projectos e programas integrados, e o reforço da capacidade nacional e internacional de análise neste importante domínio.

3.3 - Apoio à lusofonia

A língua portuguesa constitui-se hoje como um património de quatro continentes, sendo um instrumento de primeira importância para a cooperação e para o desenvolvimento. No plano externo, é ao mesmo tempo uma plataforma de comunicação imprescindível para a participação plena na vida internacional dos nossos tempos e constitui um importante contributo para o reforço da afirmação dos países lusófonos no contexto regional em que se inserem.

No plano interno, trata-se, para todos os países lusófonos, de um elemento fundamental da sua identidade, valor cada vez mais importante num contexto de intenso intercâmbio de fluxos económicos e culturais, como é o do contexto actual. Este património linguístico constitui, para os países lusófonos, o ponto de partida para o cumprimento, desde logo, do ODM que aponta para a universalização da escolaridade primária. Com efeito, o apoio ao ensino da língua portuguesa representa o fornecimento de um instrumento que permitirá à criança escolarizada desenvolver todas as suas potencialidades, posto que, para além de outras línguas com as quais convive, a língua portuguesa representa um importante meio para o desenvolvimento económico, social e cultural.

Também em termos de formação profissional, a todos os níveis, a facilidade de comunicação na língua portuguesa oferece aos países lusófonos um veículo privilegiado para a consolidação dos laços já fortes que se encontram e intervêm no seio da CPLP. A cooperação portuguesa contribuirá assim para a formação e a consolidação de elos de solidariedade, reforçando os meios disponíveis para a actividade de formadores lusófonos em países da lusofonia.

Contribuir para a divulgação da língua portuguesa, articulando uma política de língua com uma política cultural, em particular junto dos jovens e das camadas sociais, que têm menor acesso à escolaridade, representa uma mais-valia particularmente importante para o desenvolvimento do indivíduo e da realidade em que se insere. A este respeito Portugal dispõe de evidentes vantagens comparativas, de que fará uso na sua política de cooperação.

Importa também referir a necessidade de desenvolvimento conjunto das aplicações computacionais da língua portuguesa e da produção de novos conteúdos para a Internet, essenciais para lhe conferir uma nova capacidade de comunicação na era digital.

3.4 - Apoio ao desenvolvimento económico sustentável

Com as várias décadas que temos de experiência teórica e prática, podemos considerar como um dado adquirido que o desenvolvimento tem de ser compreendido e apoiado de forma multidimensional. Desde logo, compreende-se hoje que é necessário promover o desenvolvimento tendo em conta a sua sustentabilidade económica, social e ambiental. A cooperação portuguesa, em consonância com as boas práticas internacionais neste domínio, está empenhada em promover iniciativas que estimulem o desenvolvimento sustentável, equilibrando o crescimento económico com mecanismos de protecção social - para que a geração de riqueza não seja acompanhada da criação de pobreza - e de protecção ambiental - para que a riqueza material não seja gerada a partir da delapidação do património ambiental. Em relação à protecção social, cabe também salientar o trabalho desenvolvido em sede dos acordos de segurança social existentes com Portugal e que visam promover a protecção social de pessoas originais de países com os quais Portugal desenvolve acções de cooperação. A inclusão social e o apoio ao desenvolvimento de infra-estruturas sociais assume, neste quadro, especial relevo.

O desenvolvimento sustentável é um princípio orientador cuja importância se reflecte claramente em dois dos objectivos identificados nos ODM, e diversos outros estão a ele ligados. Assim, as intervenções da cooperação portuguesa neste domínio serão muito diversificadas, tendo no entanto em atenção a necessidade de apoiar os sectores sociais menos capazes de encontrar outras alternativas de sustento económico.

3.5 - Envolvimento nos debates internacionais

Os anos mais recentes trouxeram a consciência aguda da necessidade de haver respostas globais para problemas globais, em especial desde que se percebeu com terrível clareza que as consequências da marginalização económica e social de algumas partes da população mundial são potencialmente desequilibradoras das dinâmicas internacionais por todo o planeta. A esta consciência corresponde uma predisposição renovada, por parte de muitos países, para discutir em comum as melhores estratégias de resposta aos problemas colocados, convergindo esforços internacionais para que se encontrem as soluções necessárias. Portugal não ficará alheio a tais debates e às necessidades de convergência e coordenação internacional.

Nos diferentes círculos onde Portugal faz ouvir a sua voz sobre assuntos de cooperação, seja nos fora internacionais permanentes como a UE, as Nações Unidas, a OCDE ou as instituições de Bretton Woods e os bancos regionais de desenvolvimento, seja em agrupamentos ad hoc ou temporários criados em resposta a um problema particular, os princípios orientadores aqui expressos serão defendidos e aprofundados pelos representantes nacionais. A selectividade, que se impõe pela natureza limitada dos nossos recursos humanos - diplomáticos ou técnicos -, será feita em termos da importância relativa dos assuntos para os princípios orientadores aqui enunciados.

Em simultâneo, Portugal participa no grande esforço quantitativo e qualitativo internacional que se verifica em prol do desenvolvimento. As metas internacionais estabelecidas, para cuja definição Portugal contribuiu, constituem objectivos importantes para o Governo. E em termos qualitativos Portugal subscreve sem reservas a necessidade de se desenvolver e aprofundar uma parceria para o desenvolvimento, nos termos estabelecidos no oitavo objectivo dos ODM: «desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento».

PARTE II

Quadro de acção da cooperação portuguesa

4 - As prioridades da cooperação portuguesa

As prioridades da cooperação portuguesa definem-se a partir dos princípios e dos objectivos já anteriormente explicitados. Na verdade, os princípios do respeito pelos direitos humanos, pela boa governação e pela sustentabilidade ambiental, pela diversidade cultural, pela igualdade de género e pela luta contra a pobreza são também entendidos como o ponto de partida para o estabelecimento das prioridades temáticas e sectoriais da cooperação portuguesa. Por outro lado, estas prioridades reflectem também o papel que Portugal pretende assumir no quadro internacional.

4.1 - Prioridades geográficas

Os países de língua e expressão portuguesa, sobretudo os PALOP e Timor-Leste, são espaços de intervenção prioritária da cooperação portuguesa. Esta concentração existe já, desde o início da nossa cooperação, quer ao nível dos projectos desenvolvidos no quadro bilateral quer no que diz respeito aos que são executados pelas diversas organizações da sociedade civil. Ao concentrarmos a nossa ajuda pública no quadro dos países de expressão portuguesa, incluímos os espaços regionais em que estes se inserem como espaços importantes para o desenvolvimento de acções da cooperação portuguesa. Mesmo no âmbito das nossas relações bilaterais lusófonas, interessa sabermos ancorar esses relacionamentos no devido contexto, regional e sub-regional.

Esta concentração geográfica da ajuda pública deve permitir uma maior eficácia da cooperação portuguesa, rentabilizando, através da definição clara das prioridades sectoriais, a imagem de Portugal como parceiro credível. Por outro lado, devemos cumprir os compromissos internacionais que assumimos. Portugal tem condições especiais para contribuir positivamente para a importante mobilização internacional em torno das necessidades do continente africano e continuará a dedicar grande parte da sua APD a este continente.

Neste âmbito, devem ainda ser incentivadas as relações Sul-Sul, sobretudo entre o Brasil, os países africanos de língua portuguesa e Timor-Leste. A valorização do espaço da CPLP é, pela riqueza da partilha de conhecimentos e pela posição estratégica que pode assumir no seio da comunidade internacional, uma prioridade para Portugal.

Ainda que seja natural que a cooperação portuguesa continue sobretudo dedicada ao espaço lusófono, será dada continuidade à tendência dos últimos anos de afectar uma parte dos recursos da cooperação a outros países.

Incluem-se neste caso países com os quais Portugal tem ligações históricas relevantes, como são os casos de Marrocos, da África do Sul, do Senegal ou da Indonésia, entre outros. Todavia, para evitar a fragmentação e dispersão, as actividades de cooperação em países fora do espaço da CPLP serão sempre em menor escala global.

4.2 - Prioridades sectoriais

Tendo em conta as realidades específicas de cada um dos países e regiões, os desafios de reorientação para a cooperação portuguesa para os ODM, e tendo também presente que a eficácia da cooperação pressupõe uma concertação e concentração geográfica e sectorial, são estabelecidas as seguintes prioridades sectoriais da cooperação portuguesa:

A) Boa governação, participação e democracia. - Assim, pretende-se:

Reforçar as acções de apoio institucional e capacitação que contribuam para o fortalecimento do Estado de direito. Aqui inserem-se programas de formação e capacitação dos organismos públicos, de apoio à boa gestão dos assuntos públicos, bem como o apoio às reformas das administrações públicas, em particular aos processos de consolidação das administrações locais; a melhoria de normas e procedimentos administrativos; a criação de legislação adequada, e o reforço da capacidade de planeamento e da melhoria dos mecanismos de gestão, nomeadamente ao nível das reformas fiscais e do sector da estatística;

Apoiar áreas determinantes para a boa governação, como a administração interna, a justiça e as finanças públicas;

Colaborar na consolidação do sistema de segurança interna, nas suas diversas valências e no respeito pelos princípios do Estado de direito;

Apoiar os processos eleitorais;

Aumentar o apoio ao orçamento, nos casos em que exista um enquadramento local e internacional próprio;

Nos Estados mais frágeis, apostar no desenvolvimento de programas que promovam a paz, a prevenção e a gestão de conflitos, bem como medidas de apoio à estabilidade no pós-conflito. Neste contexto, a cooperação técnico-militar poderá apoiar a reforma das estruturas de defesa dos países parceiros, designadamente nas seguintes áreas: definição da política de defesa; reorganização das forças armadas, por forma a cumprir a sua função de promotoras da estabilidade do Estado, formação e instrução militar e a adopção de códigos de conduta, que visam o respeito pelo direito internacional, pelos direitos humanos e pelo direito humanitário internacional. O apoio à inserção regional destes países, em especial à sua participação em organizações regionais de segurança e defesa, na perspectiva da sua capacitação em matéria de operações de manutenção da paz e humanitárias, deverá ser alvo de uma atenção especial no quadro da cooperação técnico-militar, designadamente em matéria de conceitos, doutrina e princípios.

Considera-se fundamental contribuir para a promoção da democracia representativa e participativa e para o pluralismo político, promovendo mecanismos de diálogo social, tanto por aquilo que representa directamente em termos de qualidade de cidadania como pela relação positiva que existe entre democracia e desenvolvimento. Neste sentido, o apoio à capacitação da sociedade civil e ao desenvolvimento e consolidação do associativismo revela-se de extrema importância;

B) Desenvolvimento sustentável e luta contra a pobreza. - Encarando a pobreza como um fenómeno multidimensional, que abrange o acesso a cuidados de saúde, à alfabetização básica e apoio escolar, à formação mínima, à segurança alimentar, à melhoria habitacional, bem como o apoio a actividades de geração de rendimento, a acções de inclusão social e de promoção de igualdade de oportunidades, designadamente entre homens e mulheres, e tendo presente os ODM, pretende-se contribuir para o desenvolvimento humano e económico das populações dos países parceiros, nomeadamente:

Na educação, entendendo esta como um sector-chave da cooperação portuguesa. No âmbito da educação apoiaremos a escolaridade básica, incluindo a alfabetização de adultos, promovendo a concretização do segundo dos ODM. Nesta área será dada também especial atenção ao ensino técnico e profissional, devendo a tecnologia ser colocada ao serviço da educação, nomeadamente através de programas de ensino a distância. O ensino técnico e profissional é um instrumento fundamental para o desenvolvimento do sector produtivo dos países em desenvolvimento e constitui o primeiro passo de um processo multissectorial de inclusão social. A cooperação científica e tecnológica constitui também um instrumento relevante no sentido do reforço das capacidades locais para a formulação, implementação e avaliação das políticas públicas promotoras do desenvolvimento económico e social bem como da disseminação de uma cidadania informada e activa com efectiva capacidade de intervenção nos desafios da sociedade do saber. No que concerne à cooperação na área do ensino superior, também ela importante, será alvo de uma política clara e concertada, orientada para a promoção da qualidade do ensino e no desenvolvimento de oportunidades de criação de estabelecimentos de formação públicos e ou privados nos países lusófonos, com vista à satisfação das necessidades emergentes de formação para a sociedade global. No mesmo sentido, também a actual política de bolsas será redefinida para responder às verdadeiras necessidade de capacitação, formação e valorização dos países parceiros. Pretende-se, portanto, possibilitar às populações locais o acesso sustentável e de qualidade à educação. A educação deve ainda interagir com a cultura, sendo esta uma área pertinente e relevante para a construção de sociedades multiculturais com capacidade de promoverem e valorizarem a sua especificidade cultural no mundo globalizado. Inclui-se neste âmbito a cooperação no domínio da valorização do património cultural, muito em particular o património móvel e o património imaterial;

A saúde é outra das áreas de relevo da cooperação portuguesa, pelo saber e experiência adquiridos, ao longo dos anos, sobretudo sobre as realidades dos países africanos e de Timor-Leste. Os ODM 4, 5 e 6 apontam para a necessidade de desenvolver um esforço internacional no sentido de reduzir a mortalidade infantil, melhorar os cuidados maternos e combater a incidência do VIH/sida, das doenças sexualmente transmissíveis e da malária e da tuberculose. Importa sobretudo melhorar a capacidade de trabalhar no âmbito dos cuidados primários e de higiene, aproximando deste modo o esforço da cooperação às primeiras necessidades das populações. Garantir o acesso à saúde constitui uma premissa fundamental do direito à protecção social;

O desenvolvimento rural está intrinsecamente ligado à questão da segurança alimentar e da pobreza, pois uma parte considerável das populações dos países em desenvolvimento vive em meio rural, onde os rendimentos são mais baixos. Neste campo, a cooperação portuguesa deverá contribuir para que as populações nos países em desenvolvimento tenham acesso, em qualquer momento, a alimentos nutritivos e inócuos, em quantidade suficiente para levar uma vida activa e sã. Este acesso está reconhecido como direito humano individual na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Portugal participará nas iniciativas internacionais contra a fome e contribuirá para a erradicação da pobreza, através da valorização da gestão comunitária e das culturas tradicionais, assim como das instituições locais ligadas ao desenvolvimento rural;

A protecção do ambiente e a gestão sustentável dos recursos naturais, em particular os recursos hídricos, constituem também uma área prioritária da cooperação portuguesa. A sustentabilidade ambiental é uma componente fundamental do desenvolvimento humano. O objectivo 7 dos ODM e os compromissos da Cimeira de Joanesburgo apontam para a necessidade de impulsionar a boa gestão dos recursos ambientais e, em particular, dos recursos hídricos e o acesso à água e ao saneamento. A vasta maioria dos países em desenvolvimento têm igualmente extensas zonas costeiras e alguns estão já ameaçados pelos impactes de ameaças ambientais globais como as alterações climáticas e a desertificação. Assim, a protecção do ambiente e o ordenamento do território são essenciais para assegurar o mínimo de qualidade de vida das populações, uma vez que têm reflexos directos na saúde humana e no combate à pobreza. É, por isso, importante que a cooperação portuguesa coloque a mais-valia do seu conhecimento ao serviço da gestão sustentável dos recursos naturais, em particular dos recursos hídricos, nos países em desenvolvimento;

É particularmente importante incentivar o crescimento económico, o desenvolvimento do sector privado, a formação e a geração de emprego. A formação e o incentivo à criação de emprego garantem a melhoria das condições de vida das populações locais e promovem o desenvolvimento integrado e sustentado dos países. Neste sentido, a inclusão social dos jovens, sobretudo de grupos de risco, promove a pacificação social e o crescimento económico dos países em desenvolvimento. Na verdade, todo o desenvolvimento requer crescimento, assim, a cooperação portuguesa apoiará iniciativas que tenham estes objectivos, em particular as iniciativas mais geradoras de emprego. Neste âmbito inserem-se os programas de microcrédito associados às actividades geradoras de rendimento. A cooperação portuguesa contribuirá também para a promoção do associativismo empresarial e para capacitar os Estados beneficiários no sentido de criarem condições laborais, políticas de concorrência e legislação que captem o investimento e que reforcem e incentivem o desenvolvimento económico local;

C) Educação para o desenvolvimento. - A educação para o desenvolvimento é uma prioridade importante da cooperação portuguesa. É fundamental criar conhecimento e sensibilizar a opinião pública portuguesa para as temáticas da cooperação internacional e para a participação activa na cidadania global. Esta prioridade, embora menor em termos das suas implicações financeiras, constitui um importante factor de formação cívica, em particular para que as camadas mais jovens da população portuguesa tenham capacidade de participar plenamente na resposta aos desafios globais que se colocam no horizonte.

As prioridades aqui referidas terão um grau de premência e pertinência diferente consoante o país parceiro, sendo importante sublinhar que em cada país a cooperação portuguesa deverá concentrar a maior parte dos seus apoios em apenas três ou quatro prioridades, de forma a pôr termo à pulverização de apoios que tantas vezes se tem verificado no passado e que é tão nociva para a racionalidade, a eficácia e a eficiência.

Para conseguirmos concretizar estas prioridades, há um trabalho de reorientação operacional que é necessário desenvolver. O primeiro passo para essa reorientação é dado no presente documento, através de uma definição clara destas prioridades.

5 - A cooperação portuguesa e o enquadramento multilateral

O enorme acréscimo na intensidade da coordenação internacional nestes últimos anos representa um importante desafio para a cooperação portuguesa, em particular para a sua capacidade de funcionar no enquadramento multilateral que é hoje tão importante. Este desafio constitui ao mesmo tempo uma oportunidade que a cooperação portuguesa procurará aproveitar para difundir e projectar, em espaços mais amplos do que aqueles que seriam permitidos pela actuação estritamente bilateral, os valores e os princípios que a animam.

Já hoje a cooperação portuguesa dedica quase metade do volume total de APD à cooperação multilateral. Em boa medida, este montante resulta por inerência da pertença portuguesa a diversos contextos multilaterais, alguns dos quais com grande importância para a agenda internacional do desenvolvimento. O envolvimento nacional nas grandes discussões do meio multilateral deverá contribuir de uma forma mais efectiva para a defesa dos interesses estratégicos da política externa portuguesa e para a elaboração de estratégias internacionais.

Acresce ainda que uma das características mais visíveis do nosso tempo é a distinção rígida entre cooperação bilateral e cooperação multilateral que deixou de ser sustentável, porque as ideias e as metodologias que se desenvolvem no seio do sistema multilateral condicionam e influenciam sobremaneira a cooperação que se pratica no âmbito bilateral. Assim, estamos hoje perante um cenário em que se impõe uma nova forma de trabalhar, levando para os circuitos multilaterais os valores e as convicções subjacentes à cooperação nacional e trazendo desses espaços de debate novas metodologias e abordagens.

Em Março de 2005 Portugal assinou, juntamente com 90 países e dezenas de organizações internacionais e não governamentais, a Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda para o Desenvolvimento. Respeitar o espírito e a letra desse compromisso internacional significa desenvolver muito substancialmente a capacidade nacional de trabalhar no espaço cruzado entre o bilateral e o multilateral.

5.1 - Orientações gerais portuguesas no contexto multilateral

Uma atenção especial para África

Portugal congratula-se com a ênfase dada nos anos mais recentes ao continente africano e identifica-se com os compromissos europeus de dedicar um esforço acrescido ao desenvolvimento de África. Portugal já destina actualmente cerca de três quintos da sua APD bilateral a África - uma proporção que é internacionalmente muito elevada - e tenciona manter esse compromisso com África.

O apoio ao continente africano constitui, na perspectiva portuguesa, um dos mais importantes desafios da globalização, uma era histórica que tem o potencial de promover a paz e a prosperidade a uma escala sem precedentes.

Porém, este desiderato apenas será atingido se for possível evitar a marginalização de importantes partes do globo, e nomeadamente do continente africano.

Pela via multilateral, Portugal apoia programas de desenvolvimento individuais de países africanos, como é o caso dos programas indicativos nacionais negociados no âmbito da Convenção de Cotonou. O envolvimento português neste importante compromisso internacional europeu - na senda das inovadoras abordagens das Convenções de Yaoundé e de Lomé - representa um contributo muito relevante para o desenvolvimento equitativo do continente africano, nomeadamente em países com os quais Portugal tem poucas ligações históricas. Portugal apoia igualmente programas nacionais de crescimento e redução da pobreza de países africanos em geral e dos PALOP em particular, através da sua participação nos grupos do Banco Mundial e do Banco Africano de Desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, é pela vertente multilateral que melhor se consegue promover soluções para alguns dos problemas estruturais com que os países beneficiários se confrontam, de que são exemplo as questões da boa governação, da integração regional ou dos desafios de natureza transfronteiriça. Assim, Portugal dedicará especial atenção, no âmbito das suas parcerias com agências das Nações Unidas, no quadro da UE e das instituições financeiras internacionais, à promoção de apoios internacionalmente concertados que procurem responder a problemas sectoriais específicos de países africanos, começando pelos PALOP. Outro fórum no qual Portugal contribuirá para o desenvolvimento africano é a OCDE, quer seja na discussão de orientações gerais para a ajuda pública ao desenvolvimento internacional quer seja na promoção de estudos relevantes para a identificação das respostas mais adequadas às circunstâncias africanas.

Apoio à estabilização e à transição para o desenvolvimento

Portugal deve interessar-se em particular por todas as iniciativas relacionadas com o apoio a Estados ditos «frágeis» ou «falhados» e pelas actividades de estabilização e desenvolvimento de pós-conflito (ver nota v).

Com efeito, a existência de «Estados frágeis» constitui uma das mais importantes ameaças na era da globalização, não só para os habitantes desses países como também para muitas pessoas em outras partes do mundo. A natureza dos problemas com que se confrontam os «Estados frágeis» exige uma abordagem multilateral e bilateral concertada. Portugal apoiará iniciativas multilaterais destinadas a tornar o mundo mais seguro, sendo fundamental recordar a este respeito as palavras de Kofi Annan no seu relatório «In larger freedom»:

«[...] não teremos desenvolvimento sem segurança, não teremos segurança sem desenvolvimento, e não teremos nenhum dos dois sem respeito pelos direitos humanos.» Em muitos casos, os custos das iniciativas destinadas a corrigir alguns dos problemas fundamentais dos «Estados frágeis» poderiam ser substancialmente menores, ou mesmo evitados, se na devida altura houvesse uma intervenção internacional concertada em resposta a sinais evidentes de desagregação de uma sociedade. Nos últimos anos, verifica-se um substancial aperfeiçoamento dos mecanismos de alerta precoce para estes sinais, precisamente devido ao reconhecimento internacional do perigo colocado pelos «Estados frágeis». Consideramos portanto particularmente pertinente o empenho multilateral em países que podemos considerar «Estados frágeis», isto é, aqueles que correm o risco de degenerar e desagregar, fazendo alastrar a insegurança não só por entre os seus próprios cidadãos como também por entre os cidadãos da região a que pertencem.

Portugal contribuirá para os esforços internacionais relevantes em «Estados frágeis» pela via multilateral ou, quando apropriado, pela via bilateral.

Apoio aos objectivos de desenvolvimento do milénio

A transformação operada na cooperação internacional nos primeiros anos deste século, de que é símbolo e força motora a congregação de esforços em torno dos ODM, sublinha muito claramente que é fundamental a coordenação para fazer face aos desafios internacionais do desenvolvimento. Com efeito, os métodos utilizados na ajuda pública ao desenvolvimento durante décadas, e nomeadamente a ajuda bilateral descoordenada, constituem porventura a mais relevante razão do relativo falhanço das actividades de cooperação internacional. Ao mesmo tempo que esta realidade se foi progressivamente impondo nas mais importantes análises sobre o desenvolvimento, começou também a tornar-se óbvio que as consequências do subdesenvolvimento ameaçavam todo o equilíbrio internacional na era da globalização. É esta conjunção que leva ao aparecimento e à consolidação dos ODM como metas polarizadoras dos esforços internacionais. Portugal não ficará alheio a esta convergência internacional.

Presentemente, regista-se algum atraso em Portugal na adopção dos ODM como elemento relevante na definição da política nacional de cooperação.

Porém, a partir de 2005 e até ao horizonte internacionalmente estabelecido de 2015, os ODM estarão no centro das opções a tomar pela cooperação portuguesa. Deste modo, existe um princípio de alinhamento e harmonização entre as orientações estratégicas nacionais e as internacionais, criando-se assim as condições básicas para que a cooperação portuguesa contribua para os grandes objectivos internacionais, e para que os recursos internacionalmente disponíveis sejam bem aproveitados para âmbitos e problemáticas que a cooperação portuguesa conhece bem.

O sucesso internacional em relação aos ODM não depende apenas da ajuda pública ao desenvolvimento. O impacte da globalização faz-se sentir em numerosos âmbitos distintos, levando a que, cada vez mais, se fale da necessidade de coerência nas diferentes esferas da política económica, incluindo as que dizem respeito, por exemplo, ao comércio e à agricultura. A participação portuguesa nos debates multilaterais terá em conta a necessária coerência entre as diferentes políticas sectoriais e os valores subjacentes à política externa nacional.

Reforço do espaço lusófono

A capacidade de trabalhar em rede, fazendo convergir para uma lógica comum energias e recursos de fontes diversas, é reconhecidamente uma competência fundamental no relacionamento internacional contemporâneo.

Assume deste modo uma grande relevância a capacidade de gerar, a partir de referências partilhadas, abordagens sinergéticas face a problemas comuns. É assim que a lusofonia deve ser entendida, não apenas como um espaço linguístico partilhado, mas antes como um espaço relevante para o trabalho em rede. A CPLP, organização internacional que congrega os países de expressão portuguesa, representa um importante domínio de trabalho para a cooperação portuguesa, criando-se em particular a possibilidade de utilizar a língua comum como potenciadora de intervenções envolvendo três ou mais países lusófonos. O reforço do espaço lusófono constitui um reforço da capacidade de resposta dos países da CPLP aos desafios da globalização que a todos dizem respeito.

A cooperação constitui, desde a fundação desta instituição, um dos pilares da CPLP, não tendo no entanto realizado em plena efectividade até agora todo o seu potencial nesta matéria. Ao aproximarmo-nos da efeméride que é a celebração do 10.º aniversário da CPLP (2006), vale a pena reflectirmos sobre os mecanismos e as abordagens mais propiciadoras de um aprofundamento da cooperação para o desenvolvimento no espaço lusófono.

5.2 - Espaços multilaterais para o envolvimento português

País europeu e lusófono, atento aos problemas do desenvolvimento e aos desafios da globalização, Portugal tem voz num importante conjunto de espaços de diálogo multilateral. No seio da UE, Portugal participa na definição da política comunitária de ajuda ao desenvolvimento, tanto em relação aos países ACP (África, Caraíbas e Pacífico), através da Convenção de Cotonou, como em relação aos países da América Latina e da Ásia. O recente alargamento para 25 Estados membros, em breve 27, e a possibilidade de futuros alargamentos introduzem dinâmicas novas nas discussões europeias sobre temáticas de desenvolvimento. Respeitando e dialogando com todos os seus parceiros europeus, Portugal defenderá neste âmbito os princípios orientadores para a sua intervenção multilateral.

No âmbito das Nações Unidas, Portugal participa activamente nos grandes debates internacionais sobre temas de desenvolvimento que se realizam na Assembleia Geral e no ECOSOC e trabalha de perto com as relevantes agências das Nações Unidas. Entre estas, destacam-se em particular o PNUD, a ACNUR, o FNUAP e a UNICEF. Com estas agências a cooperação portuguesa colabora não só através das contribuições para o seu financiamento central mas também através do financiamento de projectos específicos, afectando determinadas verbas a esses projectos. O Ministério de Negócios Estrangeiros, principalmente através do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), trabalhará também em estreita coordenação com outros ministérios, no âmbito das iniciativas na esfera própria de agências como a FAO, a OMS e a OIT.

A OCDE constitui outro importante centro de discussão sobre temas de desenvolvimento internacional, em particular através do CAD e do Centro de Desenvolvimento. O CAD é hoje um dos grandes centros de produção de informação e de geração de consensos e de conhecimentos sobre a cooperação para o desenvolvimento, e Portugal participará activamente nos trabalhos correntes dessa instituição. Não sendo possível ter uma presença idêntica em todo o vasto leque de actividades do CAD, Portugal privilegiará os trabalhos temáticos que mais directamente se relacionem com os princípios orientadores expressos neste documento.

As instituições financeiras internacionais, nomeadamente o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e os bancos regionais de desenvolvimento, são importantes pontos de referência para os debates internacionais sobre cooperação para o desenvolvimento. Portugal tem vindo a ampliar a sua presença e capacidade de intervenção nestas instituições, importando reforçar a coordenação entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Finanças.

Outra esfera multilateral que requer a atenção da cooperação portuguesa é a relevância cada vez maior de organizações de âmbito regional. Portugal é um participante activo nos trabalhos das cimeiras ibero-americanas, hoje em vésperas de uma importante transformação institucional, que trará sem dúvida uma renovada capacidade de afirmação desse bloco como um espaço não só de coordenação político-diplomática mas também de cooperação para o desenvolvimento. A cooperação portuguesa estará também atenta à necessidade de apoiar a valorização e capacidade de intervenção de instituições como a União Africana, a SADC e a CEDEAO, incluindo a contribuição da cooperação técnico-militar, que assumem hoje um papel cada vez mais destacado na arquitectura da paz, da segurança e do desenvolvimento internacional.

5.3 - Aprofundamento da abordagem bi-multi

A evolução na cooperação internacional para o desenvolvimento ao longo da última década, com particular intensidade desde a viragem do século, torna muito menos significativa a distinção tradicional entre cooperação bilateral e cooperação multilateral. A cooperação portuguesa, tal como a de outros países doadores, tem de estar à altura dos desafios que isto coloca. É por isso fundamental que sejam aprofundadas metodologias de trabalho bi-multi, fazendo relevar as vantagens de colocar dentro de uma lógica comum os recursos despendidos por via bilateral e por via multilateral. Trata-se de encontrar maneiras de potenciar a cooperação bilateral, colocando-a em parceria com esforços multilaterais, e de, ao mesmo tempo, assegurar que os esforços do âmbito bilateral sejam dirigidos de forma coordenada no sentido da convergência com as intervenções de outros parceiros. O IPAD, enquanto interlocutor simultâneo dos ministérios sectoriais e das agências internacionais, terá um papel fundamental a desempenhar neste processo.

Esta orientação poderá e deverá encontrar diversas formas de realização concreta. Entre elas, destacam-se duas das mais evidentes. A primeira reside no financiamento directo de projectos multilaterais, no contexto de intervenções em que se verifica uma mais-valia relevante desta forma de trabalhar. Portugal já financia este tipo de projectos, por exemplo com o PNUD, com a OIT e com a UNESCO, através do estabelecimento de trust funds ou outros mecanismos. A segunda reside na participação muito mais intensa nos processos de coordenação internacional, tanto nos debates de orientação como na consequente canalização de verbas bilaterais para intervenções sectoriais ou temáticas acordadas no âmbito dessa coordenação. É de realçar que em dois dos países lusófonos - Timor-Leste e Moçambique - a coordenação internacional é muito intensa e que a participação portuguesa nessa coordenação deverá ser muito mais activa. Estes dois exemplos de mecanismos de trabalho bi-multi devem ser mais desenvolvidos, sem prejuízo de outras metodologias com o mesmo objectivo. Regista-se também, nesta convergência entre o bilateral e o multilateral, a existência de múltiplas possibilidades interessantes no desenvolvimento de projectos partilhados com outros países individualmente ou em pequenos grupos. Trata-se de uma prática já muito desenvolvida por alguns países, que é uma consequência natural das mudanças internacionais aqui retratadas.

As relações bi-multi de Portugal estão também reflectidas nos bancos multilaterais de desenvolvimento (BMD) através dos acordos de cooperação técnica que deram origem aos actuais trust funds bilaterais, que permitem às empresas de consultoria e aos consultores individuais portugueses concorrerem a projectos de assistência técnica, promovidos pelos BMD nos países em desenvolvimento, designadamente nos PALOP.

Em suma, é chegado o momento de uma participação mais empenhada e mais inteligente no sistema multilateral da cooperação para o desenvolvimento, na prossecução dos valores fundamentais que norteiam a ajuda pública ao desenvolvimento portuguesa e, mais amplamente, a política externa nacional.

6 - O apoio ao sector privado

Não há desenvolvimento sustentável sem iniciativa privada, a qual, de resto, não exclui - nem nunca excluiu - o papel decisivo do Estado. A APD desempenha um papel insubstituível em muitos países do mundo, e nomeadamente nos países menos avançados, mas constitui um ponto assente que o bom funcionamento de uma economia de mercado é o objectivo mais importante para a dinamização e modernização de economias com maiores dificuldades de integração económica internacional. Uma economia de mercado eficiente e equitativa requer, por sua vez, o desenvolvimento e a consolidação permanente de uma forte base institucional, e nomeadamente de um substrato legal, social e económico, que cabe sobretudo ao Estado assegurar. Esta necessária conciliação entre Estado e mercado - que durante alguns anos eram considerados forças contraditórias - representa hoje um consenso alargado nos estudos sobre o desenvolvimento, conforme pode ser visto no relatório anual do Banco Mundial de 2002, dedicado a este tema.

Também em 2002, o Consenso de Monterrey chamou a atenção para a grande importância da melhoria do ambiente de trabalho para a iniciativa privada em qualquer estratégia para o desenvolvimento. Como não pode haver desenvolvimento sustentável sem o investimento e o dinamismo do sector privado, uma estratégia para o desenvolvimento requer a criação de condições propícias à actividade da iniciativa privada. A este respeito, importa sublinhar o papel primordial da boa governação, resumido sucintamente no Consenso de Monterrey:

«A boa governação é essencial para o desenvolvimento sustentável. Políticas económicas e instituições democráticas sólidas, que respondem às necessidades das pessoas, bem como melhorias de infra-estruturas, constituem a base para o crescimento económico sustentado, a erradicação da pobreza e a criação de emprego.» Conclui-se assim que há um papel de grande relevo para a APD na promoção de economias de mercado, e que esse papel é multifacetado, incluindo actividades tão diversas como o apoio ao funcionamento de um sistema jurídico fiável, a formação para o mercado de trabalho, o fornecimento de crédito concessional e o fomento de parcerias público-privadas, entre outras. A cooperação portuguesa está atenta a esta realidade e apoiará o desenvolvimento do sector privado e das economias de mercado nos países parceiros, associando-se deste modo às grandes tendências internacionais neste domínio.

As instituições fundamentais para o bom funcionamento de economias de mercado - como sejam leis adequadas e um sistema judicial capaz de as fazer respeitar - dependem em grande medida do Estado. Por exemplo, a matriz jurídica e judicial comum que Portugal partilha com os países lusófonos constitui um património evidente para a cooperação portuguesa e uma área de trabalho imprescindível para o desenvolvimento económico destes países. Ao mesmo tempo, em todos os países lusófonos as empresas portuguesas estão entre os maiores investidores estrangeiros, constituindo-se assim como uma massa crítica importante para o desenvolvimento económico do país.

A cooperação portuguesa apoiará a consolidação de economias de mercado nos países em que trabalha, tanto através do IPAD como através de uma nova instituição a ser criada no âmbito do actual processo de reforma da cooperação. O IPAD, vocacionado para a APD, actuará sobretudo no âmbito do apoio à criação de um ambiente propício ao desenvolvimento de economias de mercado, como sejam as áreas da justiça, da formação, do microcrédito e da assistência técnica, entre outras. Em todas estas áreas a cooperação portuguesa dispõe de experiências e competências que podem trazer importantes contributos para o desenvolvimento económico. Entre outras, devem ser aproveitadas e valorizadas as potencialidades presentes nas associações empresariais e sindicais, competindo ao IPAD a mobilização deste património em prol do desenvolvimento dos países parceiros. Assim, o IPAD trabalhará no âmbito do conjunto de recomendações expressas no Consenso de Monterrey sob o capítulo II.A (ver nota vi).

Colmatando uma lacuna na arquitectura da cooperação portuguesa desde a extinção da APAD em 2002, o Governo vai promover a criação de uma nova instituição financeira, que tem por missão central promover a dinamização das economias beneficiárias da APD portuguesa, numa perspectiva de apoio ao desenvolvimento sustentável, em particular através do envolvimento de empresas portuguesas. Esta instituição visa sobretudo corresponder aos desafios enunciados no Consenso de Monterrey sob o capítulo II.B (ver nota vii).

Recorde-se que nesse documento, que representa uma componente importante do consenso internacional contemporâneo sobre cooperação, há uma chamada de atenção para o papel fundamental do investimento directo externo, concluindo-se que é necessário criar as condições para tal investimento, tanto no plano nacional como no plano internacional. Entre os mecanismos recomendados está «a criação de instituições apropriadas nos países doadores para que possam aumentar o seu apoio ao investimento privado estrangeiro», e nomeadamente instituições que possam fornecer crédito de exportação, capital de risco e garantias de crédito. A criação de uma instituição portuguesa destinada a estes objectivos representará um acréscimo decisivo de operacionalidade para a cooperação portuguesa.

Esta nova instituição, financiada maioritariamente pelo Estado mas com uma forte representação do sector privado entre os seus accionistas, poderá integrar a associação EDFI, assumindo-se nessa medida como parceira da Comissão Europeia e do Banco Europeu de Investimentos no contexto da Convenção de Cotonou. Terá também um papel catalizador na conjugação de diferentes instrumentos financeiros já disponíveis - mas dispersos e insuficientemente aproveitados - em Portugal e servirá como interlocutor útil para bancos de desenvolvimento internacionais.

No quadro de uma coordenação nacional, que se quer estratégica, haverá, sempre que necessário, uma articulação com o ICEP.

PARTE III

Quadro institucional da cooperação portuguesa

7 - O dispositivo da cooperação portuguesa

A política de ajuda pública ao desenvolvimento em Portugal tem-se caracterizado por uma grande dispersão institucional, ao nível da formulação, execução e financiamento das actividades, apesar dos esforços que desde o final dos anos 90 se foram desenvolvendo no sentido de melhorar as formas de coordenação da ajuda. Para colmatar este atraso, o dispositivo central da cooperação será dotado de responsabilidades claras relativamente à coordenação e liderança dos esforços conjuntos nesta área. Este dispositivo central trabalhará em estreita articulação com os ministérios sectoriais que desenvolvem actividades de cooperação, nomeadamente através da institucionalização e implementação efectiva das reuniões de coordenação interministerial. A coerência global da cooperação portuguesa passa também pela concertação entre todos os agentes públicos e privados de cooperação, e para esse efeito será também instituído um fórum da cooperação para o desenvolvimento, catalizador de sinergias entre esses diversos actores e promotor de formas de complementaridade entre as diversas acções.

7.1 - Dispositivo central

Criado em Janeiro de 2003, o IPAD tem como principais funções a supervisão, direcção e coordenação da ajuda pública ao desenvolvimento; o planeamento, programação, acompanhamento e avaliação dos programas e projectos de cooperação, e o enquadramento adequado dos programas de cooperação e de ajuda pública ao desenvolvimento financiados e realizados por outros organismos do Estado e demais entidades públicas. Para além desta função de coordenação das actividades públicas, o IPAD concentra também a informação sobre projectos de cooperação promovidos por entidades privadas.

A função de centralização e disseminação da informação é fundamental para as funções de liderança, supervisão e coordenação que incumbem ao IPAD.

Cabe ainda ao IPAD a função de financiar projectos e acções de cooperação e de coordenar o planeamento financeiro de toda a cooperação portuguesa.

O exercício da superintendência e tutela sobre o IPAD atribui ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a responsabilidade pela emanação das directivas sobre os objectivos a atingir nas políticas e nas prioridades da cooperação portuguesa e sobre as estratégias a adoptar nas mesmas. Compete ao IPAD operacionalizar estas instruções, afectando e gerindo os recursos disponíveis em concordância.

Relativamente ao planeamento integrado da cooperação, pretende-se progressivamente trabalhar no sentido de o assumir como um mecanismo, afastando as práticas vigentes da tradicional súmula de numerosas e diversas actividades de cooperação. A partir das orientações e dos objectivos gerais definidos ao nível internacional e ao nível nacional, serão estabelecidas políticas sectoriais coerentes e complementares, adaptadas também às necessidades efectivamente identificadas no terreno, e não simplesmente definidas com base na disponibilidade de recursos ou de prioridades próprias dos agentes da cooperação.

A função central de coordenação do IPAD deriva da necessidade de combater a dispersão de meios e a dispersão de critérios políticos, bem como de melhorar a racionalidade, eficiência e eficácia da ajuda, nomeadamente através da identificação das áreas em que há vantagens comparativas.

Ao nível operacional, trazem-se duas directivas essenciais à actuação do IPAD: eficácia na coordenação orientada para resultados e integração das actividades da cooperação portuguesa de forma a tornar visível uma lógica de conjunto coerente. Essa visibilidade trará vantagens não só ao nível da capacidade de negociação com interlocutores externos bilaterais e multilaterais como tem também repercussões ao nível interno, mobilizando a opinião pública e envolvendo mais activamente a própria sociedade civil.

Políticas mais coordenadas, com distribuição clara de responsabilidades, permitem ainda um maior compromisso ao nível político pela evolução das estratégias definidas, e ainda a identificação de eventuais problemas com os métodos utilizados na prática, permitindo incorporar a experiência anterior na correcção ou prevenção de novos erros. Daí que seja fundamental desenvolver formas de avaliação do IPAD. A avaliação do IPAD deverá incidir não só sobre programas e projectos em curso mas também sobre a eficácia da sua acção coordenadora dos diferentes sectores.

O objectivo da coerência da política externa portuguesa, designadamente no que toca à componente da cooperação para o desenvolvimento, reflecte-se ainda na possibilidade, definida em 1999, de haver delegações para a cooperação compostas por pessoal especializado para exercer funções na área da cooperação, nomeadamente junto das representações diplomáticas portuguesas (ver nota viii). Pretendia-se com esta possibilidade fazer a devida articulação entre as actividades no terreno e o IPAD bem como as outras entidades sectoriais, não governamentais, empresas e municípios, entre outras. Por outro lado, tal presença permite o devido acompanhamento no terreno da evolução da execução dos projectos financiados pela cooperação portuguesa. Importa dar continuidade a esta intenção, regulamentando o referido decreto-lei e implementando estas decisões sempre que isso se afigure necessário.

Reconhece-se que uma dimensão essencial do papel de coordenação do IPAD consiste na articulação das componentes bilateral e multilateral da cooperação portuguesa. Embora se espere que os ministérios sectoriais desenvolvam eles próprios, quando relevante, uma capacidade de se relacionarem com o nível multilateral, o IPAD, pela sua centralidade na cooperação e distribuição da APD, constitui uma preciosa fonte de contacto e informação que muito pode melhorar a acção dos outros agentes na cooperação. Esta relação impõe-se não só no sentido de maximizar a utilização das contribuições para entidades multilaterais de acordo com as nossas prioridades mas também no sentido de se encontrarem financiamentos para acções em conjunto e parceria com essas entidades.

É precisamente pela natureza pluridisciplinar da cooperação portuguesa que se afigura necessário manter o equilíbrio entre a vertente central e a vertente sectorial da cooperação e encontrar formas de sustentar esse equilíbrio mantendo a riqueza da diversidade e potenciando os retornos que se podem gerar a partir da unidade.

7.2 - Ministérios sectoriais

Sendo a coordenação da cooperação portuguesa uma das actividades primordiais do IPAD, torna-se fundamental considerar a importante articulação da acção desta instituição com a acção dos ministérios sectoriais que nesta área têm interesses específicos. São essas diversas actividades sectoriais que devem ser enquadradas de forma coerente numa política estrategicamente orientada, com objectivos partilhados e actividades complementares, quer nas acções bilaterais quer nas acções ao nível multilateral.

Cumpre definir três eixos centrais na acção de coordenação do IPAD em relação ao trabalho dos ministérios: a definição de estratégias; a importância das metas transversais, e a sustentabilidade e apropriação das iniciativas pelos parceiros.

Haverá naturalmente uma maior ênfase na coordenação nos sectores definidos como prioritários para a cooperação. É fundamental reconhecer os objectivos estratégicos sectoriais e incorporar essas considerações nas lógicas de trabalho sectorial. O papel do IPAD desempenha-se tanto na identificação e delineação dos sectores prioritários como no apoio aos agentes da cooperação por forma que as intervenções específicas sejam consentâneas com os objectivos de fundo. É, pois, essencial que haja uma troca adequada de informação e perspectivas, desde a programação até à execução.

Importa também realçar o trabalho de coordenação ao nível das metas transversais já anteriormente definidas, como o respeito pelos direitos humanos, a transparência na governação e a co-responsabilização das entidades locais. Também a adopção de uma lógica comum de sustentabilidade e capacitação dos beneficiários para se apropriarem dos projectos implementados constitui um dos aspectos em que se pretende a conjugação, no plano sectorial, entre o IPAD e os executores no terreno.

7.3 - Coordenação interministerial e coerência da cooperação

A Comissão Interministerial para a Cooperação (CIC) foi criada por Decreto-Lei 175/85, de 22 de Maio, tendo sido objecto de sucessivas reformulações (ver nota ix), com o objectivo explícito de reforçar o papel de coordenação de toda a política nacional de cooperação pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em articulação com os restantes ministérios e organizações públicas e privadas envolvidas. O grande objectivo desta Comissão é o de assegurar direcção e controlo político, entendendo-se que a consistência das políticas constitui condição de eficácia da acção. Nela estão representados todos os ministérios sectoriais com interesse na área da cooperação, sendo a reunião presidida pelo membro do Governo responsável por essa área ou pelo presidente do IPAD, por delegação. Embora esteja estipulado que reúne duas vezes por ano em plenário, a CIC pode reunir extraordinariamente sempre que convocada.

A CIC tem por missão acompanhar com uma regularidade mensal o planeamento e a execução da política de cooperação para o desenvolvimento.

Além das questões de carácter geral, debatem-se neste órgão a cooperação sectorial e a cooperação global com cada um dos países parceiros. Perdeu-se nos últimos anos o hábito de reunir com regularidade a CIC. Contudo, esta constitui um fórum relevante de concertação interministerial e de intercâmbio de informação, pelo que deve reunir com toda a regularidade.

Conselho de Ministros para os assuntos da cooperação

A discussão da cooperação para o desenvolvimento no plano político é fundamental para o aprofundamento de um consenso nacional relativamente à definição e execução das grandes linhas de orientação neste domínio. A presença neste alto órgão do Estado de todos os ministros permite promover não só a coordenação e complementaridade das intervenções sectoriais mas também assegurar a coerência da política de cooperação com outras políticas nacionais que afectam o desenvolvimento dos países aos quais se dirige.

Assim, duas vezes por ano, o Conselho de Ministros deverá debater temas de fundo relacionados com a cooperação, como sejam o orçamento integrado da cooperação, os planos trienais assinados com países parceiros e o balanço de actividades e experiências.

7.4 - Cooperação descentralizada

O conceito de cooperação descentralizada foi introduzido, como proposta da UE, em 1989, na IV Convenção de Lomé, reflectindo uma nova orientação do papel do Estado, da participação e protagonismo dos beneficiários e um maior apoio ao envolvimento da sociedade civil no desenvolvimento. Os desafios da globalização e do combate à pobreza têm conseguido aproximar diferentes actores, e as parcerias público-privadas são, cada vez mais, uma realidade.

O aparecimento da cooperação descentralizada surge, portanto, em resposta às novas dinâmicas da sociedade. A descentralização e a democratização são processos que se encontram em implementação em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o que tem implicado a emergência de novos actores, descentralizados, representativos da sociedade civil.

É importante destacar duas componentes principais: a) a existência de um novo espaço de cooperação para os agentes locais das sociedades em desenvolvimento, a que se reconhece um maior protagonismo e responsabilidade na cooperação; b) a redefinição das acções dos actores dos países doadores no sentido de impulsionarem e fomentarem a participação dos actores locais. Neste sentido, a cooperação descentralizada contribui para o reforço do tecido da sociedade civil, mas reconhece também como actores de cooperação os órgãos descentralizados da Administração Pública.

Assim, a cooperação descentralizada implica:

A participação activa dos diversos agentes em todas as fases do processo, considerando-os responsáveis pelo seu próprio desenvolvimento;

A concertação e complementaridade entre os diversos actores, potenciando abordagens e projectos integrados através do desenvolvimento de parcerias público-privadas;

Uma gestão de recursos descentralizada, que exigirá a adaptação das habituais estruturas e modelos de cooperação;

Uma abordagem que tem em consideração o processo de desenvolvimento, promovendo a apropriação local e encarando tal processo como um objectivo em si mesmo e como meio importante para a avaliação de resultados;

A prioridade à capacitação institucional para o desenvolvimento nas acções de cooperação a implementar, no sentido de incentivar a autonomia e a sustentabilidade das dinâmicas locais. Trata-se, portanto, de um novo enfoque da cooperação caracterizado pela descentralização de iniciativas.

Câmaras municipais e associações de municípios

A cooperação intermunicipal constitui uma das melhores formas conhecidas de cooperação descentralizada. Estabelece-se através de laços de parceria entre municípios dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento, mediante uma relação de igualdade e reciprocidade. Existem vários exemplos de cooperação intermunicipal: os protocolos (para realização de projectos específicos ou para assessorias técnicas), as geminações (acordos que visam trocar conhecimentos e concretizar actividades, projectos ou programas, com uma perspectiva mais de médio e longo prazos) e, num nível mais avançado, as redes (para promover a troca de experiências). As câmaras municipais e as associações de municípios desempenham um papel muito importante na capacitação de organismos similares nos países em desenvolvimento e na elaboração das políticas públicas da administração local, contribuindo para a consolidação do Estado e demais entidades públicas nesses países. Há, portanto, que potenciar este conhecimento técnico incentivando o desenvolvimento de projectos integrados de cooperação, que envolvam parceiros nacionais e locais. A execução de projectos de média e longa duração e a implementação de acções que impliquem uma aposta no processo de desenvolvimento das populações e das regiões conferirão sustentabilidade e credibilidade à cooperação descentralizada portuguesa.

Desta forma, devem ser criados mecanismos que enquadrem este tipo de actividades de cooperação, para que, através de critérios claros de elegibilidade, se apoiem as parcerias entre as câmaras municipais e outros actores de cooperação, como organização não governamental para o desenvolvimento (ONGD), para a concretização de projectos que, inserindo-se nas prioridades da cooperação portuguesa, constituam também uma mais-valia credível para o desenvolvimento dos países com os quais cooperamos. Este mecanismo servirá igualmente para encorajar as boas práticas na cooperação intermunicipal, excluindo-se o financiamento para actividades menos justificáveis à luz dos conhecimentos que hoje temos sobre o contributo da cooperação internacional para o desenvolvimento.

7.5 - Fórum de cooperação para o desenvolvimento

A função principal do fórum de cooperação para o desenvolvimento é a de desenvolver, entre os diversos actores que não pertencem à administração central do Estado, mecanismos de reconhecimento, conhecimento e coordenação entre eles e com a instituição coordenadora da cooperação portuguesa, o IPAD.

Constitui-se como um fórum de coordenação com a sociedade civil e com a administração local, devendo abranger organizações que desenvolvam, comprovadamente e de forma regular, acções de educação e cooperação para o desenvolvimento. Entre estas organizações encontram-se a Plataforma das ONGD, a Associação Nacional de Municípios, o ICEP e as empresas que partilham dos princípios e actuam no âmbito da responsabilidade social, as fundações, associações empresariais e sindicais e outras. A complementaridade e a coordenação de acções no seio da sociedade civil e destas com o IPAD potenciarão a coerência e a eficácia da política de cooperação portuguesa.

Desta interacção, que se deseja que ganhe uma dinâmica própria, poderão surgir projectos comuns, actuações em parceria e propostas e pareceres sobre as políticas públicas da cooperação portuguesa, à semelhança do que acontece em outros países europeus. O fórum tem também condições para vir a constituir-se como um espaço privilegiado para se desenvolverem mecanismos de consulta pública sobre assuntos relacionados com a cooperação para o desenvolvimento. Sentiu-se a falta, no passado, de mecanismos de envolvimento e diálogo entre o Estado e a sociedade civil na área da cooperação, uma lacuna que se pretende agora superar com a criação deste fórum.

8 - A cooperação portuguesa e a sociedade civil

A sociedade civil portuguesa contém um conjunto múltiplo, variado e muito rico de actores que realizam actividades ou projectos de cooperação. Este facto constitui uma mais-valia importante, conferindo diversidade, na forma e no conteúdo, às acções empreendidas e permitindo que os conhecimentos e intervenções se desenvolvam de modo cada vez mais especializado.

Reconhece-se a mais-valia da sociedade civil, enquanto conjunto de associações, empresas e impulsos de natureza não governamental, independente e autónoma, que constituem um espaço privilegiado para o exercício de uma cidadania activa e responsável. Todavia, esta riqueza obriga a um esforço ainda mais exigente em matéria de coordenação, coerência e coesão de políticas, bem como a uma maior definição de mecanismos e de instrumentos que traduzam de forma clara as estratégias e prioridades das políticas públicas da cooperação portuguesa. Isso em nada deverá coarctar a liberdade de iniciativa, a criatividade e a energia própria da sociedade civil.

Importa também melhorar os mecanismos de incentivo, até hoje muito parcos, para que a sociedade civil possa ser mais activa em iniciativas de cooperação.

Assim, no âmbito dos incentivos fiscais ao mecenato, a cooperação para o desenvolvimento e a ajuda humanitária passarão a beneficiar de condições mais favoráveis, reconhecendo-se desta forma o interesse público na generosidade dos mecenas.

8.1 - Construir parcerias e desenvolver projectos de qualidade

Coordenação

É, assim, necessário desenvolver uma complementaridade efectiva entre actores da sociedade civil e destes com o Estado. Os actores de cooperação da sociedade civil portuguesa têm uma responsabilidade importante no planeamento, execução e avaliação das acções de cooperação que Portugal desenvolve. É, portanto, importante que todos partilhem, com responsabilidade e sentido crítico, os sucessos e insucessos da cooperação portuguesa.

A construção de parcerias de sucesso, que queremos e temos de saber incentivar, assenta em três vertentes fundamentais:

Em primeiro lugar, o conhecimento - o conhecimento mútuo entre as instituições permite a aceitação e compreensão da missão, do trabalho e da filosofia que caracteriza cada uma delas;

O segundo aspecto, que deriva do primeiro, é o da confiança mútua - desde que os seus objectivos e a sua forma de trabalhar sejam consonantes com os princípios orientadores e as estratégias da cooperação portuguesa, confiamos em que cada organização pode complementar as suas especificidades no quadro de uma relação de parceria entre instituições da sociedade civil e o Estado;

E o terceiro ponto - o enfoque sobre os resultados, pois a relação de parceria permite o desenvolvimento e a aplicação de projectos mais sofisticados e deve contribuir para uma aprendizagem mútua que permita optimizar e avaliar resultados.

O Governo Português considera de extrema importância a existência de parcerias que permitam operacionalizar com maior qualidade e credibilidade os projectos e programas de cooperação para o desenvolvimento. É neste âmbito que se enquadra o conceito de cluster, que é desenvolvido no capítulo seguinte. Este mecanismo contribuirá certamente para uma coordenação real e efectiva entre os vários actores na implementação de projectos e programas de cooperação.

A coordenação entre actores e entre parceiros públicos e privados traduz-se, assim, na criação de sinergias em duas vertentes fundamentais: ao nível do capital humano e em termos da maximização dos recursos financeiros disponíveis no quadro nacional, europeu e internacional. O desenvolvimento de parcerias sólidas contribuirá para melhorar quer a eficácia quer a eficiência da cooperação portuguesa.

Uma política de desenvolvimento de parcerias encontra diversas exigências que o Ministério dos Negócios Estrangeiros, prioritariamente através do IPAD, terá em conta na sua programação e nas suas actividades:

É necessária uma coerência, aquando da definição de programas, projectos ou parcerias, entre objectivos e prioridades nacionais, o enquadramento nacional dos países e as tendências e debates internacionais. A eficácia das acções decorre da conjugação destes factores;

Os instrumentos desenvolvidos para o apoio à sociedade civil e às parcerias devem reflectir as prioridades e as estratégias centrais da cooperação portuguesa;

Contudo, só a aposta em programas e projectos de qualidade permitirá credibilizar a cooperação portuguesa e, consequentemente, reforçar a posição internacional portuguesa neste domínio. Não basta para tal corresponder às prioridades políticas, é necessário também que os projectos, pela sua inovação e sustentabilidade, confiram à cooperação portuguesa uma imagem de qualidade, muitas vezes contrária à dispersão de acções que tem sido tradicional;

É também importante que a aposta na qualidade traduza o respeito pelos princípios da ética e da transparência. A opinião pública nacional e internacional tem sido muito crítica perante a fraca actuação da ajuda pública na resolução dos problemas dos países em desenvolvimento. O envolvimento das instituições da sociedade civil, sendo um passo importante para a eficiência das acções de cooperação, exige, no entanto, que estas se comprometam com uma noção de responsabilidade social, agindo em conformidade com códigos de ética e transparência internacionais.

Este novo tipo de abordagem, face à riqueza e diversidade da sociedade civil, na tentativa de tirar partido das suas potencialidades para a cooperação para o desenvolvimento, exigirá alguns ajustamentos no quadro legal e nos mecanismos disponíveis. Desde logo, exige-se um enquadramento legal mais claro para as acções de mecenato que pretendam apoiar actividades de cooperação para o desenvolvimento ou ajuda humanitária e de emergência. É também importante rever o estatuto do cooperante, agilizando e clarificando os seus procedimentos por forma a corresponder às exigências de execução dos projectos de cooperação para o desenvolvimento por parte de actores muito diversos. Torna-se ainda premente contribuir para reforçar as dinâmicas espontâneas da sociedade civil, nomeadamente apoiando, através de instrumentos e mecanismos legais, a criação de um voluntariado para a cooperação, jovem e sénior, enquadrando aqueles que de forma voluntária pretendem contribuir com o seu conhecimento e experiência para o fortalecimento da cooperação portuguesa. Na verdade, o capital humano em Portugal representa um recurso muito importante para a cooperação, e este assunto será objecto de aprofundamento no capítulo seguinte. Importa aqui referir, como componente indispensável para a consolidação das parcerias com a sociedade civil, outro mecanismo que será discutido no capítulo seguinte: o reforço dos mecanismos de avaliação que permitam melhorar a qualidade da cooperação portuguesa, melhorando resultados e impactes.

8.2 - Actores da sociedade civil

8.2.1 - Organizações não governamentais para o desenvolvimento

As ONGD são associações da sociedade civil, de direito privado e fim não lucrativo, criadas expressamente com o propósito de trabalhar no âmbito da cooperação para o desenvolvimento. A relação institucional entre o Estado Português e as ONGD é recente. Só em 1994 se aprovou a primeira lei que definia o estatuto das ONGD, reconhecendo a sua qualidade de parceiros da cooperação oficial portuguesa e, portanto, considerando-as passíveis de subvenção financeira por parte do Estado Português. O passado recente caracteriza-se, no entanto, por uma ausência de mecanismos de diálogo e de coordenação, quando não mesmo pela desconfiança activa e o conflito aberto entre o Estado e as ONGD. Tal abordagem, já corrigida, fragilizou a capacidade operacional e a imagem nacional e internacional da cooperação portuguesa, sendo sobretudo importante aprender a partir dessa experiência negativa, e não voltar a cometer os mesmos erros.

Para reforçar a qualidade da parceria entre o Estado e estas organizações da sociedade civil, importa rever a Lei 66/98, de 14 de Outubro, que regula o estatuto das ONGD. Por outro lado, há que consolidar os mecanismos de co-financiamento às ONGD para que os mesmos abranjam as várias áreas de actuação. O apoio financeiro às ONGD deve acatar as prioridades da cooperação portuguesa e ter por base o respeito pelos princípios e valores internacionais que partilhamos. Devem portanto ser criados mecanismos de financiamento e procedimentos claros, perspectivando-se o aumento da percentagem da APD para projectos de ONGD, por forma a começar um processo de aproximação à média europeia, neste domínio.

Existem duas dimensões específicas de actuação que se complementam e para as quais serão desenvolvidos mecanismos apropriados: uma componente nacional, onde se enquadra a «educação para o desenvolvimento» (ED), e uma dimensão internacional, que abrange quer a cooperação para o desenvolvimento quer a ajuda de emergência e humanitária.

A «educação para o desenvolvimento»

A ED constitui um processo educativo constante que favorece as inter-relações sociais, culturais, políticas e económicas entre o Norte e o Sul e que promove valores e atitudes de solidariedade e justiça que devem caracterizar uma cidadania global responsável. Consiste, em si mesma, num processo activo de aprendizagem que pretende sensibilizar e mobilizar a sociedade para as prioridades do desenvolvimento humano sustentável.

Trata-se de um instrumento fundamental para a criação de uma base de entendimento e de apoio junto da opinião pública mundial, e também da portuguesa, para as questões da cooperação para o desenvolvimento.

Embora a ED não se restrinja à educação formal, é importante que esta seja incorporada progressivamente nos curricula escolares, à semelhança do que acontece com outros países europeus, para que a educação formal reflicta e contribua para a criação de cidadãos atentos, exigentes e participativos na vida e na solidariedade globais. A coordenação com o Ministério da Educação nesta matéria é fundamental.

Por outro lado, as temáticas de ED não se confinam só a matérias de carácter internacional, antes potenciam soluções e respostas para questões transversais da nossa sociedade, como sejam a do respeito pela multiculturalidade; as questões da imigração e da inclusão social; a luta contra a pobreza; as campanhas de educação para a saúde e as de sensibilização ambiental; a questão da responsabilidade social empresarial, do consumo sustentável e do comércio justo, e a responsabilidade social dos media.

No âmbito da ajuda humanitária

O elevado número e a crescente complexidade das situações de conflito e de crise humanitária fazem surgir a emergência, a ajuda humanitária, a reabilitação e a reconstrução como áreas importantes de actuação das ONGD e de outras instâncias da sociedade civil. Surgem aqui novas áreas de especialização: a prevenção, gestão e resolução de conflitos, a diplomacia preventiva, a reabilitação de pós-conflito e os processos de reconciliação, os refugiados e as migrações, entre outras. Os princípios da humanidade, da independência, da imparcialidade, da universalidade e da neutralidade estão claramente traduzidos nas Convenções de Genebra. O princípio da transparência e o respeito pelos códigos de ética da intervenção humanitária devem ser transversais a todas as acções de ajuda, evitando-se a instrumentalização da mesma. A acção das ONGD nesta área deve também pautar-se pelo respeito pelos direitos humanos e pelo direito internacional, articulando-se, sempre que possível, com as autoridades locais existentes no terreno. Neste contexto, haverá uma maior clarificação em termos dos financiamentos possíveis, nomeadamente criando uma linha específica de financiamento no âmbito do IPAD, suficientemente dinâmica para responder às necessidades da ajuda humanitária.

8.2.2 - Outras organizações da sociedade civil

Existe actualmente uma diversidade de organizações da sociedade civil que desenvolvem e contribuem para a cooperação para o desenvolvimento, muito embora tenham como principais fins estatutários outros objectivos. Entre estas, inserem-se as fundações, as associações empresariais e sindicais, as universidades e os centros de investigação, as associações de comércio justo, as associações de desenvolvimento local, as associações de imigrantes, etc. Assim, a cooperação portuguesa estará atenta a esta multiplicidade de actores e potenciará as mais-valias de cada uma dessas organizações, através da criação de mecanismos apropriados e do desenvolvimento de parcerias criativas e inovadoras.

Dada a importância, já referida, do sector privado para o desenvolvimento, é natural que as empresas e as associações empresariais devam ser consideradas parceiras relevantes para a cooperação portuguesa. Na verdade, a promoção do crescimento económico sustentável dos países em desenvolvimento é por todos assumida como uma condição indispensável para a redução da pobreza. O desenvolvimento do sector privado é, em regra, reconhecido como o motor do progresso dos países em desenvolvimento.

As empresas portuguesas, também em parceria com diferentes organizações ou instituições públicas, podem participar, entre outras, em acções de formação, de apoio à criação de infra-estruturas sociais, de apropriação de tecnologia e de assistência técnica, de capacitação em áreas de gestão e financeiras, bem como em diversas áreas de legislação laboral, ou de incentivo à criação de movimentos associativos congéneres, potenciando desta forma a criação de emprego e de riqueza nos países em desenvolvimento. Na realidade, as parcerias público-privadas, pela sua abrangência multifacetada, podem contribuir para uma maior eficácia na execução dos projectos de cooperação para o desenvolvimento.

Por outro lado, as empresas e as associações empresariais, ao desenvolverem boas práticas de responsabilidade social, que englobam, entre outras, o respeito pelos direitos humanos e pelas questões do ambiente, contribuem também para sensibilizar toda a cadeia de produção, desde os fornecedores aos accionistas, para a necessidade de, em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, executarem boas práticas de governação empresarial que originem padrões de consumo e de produção sustentáveis.

Em Portugal, ao contrário daquilo que acontece em outros países europeus, os sindicatos e as associações profissionais nem sempre têm sido considerados como parceiros tradicionais da cooperação portuguesa. Contudo, eles têm um papel importante a desempenhar, por exemplo, em matéria de defesa e promoção dos direitos laborais, condição para a realização dos direitos económicos, sociais e culturais. Mas também em outros âmbitos, como sejam a assistência técnica e a formação profissional; programas nas áreas da segurança e higiene no trabalho; promoção da igualdade de género; apoio à articulação de redes sindicais regionais e internacionais, promovendo a participação desses países nos fora de decisão internacional; participação em acções de educação para o desenvolvimento junto dos seus associados em Portugal, etc. São, portanto, agentes importantes na promoção da democracia e do Estado de direito e da redução da pobreza, sendo consequentemente parceiros naturais da cooperação portuguesa.

As universidades portuguesas constituem-se como pólos de saber especializado, sendo nessa medida parceiros relevantes para a cooperação portuguesa. A sua actuação é centrada em cinco vertentes fundamentais:

Formação superior especializada (licenciaturas, mestrados, pós-graduações, doutoramentos, pós-doutoramentos, bem como cursos de especialização), o que contribui para a criação de conhecimento em Portugal e nos países em desenvolvimento, nomeadamente através do acompanhamento do estudante bolseiro da cooperação portuguesa, da formação de profissionais em diversas áreas e da formação de formadores;

Criação de saber em matérias de cooperação para o desenvolvimento (investigação sobre questões relacionadas com os estudos para o desenvolvimento) - a investigação deve contribuir para o conhecimento das realidades e para que se encontrem estratégias comuns e soluções técnicas e indicativas para os problemas dos países;

Criação e capacitação das universidades ou estruturas similares de formação nos países parceiros - esta importante função requer uma abordagem cuidada, por forma que as intervenções correspondam aos objectivos e se assumam claramente como projectos de cooperação para o desenvolvimento;

Espaço de debate sobre os princípios e as metodologias da cooperação para o desenvolvimento;

Agentes de cooperação para o desenvolvimento, concebendo e implementando os seus próprios projectos; assessorias técnicas na implementação de projectos de cooperação para o desenvolvimento, cooperando com outras instituições para o efeito.

A cooperação portuguesa tem apoiado o desenvolvimento de programas de cooperação interuniversitária que visam a capacitação e a criação de conhecimento especializado nos países em desenvolvimento, com especial incidência nos PALOP. No sentido de tornar estes apoios mais eficazes, o tipo de acções actualmente em curso será avaliado no sentido de rever quer a política de bolsas em vigor quer o modelo de apoio às universidades portuguesas que pretendam desenvolver acções de cooperação. O apoio financeiro às acções de cooperação das universidades portuguesas deve traduzir uma visão integrada das políticas públicas da cooperação portuguesa e contribuir efectivamente para a capacitação e apropriação de conhecimentos nos países em desenvolvimento.

As associações de imigrantes são outro actor frequentemente esquecido neste enquadramento. Contudo, trata-se de agentes que em muitos casos desenvolvem projectos de cooperação para o desenvolvimento com os seus países de origem e que devem ser enquadrados em estratégias de coordenação. As associações de imigrantes, em particular as dos PALOP, são agentes que promovem a capacitação e promoção económica nos seus países de origem.

A cooperação portuguesa desempenhará um papel de facilitador junto da sociedade civil. Serão, pois, desenvolvidos mecanismos e linhas de financiamento que permitam operacionalizar, de acordo com as estratégias e as prioridades apresentadas neste documento, e com clareza e eficácia, parcerias integradas que potenciem a implementação de projectos sustentáveis.

9 - Mecanismos da cooperação portuguesa

9.1 - Negociação com parceiros e programação plurianual

A relação entre a identificação dos projectos e a programação e negociação dos mesmos tem evoluído ao longo dos tempos, podendo aqui falar-se de uma distinção entre a programação de primeira geração e a programação de segunda geração, na qual se estabelecia um corte decisivo entre a programação e a execução. O raciocínio é simples: a forma tradicional de programar a cooperação portuguesa (programas de primeira geração) consistia em procurar dar alguma ordem ao conjunto de iniciativas que cada serviço da Administração Pública anunciava querer levar a cabo. Como cada serviço tem grande autonomia em matéria de programação, resultaram inevitavelmente duas consequências: a primeira é que não era possível que as actividades tivessem uma coerência global, porque não havia prioridades nem podia haver afectação de recursos de acordo com prioridades; a segunda é que os recursos tinham tendência a ser consumidos por quem programava o seu uso, ou seja, os próprios serviços. A esta forma de trabalhar correspondia a ideia de uma cooperação baseada na oferta.

A programação de segunda geração, que surge a partir de 2001 e que requer agora um novo dinamismo, contém três passos distintos: primeiro, uma identificação política das áreas prioritárias por via do contacto entre os responsáveis políticos pela cooperação em cada país; segundo, um trabalho de programação técnica efectuado pelo IPAD, com recurso a consultores especializados nos sectores em que isso se justifique; terceiro, já numa fase de elaboração de projectos, o trabalho com os executores competentes, sejam do sector público sejam do sector privado, para corresponder ao estabelecido nas primeiras duas fases. A esta forma de trabalhar corresponde a ideia de uma cooperação baseada na procura.

9.2 - Orçamentação plurianual e eficiência

A existência de um orçamento integrado para a cooperação, há muito identificado como um passo fundamental para as necessárias reformas no sentido da eficiência e da racionalidade, não é ainda uma realidade plena, apesar dos progressos registados na contabilidade orçamental, nomeadamente com o desenvolvimento de programas plurianuais.

Por outro lado, a orçamentação numa base plurianual é um instrumento essencial para a introdução de uma maior previsibilidade na programação da cooperação portuguesa e para a adequação às prioridades geográficas e sectoriais definidas.

Neste sentido, e em sede de Orçamento do Estado, deverá ser reforçada a plurianualidade do Programa Orçamental de Cooperação, tendo em conta a necessária compatibilização com os compromissos plurianuais decorrentes dos programas de cooperação acordados com os países parceiros e com os actores da cooperação portuguesa.

Este esforço traduzir-se-á, igualmente, no estabelecimento de metas de desempenho quantificáveis, a atingir durante o período de implementação, na indicação de modalidades de implementação e na distribuição de tarefas. Tal programação poderá também contribuir para o objectivo que se pretende de simplificação dos processos administrativos, de clarificação dos níveis de decisão e responsabilização, bem como da clarificação das formas de coordenação e comunicação. Mais uma vez, neste contexto, o IPAD desempenhará um papel central na definição e implementação destas metas.

9.3 - Gestão por resultados e normalização de procedimentos

Progressivamente, e seguindo as boas práticas internacionais, deverá ser implementada uma abordagem centrada nos resultados. Isto é, o enfoque central deverá transitar das afectações de recursos para os resultados práticos obtidos. Assim, a utilização total dos fundos disponíveis e o progresso na taxa de execução dos projectos e programas, embora importante, é, por si só, insuficiente. Há que demonstrar que estas actividades tiveram um valor acrescentado real e um impacte positivo nas populações beneficiárias. Esta nova metodologia tem vindo a ser progressivamente difundida à medida que os montantes destinados à cooperação com os países terceiros aumentam, impondo a necessidade de justificar perante a opinião pública dos países doadores a relevância e eficácia dos programas implementados. Para que esta abordagem tenha significado, é necessário definir indicadores susceptíveis de medir o impacte, evitando contudo os riscos associados a um excesso de quantificação que pode levar a menosprezar actividades como a protecção e o respeito pela dignidade humana, dificilmente mensuráveis.

A implementação desta abordagem obrigará à definição de normas e manuais de procedimento para as várias etapas das actividades de cooperação, desde a programação à execução, ao acompanhamento e à avaliação, devendo esta normalização corresponder aos princípios orientadores da cooperação portuguesa atrás definidos e, em especial, aos da eficácia, de harmonização e de alinhamento.

9.4 - Apoio a projectos, apoio a programas, apoio ao orçamento

As grandes linhas de orientação e prioridades estratégicas da cooperação portuguesa serão implementadas através de medidas concretas como o apoio a projectos, a programas e ao orçamento dos países parceiros.

A - O apoio a projectos destina-se a suportar conjuntos de actividades orientadas para um objectivo específico. Esse financiamento não é suportado inteiramente pela ajuda pública, podendo ter origens diferentes, desde que o objectivo a atingir e os métodos a desenvolver sejam partilhados pelas entidades interessadas. Os projectos têm uma componente técnica muito importante, que deverá ser devidamente articulada com os objectivos gerais que se pretendem atingir com as iniciativas de cooperação. Um elemento-chave dos projectos é a análise da sua viabilidade/sustentabilidade, tendo em conta o contexto mais alargado de prioridades da cooperação. Outro elemento igualmente importante é a efectiva resposta às necessidades identificadas no terreno. Embora os projectos tenham necessariamente uma duração limitada no tempo e uma abrangência definida a priori, entende-se que eles devem integrar-se de forma coerente com outros projectos em programas mais globais, orientados por uma estratégia geral, clara e definida. Por outro lado, deverá existir uma atenção constante às diversas fases do ciclo do projecto e ao devido envolvimento/responsabilização das partes interessadas nessas fases.

B - Os programas funcionam como mecanismos de atracção de iniciativas e sinergias para áreas prioritárias sectoriais ou áreas de interesse regional e derivam da orientação estratégica definida pela política de cooperação para o desenvolvimento. Estes programas deverão ter em atenção o alinhamento com as estratégias contidas nos planos nacionais de desenvolvimento dos países parceiros bem como as necessidades de articulação e coordenação entre as prioridades sectoriais de cooperação dos diferentes ministérios e ainda a complementaridade das acções a desenvolver com as que estão a ser implementadas por outros doadores ou agentes de desenvolvimento. Sendo de dimensão variável, os programas deverão considerar as necessidades quer de previsibilidade quer de flexibilidade, sendo importante uma abordagem que contemple a amplitude geral do programa e das acções que dele decorrerão ao longo da sua duração prevista, num plano geral, depois concretizada em documentos mais específicos actualizados e adaptados à evolução da situação no terreno.

C - O apoio directo ao orçamento dos países beneficiários constitui um complemento das outras formas de apoio já referidas (a ajuda financeira, a assistência técnica e os fundos globais). Trata-se de uma forma de apoio que produz benefícios a longo prazo, em termos de desenvolvimento sustentável, baseado na capacitação institucional e no envolvimento das estruturas locais de gestão dos recursos, embora mantendo uma capacidade de acompanhamento que garanta a segurança fiduciária, sobretudo em acção concertada com outros doadores. A natureza desse apoio depende muito das circunstâncias no terreno.

9.5 - Clusters de cooperação:

Um novo instrumento para a cooperação portuguesa

Em economia, utiliza-se o termo cluster para falar de uma concentração geográfica de empresas interligadas, fornecedores especializados de bens e de serviços e de outras instituições associadas. A grande vantagem da figura reside no aumento de produtividade que resulta da proximidade geográfica e da criação de um ambiente propício à adequação do trabalho de cada um às necessidades das outras instituições presentes no cluster. Trata-se de um conceito particularmente pertinente para a cooperação portuguesa.

As principais críticas que historicamente se têm dirigido à cooperação portuguesa descrevem-se rapidamente: dificuldade na identificação de prioridades; dispersão de recursos humanos e materiais por numerosos pequenos projectos; ausência de nexo entre os projectos ou inexistência de uma estratégia global visível; falta de continuidade ou de sustentabilidade devido à escala ou à concepção técnica dos projectos; falta de impacte em termos de desenvolvimento para o país beneficiário; falta de visibilidade política ou física. Não obstante, o facto de este elenco de críticas não ser aplicável a numerosas iniciativas valiosas da cooperação portuguesa, deve reconhecer-se que ele corresponde a um retrato identificável de muitos projectos ao longo dos anos.

Paradoxalmente, uma das fontes deste problema reside na grande disponibilidade que se pode encontrar por toda a sociedade portuguesa, tanto na Administração Pública como na sociedade civil, para trabalhar na cooperação. O facto de durante muitos anos não ter havido um conjunto de orientações claras por parte da tutela política levou a que se multiplicassem iniciativas de todo o tipo, quase sempre em pequena escala, e com uma grande diversidade de graus de qualidade. E, no entanto, a fonte original deste problema contém em si mesma elementos que devem ser valorizados e que dificilmente se encontram noutros países: a frequência do entusiasmo pessoal por trabalhar em actividades de cooperação (em missões curtas, mas também em missões mais prolongadas), e o facto de haver um leque muito alargado de instituições que estão disponíveis para colocar a sua experiência e os seus conhecimentos ao serviço da cooperação.

A proposta que aqui se faz de clusters de cooperação procura tirar proveito dos elementos mais positivos da tradição portuguesa, resolvendo porém os problemas que resultaram de terem proliferado projectos à rédea solta. Um cluster de cooperação é constituído por um conjunto de projectos, executados por diferentes instituições (individualmente ou associadas a instituições do país parceiro), numa mesma área geográfica e com um enquadramento comum.

Um cluster de cooperação permite mobilizar em torno de uma problemática comum um conjunto de instituições que de outra forma tenderiam a desenvolver projectos de forma desgarrada, sem economias de escala, sem as vantagens de uma abordagem integrada e - quase sempre - sem sustentabilidade, visibilidade ou impacte de longo prazo.

Em princípio, um cluster de cooperação deverá ter como elemento central uma intervenção estratégica e substancial financiada através do IPAD, que funcionará também como instituição mobilizadora e coordenadora do cluster.

Em torno deste projecto estratégico desenvolvem-se outros projectos, menores em escala e mais focalizados, que complementam o projecto central e forneçam uma abordagem integrada. Podem participar nos clusters de cooperação tanto as instituições da Administração Pública como a sociedade civil, sendo a heterogeneidade dos actores uma vantagem, e não o contrário. A título de exemplo, para além do IPAD e eventualmente de uma ou duas instituições do sector público português, um cluster poderia ter o contributo de uma ou várias ONGD, universidades, fundações, sindicatos, associações patronais, municípios e empresas.

Compete ao IPAD - naturalmente em diálogo com as entidades competentes do país beneficiário - a identificação dos potenciais clusters da cooperação portuguesa, a sua estruturação conceptual e financeira e a sua gestão global.

Essa gestão global - que poderá ser efectuada directamente ou no regime de outsourcing - diz respeito à lógica integrada do cluster, e não à execução quotidiana dos diversos projectos complementares. O cluster poderá ainda permitir e potenciar uma presença portuguesa integrada e multifacetada em programas que tenham a intervenção de outros doadores multilaterais ou bilaterais, algo que é particularmente importante atendendo à intensidade crescente da coordenação internacional.

9.6 - Voluntariado para a cooperação

Uma das mais-valias da cooperação portuguesa é certamente a riqueza e a motivação do seu capital humano no que diz respeito ao desenvolvimento de acções de cooperação, sobretudo com os países de língua portuguesa. Por outro lado, em termos dos recursos humanos existentes nas instituições públicas, registam-se, com frequência, constrangimentos que dificultam a colocação deste pessoal ao serviço de projectos de cooperação. Há, portanto, que criar condições legais e mecanismos que permitam integrar de forma profissional a disponibilidade voluntária dos indivíduos que desejam participar ou colaborar nos referidos projectos.

Neste sentido, há que corresponder, em particular, a dois públicos alvo mais disponíveis, em termos da sua carreira profissional, para participarem com maior disponibilidade temporal nestes projectos: os jovens e as pessoas já reformadas, os seniores. Assim, será desenvolvido um mecanismo para o voluntariado para a cooperação, jovem e sénior, inserido no actual enquadramento legal da lei do voluntariado, Lei 71/98, de 3 de Novembro, adaptando-se este enquadramento à medida das necessidades.

9.7 - Reforço da coordenação nos países terceiros

A necessidade de reforçar a coordenação nos países terceiros terá uma resposta ao nível dos dispositivos para a cooperação, no sentido de incrementar o contributo das representações nos países beneficiários, quer na identificação quer na programação dos projectos, mas sobretudo no seu acompanhamento e também na avaliação dos mesmos. O reforço do aparelho existente no terreno será complementado pela implementação de um sistema de informação que de forma eficaz dê resposta às necessidades dos agentes da cooperação. O investimento actual da cooperação portuguesa é bastante substancial, sendo no entanto insuficientemente apoiado, em particular nos países destinatários. Verifica-se assim que continua a ser muito necessário criar as delegações da cooperação, figuras já instituídas em 1999 mas até hoje nunca concretizadas.

9.8 - Acompanhamento, avaliação e aprendizagem

O acompanhamento e a avaliação dos projectos, dos programas e das políticas de cooperação constituem mecanismos indiscutivelmente necessários para a construção de uma cooperação para o desenvolvimento que seja de qualidade e eficaz.

Num contexto internacional, onde a comunidade de doadores deve acompanhar as dinâmicas das sociedades em desenvolvimento e reflectir em tempo sobre o impacte das acções desenvolvidas, e perante uma pressão, cada vez maior e mais estruturada por parte da opinião pública nacional e internacional, que exige maior transparência e coerência de políticas, o acompanhamento e a avaliação tornaram-se mecanismos fundamentais. É neste contexto que se assiste actualmente, por parte dos países doadores e das organizações internacionais, incluindo a própria Comissão Europeia, à reforma dos sistemas, instrumentos e agências de cooperação no sentido de uma maior harmonização de políticas e procedimentos por parte dos doadores. Também em Portugal se sente essa necessidade, e para estes objectivos a avaliação e o acompanhamento são dois mecanismos essenciais para uma cooperação portuguesa de qualidade e com capacidade para agir.

A avaliação e o acompanhamento são mecanismos complementares. Por um lado, permitem construir um processo de aprendizagem que contribuirá para aumentar a eficácia da ajuda e, por outro, permitem a transparência e a prestação de contas junto da opinião pública e junto dos nossos parceiros. O acompanhamento deve ser perspectivado quer ao nível micro - saber e ter capacidade para acompanhar as acções e os projectos que apoiamos - quer ao nível macro - ter a capacidade de analisar e participar nos debates políticos e nas dinâmicas do quadro bilateral e multilateral. Ambos requerem trabalho de reforço no seio da cooperação portuguesa. São igualmente pertinentes os sistemas de follow-up, internos, na administração do Estado, e externos, com os vários parceiros da cooperação portuguesa, que permitam acompanhar a execução e implementação das acções e das políticas.

A avaliação, por sua vez, englobando o próprio acompanhamento, é um processo tão sistemático e objectivo quanto possível, que consiste em apreciar um projecto, programa ou política em curso, ou já concluído, a sua concepção, execução e resultados (OCDE, 1992). Vai para além da auditoria, embora esta deva ser um instrumento cada vez mais utilizado na cooperação portuguesa, devidamente enquadrado no âmbito da avaliação. A finalidade da avaliação é a de aferir processos e resultados, aprender as lições desta avaliação e aumentar o conhecimento técnico e político sobre as realidades e os contextos; prestar contas e promover a transparência, e contribuir para responder às obrigações perante a comunidade internacional. Nesta matéria, é hoje urgente recuperar o tempo perdido, regressando ao processo de consolidação de um sistema de avaliação que foi interrompido nos últimos anos.

Os critérios de avaliação da cooperação portuguesa são de duas ordens:

Políticos, pois as acções apoiadas pela cooperação portuguesa devem respeitar os valores e os princípios aqui enunciados, enquadrando-se com relevo e pertinência nas prioridades e objectivos definidos, nomeadamente contribuindo para a concretização dos ODM;

Técnicos, contando-se entre estes, obviamente, a sustentabilidade, o impacte, a eficácia, a eficiência e a coerência.

A avaliação na cooperação portuguesa deve também constituir um processo credível e independente de aprendizagem participada, envolvendo os próprios actores e beneficiários, havendo sempre lugar à divulgação dos resultados das avaliações, e assegurando que estes sejam apreendidos e incorporados nas acções em desenvolvimento. É, portanto, claro que a avaliação contribui para o processo de decisão política e técnica da cooperação portuguesa e deve ser entendida como um mecanismo transversal a toda a cooperação. É assim fundamental criar uma cultura de avaliação e aumentar a nossa capacidade técnica nesta área, conseguindo nomeadamente acelerar procedimentos que permitam avaliar mais e melhor.

A decisão política terá obviamente em consideração, na afectação dos recursos disponíveis, os resultados dos projectos e das acções e a qualidade das intervenções bem como as boas práticas desenvolvidas.

9.9 - Acção humanitária

(catástrofes, protecção civil e emergência médica)

A acção humanitária deve ser enquadrada, planeada e executada no quadro e em coordenação com os outros instrumentos que compõem o conceito de APD. A acção humanitária é uma componente importante da ajuda internacional. Devido sobretudo ao crescente número de situações graves de conflito e à incidência recente de acidentes naturais graves, têm sido afectados internacionalmente muitos recursos e mecanismos para o apoio à acção humanitária.

Assiste-se a nível internacional a uma mudança e reorientação das agências e organismos internacionais, em particular das Nações Unidas, tanto ao nível da melhoria da resposta humanitária, tornando-a alvo de avaliação e de procedimentos transparentes e éticos, como quanto à criação de mecanismos que enquadrem devidamente estas acções no âmbito do direito internacional, nomeadamente o direito de proteger as vítimas e a defesa dos princípios humanitários.

Portugal deve continuar a participar activamente no esforço internacional da ajuda humanitária, apostando na coordenação entre os vários actores estatais e da sociedade civil, para que com maior eficácia, e através de uma boa utilização de recursos, conjugados com o necessário enquadramento internacional na prestação dos cuidados imediatos, seja em situações de catástrofe seja de crise, se possa atender às necessidades imediatas e prementes das populações vítimas de catástrofe ou de conflito.

A acção humanitária na cooperação portuguesa orienta-se fundamentalmente para o apoio em situações de catástrofe natural e de calamidade pública, da qual resultem necessidades acrescidas de apoio para as populações locais.

Embora tradicionalmente essa ajuda seja direccionada predominantemente para os países parceiros da cooperação portuguesa, a ajuda humanitária tem sido também distribuída noutras zonas onde a dimensão do desastre assuma consequências particularmente devastadoras. A cooperação portuguesa trabalhará com a consciência de que a transição para a fase de desenvolvimento deve ser tida em consideração o mais cedo possível no contexto das operações de ajuda, introduzindo a ponte com acções de reabilitação e de desenvolvimento sustentável.

A acção humanitária portuguesa deverá portanto articular-se com os esforços da comunidade internacional, nomeadamente com os mecanismos de coordenação no seio da UE bem como ao nível das Nações Unidas. Tal coordenação será desejável não só nas formas de resposta como também nas acções de prevenção e alerta precoce.

A complexidade da intervenção da ajuda humanitária, nomeadamente em termos dos cenários de actuação e da complexidade de meios e mecanismos, exige também uma maior coordenação no plano nacional, para que possamos desenvolver uma capacidade de resposta organizada. Colocam-se no plano nacional desafios importantes no que diz respeito à coordenação interinstitucional, a que importa dar resposta. É no plano da nossa capacidade de organização interna que se encontra o primeiro factor de credibilidade da nossa intervenção externa.

(nota i) Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/99, de 18 de Maio.

(nota ii) Em 2004 a APD atingiu oficialmente o montante de 0,63 do rendimento nacional bruto (RNB); porém, este montante resulta de uma particularidade estatística do sistema desenhado pelo CAD da OCDE, que assimila o reescalonamento da dívida de Angola a um perdão de dívida, fazendo incidir a totalidade do montante no ano de 2004. O montante real (descontando a operação da dívida angolana) situa-se em 0,21% do RNB, que é o montante mais baixo desde 1996. Acresce que, a partir de 2009, quando Angola começar a saldar a dívida nos termos do acordo, segundo o sistema estatístico do CAD os montantes envolvidos contarão como APD negativa, isto é, abatendo contra a soma de APD em cada ano subsequente. Trata-se, na realidade, de uma operação que podemos classificar de «APD a crédito».

(nota iii) Assembleia Geral das Nações Unidas, «In larger freedom: towards development, security and human rights for all», relatório do Secretário-Geral para a 59.ª Sessão (A/59/2005), Março de 2005.

(nota iv) DAC-OECD, «DAC recommendation on untying official development assistance to the least developed countries», DCD/DAC (2001)12/Final.

(nota v) Aproveitando a definição sugerida pela agência britânica DFID, um «Estado frágil» é um Estado cujo governo não pode ou não quer cumprir as suas funções centrais. As mais importantes funções do Estado para a redução da pobreza são o controlo territorial, a segurança, a capacidade de gerir recursos públicos e fornecer serviços básicos, e a capacidade de proteger e apoiar as formas de sustento dos mais pobres - DFID, Why We Need to Work More Effectively in Fragile States, Janeiro de 2005.

(nota vi) «Mobilização de recursos financeiros nacionais para o desenvolvimento».

(nota vii) «Mobilização de recursos internacionais para o desenvolvimento:

investimento directo externo e outros fluxos privados».

(nota viii) Decreto-Lei 296/99, de 4 de Agosto.

(nota ix) A actual orgânica foi aprovada pelo Decreto-Lei 127/97, de 24 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei 301/98, de 7 de Outubro.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2005/12/22/plain-192675.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/192675.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1985-05-22 - Decreto-Lei 175/85 - Ministério dos Negócios Estrangeiros

    Cria, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, a Comissão Interministerial para a Cooperação, órgão de consulta e articulação das actividades desenvolvidas na área da cooperação.

  • Tem documento Em vigor 1997-05-24 - Decreto-Lei 127/97 - Ministério dos Negócios Estrangeiros

    Aprova a lei orgânica da Comissão Interministerial para a Cooperação (CIC), orgão sectorial de apoio ao Governo na área da política de cooperação para o desenvolvimento, que funciona no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Define as competências, composição, organização e funcionamento da CIC, que recebe apoio técnico e administrativo do Instituto da Cooperação Portuguesa.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 301/98 - Ministério dos Negócios Estrangeiros

    Altera o Decreto Lei 127/97, de 24 de Maio, que aprova a lei orgânica da Comissão Interministerial para a Cooperação.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-14 - Lei 66/98 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto das Organizações Não Governamentais de Cooperação para o desenvolvimento prosseguindo objectivos de cooperação para o desenvolvimento de assistência humanitária, de ajuda de emergência e de protecção e promoção dos direitos humanos.

  • Tem documento Em vigor 1998-11-03 - Lei 71/98 - Assembleia da República

    Bases do enquadramento jurídico do voluntariado, que tem como objectivos promover e garantir a todos os cidadãos a participação solidária em acções de voluntariado. Define as bases do seu enquadramento juridico.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-04 - Decreto-Lei 296/99 - Ministério dos Negócios Estrangeiros

    Prevê a criação de delegações para a cooperação junto das missões diplomáticas portuguesas e define as respectivas atribuições.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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