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Acórdão 311/2000/T, de 6 de Fevereiro

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Texto do documento

Acórdão 311/2000/T. Const. - Processo 336/99. - Acordam no Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Ernesto Pinto Correia veio deduzir contra Matilde Celeste Gonçalves Henriques Nunes, por apenso aos autos de execução para entrega de coisa certa que correm termos pelo Tribunal Judicial do Funchal, uns embargos de terceiro para não ser desapossado de parte da casa que integra a sua morada de família, e que a exequente pretende recuperar.

Contestados os embargos, veio a ser proferida, em 5 de Fevereiro de 1997, uma decisão que julgou improcedentes os embargos com fundamento no disposto no artigo 1038.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC).

Não se conformando com o assim decidido, o embargante interpôs recurso de agravo para a Relação de Lisboa.

Por Acórdão de 18 de Dezembro de 1997, a Relação decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, ainda que com fundamentação diversa da invocada na 1.ª instância.

Foi a seguinte a fundamentação utilizada:

"Para resumir, naquilo que os autos nos revelam de essencial, diremos que: a) a ora embargada, Matilde Celeste, foi arrendatária dos referidos 2.º e 3.º andares do prédio supra-identificado; b) pela mulher do aqui embargante (encontrava-se este, à data, emigrado na Venezuela, não tendo intervindo na acção, por razões que os autos não patenteiam) foi movida àquela acção de despejo, denunciando o contrato para habitação própria, acção que foi julgada procedente; c) por não ter procedido à efectiva desocupação da parte da casa despejada, a aqui embargada intentou acção, pedindo a restituição do arrendado, nos termos do artigo 1099.º do Código Civil, o que lhe foi concedido. Matilde Celeste reassumiu, pois, a sua anterior qualidade de arrendatária da parte do prédio dos autos.

Nos termos do n.º 2 do artigo 1037.º do aludido Código, 'locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes'.

Ora, é ponto que não suscita controvérsia que a embargada reassumiu a sua qualidade de arrendatária, pese embora a pendência destes embargos de terceiro. Assim sendo, temos por certo que estará votada ao insucesso, por inviável, qualquer pretensão possessória por parte do recorrente, visto que a embargada pode, sempre, opor-lhe, com eficácia, aquela sua qualidade de arrendatária."

O recorrente e embargante veio pedir a aclaração do acórdão, pretensão que foi indeferida por Acórdão de 12 de Fevereiro de 1998.

Notificado desta decisão, o recorrente veio arguir a nulidade do Acórdão de 18 de Dezembro de 1997, por "manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão".

Por Acórdão de 2 de Abril de 1998, a Relação indeferiu esta pretensão do reclamante e recorrente por entender que não existia qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

2 - Ernesto Pinto Correia, notificado deste acórdão, veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com fundamento na violação de caso julgado.

Admitido o recurso e produzidas as competentes alegações, o relator no STJ proferiu um despacho em que, com invocação do artigo 681.º, n.º 3, do CPC (perda do direito de recorrer por aceitação tácita da decisão), se propõe não conhecer do recurso.

Notificado o despacho em questão às partes, ambas responderam, tendo o recorrente suscitado no final da sua resposta a inconstitucionalidade da interpretação defendida no despacho quanto ao artigo 681.º, n.º 3, do CPC, por violação dos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

O relator, após as respostas das partes, proferiu então um despacho em que decidiu não conhecer do objecto do recurso, "nos termos das disposições conjugadas dos artigos 668.º, n.º 3, 762.º, n.º 1, 749.º, 700.º, n.º 1, alínea e), e 704.º do CPC (actual redacção)".

3 - Ernesto Pinto Correia veio então requerer, nos termos do n.º 3 do artigo 700.º do CPC, que sobre tal despacho recaísse acórdão da conferência, mantendo o recorrente a alegação sobre a inconstitucionalidade da interpretação do n.º 3 do artigo 681.º do CPC.

O STJ, por Acórdão de 16 de Março de 1999, veio a confirmar o despacho do relator, considerando não se verificar a inconstitucionalidade alegada pelo recorrente.

Notificado deste acórdão, Ernesto Pinto Correia veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade constitucional do n.º 3 do artigo 681.º do CPC.

Produzidas as pertinentes alegações, o recorrente, dado que as que apresentara não continham conclusões, após convite para as produzir, formulou as seguintes:

"1 - A mulher do recorrente, Maria do Rosário Rodrigues Major, intentou, oportunamente, no Tribunal Judicial do Funchal, contra a ora recorrida, a acção de despejo dos 2.º e 3.º andares do prédio de que é proprietária com fundamento na necessidade do então arrendado para a sua habitação e de seus familiares, acção esta que foi considerada procedente (processo 62/82 da 1.ª Secção do 1.º Juízo do Tribunal do Funchal).

2 - O recorrente não teve intervenção naquele processo, já que para a resolução do contrato de arrendamento não é exigível a intervenção dos dois cônjuges (Acórdão do STJ de 27 de Abril de 1993, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 426, p. 438).

3 - A ora recorrida veio porém intentar, nos termos do artigo 1099.º, n.º 2, do Código Civil, acção com vista à devolução da parte do prédio que fora despejado (processo 148/90 do 3.º Juízo Cível do Funchal).

4 - Tal acção foi intentada, exclusivamente, contra a mulher do recorrente, que, dolosamente, identificou como viúva, ocultando a existência do recorrente cônjuge marido, que não foi havido nem achado em tal processo.

5 - Estando em causa um bem comum do casal e em qualquer caso a casa de morada de família, teria o recorrente de ser imperativamente demandado sob pena de ilegitimidade, dado ocorrer situação de litisconsórcio necessário (artigo único, n.º 1, da Lei 35/81, de 27 de Agosto, artigo 28.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 28.º-A do Código de Processo Civil actual, e ainda artigo 19.º do Código de Processo Civil anterior e artigo 1682.º-A do Código Civil).

6 - Assim sendo, a decisão proferida no processo intentado pela recorrida contra a mulher do recorrente, que condenou esta a entregar à recorrida o prédio em causa nos autos, não é oponível ao recorrente, ou seja, não constitui caso julgado relativamente a ele (Acórdão do STJ de 10 de Outubro de 1988, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 380, p. 436).

7 - Por assim ser, no âmbito da execução do mandado de despejo na acção referida, o recorrente deduziu embargos de terceiro no exercício do direito que lhe assistia (Acórdão do STJ de 28 de Janeiro de 1997, in Colectânea de Jurisprudência, ano I, t. I, 1997, p. 74).

8 - Não obstante assim ser, o Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Dezembro de 1997 (fls. 67 e seguintes) entendeu que a recorrida, então embargada, podia opor ao recorrente, e então embargante, a qualidade de arrendatária que readquirira por Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de 17 de Maio de 1994, em processo em que, apesar de estar em causa um bem comum do casal e morada de família do recorrente, este não fora demandado, nem a ele chamado.

9 - Daqui decorre que, não sendo oponível o referido caso julgado ao recorrente, não lhe era, igualmente, oponível a alegada qualidade de arrendatária da recorrida emergente do citado Acórdão da Relação de 18 de Dezembro de 1997, que violou os limites subjectivos do caso julgado.

10 - Relativamente a tal acórdão, do qual não cabia, em princípio recurso ordinário, por razões de alçada, arguiu o recorrente nulidade por vício de contradição entre os fundamentos e a decisão [alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil].

11 - Tal arguição foi indeferida por Acórdão da Relação de 2 de Abril de 1998, por via do qual se tornou manifesta a violação de caso julgado por parte do Acórdão de 18 de Dezembro de 1997, razão pela qual, só então, o recorrente fez uso da situação excepcional do n.º 2 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, que admite, independentemente da alçada, recurso ordinário quando ocorre a referida situação de violação de caso julgado.

12 - Porém, apesar de admitido pela Relação tal recurso, no STJ o ilustre conselheiro relator veio sustentar que, nos termos do n.º 3 do artigo 668.º do Código Processo Civil, as nulidades só são arguidas perante o Tribunal a quo quando da decisão não caiba recurso, pelo que, tendo-se arguido a nulidade no tribunal a quo, o recorrente teria praticado, nos termos do n.º 3 do artigo 681.º do Código de Processo Civil, facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.

13 - Foi neste sentido a decisão do Acórdão do STJ de 16 de Março de 1999, agora sob recurso, relativamente ao qual se entende que a interpretação adoptada do citado n.º 3 do artigo 681.º do Código de Processo Civil inconstitucionaliza aquele normativo por ofender de forma manifesta os artigos 2.º e 20.º da CRP e conduzir a uma verdadeira denegação da justiça.

14 - Na verdade, na revisão constitucional de 1997 reforçaram-se aqueles dispositivos e princípios, passando a falar-se não apenas no 'acesso ao direito' mas na tutela jurisdicional efectiva.

15 - O recorrente arguiu a nulidade perante o tribunal a quo face a uma imposição legal, por, em princípio, não caber recurso ordinário do Acórdão da Relação de 18 de Dezembro de 1997, não tendo sido pois uma opção livre do recorrente tal arguição.

16 - Assim, o acórdão recorrido, ao interpretar o n.º 3 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, em termos de integrar uma verdadeira sujeição processual a que o recorrente estava subordinado, inconstitucionaliza tal disposição, face ao artigo 20.º da CRP.

17 - Igualmente a interpretação dada inconstitucionaliza ainda no mesmo normativo por pôr em causa os princípios da proporcionalidade, de certeza e segurança jurídicas, com manifesta violação do artigo 2.º da CRP.

18 - No sentido das conclusões supra, v., de entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.os 318/85, 269/87, 412/87, 30/88, 56/85, 282/86 e 405/87."

Pelo seu lado, a recorrida resumiu da seguinte forma as suas alegações:

"Não houve violação de qualquer preceito constitucional, nomeadamente:

a) O artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, tendo sido assegurado ao recorrente o princípio da proporcionalidade, bem como o da certeza e segurança jurídicas, já que, como se disse:

Não está em causa a casa morada de família do recorrente;

Nem se trata, manifestamente, na acção principal de um caso de litisconsórcio necessário; sendo que

A recorrida poderia sempre opor ao recorrente o seu contrato de arrendamento, que nunca cessou;

b) O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, já que o Supremo Tribunal de Justiça interpretou correctamente o disposto no n.º 3 do artigo 681.º do Código de Processo Civil, não se justificando a recorribilidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que faz caso julgado."

Após a apresentação das conclusões por parte do recorrente, a recorrida veio tomar posição sobre essas conclusões, mas limitando-se a reafirmar a posição que já defendera nos autos.

Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - 4 - A questão de constitucionalidade que vem suscitada nos autos reporta-se à interpretação do n.º 3 do artigo 681.º do CPC feita no STJ, segundo a qual não era possível conhecer do recurso interposto do acórdão da Relação por se ter entendido que o recorrente praticou um facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer ao arguir a nulidade daquele acórdão, o que inculca haver aceitação tácita da mesma decisão.

O artigo 681.º do CPC tem o seguinte teor:

"Artigo 681.º

Perda do direito de recorrer

1 - [...]

2 - Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.

3 - A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita. A aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.

4 - [...]"

5 - Importa ordenar e apreciar pormenorizadamente todos os factos relevantes.

O presente processo de embargos de terceiro tem o valor de 500 001$00, sendo a alçada em vigor nas relações de 2 000 000$00 (artigo 20.º, n.º 1, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), pelo que, em princípio, não cabia recurso ordinário do acórdão da Relação. Face a esta situação, o recorrente, após dedução de um pedido de aclaração que foi indeferido, arguiu a nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC (contradição entre os fundamentos e a decisão) perante o próprio Tribunal da Relação.

Afirma o recorrente que só após a prolação do Acórdão da Relação de 2 de Abril de 1998, tirado na sequência da arguição de nulidades, se tornou manifesta a violação do caso julgado - no sentido de que a decisão da entrega do prédio à recorrida não podia valer contra ele - e que pretendeu reagir contra a improcedência dos embargos lançando mão da faculdade concedida pelo artigo 678.º, n.º 3, do CPC, que admite sempre o recurso, independentemente do valor da causa, com fundamento em ofensa de caso julgado.

Vejamos esta questão com mais atenção.

A decisão de 1.ª instância julgou os embargos improcedentes pelo facto de os mesmos respeitarem a um bem adquirido pela executada a título gratuito, pelo que o artigo 1038.º, n.º 2, alínea b), do CPC impedia o embargante de deduzir os presentes embargos. Desta decisão veio a ser interposto recurso para a Relação. O fundamento deste recurso assentou na alegação do recorrente de que a decisão proferida na acção comum intentada pela embargada e recorrida contra a mulher do embargante, e cuja decisão se pretende executar (para reocupação do arrendado despejado, execução contra a qual o embargante e recorrente levantou os presentes embargos), não lhe pode ser oponível por entender que o recorrente e agravante também devia ter sido demandado, uma vez que está casado no regime da comunhão geral de bens.

A Relação, num primeiro Acórdão de 18 de Dezembro de 1997, afastou a fundamentação utilizada na 1.ª instância com o argumento de que o artigo 1038.º, n.º 2, alínea b), do CPC não se aplica ao caso dos autos, pois "visa as situações de penhora em execução por dívidas, o que não se compagina com o caso dos autos". Sintetizando a fundamentação do acórdão, escreveu-se:

"Para resumir, naquilo que os autos nos revelam de essencial, diremos que: a) a ora embargada, Matilde Celeste, foi arrendatária dos referidos 2.º e 3.º andares do prédio supra-identificado; b) pela mulher do aqui embargante (encontrava-se este, à data, emigrado na Venezuela, não tendo intervindo na acção por razões que os autos não patenteiam) foi movida aquela acção de despejo, denunciando o contrato para habitação própria, acção que foi julgada procedente; c) por não ter procedido à efectiva ocupação da parte da casa despejada, a aqui embargada intentou acção pedindo a restituição do arrendado, nos termos do artigo 1099.º do Código Civil, o que lhe foi concedido. Matilde Celeste reassumiu, pois, a sua anterior qualidade de arrendatária da parte do prédio dos autos.

Nos termos do n.º 2 do artigo 1037.º do aludido Código, 'o locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes'.

Ora, é ponto que não suscita controvérsia que a embargada reassumiu a sua qualidade de arrendatária, pese embora a pendência destes embargos de terceiro. Assim sendo, temos por certo que estará votada ao insucesso, por inviável, qualquer pretensão possessória por parte do recorrente, visto que a embargada pode, sempre, opor-lhe, com eficácia, aquela sua qualidade de arrendatária."

A decisão de 1.ª instância foi, assim, confirmada, mas por fundamentos diversos.

Notificado desta decisão, o recorrente veio pedir a sua aclaração, que foi indeferida por Acórdão de 12 de Fevereiro de 1998. O fundamento da aclaração foi o de que "a recorrida fora reconhecida naquela acção de reocupação como locatária e, em consequência, sempre poderá opor aquela qualidade a qualquer pretensão possessória do recorrente", enquanto o embargante pretende pôr em causa o facto de a embargada recorrida ter obtido na referida acção de reocupação o reconhecimento da qualidade de arrendatária sem que o recorrente tivesse sido demandado. O pedido de aclaração foi indeferido por se ter entendido que a procedência da acção de reocupação fez renascer o contrato de arrendamento na esfera patrimonial da embargada, com os mesmos limites e conteúdo económico.

Após o indeferimento do pedido de aclaração, o recorrente veio arguir a nulidade do respectivo acórdão por "manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão". De facto, o acórdão entende que à recorrida e embargada foi reconhecida na acção de reocupação, já transitada, a qualidade de locatária, a qual sempre poderia opor a qualquer pretensão possessória do recorrente; pelo seu lado, o embargante entende que o caso julgado da sentença proferida na acção de reocupação não lhe é oponível, uma vez que nessa acção existia, em relação a ele, embargante, e sua mulher, litisconsórcio necessário.

A arguição de nulidade foi desatendida por Acórdão de 2 de Abril de 1998.

O embargante veio então interpor recurso para o STJ com fundamento em violação de caso julgado: entende o recorrente que o acórdão recorrido viola o caso julgado constituído pelo Acórdão da Relação de 17 de Maio de 1994, que estava em execução pela recorrida e onde se suscitaram os presentes embargos de terceiro.

O STJ, no acórdão que confirmou o despacho do relator no sentido do não conhecimento do recurso, voltou a reafirmar o entendimento de que apenas se não conheceu do recurso "por intempestividade do mesmo, visto a reclamante ter arguido a nulidade da decisão quando dela devia recorrer e simultaneamente arguir a nulidade, sendo a atitude tomada incompatível com a faculdade de recurso".

É este entendimento da decisão que, de acordo com o recorrente, viola os artigos 2.º e 20.º da Constituição.

6 - O artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio do Estado de direito democrático, que, no entender de Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., revista, p. 63), "mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional que densificam a ideia da sujeição do poder a princípios e regras jurídicos, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança".

Refere o recorrente que a interpretação dada ao n.º 3 do artigo 681.º do CPC, enquanto considera que a arguição de nulidades da sentença perante o tribunal que a proferiu constitui um facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer, viola o artigo 2.º da Constituição.

O recorrente invoca também que aquela interpretação da norma questionada viola o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela judicial efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição.

O artigo 20.º da Constituição assegura o acesso ao direito e aos tribunais - acesso que não pode ser negado por razões económicas -, incluindo-se neste direito o de que o processo seja julgado mediante processo equitativo e que a decisão seja proferida num prazo razoável, assim se realizando a tutela judicial efectiva.

Quanto ao artigo 2.º, embora o recorrente não o refira expressamente, a violação só pode reportar-se ao princípio de confiança ínsito no princípio do Estado de direito.

Com efeito, o recurso que o recorrente viu recusado é um recurso com fundamento na violação de caso julgado, e esse tipo de recurso é sempre admissível, independentemente de qual seja o valor da causa (artigo 678.º, n.º 2, do CPC), valor este que, no caso, não admitia recurso ordinário para o STJ.

O princípio da protecção da confiança exige um mínimo de previsibilidade das pessoas em relação aos actos do poder, de forma que o cidadão possa ver garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus actos. Assim, um indivíduo tem o direito de poder confiar em que as decisões sobre os seus direitos ou relações jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam.

No caso em apreço, tal princípio não foi violado: de facto, o recorrente teria visto o recurso que interpôs ser admitido se, em vez de deduzir, após o pedido de aclaração do acórdão, uma arguição de nulidade junto do tribunal que proferiu o acórdão, tivesse logo interposto recurso com fundamento na violação de caso julgado e, aí, tivesse alegado a questão que suscitou na arguição de nulidade.

De facto, como se refere no acórdão do STJ, "só não se conheceu do objecto [do recurso] por intempestividade do mesmo, visto a reclamante ter arguido a nulidade da decisão quando dela devia recorrer e simultaneamente arguir a nulidade, sendo a atitude tomada incompatível com a faculdade do recurso".

Sobre isto, importa referir que a norma do n.º 3 do artigo 668.º do Código de Processo Civil introduziu uma modificação relevante no regime que a este respeito se encontrava consagrado no direito processual comum antes de 1961. O alcance da inovação residiu precisamente em afastar a disciplina anterior que tornava o conhecimento das nulidades da sentença dependente da arguição directa no tribunal que a proferira. Conforme se explica no preâmbulo do Decreto-Lei 44 129, de 28 de Dezembro de 1961 (ponto 17), a arguição directa servia a cada passo como um fácil meio dilatório e, quando tivesse um fundamento sério, não seria o facto de ser desatendida que impediria normalmente a interposição do recurso. Foi por essa razão, que o recorrente não deveria desconhecer, que o legislador estabeleceu que "salvo o que especialmente fica disposto para a falta de assinatura do juiz, a nulidade só poderá ser arguida no tribunal que proferiu a sentença no caso de esta não admitir recurso ordinário; de contrário, a nulidade tem de ser invocada em via de recurso" (ibidem).

Por sua vez, por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 678.º do CPC, a ofensa de caso julgado constitui fundamento de recurso, que não pode deixar de ser recurso ordinário. Assim sendo, a arguição "directa" de nulidades perante a Relação consumiu o prazo de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, cuja interposição se tornou intempestiva. Mas também pôde ser legitimamente interpretada como incompatível com a faculdade de recorrer, ao abrigo do n.º 3 do artigo 681.º Com efeito, pode retirar-se desta disposição que, no caso de recurso ordinário, por violação de caso julgado, a introdução de um requerimento de arguição de nulidades, precisamente porque as nulidades poderiam e deveriam ser invocadas nesse recurso, ipso facto, vale por vontade de não recorrer.

Mas, a esta luz, logo se antevê que não tem qualquer base a alegação de que a interpretação dada ao n.º 3 do artigo 681.º do Código de Processo Civil teria violado o artigo 2.º da Constituição, violação essa em termos que o recorrente não concretiza, mas que poderá admitir-se como fundada na frustação de possíveis expectativas no conhecimento do recurso por ele interposto para o STJ. Expectativas dessa natureza, no entanto, não seriam nunca sérias nem atendíveis porque, em boa verdade, nem sequer se formaram, tendo sido logo à partida postas de lado pela opção tomada, não por imposição legal mas por exclusiva vontade do recorrente, de arguir nulidades.

Não pode, assim, considerar-se violado o princípio da protecção da confiança porquanto o recorrente não tinha expectativas sérias quanto à admissibilidade do recurso interposto nos termos em que o foi, tanto mais que a questão que constituía o objecto da arguição de nulidade era a mesma que veio a fundamentar o recurso invocando a violação do caso julgado.

Na verdade, quer a alegação que fundamentou o pedido de aclaração quer a que fundamentou a arguição de nulidades assenta no entendimento do recorrente de que, na decisão que determinou a reocupação da casa pela embargada, havia em relação ao embargante e sua mulher litisconsórcio necessário, pelo que tal sentença não podia constituir caso julgado quanto ao embargante.

Ora, tal matéria constituía fundamento do recurso baseado na ofensa de julgado, não podendo falar-se de violação do princípio da confiança quando o recorrente sabia que podia arguir tal nulidade no recurso por ofensa de caso julgado, o qual, em princípio, seria sempre admitido, independentemente do valor da causa.

Do mesmo passo, não colhe a alegação de uma possível violação do direito de acesso aos tribunais, designadamente com a finalidade de obter uma decisão em via de recurso sobre a questão controvertida em juízo. O não conhecimento do recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça resultou, novamente se diga, não de uma imposição legal mas apenas das opções tomadas pelo recorrente na condução da lide, sendo certo que não foi a lei processual, no caso o n.º 3 do artigo 681.º, que impediu a escolha pelo interessado da via, que inicialmente lhe estava aberta, de interpor recurso para a obtenção de uma decisão de fundo a tomar pela última instância da ordem jurisdicional comum.

Assim, tem de improceder o presente recurso de constitucionalidade.

III - Decisão. - Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 681.º do Código de Processo Civil, assim negando provimento ao recurso, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida na parte impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.

Lisboa, 20 de Junho de 2000. - Vítor Nunes de Almeida - Artur Maurício - Luís Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1866541.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1961-12-28 - Decreto-Lei 44129 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Aprova o Código de Processo Civil. Dispõe sobre o regime da acção - em geral e executiva -, e sobre a competência e garantias da imparcialidade. Estabelece disposições gerais sobre o processo, processo de declaração (ordinário, sumário e sumaríssimo) e sobre o processo de execução (para pagamento de quantia certa, para entrega de coisa certa e para prestação de facto). Prevê os processos especiais e o Tribunal Arbitral (voluntário e necessário).

  • Tem documento Em vigor 1981-08-27 - Lei 35/81 - Assembleia da República

    Defesa da igualdade dos cônjuges em acção que implique perda de direitos.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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