Acórdão 70/2000/T. Const. - Processo 477/99. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - A empresa MARINHAVE - Sociedade Agrícola da Quinta da Marinha, S. A., vem, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, recorrer do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Maio de 1999, para apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 68.º, n.º 9, do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, na redacção anterior ao Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro - e não, como por lapso consta do requerimento de interposição de recurso e da parte introdutória da alegação, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro, e pela Lei 26/96, de 1 de Agosto.
O acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto da sentença do juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 15 de Outubro de 1998, que, com fundamento na excepção de caducidade, julgou improcedente a acção para o reconhecimento do direito por si proposta, ao abrigo do artigo 69.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, contra a Câmara Municipal de Sintra.
Nessa acção, alegou a recorrente que, em 7 de Março de 1996, requereu à referida Câmara Municipal, "ao abrigo do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, o reconhecimento da existência de deferimento tácito e respectivos direitos constituídos, por terem sido ultrapassados todos os prazos previstos na lei" relativamente ao seu pedido de licenciamento da operação de loteamento formulado em 2 de Agosto de 1995.
A recorrente - que suscitou, sem êxito, a inconstitucionalidade do citado artigo 68.º nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo - conclui como segue a alegação que apresentou neste Tribunal:
"1.º O n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, padece de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que se trata de norma atinente a matéria para a qual o Governo não possuía autorização legislativa, contrariando assim as alíneas b) e q) do n.º 1 do artigo 168.º e o n.º 1 do artigo 277.º da Constituição da República Portuguesa, na redacção anterior à Lei Constitucional 1/97;
2.º O n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, padece de inconstitucionalidade material, uma vez que se trata de norma que frontalmente viola o direito fundamental de acesso à tutela jurisdicional efectiva, restringindo-o desproporcionadamente, e desrespeitando assim os princípios do Estado de direito, em contrariedade com os artigos 2.º, 9.º, 20.º, 268.º, n.º 5, 266.º e 277.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, na redacção anterior à Lei Constitucional 1/97.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, julgando-se inconstitucional a norma contida no n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, na sua versão anterior à redacção conferida pelo Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro."
A Câmara Municipal de Sintra conclui a sua alegação como segue:
"1 - O n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, não está enfermado de inconstitucionalidade orgânica por contrariar o artigo 20.º, as alíneas b) e q) do n.º 1 do artigo 168.º e o n.º 1 do artigo 277.º, todos da CRP, na redacção anterior à Lei Constitucional 1/97.
2 - Com efeito, a consagração nesse preceito do prazo de caducidade de seis meses para a interposição de acção para reconhecimento de direito não excedeu o limite imposto na lei de autorização legislativa (Lei 7/91, de 15 de Março).
3 - Pelo contrário, o artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, ao invés de restringir o direito de acesso aos tribunais, veio colocar à disposição dos particulares um novo meio de acesso aos tribunais veio colocar à disposição dos particulares um novo meio de acesso aos tribunais: o previsto no n.º 2 do citado artigo, em que se pede directamente ao tribunal administrativo de círculo o reconhecimento dos direitos constituídos em caso de deferimento tácito do pedido de licenciamento da operação de loteamento, sendo certo que é atribuído o carácter de urgência a este meio processual por forma a torná-lo mais célere, mais adequado e mais eficaz na defesa dos interesses e dos direitos dos particulares!
4 - Sendo certo que o estabelecimento de tal prazo de caducidade se coaduna perfeitamente com a atribuição do carácter de urgência a este meio processual, pois não faria sentido não ser atribuído um curto prazo de caducidade a um meio processual cuja tramitação processual é urgente. Se, como diz, e bem, a recorrente 'o que a lei pretende é que o carácter de urgência daquelas acções obrigue os tribunais a decisões mais céleres, salvaguardando o seu efeito útil', tal efeito útil só poderá ser obtido se e quando a acção seja ela própria proposta de forma célere. Por tal motivo foi estabelecido um prazo de caducidade de apenas seis meses.
5 - É que a ausência de estipulação legal de tal prazo de caducidade resultaria em que o exercício de tal direito de acção apenas estaria sujeito ao prazo geral de prescrição de 20 anos. Ora, não seria aceitável que um processo que se quis urgente pela própria natureza dos direitos a proteger viesse a beneficiar de um tão longo prazo de prescrição que, de resto, a ser utilizado, nunca poderia vir a acautelar o efeito útil da decisão e em todo o caso, sempre resultaria numa forte incerteza jurídica que também importa prevenir.
6 - Assim sendo, da interpretação conjugada dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, alínea i), da Lei 7/91, de 15 de Março, e bem assim o sentido e extensão da autorização contida na Lei 7/91, de 15 de Março, apenas pode resultar que a autorização legislativa inclui a necessária para estabelecer um prazo de caducidade razoável para a interposição da acção para reconhecimento de direitos prevista no n.º 2 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro.
7 - E ainda que se considerasse, o que só em tese de raciocínio se admite, mas sem conceder, que a estatuição do prazo de caducidade em causa constitui uma restrição ao direito fundamental de acesso aos tribunais, sempre resultaria claro que a necessária autorização legislativa estaria ínsita, embora não expressa, na Lei 7/91, de 15 de Março.
8 - Por outro lado, também se não mostra violada a alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP, pois o n.º 9 do artigo 68.º do decreto-lei de 29 de Novembro não estatui sobre as competências dos tribunais e muito menos lhes retira competências. Pelo contrário, é uma norma dirigida aos intervenientes processuais e que se destina a regular o modo, o tempo e as consequências da sua actividade ou inércia processual.
9 - Acresce que também não procede a alegação da recorrente que o n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, padece de inconstitucionalidade material por violar o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva, restringindo-o desproporcionalmente, assim desrespeitando os artigos 2.º, 9.º, 18.º, 20.º, 268.º, n.º 5, 266.º e 277.º, n.º 1, da CRP, na redacção anterior à Lei Constitucional 1/97.
10 - Antes de mais porque o estabelecimento de um prazo de caducidade para a interposição de acção para o reconhecimento de direito não constitui, ao contrário do que pretende a recorrente, a imposição de qualquer restrição ao direito de acesso aos tribunais e à justiça, do qual o direito de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares consagrado no n.º 5 do artigo 268.º da CRP, na redacção anterior à Lei Constitucional 1/97, é uma declinação.
11 - Como é evidente, o conteúdo essencial do direito fundamental de natureza análoga consagrado em tal preceito constitucional, quer na sua redacção actual, quer na redacção em vigor antes da Lei Constitucional 1/97, é tão-só o de impor ao legislador ordinário a consagração de meios de acesso à justiça administrativa. Daí não podendo, pois, retirar-se que tal acesso será ilimitado e a todo o tempo.
12 - Ora, o que o Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, veio fazer foi consagrar um meio processual próprio para que os particulares pudessem ver reconhecida a existência do seu direito à emissão do alvará de loteamento, assim lhes facultando o acesso efectivo aos tribunais administrativos, de mais a mais através de um meio processual ao qual foi atribuído o carácter de urgência precisamente para que os seus direitos fossem plenamente tutelados.
13 - Claro que, consagrado o meio processual acção para reconhecimento de direitos o legislador teria de condicionar o modo, o tempo e as consequências da actividade ou inércia processual dos destinatários do mesmo. E fê-lo estabelecendo um prazo de caducidade de seis meses para a propositura da acção.
14 - Ora, se, como diz a recorrente 'a existência de prazos de caducidade do direito de acção deve obedecer a conformações diferentes, em face do meio processual concreto que se aprecia', tratando-se, como se trata, de um meio processual urgente, será perfeitamente razoável e proporcional impor um prazo de caducidade também ele urgente: seis meses! Razoabilidade essa que também se impunha assegurar em homenagem aos valores da certeza e segurança jurídicas e que, de modo algum, o legislador terá querido banir ao consagrar o princípio da tutela jurisdicional administrativa.
15 - Mas ainda que se entenda que o n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, constitui uma restrição ao direito fundamental de natureza análoga de direito ao acesso à justiça administrativa, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, mas sem conceder, sempre se dirá o seguinte.
16 - Como se afirmou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 373/91, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 7 de Novembro de 1991, a reserva relativa da competência da Assembleia da República abrange 'as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos direitos análogos, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa, parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias', ou seja, e transpondo este entendimento para o caso sub judice, o n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro apenas será inconstitucional por comportar uma restrição a um direito fundamental de natureza análoga sem a necessária autorização legislativa, se se entender que é posto em causa o núcleo essencial do referido direito fundamental de natureza análoga consagrado no n.º 5 do artigo 268.º da CRP.
17 - O núcleo essencial do mencionado preceito é o seguinte, tal como foi definido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 345/98, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 10 de Fevereiro de 1998: 'o artigo 268.º, n.º 5, da Constituição, apenas exige que à protecção jurídica conferida pelo contencioso de anulação seja acrescentada, para os demais casos (caso não abrangidos pela protecção conferida pelo recurso de anulação), a tutela conferida pelos restantes instrumentos do contencioso administrativo. É esta a solução que decorre do preceito constitucional'.
18 - Foi em obediência a esta imposição constitucional que foi consagrado pelo artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, o meio processual acção para reconhecimento de direitos. Sendo certo que a imposição de um prazo de caducidade de seis meses nunca colidiria com o núcleo fundamental de tal norma, pois decorria naturalmente quer do facto de se tratar de um meio processual urgente, quer da necessidade de certeza e segurança jurídicas, pelo que seria uma restrição proporcional.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado improcedente por se não verificarem as inconstitucionalidades alegadas, com as inerentes consequências legais."
2 - Cumpre decidir.
II - Fundamentos. - 3 - A norma sub iudicio:
O Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro (rectificado no suplemento do Diário da República, 1.ª série-A, de 31 de Março de 1992) foi alterado, por ratificação, pela Lei 25/92, de 31 de Agosto, e, depois, sucessivamente, pelos Decretos-Leis 302/94, de 19 de Dezembro e 334/95, de 28 de Dezembro. Este último diploma legal - que republicou, em anexo, com as correspondentes alterações, o Regime Jurídico das Operações de Loteamento - foi, por sua vez, alterado, por ratificação, pela Lei 26/96, de 1 de Agosto.
Como logo inicialmente se referiu, está aqui sub iudicio a norma constante do artigo 68.º, n.º 9, do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, na redacção anterior às alterações decorrentes do Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro: seja das introduzidas pelo Governo com a edição deste diploma legal, seja das que resultaram da Lei 26/96, de 1 de Agosto, que o ratificou.
É certo que, como também se disse, a recorrente, no requerimento de interposição do recurso, refere-se à norma constante do artigo 68.º, n.º 9, do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, "com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro, e pela Lei 26/96, de 1 de Agosto". Fá-lo, no entanto, por lapso manifesto - lapso que repete na parte introdutória da sua alegação.
De facto, o citado artigo 68.º, na redacção do Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro, e da Lei 26/96, de 1 de Agasto, não tem, sequer, n.º 9. Nessa redacção, a preceito que tem um n.º 9 é o que regula a intimação judicial para um comportamento, ou seja, o artigo 68.º-A. Simplesmente, esse n.º 9 do artigo 68.º-A não se refere à matéria do prazo para a apresentação do pedido de intimação. A esta matéria refere-se o n.º 10 desse artigo 68.º-A, dispondo que "os pedidos de intimação previstos no presente artigo devem ser propostos no prazo de seis meses a contar do conhecimento do facto que lhes serve de fundamento, sob pena de caducidade". O artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, só tem n.º 9 na redacção anterior ao Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro. Acresce que a recorrente, nas alegações para o Supremo Tribunal de Administrativo - para além de sustentar que o citado artigo 68.º, n.º 9, na sua redacção inicial, foi revogado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro, por isso que, em seu entender, não era aplicável ao caso, sendo antes de aplicar este último diploma legal - é a essa redacção inicial que imputa o vício de inconstitucionalidade (cf. as conclusões 4.ª a 7.ª e 11.ª). Mais: o acórdão recorrido refere, sem deixar margem para quaisquer dúvidas, que, "ao caso dos autos, continuaram a aplicar-se as normas do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, na sua versão anterior ao Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro", apesar de este diploma legal ter substituído "a acção para reconhecimento de direitos", prevista no artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, "por uma intimação judicial à entidade competente para a emissão do alvará". E isso, porque - sublinhou o aresto -, "no artigo 4.º do Decreto-Lei 334/95 expressamente se estabeleceu que 'as alterações constantes do presente diploma só produzem efeitos relativamente aos procedimentos iniciados após a data da sua entrada em vigor'". E, por último, nas conclusões da alegação, a recorrente pede se julgue inconstitucional "a norma contida no n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, na sua versão anterior à redacção conferida pelo Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro".
Pois bem: o artigo 68.º, n.º 9, do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, na redacção anterior às alterações decorrentes do Decreto-Lei 334/95, de 28 de Dezembro, dispõe como segue:
"Artigo 68.º.º
Acções para o reconhecimento de direitos
1 - A câmara municipal, a requerimento do interessado, pode reconhecer a existência de deferimento tácito e os respectivos direitos constituídos.
2 - O reconhecimento dos direitos constituídos em caso de deferimento tácito do pedido de licenciamento de operação de loteamento ou de obras de urbanização pode igualmente ser obtido através de acção proposta nos tribunais administrativos de círculo.
3 - Proposta a acção de reconhecimento de direitos referida no número anterior, a cuja petição devem ser juntos todos os elementos de prova de que o autor disponha, o juiz ordena a citação da câmara municipal para responder no prazo de 15 dias e, seguidamente, ouvido o Ministério Público e a comissão de coordenação regional da área, que se pronuncia no prazo de 15 dias, e concluídas as diligências que se mostrem necessárias, profere sentença.
4 - As acções de reconhecimento de direitos regulados no número anterior têm carácter urgente.
5 - Não é admissível invocar causa legítima de inexecução das sentenças que reconheçam os direitos a que se refere o n.º 2.
6 - Quando o interessado tenha obtido em tribunal o reconhecimento dos direitos conferidos pelo licenciamento de operações de loteamento ou de obras de urbanização, a emissão do correspondente alvará constitui dever de execução de sentença.
7 - Nas acções de reconhecimento de direitos previstas no presente artigo, em tudo o que nele não está expressamente regulado, é aplicável o disposto nos artigos 6.º, 69.º, 70.º e 115.º do Decreto-Lei 267/85, com excepção do n.º 2 do artigo 69.º
8 - O disposto no presente artigo é também aplicável às acções em que se requeira o reconhecimento do direito à emissão do alvará, nos casos em que, havendo deferimento dos pedidos de licenciamento de loteamento e de obras de urbanização, a câmara municipal se recuse a emitir o competente alvará.
9 - As acções previstas no presente artigo devem ser propostas no prazo de seis meses a contar do conhecimento do acto que lhes serve de fundamento, sob pena de caducidade, e a sua propositura suspende o decurso dos prazos de caducidade das deliberações camarárias."
No caso, pois, de ter havido deferimento tácito do pedido de licenciamento de operação de loteamento ou de obras de urbanização - coisa que, na versão originária do citado Decreto-Lei 448/91, sucedia passados 45 dias sobre a data da apresentação do pedido, sem que a câmara municipal se pronunciasse sobre ele (cf. os artigos 22.º, n.º 3, e 67.º, n.º 1) -, os interessados podiam propor, nos tribunais administrativos de círculo, uma acção com vista ao reconhecimento dos direitos assim constituídos. Essa acção, que tinha carácter urgente, devia ser proposta, sob pena de caducidade, no prazo de seis meses a contar do conhecimento do acto que lhe servia de fundamento (cf. o n.º 9 aqui sub iudicio).
Ora, o que, justamente, a recorrente discute neste recurso é a constitucionalidade da norma constante do n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, que - repete-se - fixa em seis meses, contados do conhecimento do acto que lhe serve de fundamento, o prazo para a propositura da acção destinada ao reconhecimento de direitos constituídos com o deferimento tácito de um pedido de licenciamento de um loteamento - prazo este que é de caducidade.
Passemos, então, às questões de constitucionalidade.
4 - A questão da inconstitucionalidade orgânica:
4.1 - A recorrente parte do pressuposto de que o Governo, para fixar um prazo de caducidade para a propositura da acção para o reconhecimento dos direitos constituídos com o deferimento tácito de um pedido de licenciamento de um loteamento, carecia de autorização parlamentar. E isso, por duas razões: a primeira, porque, sendo a caducidade um facto extintivo do direito de acção, constitui matéria atinente a direitos, liberdades e garantias (recte, atinente ao direito de acesso aos tribunais); a segunda, porque, retirando-se, por força de tal regra de caducidade, competência aos tribunais "para apreciar a existência do direito subjectivo urbanístico gerado na esfera do particular por força do deferimento tácito verificado", ao legislar-se sobre um prazo de caducidade, legisla-se sobre a competência dos tribunais. Ora, está reservado à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a matéria de direitos, liberdades e garantias, bem como sobre a competência dos tribunais. Sucede, no entanto, que a autorização concedida pela Lei 7/91, de 15 de Março, não permitia que o Governo fixasse um prazo de caducidade. Por isso, a norma sub iudicio é inconstitucional, por violação das alíneas b) e q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, na redacção de 1989.
4.2 - Neste ponto, a recorrente não tem razão.
Tendo a Assembleia da República autorizado o Governo a "atribuir carácter urgente às acções para o reconhecimento de direitos [...] em caso de deferimento tácito dos pedidos de licenciamento de loteamento e de obras de urbanização", bem como a "disciplinar a tramitação" de tais acções [cf. a alínea i) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 7/91, de 15 de Março], nessa autorização não pode, na verdade, deixar de conter-se a possibilidade de fixação de um prazo de caducidade para a respectiva propositura, pois esse é um modo particularmente adequado para garantir que as ditas acções se resolvam em pouco tempo.
Como o Governo se achava munido daquela autorização legislativa, a norma aqui sub iudicio, ao fixar um prazo de caducidade para a propositura da acção, não invadiu ilicitamente a reserva parlamentar atinente a direitos, liberdades e garantias, nem tão-pouco a que respeita à competência dos tribunais - suposto, claro é, que essa norma versa matéria que se inscreve nesta última reserva, o que aqui se não torna necessário decidir.
A norma sub iudicio não é, pois, inconstitucional, por violação da reserva legislativa parlamentar, constante das alíneas b) e q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, na versão de 1989.
5 - A questão da inconstitucionalidade material:
5.1 - Sustenta a recorrente que a norma constante do n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, na medida em que fixa em seis meses, contados do conhecimento do acto que lhe serve de fundamento, o prazo para a propositura de acção destinada ao reconhecimento de direitos constituídos com o deferimento tácito de um pedido de licenciamento de um loteamento - prazo que é de caducidade -, é inconstitucional, pois viola o direito à tutela jurisdicional efectiva, que restringe desproporcionadamente. E, desse modo - acrescenta -, viola também o princípio do Estado de direito.
5.2 - Também neste ponto não tem a recorrente razão.
É certo que o artigo 268.º, n.º 5, da Constituição, na versão de 1989, ao prescrever que "é igualmente garantido aos administrados o acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos", visou garantir uma protecção jurisdicional administrativa plena - "uma protecção jurisdicional administrativa sem lacunas", nos dizeres de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 942): uma protecção jurisdicional que deixou de estar dependente da existência de um acto administrativo lesivo de direitos e de se confinar ao recurso contencioso de anulação [cf., também neste sentido, os Acórdãos n.os 104/99 e 105/99 (publicados no Diário da República, 2.ª série, de 10 de Abril de 1999 e de 15 de Maio de 1999, respectivamente)]. E verdade é também que este direito a uma tutela jurisdicional efectiva, sendo uma manifestação ou concretização do direito de acesso dos cidadãos aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição), é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.
Simplesmente, a existência de um prazo de caducidade não constitui restrição do direito de acesso aos tribunais (recte, do direito de acesso à justiça administrativa, para reconhecimento dos direitos constituídos com o deferimento tácito de um pedido de licenciamento de um loteamento), pois que não encurta ou estreita o conteúdo e alcance desse direito. A existência de um tal prazo apenas condiciona, regulamentando-o, o exercício do direito em causa, sem diminuir as faculdades que o integram.
O prazo de caducidade mais não é, pois, do que um condicionamento ou uma condição do exercício daquele direito de acesso à justiça administrativa, para reconhecimento dos direitos constituídos com o deferimento tácito de um pedido de licenciamento de um loteamento [cf., identicamente: quanto ao prazo de caducidade das acções de investigação de paternidade, os Acórdãos n.os 99/88, 413/89, 451/89 370/91, (publicados no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Agosto de 1988, 15 de Setembro de 1989, 21 de Setembro de 1989 e 2 de Abril de 1992, respectivamente); e quanto ao prazo de caducidade das acções de declaração de nulidade do despedimento, o Acórdão 140/94 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 6 de Janeiro de 1995)].
Não constituindo o prazo de caducidade uma restrição do mencionado direito de acesso à justiça administrativa, para reconhecimento dos direitos constituídos com o deferimento tácito de um pedido de licenciamento de um loteamento, não tem, obviamente, que observar-se, quanto a ele, as exigências do artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição: designadamente, não é necessário que haja uma credencial constitucional expressa a autorizar o legislador a prevê-lo.
Clara é, no entanto, que, para concluir pela legitimidade constitucional da norma que fixa um prazo de caducidade para a exercício do direito de acesso aos tribunais, não basta constatar que, numa perspectiva estrutural, esse prazo se não apresenta como uma restrição do direito, mas tão-só como uma sua regulamentação ou condicionamento. Como se frisou no citado Acórdão 99/88, necessário se torna ver as coisas de um ponto de vista material ou substantivo. Ora, deste último ponto de vista, o que então interessa apurar é se esse prazo se mostra necessário e proporcionado.
De facto, como se frisou no citado Acórdão 140/94, se o prazo de caducidade for inadequado ou desproporcionado, "em termos de dificultar gravemente o exercício concreto do direito", estar-se-á "perante uma restrição ao direito de acesso aos tribunais, e não em face de um simples condicionamento ao exercício desse direito".
É que, como escreve J. C. Vieira de Andrade, "a distinção entre condicionamento e restrição é fundamentalmente prática, já que não é possível definir com exactidão, em abstracto, os contornos das duas figuras. Muitas vezes, é apenas um problema de grau ou de quantidade" (cf. Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, p. 228, n. 2).
Pois bem: este tribunal tem sublinhado que há que confiar na sabedoria do legislador, já que, no exercício da sua liberdade de conformação, normalmente, ele sabe encontrar as melhores soluções. Por isso, com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal só deve censurar as decisões legislativas manifestamente arbitrárias ou excessivas [cf., por último, o Acórdão 108/99 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 1 de Abril de 1999)].
Apreciada a esta luz, a norma sub iudicio só será, então, constitucionalmente ilegítima se a fixação de um prazo de caducidade para a propositura da acção destinada ao reconhecimento de direitos constituídos com o deferimento tácito de um pedido de licenciamento de um loteamento for, de todo, desnecessária, irrazoável ou excessiva, por não existirem razões que tal justifique. Ou, então, se esse prazo for de tal modo exíguo que inviabilize ou torne particularmente oneroso o exercício do direito.
Vejamos, então:
A fixação de prazos de caducidade para a propositura de uma acção tem a justificá-la os valores da certeza e da segurança e jurídicas - valores objectivos que se encontram intimamente conexionados com o direito à protecção jurídica, que o Estado de direito deve assegurar. Há, na verdade, situações que não devem manter-se por muito tempo em estado de indefinição: exige o interesse público que elas se estabilizem rapidamente.
Uma das situações que reclama a sua rápida estabilização é a dos direitos constituídos com base em deferimento tácito: trata-se, na verdade, de direitos que se constituem como consequência de um comportamento omissivo da Administração, que, tendo o dever legal de se pronunciar, em certo prazo, sobre determinada pretensão de um particular, deferindo-a ou indeferindo-a, não o faz [cf. Marcela Caetano (Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 1977, p. 115); cf. também Rogério Ehrhardt Soares (Direito Administrativo, lições policopiadas, Coimbra, 1978, p. 78)]. Ora, seria de todo irrazoável que o particular, que adquire direitos por virtude da passividade da Administração, pudesse depois prevalecer-se dessa passividade para invocar esses direitos a qualquer momento. Isso seria algo que não condiria com a ideia de Estado de direito, em que a certeza e a segurança jurídica assumem relevo constitucional.
A fixação de um prazo de caducidade para a propositura da acção destinada ao reconhecimento de direitos constituídos com o deferimento tácito de um pedido de licenciamento de um loteamento não é, assim, inconstitucional. E também o não é, quando se atente na duração desse mesmo prazo: seis meses. De facto, trata-se de apresentar em juízo um pedido de reconhecimento dos direitos constituídos com o deferimento tácito, por terem passado 45 dias sobre a apresentação do pedido de licenciamento de um loteamento sem que a Administração se tenha pronunciado, como devia, deferindo ou indeferindo esse pedido. Ora, para um tal efeito, não pode dizer-se que seis meses seja um prazo exíguo, capaz de inviabilizar o exercício do direito ou de tornar esse exercício particularmente oneroso.
A inconstitucionalidade também não pode fazer-se decorrer da circunstância de tal prazo de seis meses se contar da data em que ocorreu o deferimento tácito.
É que, justamente porque se está em presença de um acto tácito, não seria razoável esperar da Administração que notificasse o interessado desse acto, que o mesmo é dizer da sua própria passividade. E, então, se, como pretende a recorrente, o prazo para propor a acção se devesse contar de uma qualquer notificação do acto tácito ao interessado, sendo inconstitucional aqueloutro modo de contagem, o particular poderia, a todo o tempo, vir reclamar os direitos assim constituídos, o que - já se disse - se não compagina com a necessidade de certeza e de segurança jurídicas, próprias do Estado de direito.
A norma sub iudicio não viola, pois, os artigos 2.º, 9.º, 18.º, 20.º, 268.º, n.º 5, 266.º e 277.º, n.º 1, da Constituição, na versão de 1989.
III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Condenar a recorrente nas custas, com 15 unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2000. - Messias Bento - José de Sousa e Brito - Alberto Tavares da Costa - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta) - Luís Nunes de Almeida.
Voto de vencida
Votei vencida, no essencial, porque considero que a norma que fixa em seis meses o prazo de propositura da acção, sob pena de caducidade, constante do n.º 9 do artigo 68.º do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro, restringe de forma inaceitável o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva e é, portanto, por esse motivo, materialmente inconstitucional.
A insuficiência do prazo em questão resulta de que, estando em causa a tutela de direitos emergentes de um deferimento tácito, o particular não é, pela própria natureza das coisas, notificado da prática de qualquer acto. Isto significa que ele se defrontará com as mesmas dificuldades que surgem normalmente com a impugnação contenciosa dos actos tácitos negativos, as quais - recorde-se - levaram o legislador, desde 1977, a alongar excepcionalmente o prazo dessa impugnação para um ano (em vez do prazo regra de 30 dias, hoje de dois meses) e a eliminar o efeito preclusivo ou convalidatório da falta de impugnação perante a superveniência de um acto expresso confirmativo.
Tais dificuldades residem, desde logo, na identificação de um acto de deferimento cuja existência se baseia em meras presunções legais, de que não se apercebe, ou não se apercebe imediatamente, quem não tiver um conhecimento especializado da lei. Verificam-se, depois, com a determinação exacta do momento em que, por força do decurso de prazos nem sempre unívocos, esse acto se formou, porque é esse o momento em se inicia o cômputo do prazo para reagir contra a inércia da Administração. E resultam, por último, da tendência justificada e compreensível do requerente da licença para aguardar a emissão de um acto expresso durante um período de tempo que pode ir muito além do necessário para o deferimento tácito e para o exercício dos meios contenciosos destinados à obtenção do alvará.
O prazo de seis meses para o uso destes meios, sob pena de inapelável caducidade dos direitos a tutelar, coloca o particular em situação consideravelmente menos protegida do que aquela que a lei estabeleceu para a impugnação dos actos tácitos negativos e põe seriamente em risco, no plano adjectivo, os direitos conferidos no plano substantivo pelo regime do deferimento tácito. É, por isso, manifestamente insuficiente, do ponto de vista da garantia do direito à efectiva tutela jurisdicional, consagrado no (actual) n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, n.º 5 do mesmo preceito no texto anterior. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.