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Acórdão 198/2000/T, de 30 de Novembro

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Texto do documento

Acórdão 198/2000/T. Const. - Processo 786/95. - Acordam em plenário no Tribunal Constitucional:

I - O pedido. - 1 - Um grupo de deputados do Partido Socialista à Assembleia Legislativa Regional da Madeira requereu, junto do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 1, alínea g), da Constituição, a apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas no Decreto Regulamentar 16/95/M, publicado no Diário da República, 1.ª série-B, de 25 de Maio de 1995, que define as entidades competentes que na Região Autónoma da Madeira procedem à execução do Decreto-Lei 49/95, de 15 de Março, que consagra o regime do reconhecimento de organizações e agrupamentos de produtores e suas uniões.

Os requerentes solicitaram a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do diploma em questão, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica e formal, uma vez que o mesmo, ao regulamentar o artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 49/95, de 15 de Março, isto é, legislação nacional, violaria o artigo 229.º (actual artigo 227.º), n.º 1, alínea d), da Constituição, pois a competência para regulamentar as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para si o respectivo poder regulamentar pertence à Assembleia Legislativa Regional, nos termos do artigo 232.º, n.º 1, da Constituição (na versão actual).

Notificados pelo Presidente do Tribunal Constitucional para esclarecerem se pretendiam, em face da afirmação de violação do artigo 29.º, n.º 1, alínea l), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, requerer a declaração de ilegalidade do mesmo diploma, os requerentes responderam afirmativamente.

2 - O Governo Regional da Madeira, na resposta apresentada, suscitou a questão prévia da ilegitimidade dos requerentes, sustentando que o pedido de declaração de inconstitucionalidade deduzido pelas entidades mencionadas no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição apenas pode ocorrer quando se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas. Estando em causa, nos presentes autos de fiscalização abstracta da constitucionalidade, o exercício, por parte de um órgão da Região Autónoma da Madeira, de uma competência eventualmente pertencente a um outro órgão dessa mesma Região, não se poderá invocar a violação de um direito da região autónoma enquanto tal.

Quanto ao pedido de declaração de ilegalidade, o Governo Regional da Madeira invocou igualmente a ilegitimidade dos requerentes, uma vez que tal pedido foi subscrito, quanto à questão de ilegalidade, por apenas seis deputados.

3 - O Vice-Presidente do Tribunal Constitucional apresentou memorando (artigos 39.º, n.º 2, e 63.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional), sustentando a procedência da questão prévia suscitada e propugnando, consequentemente, o não conhecimento do objecto do recurso. Afastada a questão prévia relativa ao número de deputados subscritores do pedido de declaração de ilegalidade, sustentou, porém, uma outra questão prévia relativa à legitimidade, com fundamento na consunção do vício de ilegalidade pelo de inconstitucionalidade.

Após discussão do memorando, este foi aprovado por uma maioria de juízes do Tribunal Constitucional.

II - Fundamentos da decisão. - A - Questão prévia da legitimidade dos requerentes quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade. - 4 - Suscita o Governo Regional a questão prévia da legitimidade dos autores do pedido, em face do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição.

Tal problema de legitimidade consiste em que, sendo a questão de constitucionalidade suscitada a eventual violação do artigo 229.º (hoje, artigo 227.º), n.º 1, da Constituição, em conjugação com o artigo 232.º, n.º 1, da Constituição, não estaria em causa a violação de um direito da região autónoma enquanto tal.

Com efeito, o problema de constitucionalidade colocado traduz-se numa eventual violação pelo diploma em crise das competências da Assembleia Legislativa Regional consagradas na Constituição e o artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição exige, como critério da legitimidade dos deputados à Assembleia Legislativa Regional para requererem a fiscalização de constitucionalidade, que o pedido se fundamente "em violação dos direitos das regiões autónomas".

Sendo este o problema, a sua solução dependerá de saber se é qualificável como invocação de uma violação dos direitos das regiões autónomas, para efeitos de definição de legitimidade, a sustentação de que uma norma viola a distribuição constitucional de competências entre órgãos regionais - a Assembleia Legislativa Regional e o Governo.

5 - Quanto a esta questão, há uma assinalável jurisprudência constitucional, em que se inclui, aliás, um parecer da Comissão Constitucional (Parecer 25/80, em Pareceres da Comissão Constitucional, 13.º vol., pp. 143 e segs.), segundo a qual só os direitos constitucionalmente conferidos às regiões justificariam a legitimidade do accionamento da fiscalização abstracta pelos deputados regionais. Estaria, assim, necessariamente em causa uma eventual violação de direitos das regiões em face do Estado nacional, na medida em que esses direitos tiverem consagração constitucional, isto é, conformarem constitucionalmente de modo directo a autonomia político-administrativa das regiões (cf. os Acórdãos n.os 264/86 e 403/89, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º vol., pp. 169 e segs., e 13.º vol., tomo I, pp. 465 e segs., respectivamente).

Esta jurisprudência tem, aliás, a concordância da doutrina que se pronunciou sobre tal questão, Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam, a propósito da interpretação do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, que "por 'direitos das regiões' devem entender-se os direitos constitucionalmente reconhecidos às regiões face à República" (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., 1993, p. 1035).

6 - Assim, constituindo a norma constitucional uma atribuição de legitimidade para suscitar os mecanismos da fiscalização abstracta pelos deputados regionais, em função da defesa dos direitos constitucionais das regiões, não se verificará tal legitimidade quando as normas questionadas não interfiram directamente com tal razão defensiva.

No caso concreto, as normas questionadas limitam-se a proceder à distribuição interna de competências entre os diversos órgãos regionais, não definindo, consequentemente, poderes das regiões perante entidades externas, como o Estado.

Ora, esta conformação, interna à região, dos poderes regulamentares do Governo que eventualmente conflituem com os da Assembleia Legislativa Regional não suscita, de modo algum, um problema atinente aos direitos constitucionais das regiões em face do Estado. Não se revela, nesta situação, nem o factor estrutural do relacionamento directo de uma competência regional com as do Estado nem qualquer significado de defesa da região perante o Estado.

7 - Nestes termos, impõe-se a conclusão de que os requerentes não têm legitimidade para suscitar perante o Tribunal Constitucional o pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, não se devendo, por isso, tomar conhecimento deste pedido.

B - Questão prévia da legitimidade dos recorrentes quanto ao pedido de declaração de ilegalidade. - 8 - Os requerentes invocaram, ainda, a simultânea violação do preceituado no artigo 29.º, n.º 1, alínea l), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, na versão então vigente, tendo esclarecido, após notificação pelo Presidente do Tribunal Constitucional, que pretendiam igualmente requerer a declaração de ilegalidade do diploma em questão.

9 - A questão prévia suscitada pelo Governo Regional quanto ao número de deputados não é procedente. Com efeito, o artigo 281.º, n.º 1, alínea g), da Constituição prevê, como requisito de legitimidade, que o número de deputados requerentes seja de um décimo dos deputados à respectiva Assembleia Legislativa Regional. Ora, o número de deputados que subscreveram o pedido, 6, perfaz o décimo dos deputados exigido constitucionalmente, uma vez que o número de deputados da Assembleia Legislativa Regional da Madeira em efectividade de funções é de 59 [Diário da República, 1.ª série-B, n.º 246, (suplemento), de 23 de Outubro de 1996].

10 - O artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição admite, com efeito, a legitimidade de um décimo dos deputados à Assembleia Legislativa Regional para requererem a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, de normas, com fundamento em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República.

Assim, estando em causa, por invocação dos deputados, uma norma do Estatuto regional - o referido artigo 29.º, n.º 1, alínea l) - poder-se-ía concluir que o caso concreto se subsumiria perfeitamente na hipótese legal contida na norma constitucional.

Porém, apesar desta compatibilidade literal, uma tal conclusão implicaria uma manifesta contradição com a ratio legis e com o sentido histórico do preceito constitucional, dada a coincidência da norma estatutária com os artigos 227.º, n.º 1, e 232.º, n.º 1, da Constituição.

Na verdade, se houvesse de admitir-se, por ser essa a intenção normativa, que a coincidência de uma norma estatutária com uma norma constitucional não afectaria a legitimidade dos requerentes, estar-se-ía, igualmente, a admitir que através da reprodução de normas constitucionais nos estatutos das regiões se poderia alargar o âmbito do poder dos deputados regionais quanto à formulação de pedidos de declaração de inconstitucionalidade.

Essa consequência, porém, é insustentável, dentro da lógica articulação entre declarações de inconstitucionalidade e ilegalidade, tal como elas são previstas na Constituição. Com efeito, não poderia o legislador constitucional ter pretendido restringir a legitimidade de certos requerentes, quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade, de modo apenas formal, admitindo, porém, que essa restrição não operaria se o legislador ordinário viesse a integrar no Estatuto regional uma reprodução da norma constitucional.

A delimitação da legitimidade não há-de ser, por isso, compreendida como mera limitação de invocação da violação de normas pela sua inserção formal, mas desde logo como uma subtracção a certos requerentes da competência para questionar a violação de normas ou princípios constitucionais, estejam eles formulados onde estiverem, quando não esteja em causa a defesa de direitos regionais.

Não sendo, aliás, a legitimidade dos deputados regionais genérica, isto é, relativa a quaisquer normas constitucionais, ela só pode compreender-se como uma legitimidade excepcional, que não poderia compatibilizar-se em termos sistemáticos, com a possibilidade do conteúdo normativo do preceito constitucional ser questionado pela via da legalidade.

11 - Por outro lado, surge como evidente a opção que orientou o legislador constitucional quanto a não atribuir aos órgãos regionais ou aos representantes das regiões o poder de suscitar, fora do âmbito dos direitos da região, a fiscalização da constitucionalidade. Trata-se de uma opção pela concentração de tal poder em órgãos representativos do Estado, aos quais é atribuído um papel exclusivo no desencadeamento do controlo da constitucionalidade. Assim, o efeito de "degradação" de uma verdadeira questão de constitucionalidade (isto é, de violação de normas ou princípios constitucionais) numa questão de legalidade, pela via formal da legitimidade, frustraria a lógica das opções constitucionais plasmadas nos artigos 280.º e 281.º da Constituição.

12 - Deverá, em consequência do que se expôs, concluir-se que o vício de inconstitucionalidade consome o de ilegalidade para efeitos de delimitação da legitimidade dos deputados regionais requerentes, no caso do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição. E não pode o facto de a norma constitucional cuja violação é invocada ser simultaneamente uma norma estatutária permitir que o interesse que se protege com a exclusão da legitimidade para a formulação do pedido de fiscalização abstracta da constitucionalidade venha a ser postergado pela via do pedido de ilegalidade. Impõe-se, antes, a prevalência desse interesse, na medida em que ele exprime a posição do sistema quanto aos poderes gerais de suscitar a fiscalização de constitucionalidade.

13 - Por outro lado, não tem pertinência o argumento de que a norma estatutária que, neste caso, reproduz o texto constitucional teria uma natureza estatutária intrínseca, sendo, por isso, justificável a legitimidade dos deputados para suscitar o seu controlo.

Efectivamente, nem essa natureza estatutária intrínseca estará comprovada no universo da ordem jurídica portuguesa, como se constata pelo confronto com o Estatuto da Região Autónoma dos Açores, nem se pode concluir, mesmo que se considere natural e adequada a sua pertença ao Estatuto da região, que o facto de o legislador constitucional ter explicitamente regulado a matéria não a subtraiu à disponibilidade estatutária que é manifestação de autonomia regional.

Por outro lado, dir-se-á que com isto se retira aos deputados regionais o poder de desencadearem a intervenção do Tribunal Constitucional para garantir a observância da repartição de competências entre os órgãos regionais, mas o certo é que essa foi, justamente, a opção do legislador constitucional, como atrás se referiu (cf. supra n.º 6).

14 - Em face destas razões, o Tribunal Constitucional conclui que os requerentes também não dispõem da necessária legitimidade para o pedido de declaração de ilegalidade.

Com fundamento na interpretação, conjugada, da primeira e segunda partes do artigo 281.º, n.º 1, alínea g), da Constituição, não se conhecerá do pedido de ilegalidade.

III - Decisão. - 15 - Pelos fundamentos expostos, em face do artigo 281.º, n.º 1, alínea g), da Constituição, o Tribunal Constitucional decide não conhecer do pedido de declaração de inconstitucionalidade e do pedido de declaração de ilegalidade.

Lisboa, 29 de Março de 2000. - Maria Fernanda Palma - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - José de Sousa e Brito - Maria Helena Brito - Artur Maurício - Vítor Nunes de Almeida - Bravo Serra - Messias Bento - Alberto Tavares da Costa - Luís Nunes de Almeida - Paulo Mota Pinto (vencido, quanto ao pedido de declaração de ilegalidade, nos termos da declaração de voto, que junto) - Guilherme da Fonseca (vencido, acompanhando a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Mota Pinto) - José Manuel Cardoso da Costa.

Declaração de voto. - 1 - Nos termos do artigo 281.º, n.º 2, da Constituição da República, "podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral: [...] g) Os Ministros da República, as assembleias legislativas regionais, os presidentes das assembleias legislativas regionais, os presidentes dos governos regionais ou um décimo dos deputados à respectiva assembleia legislativa regional, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República.".

Baseado neste texto constitucional e em considerações relativas à relação entre os vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade, o presente aresto negou legitimidade a um grupo (superior a um décimo) de deputados da assembleia legislativa regional para requerer a declaração de ilegalidade, por violação do estatuto da respectiva região, das normas constantes de um decreto regulamentar emanado do governo regional. A ilegalidade fundava-se, segundo os requerentes, na violação do artigo 29º, n.º 1, alínea l), do estatuto político-administrativo da região autónoma, que conferia à assembleia regional a competência para regulamentar as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para si o respectivo poder regulamentar, coincidindo, nesta previsão, com o artigo 229.º, n.º 1, alínea d), da Constituição.

Dissente inteiramente do entendimento maioritário, quer quanto à fundamentação quer quanto à decisão alcançada.

2 - Cumpre notar, antes do mais, que o ponto em questão no presente caso não se prende propriamente com saber se o legislador constitucional concedeu legitimidade aos deputados à assembleia legislativa regional para invocar a ilegalidade por violação do estatuto da respectiva região em termos mais amplos do que para invocar a desconformidade com a Constituição. Não sofre dúvida, na verdade, que, quando a norma estatutária invocada como parâmetro não coincide com qualquer norma constitucional, a legitimidade para o pedido de declaração de ilegalidade não está limitada pela invocação da violação de direitos da região autónoma. O problema restringe-se, pois, aos casos em que a norma estatutária alegadamente violada coincide com uma norma constitucional. Segundo o aresto, nestes casos, "o vício de inconstitucionalidade consome o de ilegalidade para efeitos de delimitação da legitimidade dos deputados regionais".

Ora, posso concordar com a afirmação de que, em regra, a inconstitucionalidade - com vício mais grave, porque resultante da violação da lei fundamental -, quando é declarada, consome nos seus efeitos a "ilegalidade estatutária" (rectius, a ilegalidade por violação do estatuto regional). Mas não é legítimo deduzir nesta afirmação uma completa equiparação de regime entre a legitimidade para invocar a inconstitucionalidade e a ilegalidade por violação de estatuto regional, mesmo que a norma estatutária coincida com uma norma constitucional. Essa equiparação, para além de nada ter a ver com a finalidade de evitar uma pretensa "degradação" de uma questão de constitucionalidade (isto é, de violação de normas ou princípios constitucionais) numa questão de legalidade ("degradação" que não estava em causa), escamoteia as diferenças de regime entre a inconstitucionalidade e a ilegalidade por violação de estatuto (designadamente a diferença consistente no diverso âmbito da legitimidade dos deputados das assembleias legislativas regionais para requerer a sua apreciação por este Tribunal) e ilude o sentido próprio da parametricidade estatutária em relação à constitucional (sem que, obviamente, aquela deixe de estar submetida a esta).

Julgo, mesmo, que uma conclusão denegadora de legitimidade aos deputados regionais para invocar a ilegalidade por violação de estatuto regional mesmo quando não está em causa a violação de direitos da respectiva região e a norma estatutária coincide com uma norma constitucional, é contrariada por todos os elementos de interpretação da Constituição, como passo a demonstrar.

3 - Uma posição contrária à referida apoia-se, desde logo - e como se viu - na letra do citado artigo 281.º, n.º 2, alínea g), com a qual não é meramente "compatível", antes dela resulta como sentido mais natural - esta alínea distingue claramente a legitimidade dos deputados regionais para invocação da inconstitucionalidade, restrita ao fundamento da violação dos direitos da região, e a legitimidade para invocação da ilegalidade por violação do estatuto regional.

Por sua vez, a consideração de outras normas constitucionais [assim, por exemplo, das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 281.º] também conduz à conclusão de que a inconstitucionalidade e a ilegalidade com fundamento em violação do estatuto da região são vícios autónomos. Não vejo, aliás, como se pode retirar qualquer elemento da Constituição no sentido de considerar também a legitimidade dos deputados regionais para pedir a apreciação de ilegalidade com esse fundamento - ou seja, a violação de estatuto regional - como uma "legitimidade excepcional" ou no sentido de afirmar uma genérica consunção do regime da ilegalidade pelo regime da inconstitucionalidade.

No sentido da autonomização de ambos os vícios, quanto à legitimidade para os invocar, aponta, ainda, a consideração, histórica, da versão do artigo 281º da Constituição anterior à que estava em vigor à data do pedido (ou seja, anterior à revisão de 1989, uma vez que a revisão de 1991 deixou intocado esse artigo e o pedido é de 1995). Na verdade, os pedidos de apreciação e declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade eram, segundo o texto saído da revisão constitucional de 1982, autonomizados em duas alíneas do n.º 1 do artigo 281º, e apenas na alínea a), relativa à inconstitucionalidade, se fazia referência à "violação dos direitos das regiões autónomas". Foi só em 1989 que, passando o n.º 2 do artigo 281º a estar ordenado segundo as entidades às quais é conferida legitimidade para pedir a apreciação e declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, se uniu numa única alínea, relativa às regiões autónomas, os dois vícios, continuando, porém, a referência aos "direitos das regiões autónomas" a reportar-se claramente apenas à inconstitucionalidade.

4 - Por último - e de forma decisiva -, a autonomização da legitimidade para pedir a apreciação da legalidade por violação do estatuto é ainda imposta pelo elemento lógico de interpretação, mais precisamente, pela consideração da autonomia da força paramétrica do estatuto regional em relação à da Constituição - embora evidentemente submetido aquele a esta -, de tal forma que a solução de consunção do regime jurídico da ilegalidade estatutária no da inconstitucionalidade, mesmo quando a norma do estatuto coincide com a norma constitucional, é que conduz, ela sim, a uma "manifesta contradição com a ratio legis e com o sentido histórico do preceito constitucional". Não posso, aliás, deixar de rejeitar, pela sua circularidade, um raciocínio que, por um lado, não reconhece legitimidade aos deputados regionais para pedir a declaração de ilegalidade por violação de disposições do Estatuto regional coincidentes com disposições constitucionais porque o vício de inconstitucionalidade consome o de ilegalidade e, por outro lado, afirma esta consunção da ilegalidade pela inconstitucionalidade porque o regime jurídico é idêntico - isto é, entre outras razões (e no que ora releva) precisamente porque se negou legitimidade aos deputados regionais para invocar a ilegalidade.

A meu ver, e como resulta das normas citadas [cf., novamente, por exemplo, as alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 281.º], a ilegalidade por violação de estatuto não pode ser reduzida apenas a um minus em relação à inconstitucionalidade, sendo sim um aliud. Isto é, trata-se de um vício resultante da violação de outro parâmetro normativo, diverso da Constituição da República - outro parâmetro esse, porém, que tem também de ser conforme à lei fundamental -, e cuja violação está igualmente submetida à apreciação pelo Tribunal Constitucional. Assim, a introdução de uma norma num estatuto, pelo menos quando tal norma tem natureza ou vocação "intrinsecamente estatutária" - como é manifestamente o caso, com uma norma relativa à repartição de competências entre a assembleia legislativa e o governo regional -, tem, pois, o sentido de a autonomizar enquanto parâmetro, também em relação ao parâmetro constitucional - que, porém, como todas as normas, aquele tem de respeitar -, se e na medida em que sejam de reconhecer diferenças de regime jurídico, como acontece, no presente caso, relativamente à legitimidade para desencadear o processo de reconhecimento da sua violação. A redução da inserção de uma norma como parâmetro estatutário, mesmo quando ela coincide com uma norma constitucional, a mera "inserção formal" deixa, pois, escapar o essencial, ou seja, a autónoma força paramétrica de uma norma justamente enquanto norma (no caso, aliás, também "com vocação") estatutária.

O mesmo se diga, aliás, de um argumento segundo o qual a invocação da ilegalidade conduziria a defraudar a limitação de legitimidade para invocar a inconstitucionalidade, e da pretensa necessidade de contrariar um alegado "alargamento" do poder dos deputados regionais quanto à formulação de pedidos de declaração de inconstitucionalidade através da reprodução de normas constitucionais nos estatutos das regiões autónomas. Na verdade, não estava no presente processo em causa a invocação de uma inconstitucionalidade, mas sim a de uma violação de estatuto regional, não podendo reduzir-se esta àquela, mesmo que a norma estatutária coincida com uma norma constitucional. Cumpre notar, aliás, que a ligação com a região autónoma e a defesa do seu estatuto político-administrativo está sempre assegurada - ao contrário do que acontece com a invocação da inconstitucionalidade - pelo facto de estar em questão apenas a ilegalidade justamente por violação de estatuto regional.

Afigura-se-me, pois, manifesto que aos deputados regionais deve ser reconhecida legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a apreciação da legalidade de normas constantes de diploma regional por violação do estatuto regional, mesmo quando não estão em causa direitos das regiões autónomas e as normas estatutárias violadas coincidem com normas constitucionais.

5 - Cumpre ainda fazer uma última observação: no presente caso tratava-se de um pedido de apreciação da constitucionalidade e da legalidade de uma norma do governo regional, a qual, segundo os requerentes, por regulamentar uma lei geral provinda de um órgão de soberania, invadia a competência da assembleia regional prevista na Constituição e no estatuto regional. Ora, pode questionar-se se a violação da repartição interna de competências, constitucional e estatutariamente prevista, de órgãos da região é ainda de considerar como "violação dos direitos das regiões autónomas" para efeitos do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, compreendendo nessa violação a ofensa à separação interna de poderes e às competências do seu órgão mais representativo. Mesmo, porém, sem adoptar tal entendimento - que contraria a jurisprudência deste Tribunal e o presente aresto -, o que me parece claro é que, neste caso, sempre estava em causa não propriamente uma violação de direitos da região autónoma mas ainda a defesa desta - a defesa da repartição interna de competências e das normas do estatuto da região que a prevêem é ainda, certamente, defesa da região autónoma.

E julgo que o Tribunal Constitucional, ao qual está cometida a apreciação da violação do estatuto das regiões autónomas por quaisquer normas constantes de diploma regional, não deveria restringir a legitimidade dos deputados da assembleia regional - que no caso, aliás, alegavam ter visto as suas competências invadidas pelo governo regional - para, em defesa do estatuto político-administrativo e da região autónoma, invocar a violação deste parâmetro estatutário com autonomia em relação à violação de normas constitucionais.

6 - Nestes termos, teria reconhecido aos requerentes legitimidade para deduzir o pedido de declaração de ilegalidade, por violação do Estatuto regional, do diploma em questão, e teria tomado conhecimento desse pedido. - Paulo Mota Pinto.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1846843.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1995-03-15 - Decreto-Lei 49/95 - Ministério da Agricultura

    ESTABELECE AS REGRAS DO RECONHECIMENTO DE ORGANIZAÇÕES E AGRUPAMENTOS DE PRODUTORES E SUAS UNIÕES PREVISTOS RESPECTIVAMENTE NO REGULAMENTO (CEE) 1035/72 (EUR-Lex), DO CONSELHO DE 18 DE MAIO, ALTERADO PELO REGULAMENTO (CEE) 2602/90 (EUR-Lex), DA COMISSAO DE 7 DE SETEMBRO DE 1990, E NO REGULAMENTO (CEE) 1360/78 (EUR-Lex), DO CONSELHO, DE 19 DE JUNHO. DESIGNA AS DIRECÇÕES REGIONAIS DE AGRICULTURA (DRA) COMO ENTIDADES RECEPTORAS DOS PEDIDOS DE RECONHECIMENTO E DEFINE A TRAMITAÇÃO DO MESMO. PREVÊ E CALENDARIZA A (...)

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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