Acórdão 333/2000/T. Const. - Processo 696/99. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - LISNAVE - Estaleiros Navais de Lisboa, S. A., recorreu da deliberação da Câmara Municipal de Almada de 16 de Novembro de 1994 para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Setúbal, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87, de 6 de Janeiro. A deliberação camarária impugnada confirmou o despacho do presidente do conselho de administração dos Serviços Municipais de Água e Saneamento de Almada que indeferiu a petição na qual a LISNAVE pedia a anulação do acto de liquidação da tarifa de conservação da rede de saneamento, referente ao ano de 1991, por forma a proceder-se à extinção da execução fiscal n.º 31888/92 e a permitir a devolução da caução já prestada. A recorrente deduziu tal pretensão, invocando o princípio da igualdade, uma vez que o presidente do conselho de administração dos Serviços Municipais de Água e Saneamento de Almada havia revogado, em 11 de Março de 1994, o acto de liquidação da tarifa de conservação da rede de saneamento referente ao ano de 1993, no processo de execução fiscal n.º 46333/AP/94.
O Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Setúbal, por decisão de 5 de Janeiro de 1996, julgou-se incompetente para conhecer do recurso, uma vez que, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (na redacção então em vigor), seria competente o Tribunal Tributário de 2.ª Instância. Consequentemente, os autos foram remetidos ao Tribunal Tributário de 2.ª Instância (Tribunal Central Administrativo) que, por acórdão de 7 de Outubro de 1997, apreciou o objecto do recurso, julgando-o improcedente e confirmando a deliberação camarária impugnada.
2 - LISNAVE - Estaleiros Navais de Lisboa, S. A., interpôs recurso do acórdão de 7 de Outubro de 1997 para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
O conselheiro relator no Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer (fls. 258, 258 v.º e 259), suscitando uma questão prévia nestes termos:
Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, da liquidação da taxa referente a 1991 cabia reclamação para o executivo da autarquia e impugnação judicial do correspondente acto; a recorrente, "ao reclamar para o SMAS optou pela via graciosa facultativa, pelo que o acto que apreciou o acto do SMAS não é, eventualmente, lesivo dos seus direitos e interesses", sendo que, "a eventual lesividade resultará do não ter dado cumprimento ao referido artigo 22.º, n.º 2"; assim, o acto impugnado não seria contenciosamente recorrível.
Em resposta, a recorrente afirmou que não impugnou o acto de liquidação da tarifa mas sim a deliberação camarária que confirmou a decisão de indeferimento do pedido de revogação do acto de liquidação da tarifa referente a 1991, em face da revogação do acto de liquidação da tarifa referente a 1993. Sustentou, também, que a interpretação do artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, no sentido de apenas permitir a impugnação contenciosa de actos de liquidação, com exclusão da impugnação de quaisquer actos administrativos que não versem a liquidação propriamente dita de impostos, taxas ou tarifas, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição.
O Ministério Público emitiu parecer, no sentido da irrecorribilidade do acto impugnado, em face do artigo 25.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, afirmando, concomitantemente, que a aludida interpretação do artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, não viola o disposto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 22 de Setembro de 1999, considerou que à taxa de conservação da rede de saneamento a que se refere o presente processo tem aplicação o disposto no n.º 2 do artigo 22.º da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, pelo que a recorrente "devia necessariamente impugnar graciosamente a liquidação perante o órgão executivo camarário e só do indeferimento praticado por este órgão poderia, posteriormente, recorrer para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância", sendo que "esta via assegura a recorribilidade contenciosa do acto tributário da liquidação da mencionada taxa". O Tribunal entendeu ainda que, "não tendo a recorrente impugnado o acto tributário da liquidação, deixou que o mesmo se transformasse, eventualmente, em caso decidido ou resolvido". O Tribunal afirmou, também, que "o pedido de reapreciação do acto tributário de liquidação situando-se, eventualmente, no âmbito de um recurso hierárquico facultativo não tem a virtualidade de lhe abrir a via contenciosa do correspondente acto final", invocando o "entendimento corrente", segundo o qual "os recursos hierárquicos facultativos, salvo disposição normativa em contrário, porque têm natureza meramente facultativa, não abrem a via contenciosa".
O Supremo Tribunal Administrativo, depois de considerar que o princípio da tutela jurisdicional efectiva se encontra assegurado através dos mecanismos de impugnação mencionados, concluiu que a recorrente interpôs recurso contencioso de um acto irrecorrível. Consequentemente, o acórdão recorrido foi revogado, rejeitando-se o recurso interposto perante o Tribunal Central Administrativo, por ilegalidade na sua interposição.
3 - LISNAVE - Estaleiros Navais de Lisboa, S. A., interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 22.º, n.º 1, da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, interpretada no sentido de "apenas permitir a impugnação contenciosa de actos de liquidação de taxas, com exclusão de quaisquer outros actos administrativos que não versassem a liquidação propriamente dita de impostos, taxas ou tarifas".
Junto do Tribunal Constitucional, a recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
"1.º Nos presentes autos não está em causa a impugnação contenciosa de um acto de liquidação de taxas ou de tarifas, designadamente, não está em causa o acto de liquidação da taxa de saneamento referente ao ano de 1991 e relativa ao prédio da recorrente, nos termos do Regulamento Municipal de Águas Residuais" de Almada;
2.º Está, sim, em causa a impugnação contenciosa de um acto administrativo praticado pela Câmara Municipal de Almada, em 16 de Novembro de 1994, o qual, apreciando um recurso hierárquico por si interposto de um despacho do presidente do conselho de administração dos SMAS de Almada, indeferiu tal recurso;
3.º Tal acto administrativo, ao apreciar todo o enquadramento juridico-tributário aplicável à situação da recorrente, muito em especial, pondo em confronto duas execuções fiscais para não pagamento de taxa de saneamento, nos termos do respectivo Regulamento Municipal, foi um acto administrativo praticado em matéria tributária;
4.º E foi um acto administrativo praticado em matéria tributária, dado que interpretou e aplicou normas do Regulamento Municipal de Águas Residuais concluindo que o prédio pertencente à recorrente devia ser objecto de incidência da tarifa de saneamento;
5.º E para além de ser um acto administrativo praticado em matéria tributária, era também um acto lesivo dos direitos e interesses da recorrente;
6.º Com efeito, tal acto, ao recusar-se a dar provimento ao recurso hierárquico interposto pela recorrente, não aceitou a sua pretensão da necessidade de visão conjunta de dois processos de execução fiscal, instaurados por razões de facto e de direito exactamente iguais, para efeitos de, entre outras coisas, se fazer o seu enquadramento jurídico face ao princípio constitucional da igualdade;
7.º Com tal acto, a recorrente foi lesada nos seus direitos e interesses, pois foi-lhe negado o direito à devolução de uma caução no valor de 9 368 270$00 depositada em Março de 1994 no âmbito do processo de execução fiscal n.º 31888/92;
8.º O acto contenciosamente impugnado em 21 de Dezembro de 1994, é pois um acto administrativo passível de recurso contencioso enquanto acto administrativo (definitivo) e lesivo dos direitos da recorrente - direito à extinção fiscal com a consequente devolução de uma caução prestada na execução que se pretendia extinta;
9.º Deste modo, o acto administrativo praticado pela Câmara Municipal de Almada em 16 de Novembro de 1994 e contenciosamente impugnado em 21 de Dezembro de 1994 é um acto administrativo praticado em matéria tributária;
10.º Em conformidade com o artigo 268.º, n.º 4, da Constituição e com o princípio da tutela jurisdicional efectiva daí decorrente, tem de se entender que os actos administrativos praticados em matéria tributária e que lesam os direitos dos particulares, são recorríveis contenciosamente;
11.º Assim sendo, o artigo 22.º, n.º 2, da lei 1/87 (ex-"Lei das Finanças Locais") tem de ser interpretado em conformidade com o artigo 268.º, n.º 4, da CRP, por forma a não excluir quaisquer impugnações graciosas de actos em matéria fiscal autárquica, bem como das impugnações contenciosas para os tribunais tributários dos actos administrativos que indefiram tais impugnações;
12.º Por conseguinte, a par dos actos de liquidação de impostos, taxas ou tarifas, o artigo 268.º, n.º 4, da CRP permite a impugnação contenciosa de quaisquer actos administrativos praticados em matéria tributária e que lesam os direitos particulares;
13.º E aliás hoje o que decorre claramente do artigo 95.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, a qual nada mais fez do que consagrar a recorribilidade contenciosa de quaisquer actos administrativos lesivos, independentemente de eles serem ou não actos de liquidação;
14.º O acórdão ora recorrido, ao excluir a possibilidade de se recorrer de um acto administrativo em matéria tributária que não seja um acto de liquidação, restringiu o direito ao recurso contencioso de forma não prevista na Constituição;
15.º E, porque o direito ao recurso contencioso é considerado um direito análogo aos direitos, liberdade e garantias, a sua restrição há-de ser feita nos termos da própria Constituição, o que não é o caso;
16.º Tem assim o artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87 de ser interpretado, face ao artigo 268.º, n.º 4, da CRP, no sentido de permitir a impugnação graciosa dos actos de liquidação e cobrança das taxas autárquicas e consequente recurso dos actos proferidos sobre tais impugnações para os tribunais tributários;
17.º Mas para além disso, tem também o artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87 de ser interpretado, face ao artigo 268.º, n.º 4, da CRP, no sentido de não excluir quaisquer impugnações graciosas em matéria fiscal autárquica, bem como das impugnações contenciosas para os tribunais tributários dos actos administrativos que indeferiam tais impugnações;
18.º Deste modo, a interpretação que o acórdão recorrido deu ao artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87, é face ao artigo 268.º, n.º 4, da CRP, inconstitucional, ao apenas permitir a impugnação contenciosa de actos de liquidação, com exclusão da impugnação de quaisquer actos administrativos lesivos que não versassem a liquidação propriamente dita de impostos, taxas ou tarifas.
Por seu turno, a Câmara Municipal de Almada contra-alegou, concluindo o seguinte:
"a) Nos presentes autos discute-se a questão e saber se o artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, face à interpretação sustentada, no acórdão recorrido, viola o disposto no artigo 268.º, n.º 1 da CRP por 'excluir a possibilidade de impugnação contenciosa de quaisquer actos administrativos lesivos em matéria tributária e que não versem a liquidação de impostos, taxas ou tarifas...'
b) Aquele artigo 22.º, n.º 2, não exclui obviamente qualquer possibilidade de reclamar e recorrer graciosamente nem de recorrer para os tribunais competentes contra a liquidação e cobrança de taxas, mais-valias e demais rendimentos gerados em relação fiscal.
c) Está em causa um acto de liquidação de uma tarifa, cuja revogação a recorrente solicitou, em 1994, e não de 'quaisquer actos administrativos em matéria fiscal'.
d) Quanto ao acto que está em causa, o STA entendeu que ele só poderia ter sido modificado se a recorrente o tivesse impugnado oportunamente, recorrendo aos meios a que recorreu, previstos no artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87; não o tendo feito, tal acto tomou-se irrecorrível, quer porque formou caso decidido quer porque se tomou insusceptível de ser modificado pelo seu autor.
e) E tomou-se irrecorrível porque a interessada não quis exercer o direito de recorrer aos tribunais competentes; não porque lhe haja sido negado o direito à tutela jurisdicional efectiva.
f) O acto administrativo recorrido, de resto, não é a fonte da lesão dos direitos ou interesses (?) da recorrente, porquanto em nada modifica a situação jurídico-tributária já constituída havia cerca de três anos.
g) O facto de ter sido revogada a liquidação da tarifa de 1993, não renova a oportunidade, como a Lisnave pretende, de, em 1994, poder impugnar, nos termos do artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87, um acto de liquidação, praticado em 1991. Ainda que alguma razão lhe assistisse para poder eximir-se ao pagamento da tarifa, deveria ter promovido as acções adequadas, designadamente no processo de execução fiscal; não pode é dizer, aceitavelmente, que lhe está a ser negado o direito à tutela jurisdicional efectiva."
4 - Corridos os vistos, cumpre decidir.
II - Fundamentação. - A) O objecto do recurso. - 5 - O artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, tem a seguinte redacção:
"Artigo 22.º
Contencioso fiscal
...
2 - As reclamações e impugnações dos interessados contra a liquidação e cobrança de taxas, mais-valias e demais rendimentos gerados em relação fiscal são deduzidas perante os órgãos executivos das autarquias locais, com recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância territorialmente competente.
..."
O preceito impugnado consagra a recorribilidade de uma dada categoria de actos e contém uma regra de competência. Com efeito, o preceito transcrito estabelece que as deliberações dos órgãos executivos das autarquias locais que decidam as reclamações e impugnações contra a liquidação e cobrança de taxas, mais-valias e demais rendimentos gerados em relação fiscal são contenciosamente recorríveis, sendo então competente para apreciar o recurso o Tribunal Tributário de 1.ª Instância.
Nos presentes autos, o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Setúbal julgou-se incompetente, em virtude de não ter sido impugnado o acto de liquidação da taxa, mas sim a deliberação camarária que indeferiu o recurso do despacho do presidente do conselho de administração dos Serviços Municipais de Água e Saneamento de Almada, nos termos do qual se entendeu que a revogação do acto de liquidação da taxa referente a 1993 não implicava a revogação do acto de liquidação da taxa referente a 1991. Competente seria então o Tribunal Tributário de 2.ª Instância, nos termos do artigo 41.º, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Porém, implicitamente, o tribunal considerou o acto impugnado contenciosamente recorrível.
O Tribunal Central Administrativo apreciou o recurso, julgando-o improcedente. Nessa medida, isto é, ao tomar conhecimento do objecto do recurso, considerou-se, pois, competente e considerou igualmente o acto impugnado contenciosamente recorrível.
O Supremo Tribunal Administrativo entendeu que o acto impugnado não era recorrível. Na lógica decisória do acórdão de 22 de Setembro de 1999, tal entendimento fundou-se numa interpretação do artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, segundo a qual esse preceito apenas admite a recorribilidade da deliberação do órgão executivo da autarquia local que decida da impugnação do acto de liquidação da taxa, implicando, desse modo, a irrecorribilidade da deliberação camarária que indefere o recurso do despacho do presidente do conselho de administração dos Serviços Municipais de Água e Saneamento de Almada que, por sua vez, indeferiu o pedido de revogação do acto de liquidação da taxa.
É, pois, essa a dimensão normativa impugnada nos presentes autos, ou seja, a recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 22.º, n.º 2, da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, interpretada no sentido de considerar irrecorrível a supra referenciada deliberação camarária (deliberação da Câmara Municipal de Almada, de 16 de Novembro de 1994, que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho do presidente do conselho de administração dos Serviços Municipais de Água e Saneamento de Almada que indeferiu o pedido de revogação do acto de liquidação da taxa referente a 1991, deduzido na sequência e em face da revogação do acto de liquidação da taxa referente a 1993).
B) Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada. - 6 - A recorrente impugnou contenciosamente um acto da Câmara Municipal de Almada que confirmou um despacho que indeferiu um pedido de revogação do acto de liquidação de uma taxa de conservação da rede de saneamento referente ao ano de 1991. O pedido então deduzido fundava-se na revogação do acto de liquidação da taxa referente a 1993. Na perspectiva da recorrente, as razões que levaram à revogação deste acto deviam levar também à revogação daquele.
A lesão dos interesses da recorrente decorre, porém, não do acto da Câmara Municipal de Almada impugnado, mas sim do acto de liquidação da taxa, cuja impugnação directa não está em causa nos presentes autos. Assim, lesivo foi o acto de liquidação da taxa e não o acto que lhe negou o alegado "direito a ver revogado o acto de liquidação". Na verdade, este acto não tem lesividade própria e autónoma, pois apenas se limitou a confirmar o primeiro acto.
Violará, desse modo, o disposto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, a norma que fundamente a irrecorribilidade do acto em questão?
7 - O caso em apreciação no presente recurso de constitucionalidade apresenta uma semelhança substancial com outros casos decididos pelo Tribunal Constitucional nomeadamente com o decidido no Acórdão 431/99, de 30 de Junho.
Nesse acórdão, o Tribunal apreciou a conformidade à Constituição da norma contida no artigo 25.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada no sentido de fundamentar a irrecorribilidade do acto da Caixa Geral de Aposentações que indeferiu um pedido de concessão de uma pensão, deduzido (após já ter sido decidida a questão do direito do requerente à pensão), na sequência de uma recomendação do Provedor de Justiça. A Caixa Geral de Depósitos considerou não se justificar a reabertura do processo de concessão de pensão e, em consequência, confirmou a decisão anterior.
No caso então em apreço, o acto recorrido confirmou um acto anterior que não foi impugnado pelo recorrente. O acto do qual se pretendeu recorrer apenas foi proferido na sequência de um pedido que se fundamentou numa circunstância alheia ao processo em questão (a recomendação do Provedor de Justiça n.º 11-B/96).
Nos presentes autos, também existe um acto inicial cuja impugnação directa não está em causa nos autos e um segundo acto, proferido na sequência de um pedido assente também em circunstâncias alheias ao processo em apreço (a revogação de um acto de liquidação num outro processo de execução fiscal).
No aresto referido, invocando jurisprudência anterior, o Tribunal Constitucional considerou que "o sentido da garantia constitucional do recurso contencioso contra actos administrativos ilegais é [...] este: ali onde haja um acto da Administração que defina a situação jurídica de terceiros, causando-lhes lesão efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, existe o direito de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em ilegalidade. Tal direito de impugnação contenciosa já não existe, se o acto da Administração não produz efeitos externos ou produz uma lesão de direitos ou interesses apenas potencial". O Tribunal, afirmando que o acto confirmativo "não tem potencialidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de particulares", entendeu que não "é coberto pela referida garantia constitucional o acto praticado pela Administração que não produza a lesão dos mencionados direitos e interesses".
Consequentemente, o Tribunal Constitucional concluiu pela não inconstitucionalidade da norma em apreciação.
8 - Nos presentes autos, trata-se de um acto proferido na sequência de um pedido, por via do qual se pretendeu anular um outro acto já consolidado na ordem jurídica, o referente à liquidação da tarifa de conservação da rede de saneamento relativa ao ano de 1991, porque não foi impugnado, sendo certo que, legalmente, o podia ter sido.
Assim, e como já se referiu, a deliberação camarária da qual a recorrente pretendeu interpor recurso contencioso não pode ter lesividade própria, não violando a norma impugnada (o artigo 22.º, n.º 2, do Decreto-Lei 1/87, de 6 de Janeiro) o artigo 268.º, n.º 4, da Constituição.
Na verdade, o direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 268.º, n.º 1, da Constituição, encontra-se, nos presentes autos, suficientemente garantido, através da impugnabilidade do acto de liquidação, não impondo aquele direito constitucionalmente consagrado que se abra a via da impugnação contenciosa sempre que o particular deduza uma pretensão junto de entidade administrativa, solicitando a apreciação de actos que se encontrem consolidados na ordem jurídica, formando uma espécie de "caso julgado" administrativo.
Com efeito, a esta consolidação não se poderia opor a revogação da liquidação da taxa referente a 1993, a qual nunca poderia ser criativa de lesividade em face da situação definida pela liquidação da taxa referente a 1991 (aliás, consta dos autos que aquela revogação assentou em pressupostos que não existiam em 1991). Assim, o pedido de anulação desta taxa na sequência da anulação daquela, embora não ilegítimo, não tem a virtualidade (ou, pelo menos, a Constituição não o impõe) de permitir o recurso contencioso da respectiva decisão, sob pena de uma permanente indefinição das situações já decididas, indefinição contrária aos princípios da segurança e certeza jurídicas também vigentes, naturalmente, na actividade administrativa.
9 - Se, como alega a recorrente, os fundamentos da revogação do acto de liquidação da taxa referente a 1993 são os mesmos da pretendida revogação do acto de liquidação da taxa referente a 1991, então impendia sobre si o ónus de apresentar esses fundamentos na impugnação a deduzir tempestivamente. Se não o fez, as consequências jurídicas de tal omissão apenas são imputáveis à estratégia processual adoptada, e não a uma qualquer interpretação normativa inconstitucional (por violação do disposto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição), que, no presente processo, não existe, como acaba de se demonstrar.
Conclui-se, portanto, pela improcedência do presente recurso.
III - Decisão. - 10 - Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei 1/87, de 6 de Janeiro, interpretada no sentido de considerar irrecorrível a deliberação camarária que indeferiu o recurso do despacho que recusou o pedido de revogação do acto de liquidação da taxa municipal, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade normativa sustentada.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 UC.
Lisboa, 21 de Junho de 2000. - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - José Manuel Cardoso da Costa.