Acórdão 1/2005
Processo 903/2004
Sumário
I - A norma geral que dimana dos artigos 66.º, 67.º e 69.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos permite, em caso de inércia da Administração, o uso da acção administrativa especial no prazo de um ano a contar do termo do prazo legalmente estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido.
II - Mas nada impede que, ao lado do regime geral, a lei consagre, para casos pontuais, regimes especiais, quer de tipos de processo contencioso (como os processos de contencioso pré-contratual), quer de formação de indeferimento no procedimento gracioso (máxime em recurso administrativo de decisão de primeiro grau), quer de prazos de utilização dos meios contenciosos, desde que semelhante desvio das regras comuns se mostre necessário à eficácia e prontidão das decisões a proferir na matéria, fique garantida a segurança jurídica, a efectividade da tutela e sejam dirigidos à obtenção de valores superiores aos sacrificados.
III - A questão de determinar qual o prazo para o uso do meio urgente previsto no artigo 100.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (seja impugnatório ou de condenação) em caso de inércia da Administração, como a falta de decisão de recursos administrativos (de que é exemplo o previsto no artigo 99.º do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março), resolve-se por interpretação conjugada dos artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 7, da Directiva n.º 89/665/CEE , do Conselho, de 21 de Dezembro, 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 134/98, e 100.º e 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos com os artigos 59.º, n.os 4 e 5, 66.º, 67.º e 69.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, no sentido de que se mantém inalterado o prazo do citado artigo 3.º, n.º 2, agora constante do artigo 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, tendo como consequência ser de um mês o prazo de utilização do meio contencioso - quer antes quer depois da entrada em vigor do Código de Processo dos Tribunais Administrativos - contado a partir da data em que o recurso administrativo se "considera indeferido», data esta que o interessado conhece automaticamente, por aplicação do n.º 3 do artigo 99.º do Decreto-Lei 59/99, em conjugação com a data em que o interpôs.
IV - A norma do n.º 1 do artigo 59.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos refere-se a actos que devam ser notificados e o artigo 101.º a actos em que não há lugar a notificação. Nestes últimos incluem-se os actos que resultam de se considerar indeferido um recurso administrativo.
A falta de decisão de recurso administrativo no prazo legalmente previsto dá lugar a considerar-se iniciado o prazo do recurso contencioso por determinação legal. A notificação neste caso está efectuada com a notificação da decisão primária, tanto que não existe nada a notificar para além do acto primário e o momento a partir do qual começa a contar-se o prazo do recurso contencioso está rigorosamente certo, por força do artigo 99.º do Decreto-Lei 59/99.
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 - A configuração do litígio:
1.1 - LN Ribeiro Construções, S. A., recorre ao abrigo do artigo 150.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos do Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 14 de Julho de 2004, que manteve a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de indeferimento dos pedidos de providências cautelares dirigido contra o município de Cascais.
Consistindo na suspensão de eficácia da adjudicação da empreitada de recuperação e remodelação da Casa Verdades de Faria - Museu da Música Portuguesa; de abstenção de celebrar o contrato de empreitada e de suspensão dos efeitos desse contrato, caso tenha sido celebrado.
A decisão da 1.ª instância, que o Tribunal Central Administrativo confirmou, assenta essencialmente na consideração de que o prazo de um mês para impugnar os actos relativos à formação dos contratos, constante do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 134/98, se aplica também ao indeferimento tácito de reclamação da exclusão de um concorrente à adjudicação de um contrato de empreitada, regulada nos artigos 98.º, n.º 6, 49.º, n.º 3, e 99.º, n.º 4, do Decreto-Lei 59/99.
Desta asserção retirou a consequência de que o recurso fora interposto para além do prazo, pelo que mesmo uma decisão expressa do recurso administrativo não poderia dar lugar a uma substituição do objecto do recurso interposto da presunção de indeferimento, mas fora de prazo.
1.2 - Para delimitar com exactidão a questão jurídica importa partir da matéria de facto provada que esteve na base da decisão em revista e da alegação da recorrente.
A matéria de facto considerada nas decisões das instâncias é a seguinte:
1) O concurso público para a empreitada de recuperação e remodelação da Casa Verdades Faria - Museu da Música Portuguesa, adiante designada "Casa da Música», foi aberto e publicitado por aviso publicado no Diário da República, 3.ª série, de 24 de Junho de 2003;
2) Em 30 de Setembro de 2003 a concorrente LN Ribeiro, agora recorrente, foi notificada de ter sido excluída por decisão da comissão de abertura do acto público, por não demonstrar aptidão para a execução da obra;
3) Reclamou daquela exclusão para a comissão, em 6 de Outubro de 2003, mas não obteve resposta alguma;
4) Em 30 de Outubro de 2003 interpôs recurso para a Câmara Municipal de Cascais do tácito indeferimento da reclamação para a comissão acabada de indicar, nos termos conjugados dos artigos 49.º e 98.º, n.º 6, do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março;
5) Em 21 de Novembro foi ouvida sobre o projecto de decisão da reclamação pela comissão, tendo apresentado a sua posição em 18 de Dezembro seguinte;
6) Em 23 de Janeiro de 2004 foi notificada da deliberação da comissão de abertura do acto público do concurso, de 20 de Janeiro, de que mantinha a decisão de a excluir porque não demonstrou aptidão técnica para a execução da obra;
7) Em 30 de Janeiro de 2004 requereu que fosse substituído pelo indeferimento expresso de 20 de Janeiro o objecto do recurso que havia interposto para a Câmara Municipal de Cascais em 30 de Outubro;
8) A requerente foi notificada em 16 de Fevereiro de 2004 para se pronunciar sobre o projecto de indeferimento do recurso administrativo relativo à sua exclusão;
9) Por deliberação da Câmara Municipal de Cascais de 1 de Março de 2004, a empreitada foi adjudicada ao concorrente MIU - Gabinete Técnico de Engenharia, Lda.;
10) Em 26 de Março de 2004 foi celebrado o contrato de adjudicação da empreitada ao concorrente acabado de referir.
Ocorrência processual posterior à sentença de 1.ª instância que se colhe deste meio contencioso e da acção principal, intentada como acção administrativa especial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e pendente no Tribunal Central Administrativo em recurso jurisdicional:
Em 19 de Março de 2004 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra o pedido de providências cautelares em que foi proferida a decisão do Tribunal Central Administrativo de que vem interposto o recurso de revista.
A medida cautelar pedida a título principal era a suspensão de efeitos da adjudicação efectuada em 1 de Março, com a consequente abstenção de a Câmara Municipal de Cascais celebrar o contrato e a título subsidiário, se o contrato já estivesse celebrado, determinar a suspensão dos seus efeitos com a consequente paralisação do início da obra ou dos trabalhos iniciados.
Posteriormente, deu entrada em 6 de Abril de 2000 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra petição inicial em que era pedida a anulação do indeferimento tácito do recurso hierárquico que a A. interpusera para a Câmara Municipal de Cascais, a condenação da R. a admitir a A. ao concurso e também a anular o acto de adjudicação de 1 de Março de 2004 à sociedade MIU e reconhecer-se o direito da A. a ser a adjudicatária do concurso.
Em 5 de Maio de 2004 foi proferida a sentença de indeferimento da pretensão pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que deu lugar ao recurso para o Tribunal Central Administrativo de cujo acórdão vem interposta a presente revista.
Mas, precisamente no dia anterior, 4 de Maio de 2004, a Câmara Municipal de Cascais, baseada em parecer dos serviços, proferiu acto expresso de indeferimento da reclamação que a requerente lhe tinha dirigido em 30 de Outubro de 2003 e cujo objecto tinha alargado pelo requerimento de 30 de Janeiro de 2004.
No meio contencioso principal a recorrente pediu que fosse considerado o acto expresso e alargado a ele o âmbito da impugnação e que sendo uma nova decisão haveria de ser tido objecto válido de pretensão impugnatória, pelo que não poderia repetir-se a mesma decisão tomada no processo em que eram pedidas as providências, mas realmente foi proferida decisão no Tribunal Administrativo e Fiscal que repetiu os fundamentos da providência e, acentuando que o acto expresso era totalmente ineficaz, julgou caducado o direito ao uso dos meios contenciosos (cf. processo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra n.º 666/04.2BESNT e recurso pendente no Tribunal Central Administrativo sob o n.º 394/2004).
1.3 - Para melhor compreender e delimitar o objecto da controvérsia que é objecto da revista, atentemos nas conclusões da alegação da recorrente.
A alegação da recorrente, quanto ao fundo, diz, em resumo:
Requereu as medidas cautelares e, ao mesmo tempo, pediu na acção principal a condenação da R. no acto então em falta de decisão do recurso administrativo interposto da sua exclusão, pois que tal decisão expressa não existia;
Mas a decisão administrativa expressa surgiu em 5 de Maio de 2004, na pendência da acção principal e deste pedido de medidas e muito depois de feita a adjudicação;
A recorrente pediu também, desde o início, no processo principal, para o caso de vir a ser proferida decisão expressa no recurso administrativo, a respectiva anulação, portanto em pedido subsidiário sucessivo;
Considera por isso que o objecto do processo principal não se limitava ao indeferimento tácito que foi analisado nas decisões das instâncias, pelo que havendo um acto expresso de Maio de 2004 nunca se podia considerar caducado o seu direito de acesso aos meios contenciosos, contra este último acto, que era também ele objecto do litígio, já que era ele que se achava indicado desde a data da propositura do meio principal;
A recorrente não foi notificada do acto tácito, pelo que não se iniciou o prazo para dele recorrer, face ao disposto no n.º 4 do artigo 59.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos;
Os actos sujeitos a recurso hierárquico necessário não eram contenciosamente impugnáveis, pelo que não se iniciou em relação a eles a contagem do prazo de recurso, pelo que o prazo se inicia com a notificação da decisão do recurso hierárquico;
Antes da entrada em vigor do Código de Processo dos Tribunais Administrativos os particulares não tinham o ónus de impugnar os actos tácitos no âmbito dos procedimentos concursais a que se refere o Decreto-Lei 134/98;
O acto tácito formado em sede de procedimento de formação de contratos é igual ao acto tácito comum, isto é, mera faculdade impugnatória e não um acto a partir de cujo conhecimento comece a decorrer o prazo de impugnação;
A sentença e o acórdão do Tribunal Central Administrativo aplicaram mal o artigo 59.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos porque o prazo para o recurso só se inicia com a notificação e no indeferimento tácito; não havendo notificação, a regra do n.º 1 reporta-se à decisão do recurso administrativo e não ao objecto desse recurso;
A inércia da administração deu lugar a uma situação a que se aplicam os novos meios processuais atenta a data de entrada do processo, e, como o recurso hierárquico ainda não tinha sido decidido, tinha lugar a acção administrativa especial para condenação no acto devido, a intentar no prazo de um ano previsto no artigo 69.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, pelo que, diferentemente do decidido, não caducou o direito de propor a acção e o meio acessório não podia ser rejeitado com esse fundamento.
2 - A questão jurídica central - coordenação da impugnação do indeferimento tácito nos procedimentos de formação de certos contratos com o regime dos meios contenciosos em geral, no antecedente e no novo regime do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
A sentença, mantida pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo, julgou do seguinte modo:
Excluída do concurso pela deliberação da comissão de abertura do concurso público que também referimos como comissão, a requerente da providência reclamou tempestivamente, em 6 de Outubro de 2003, nos termos do artigo 98.º, n.º 6, do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, para a Câmara Municipal de Cascais. E, na falta de notificação de qualquer decisão em 10 dias, teve a reclamação por indeferida, nos termos do n.º 4 do artigo 49.º do mesmo diploma, pelo que recorreu para a Câmara, em 30 de Outubro seguinte, dentro do prazo da alínea b) do n.º 2 do artigo 99.º do Decreto-Lei 59/99.
Como não obteve notificação de decisão, nem ela foi proferida, em 13 de Novembro o recurso administrativo considera-se indeferido nos termos do n.º 4 do artigo 99.º do mesmo diploma.
E era a partir desta data que se contava o prazo para a impugnação contenciosa do indeferimento assim formado. Mas, como a impugnação apenas deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal em 19 de Março de 2004, estava ultrapassado o prazo de um mês para o recurso contencioso previsto nos artigos 3.º n.º e do Decreto-Lei 134/98 e 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, contado da notificação, ou, a ela não havendo lugar, a contar da data do conhecimento do acto. No caso, o conhecimento deriva da data de interposição e do mecanismo legalmente regulado como indeferimento.
A primeira e mais relevante questão jurídica que emerge da exposição antecedente consiste em saber se, para efeitos de impugnação contenciosa e respectivo prazo, o regime de indeferimento tácito da reclamação administrativa regulado nos artigos 49.º, n.º 4, e 98.º, n.º 6, bem como o regime de indeferimento tácito do recurso administrativo regulado nos n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 99.º, todos do Decreto-Lei 59/99, são equiparados pela lei a um verdadeiro e próprio indeferimento (embora por ficção legal) ou se apenas criavam os pressupostos para permitir ao interessado recorrer à via impugnatória (até 1 de Janeiro de 2004) e agora, na vigência do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, também mantêm o valor de indeferimento, ou são tratados como em geral toda a inércia administrativa que permite o acesso à acção especial do artigo 66.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, nas condições do n.º 1, alínea a), do artigo 67.º, meio que alia (ou permite cumular) ao aspecto puramente destrutivo uma componente constitutiva condenatória, isto é, se o silêncio da Administração naqueles procedimentos pré-contratuais tem ou não exactamente a mesma natureza e efeitos da presunção de indeferimento que em termos gerais facultava o acesso à via jurisdicional durante o prazo de um ano, tal como constava do artigo 109.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e era entendimento praticamente unânime da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo [acesso cuja via própria, para as situações comuns, é agora indicada no artigo 67.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, no mesmo prazo de um ano], ou se a via da acção especial urgente de contencioso pré-contratual para os actos e contratos a que se refere o artigo 100.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos tem um regime especial de indeferimento tácito, bem como saber se, para o uso de meios contenciosos de defesa contra estes indeferimentos tácitos, também se aplica exclusivamente o prazo especialmente curto de um mês.
Na outra alternativa estaria a posição da recorrente que defende ter desaparecido o regime do indeferimento tácito do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e, por isso, ser sempre aplicável o prazo de um ano do artigo 69.º contado a partir do termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido.
A questão jurídica enunciada foi respondida pela sentença em termos correctos, havendo agora apenas que explicitar melhor as razões que sustentam a interpretação das normas que a sentença aplicou e que são realmente aplicáveis ao caso.
3 - As exigências de um processo urgente em que se podem impugnar actos de trâmite por oposição ao tradicional recurso do acto administrativo final.
3.1 - A inteira compreensão das soluções adoptadas pelo Decreto-Lei 134/98, depois vertidas para os artigos 100.º, 101.º e 102.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, tem de ser procurada na análise do quadro normativo em que se inseriram, e neste desempenha especial relevo a Directiva n.º 89/665/CEE , do Conselho, de 21 de Dezembro.
Esta directiva estabeleceu para os Estados membros o dever de adoptar medidas "tão rápidas quanto possível» (artigo 1.º, n.º 1) dotadas de eficácia e meios de execução (n.º 7 do artigo 2.º por remissão do n.º 1 do artigo 1.º) capazes de responder à brevidade dos processos de adjudicação dos contratos submetidos ao direito público.
Ou seja, a directiva assume que a brevidade dos processos de adjudicação é uma necessidade de importância capital e um valor a preservar, pelo que as garantias dos particulares não podem ser conseguidas através do sacrifício daquela indispensável brevidade dos referidos procedimentos de adjudicação, antes tem de obter-se através da criação de meios ágeis de controlo, correcção, anulação e indemnização dos lesados pelas violações das regras jurídicas aplicáveis.
Para se inserir nesta filosofia e não violar a directiva, criando uma demora incompatível com a rapidez de meios exigida, o Decreto-Lei 59/99 não podia criar uma reclamação da exclusão de um concorrente seguida de um recurso administrativo que falseasse aquele princípio de eficiência e celeridade e deixasse a questão em aberto e mesmo completamente parada, durante mais de um ano, como sucederia se a consequência da inacção da Administração na decisão daquela reclamação e depois do recurso administrativo apenas pudesse retirar-se, nos termos gerais, ao fim do prazo de 30 dias (artigos 165.º e 174.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo), dando a partir daí lugar à possibilidade de o interessado presumir o indeferimento (artigo 109.º do Código do Procedimento Administrativo) para lançar mão do meio impugnatório dentro de um ano, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alínea d), da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos. Convenhamos que era deixar a questão nos moldes comuns, isto é, sem lhe imprimir as características do meio tão rápido quanto possível que a directiva impõe, mesmo que depois se criasse um processo jurisdicional urgente.
Ou seja, a urgência da situação impõe não apenas alterações nos meios e prazos processuais em fase jurisdicional, mas também nos mecanismos administrativos conducentes a uma rápida decisão final, mesmo em certos casos em que existe inércia da Administração e, simultaneamente, prazos para os particulares interessados actuarem mais expeditamente.
3.2 - O que fica dito conduz-nos à questão central que consiste na necessidade que o legislador teve de imprimir aceleração nos meios que envolvessem inércia da Administração por falta de decisão em tempo útil.
Daí que o Decreto-Lei 59/99 se tenha afastado segura e conscientemente da solução que resulta dos artigos 109.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e 28.º, n.º 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
E, nesta senda, a solução encontrada firma-se no texto do n.º 3 do artigo 49.º do Decreto-Lei 59/99, em que se diz que a reclamação nele prevista se considera indeferida se não for notificada decisão no prazo de 10 dias posteriores à sua apresentação e, no artigo 99.º, n.º 4, estabelece que o recurso administrativo tem efeito suspensivo da decisão primária e considera-se indeferido se o recorrente não for notificado da decisão no prazo de 10 dias após a sua apresentação.
Ao assim estatuir, a lei não se limitou a encurtar os prazos do regime geral para a decisão da reclamação e do recurso administrativo nos processos relativos à formação dos contratos de empreitada de obras públicas.
Também atribuiu um efeito diferente ao silêncio ou inacção da Administração.
Não disse que após os 10 dias o particular podia lançar mão dos meios impugnatórios durante um ano, como referiam os artigos 108.º do Código do Procedimento Administrativo e 28.º, n.º 1, alínea d), da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
Diz a lei especial, aplicável ao caso que nos prende, que o recurso se considera indeferido (para todos os efeitos, evidentemente), o que tem alcance diferente das diferentes palavras usadas no n.º 1 do artigo 109.º do Código do Procedimento Administrativo.
Atentemos, para melhor entender a lei, no preâmbulo do Decreto-Lei 59/99, onde se aceita que a transposição do direito comunitário anteriormente efectuada nesta matéria fora inadequada, pelo que o legislador se diz apostado na sua adequação, afirmando com especial relevo que se fez uma longa preparação do diploma, com audição de variadas entidades com experiência no sector e adianta mesmo que foram testadas algumas das soluções previstas. Ora, se bem que nestas afirmações não esteja concretizado nenhum aspecto relativo aos meios administrativos e sua coordenação com os meios contenciosos de protecção dos concorrentes, os objectivos e cuidados a que se refere o dito intróito vão certamente também ao encontro da matéria do recurso administrativo previsto nas disposições em análise e da sua coordenação com os meios contenciosos e a respectiva adequação às imposições que a directiva lança sobre o Estado membro. Efectivamente, não apenas as normas comunitárias substantivas exigiram a adaptação da legislação nacional como também as normas processuais tiveram de ser adaptadas através do Decreto-Lei 134/98, pelo que o legislador, ao elaborar o Decreto-Lei 59/99, não podia deixar de ter presentes as exigências da directiva relativa aos processos de recurso em matéria de adjudicação (de formação dos contratos ou pré-contratual) dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos - Directiva n.º 89/665/CEE .
O sentido da expressão usada na lei "considera-se indeferido» é o de se formar um acto com características e efeitos preclusivos idênticos ao indeferimento expresso, transformando a decisão recorrida em decisão do órgão ad quem, de tal modo que uma eventual pronúncia expressa posterior será relevante ou irrelevante sob o ponto de vista da possibilidade de utilização dos meios de defesa, nos termos gerais do acto administrativo que se pronuncia sobre a mesma matéria de acto anterior, ou seja, a legalidade do uso do meio fica dependente do sentido e conteúdo do novo acto, no cotejo com o acto sobre o qual incide.
Isto porque, se a Administração não cumprir os prazos de decisão dos meios administrativos de reclamação e recurso, a lei determina, nos casos regulados pelas referidas normas do Decreto-Lei 59/99, que a sua inércia vale indeferimento, para que nenhum protelamento advindo desta inacção venha entravar a decisão de todos os aspectos do concurso, mesmo os relativos a candidatos excluídos, de modo a obter decisões num espaço de tempo tão curto que esses concorrentes ainda venham, pelo menos em número significativo de casos, se possível e se lhe for reconhecido o direito, a integrar-se entre os concorrentes, tudo em tempo útil para o prosseguimento do concurso sem grandes demoras e para a realização das obras públicas visadas pelo procedimento de escolha do empreiteiro em condições de concorrência e de legalidade.
Ou seja, a lei adoptou, nos termos restritos indicados, para a inércia na decisão de recursos administrativos e para efeitos dos procedimentos pré-contratuais em análise uma concepção de acto tácito diferente da que se colhe do artigo 109.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, e fê-lo para garantia das necessidades públicas de promover as obras públicas em tempo útil, apesar das formalidades que não podem ser postergadas e de modo a conciliar este objectivo com a defesa dos interesses dos particulares de forma mais efectiva e eficaz através da criação de mecanismos capazes de permitir que sejam defendidos de modo rápido e, na medida do possível, para que ainda possam ter repercussão sobre os actos posteriores do procedimento, da adjudicação e da execução do contrato de que se ocupam os procedimentos pré-contratuais tendentes à adjudicação de obras.
Tanto assim é que as referidas normas do Decreto-Lei 59/99 não se limitam a dizer que se considera indeferido o recurso, acrescentando logo o modo de determinar a partir de quando se considera assim indeferido, apontando um prazo que não é susceptível de nenhuma manipulação ou dúvida, que é o decurso de 10 dias sobre a apresentação do recurso (e da reclamação) sem que tenha sido efectuada notificação da decisão respectiva. Este prazo é também importante para que a decisão administrativa primária se torne eficaz e útil, de modo a terminar a suspensão de efeitos determinada pelo recurso administrativo obrigatório e assim se prosseguirem desde logo os interesses a cargo das pessoas colectivas públicas.
A preocupação da lei em estabelecer um marco preciso para o indeferimento mostra, também, que se quis elevar este indeferimento ao nível de um indeferimento expresso, isto é, contendo os mesmos efeitos para garantia dos meios de defesa contra tal acto, tudo em nome da rapidez exigida pela matéria, de modo a não prejudicar o interesse público no prosseguimento e decisão com brevidade dos procedimentos de escolha daqueles que nos contratos públicos vão ser associados à realização do fim público e também a harmonizar com esta necessária brevidade a defesa dos interesses legítimos dos particulares que entram na relação concursal com a Administração.
Esta filosofia subjacente ao Decreto-Lei 59/99 é exactamente a mesma a que o Estado Português estava vinculado pela Directiva n.º 89/665/CEE , que tinha presidido à emissão do Decreto-Lei 134/98 e que impregnava a preparação que em 1999 se fazia do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, como é demonstrado pelo facto de o Código de Procedimento e Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei 433/99, de 26 de Outubro, ter antecipado muitas das soluções inovatórias do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
De modo que a solução vertida nos artigos 100.º e 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos é ainda a mesma do Decreto-Lei 134/98, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 5.º da Lei 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
Como auxiliar interpretativo do sentido das soluções da lei vigente, pode invocar-se também o facto de o Código de Processo dos Tribunais Administrativos ter abandonado completamente, e mesmo afastado, a relevância contenciosa da anterior terminologia "indeferimento tácito», que foi banida quer a propósito da impugnação de actos quer da condenação no acto devido, e até no meio especial urgente destinado ao contencioso pré-contratual.
Mas, é curioso notar que, apesar disso, se manteve no artigo 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos a redacção do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 134/98, de o prazo para a impugnação em sentido amplo se contar, não havendo notificação do acto, a partir da data do respectivo conhecimento. Esta persistência no Código de Processo dos Tribunais Administrativos em indicar a data do conhecimento do acto não notificado seria em toda a linha desnecessária, atenta a regra geral da alínea c) do n.º 3 do artigo 59.º, que manda contar os prazos dos meios impugnatórios a partir do conhecimento do acto. Pelo que parece bastante claro neste contexto que o artigo 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos se reporta a casos específicos de conhecimento de acto relativo à formação dos contratos, porque este conhecimento não é obtido por via da notificação, sempre que um recurso administrativo nesta matéria não obtenha decisão notificada no prazo estabelecido para o efeito. Ora, um acto que normalmente será conhecido do proponente no concurso de adjudicação de um contrato público sem ter havido notificação ou será praticado na sua presença, e neste caso sempre estaria dispensada a notificação, ou será um acto como o regulado no artigo 99.º, n.os 3 e 4, do Decreto-Lei 59/99, conhecido sem necessidade de notificação, o qual a lei parece ter tido especialmente em vista.
De notar também que, enquanto o artigo 109.º do Código do Procedimento Administrativo refere "a faculdade de presumir indeferida a pretensão», o artigo 175.º, n.º 3, do mesmo Código, sobre a falta de decisão de recursos administrativos em geral, e o n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei 59/99 usam as palavras, no primeiro caso: "considera-se o recurso tacitamente indeferido», e no segundo: "o recurso considera-se indeferido».
Esta importante diferença de consequências que a lei faz resultar da falta de decisão administrativa prende-se com o facto de, nos artigos 175.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo e 99.º, n.º 4, do Decreto-Lei 59/99, estar em causa uma falta de resposta em recurso administrativo, situação em que a omissão é de acto secundário, mas existe e regula a situação um acto primário.
Nestas condições o indeferimento tácito tem todas as condições para ser um acto susceptível de ser equiparado pela lei, sem grande artifício nem presunção, a um acto expresso de indeferimento, porque ele tem o conteúdo, os fundamentos, a direcção e toda a carga genética que constam do acto primário.
E, nesta perspectiva, nem se pode dizer que o indeferimento do artigo 99.º, n.º 4, do Decreto-Lei 59/99 se afasta da solução geral da lei, de considerar indeferido o recurso administrativo decorridos os prazos para a respectiva decisão sem que ela seja proferida ou notificada, conforme a lei determinar.
O que não significa que se entendam como aplicáveis as mesmas consequências, para efeitos contenciosos, à falta de impugnação do indeferimento em geral e ao indeferimento regulado para os procedimentos de adjudicação dos contratos de empreitada. A diferença consiste em que, no contencioso pré-contratual relativo às empreitadas, existe norma expressa que define sempre exactamente o momento do indeferimento e, portanto, permite com toda a transparência a data do conhecimento do acto de que "se considera indeferido» bem como o seu conteúdo real, que é o do acto primário (enquanto no recurso administrativo comum o particular não saberá normalmente quando foi efectuada a remessa ao decisor, nem se foi ou não ordenada instrução e, portanto, se o prazo de decisão é de 30 dias ou o máximo de três meses e desde quando se conta) e também existe norma expressa que incisivamente estatui que o prazo do recurso contencioso é (sempre) de um mês, acrescentando também a lei que, neste caso, não havendo notificação o prazo de utilização dos meios contenciosos se conta do conhecimento do acto, que é seguro e imediatamente apreensível pelo particular interessado.
Na interpretação que se vem apontando, a norma do artigo 59.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos refere-se a actos que devam ser notificados e o artigo 101.º a estes e a actos em que não há lugar a notificação. Nestes últimos incluem-se os actos que resultam de se considerar indeferido um recurso administrativo, tanto mais que o acto está notificado, uma vez que o respectivo conteúdo passou a ser o que era o do acto recorrido, que a lei transforma em acto final para, a partir dele, evitando mais delongas, se começar imperativamente a contar o prazo de uso dos meios contenciosos.
3.3 - A consequência da interpretação apontada para os mencionados preceitos leva a que o particular tinha, no caso sub judice, de considerar o recurso administrativo indeferido na data indicada no acórdão - 13 de Novembro de 2003 - e dispunha, a partir desse dia, do prazo de um mês para o impugnar, a contar da data do respectivo conhecimento, que era exactamente o esgotamento desse mesmo dia sem ser notificada de decisão, como estipulava o artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 134/98 e estabelece agora, com a mesma redacção e prazo, o artigo 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
O que avulta desde logo, na letra destas normas, é o facto de terem especificado a solução aplicável ao contencioso pré-contratual em caso de não haver lugar a notificação, como sucede nas situações de se considerar indeferido um recurso administrativo, pelo que tem de entender-se que o legislador não apenas as conhecia como as teve especificamente em vista. E importa repetir para que fique bem claro, entende-se que a letra do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 134/98 e do artigo 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos expressa com assento literal suficiente e claro que mesmo não havendo lugar a notificação das decisões que em procedimentos pré-contratuais são por força do mecanismo legal instituído para o efeito do conhecimento dos interessados, o prazo de utilização do meio jurisdicional, que é de um mês, começa a decorrer logo que os interessados tiverem conhecimento de tais decisões, desde que elas configurem acto destacável ou ponham termo a uma parte do procedimento com efeitos imediatamente lesivos, ou afectam em definitivo um proponente.
Resulta do próprio texto do artigo 100.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e do princípio da tutela judicial efectiva que os actos e as normas intraprocedimentais cuja produção de efeitos externos individuais fica latente até à prática do acto final, não tem de ser objecto de reacção contenciosa em prazo contado a partir do respectivo conhecimento, porque também no âmbito do contencioso pré-contratual quanto a estes actos se seguirá o princípio geral e comum da impugnação concentrada, isto é, juntamente com a impugnação do acto que com efeitos externos causar lesão relevante de interesses dos proponentes e candidatos.
Por outro lado, tem de entender-se, pela forma como o artigo 99.º do Decreto-Lei 59/99 regula o recurso administrativo, que a lei procurou evitar que ele se transformasse numa demora para a resolução definitiva de todas as questões relativas ao concurso e também que o recorrente que o interpôs tem conhecimento perfeito e exacto da data do indeferimento prescrito como solução inexorável, sempre que faltar a notificação de decisão expressa em 10 dias.
Este entendimento do acto que resulta de a lei dizer que se considera indeferido o recurso administrativo pode designar-se de regime especial de indeferimento tácito porque realmente tem o sentido de um indeferimento e não resulta de uma decisão expressa.
Mas, para evitar dúvidas e os reparos dos que se amarram ao facto de ter desaparecido do Código de Processo dos Tribunais Administrativos a referência a indeferimento tácito, não vemos nenhuma dificuldade em afirmar que a estatuição legal "considera-se (o recurso) indeferido se o recorrente não for notificado da decisão no prazo de 10 dias» pode ser designada como transformação da decisão primária em decisão final pela inércia do ente administrativo recorrido, a partir do momento limite estabelecido na lei. É neste sentido que a parte final do preâmbulo do Decreto-Lei 204/98, de 11 de Julho, diz, referindo-se a uma solução com semelhanças adoptada no respectivo artigo 46.º: "foi acautelado o cumprimento dos princípios e institutos do Código do Procedimento Administrativo [...] salientando-se [...] o carácter de decisão final no procedimento do indeferimento tácito». Note-se, no entanto, que esta nomenclatura contém um risco que consiste em se criarem confusões sobre o conceito de acto final, aqui usado como acto final do procedimento ou como posição final da Administração sobre a questão substancial, mais do que como conceito operativo ou com alguma validade para a apreciação dos pressupostos do controlo contencioso do acto.
Seja qual for a designação dada ao resultado de se considerar indeferido o recurso administrativo, o certo é que a lei determina que a partir daquele momento em que se considera indeferido começa inexoravelmente a decorrer o prazo para se usarem os meios contenciosos em matéria de formação dos contratos, na medida em que se trate de acto destacável, solução esta que se afasta substancialmente do regime geral, quer do anterior indeferimento tácito que consistia em criar a faculdade para o lesado de no prazo geral de um ano impugnar aquela inacção como se de um acto de indeferimento se tratasse - alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, quer do regime actual de reagir contra a inércia da Administração através da condenação na prática do acto devido - a que se referem os artigos 66.º, 67.º e 69.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos - também no prazo de um ano contado a partir do termo do prazo legal estabelecido para a prática do acto requerido.
Isto é, nas situações comuns a falta de decisão administrativa facultava a abertura da via impugnatória, como continua a suceder, e agora também condenatória, sem significar um indeferimento em sentido estrito, ou algo de equiparado.
Mas, diferentemente, nos apontados artigos 49.º, para a reclamação, e 99.º, para o recurso administrativo, ambos do Decreto-Lei 59/99, ainda que através de um mecanismo de ficção legal paralelo, criou-se uma figura que corresponde, nos respectivos contornos e efeitos, ao acto de indeferimento expresso, pelo que também não pode deixar de se dizer, afastadas as peias de linguagem e esclarecido o quid a que nos referimos, que se trata de indeferimento tácito, porque não sendo expresso, por força das disposições legais acima invocadas, tem efeitos idênticos aos do indeferimento expresso.
Nem se diga que é uma forma de todo desadequada de o legislador exprimir a solução legal, porque no pólo oposto, isto é, para efeitos de deferimento tácito, também a lei cria uma figura com o valor de acto igual ao de deferimento expresso, como a doutrina e a jurisprudência têm entendido e encontra suporte legal no actual artigo 108.º do Código do Procedimento Administrativo.
É sabido que foi para evitar que a protecção trazida pelo acto de indeferimento ficcionado acabasse por se virar contra os particulares, que realmente visava proteger, que o acto tácito de indeferimento evoluiu para uma simples faculdade de acesso à via contenciosa.
Entendeu-se então que, estando a Administração em falta, era demasiado oneroso exigir ao particular que reagisse no prazo curto de dois meses, quando a Administração ainda poderia pronunciar-se em tempo útil e continuava vinculada a fazê-lo.
No caso dos artigos em análise, do Decreto-Lei 59/99, a valoração do legislador foi diferente e, em consequência, estabeleceu que, após o decurso daqueles prazos sem notificação do particular, se esgotou o tempo útil para a Administração se pronunciar, e dada a urgência de prosseguir com o procedimento e de resolver também em tempo útil o diferendo com o recorrente administrativo era de considerar indeferido o recurso, terminada a suspensão de efeitos do acto recorrido na via administrativa e considerar o acto objecto daquele recurso como acto final do procedimento e dar por iniciado o decurso do prazo curto de utilização do meio contencioso. Esta opção foi tomada para casos particulares de actos surgidos na formação de certos contratos, em que a simples possibilidade de abertura do meio contencioso no prazo comum de um ano não satisfazia as necessidades de conclusão dos procedimentos administrativos em tempo útil em concertação com a tutela eficaz e efectiva, pelo que o meio de que se lançou mão se mostra devidamente ponderado e adequado em relação com os fins a atingir. Nestes casos, em que a via contenciosa só é realmente útil se utilizada em prazos curtos, houve que agilizar os modos de superar a falta de decisão dos recursos administrativos e que criar mecanismos apropriados seguros e claros em prazos especialmente curtos quer para o recurso administrativo, quer para a subsequente decisão, quer para a falta dela e, em qualquer destas das hipóteses, para a utilização do meio jurisdicional adequado.
Nos casos comuns de recursos administrativos não decididos no prazo legal existe também o objectivo inscrito no n.º 3 do artigo 175.º do Código do Procedimento Administrativo e no artigo 46.º do Decreto-Lei 204/98, de 11 de Julho, de pôr fim à suspensão de efeitos decorrente do recurso administrativo e de passar à execução do acto primário agora como acto final, isto é, conferir efeitos substantivos à falta de decisão do recurso, mas os efeitos contenciosos, designadamente de prazo para o respectivo uso e o momento a partir do qual se conta, não têm de ser os mesmos que estão consagrados para os actos relativos à formação dos contratos porque a lei não dotou estas situações com normas que permitam estabelecer uma data precisa do indeferimento ou acto final, sem outras informações da Administração.
Chegados a este ponto, haverá que ter em conta a objecção de o Tribunal estar a defender a tese da eficácia e efectividade dos meios de defesa dos particulares e, ao mesmo tempo, ir na direcção de uma solução que pode conduzir, em determinados casos, a considerar intempestivo e por isso inadmissível o uso do meio contencioso contra actos relativos à formação dos contratos.
Mas não são justas tais observações.
Efectivamente, se a lei quis agilizar os instrumentos de actuação ao dispor dos particulares e se estes não entenderam que a agilização passava também pelos novos prazos e novas formas para requererem ou proporem os meios que lhes são facultados ou falharam na respectiva utilização, não será o meio legal que se apresenta deficiente mas a utilização que dele se fez.
A redução significativa do prazo de utilização dos meios contenciosos, tal como dos prazos dos meios administrativos de defesa dos particulares, é consequência de estarmos perante procedimentos e contencioso em que os concorrentes têm de ter um dinamismo do ponto de vista da defesa jurídica dos seus interesses correspondente ao que se exige do ponto de vista técnico e económico para a realização das obras públicas a concurso, e, além disso, os actos relativos à formação dos contratos inserem-se num procedimento que tem de avançar apesar do uso de meios de defesa dos interesses dos concorrentes, muitas vezes dirigidos contra actos instrumentais e não contra a apreciação final de uma relação jurídica, ou seja, as possibilidades de impugnação conferidas pelo Decreto-Lei 134/98 e pelo artigo 100.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos significam um enorme alargamento das formas de defesa dos particulares, pelo que essa facilidade tem necessariamente de ser contrabalançada com a fixação de prazos muito curtos para os particulares agirem e até ultrapassarem a inércia da Administração. Em suma, a filosofia subjacente a estes meios não pode ater-se aos conceitos e formas de pensar tradicionais, baseados na impugnação unitária do acto final do procedimento, a adjudicação.
E, se bem se reparar, os requerentes até entenderam acertadamente a solução do n.º 3 do artigo 49.º e adequaram a defesa dos seus interesses à interpretação correcta desta norma, visto que, após o decurso do prazo sem serem notificados de decisão da reclamação para a comissão, passaram logo, e bem, ao recurso administrativo.
Mas já parece não terem adoptado o mesmo raciocínio para a interpretação do artigo 99.º, n.º 4, em relação com a questão do tempo concedido para a impugnação deste indeferimento tácito específico, cujo regime logo avulta com regulação bem diferenciada da faculdade comummente concedida de uso de meios contenciosos face à inércia da entidade sobre quem impende o dever legal de decidir.
Mas tinham instrumentos para entender o correcto sentido da lei, tanto mais que esta interpretação do regime jurídico agora afirmado estava traçada na análise de anteriores casos colocados à decisão do Supremo Tribunal Administrativo.
Na verdade, este Supremo Tribunal teve ocasião de decidir repetidamente que o meio processual introduzido pelo Decreto-Lei 134/98, de 15 de Maio, é o meio processual único para a defesa dos particulares perante actos que ofendam os seus direitos ou interesses em matéria de formação dos contratos a que se aplica, pelo que não é possível o uso do recurso comum no prazo geral.
Esta doutrina, transposta para o novo regime dos meios contenciosos constante do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, significa que sempre que o objecto do litígio seja relativo à formação de contratos da natureza dos enunciados no n.º 1 do artigo 100.º não é aplicável a acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido nos prazos gerais previstos no artigo 69.º, mas é na acção urgente de contencioso pré-contratual, regulada nos artigos 100.º e 101.º e nas condições específicas de prazo estatuídas neste último, que tem cabimento, entre outros possíveis, um pedido do tipo da condenação na prática do acto devido.
Sobre o momento a partir do qual se devia contar o prazo de interposição do recurso previsto no Decreto-Lei 134/98 (e agora o prazo da acção administrativa especial urgente do artigo 100.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos), mesmo em caso de indeferimento tácito, pronunciou-se expressamente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo apontado já pela sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, proferido no processo 44147, de 24 de Abril de 2002, em cujo sumário se afirma que o prazo para a interposição de recurso contencioso dos actos regulados pelo Decreto-Lei 134/98 é o estabelecido no n.º 2 do artigo 3.º, quer se trate de actos expressos, quer de actos de indeferimento tácito, que a partir da sua formação aos interessados incumbe controlar, presumindo-se por isso o seu conhecimento.
Este acórdão partiu dos pressupostos acima enunciados e que tinham também sido explanados pela primeira vez nos Acórdãos, da 2.ª Subsecção, de 14 de Dezembro de 1999, processo 45664, de 11 de Janeiro de 2000, processo 4552-A, e de 29 de Fevereiro de 2000, processo 45552.
Além destes, muitos outros acórdãos versam alguns aspectos desta matéria destacando-se, por exemplo, entre os primeiros, também, os Acórdãos de 15 de Fevereiro de 2000, processo 45849, de 20 de Fevereiro de 2000, processo 46692; de 3 de Maio de 2000, processo 45904; de 20 de Dezembro de 2000, processo 46692; de 27 de Março de 2001, processo 46712; de 29 de Março de 2001, processo 47090; de 20 de Junho de 2001, processo 47032, e de 18 de Outubro de 2001, processo 47840.
Mas foi no mencionado Acórdão de 24 de Abril de 2002, processo 44147, que os princípios enformadores do regime tiveram pela primeira vez importante desenvolvimento no sentido da definição do prazo legal para o uso dos meios contenciosos quando se estivesse na presença de indeferimento tácito.
Escreveu-se naquele acórdão:
"Estabelecendo o Decreto-Lei 134/98 um regime especial de recurso com carácter urgente, o prazo nele estabelecido para a sua interposição é aplicável a todos os recursos, quer respeitem a actos expressos quer a actos tácitos, dado se tratar de um regime especial unitário. E que não havendo, pela sua natureza, lugar à notificação nos actos tácitos, o prazo se começa a contar a partir da sua formação, que aos interessados incumbe controlar, presumindo-se o seu conhecimento.»
3.4 - Consequências do regime de prazo de uso dos meios contenciosos.
Assente que o prazo de um mês se aplica à impugnação do indeferimento expresso e do indeferimento regulado pelo artigo 99.º do Decreto-Lei 59/99, tem de concluir-se que as instâncias que na providência cautelar desconheciam a invocação de acto expresso decidiram correctamente a questão jurídica do prazo do recurso tal qual lhes era colocada, pelo que a revista não pode ser concedida, independentemente dos efeitos que se devam retirar na acção do prosseguimento do procedimento do recurso administrativo para além do indeferimento legalmente determinado, com emissão de vários actos que culminaram com a emissão de acto expresso.
De modo que há agora apenas que firmar a solução jurídica da questão do prazo para uso dos meios contenciosos, nos termos apontados.
4 - Conclusão - decisão.
1 - A questão fundamental de direito de determinar qual o prazo para o uso do meio urgente previsto no artigo 100.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (seja impugnatório, seja condenatório) em caso de inércia da Administração, como a falta de decisão de recursos administrativos, de que é exemplo o previsto no artigo 99.º do Decreto-Lei 59/99, decide-se por interpretação conjugada dos artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 7, da Directiva n.º
89/665/CEE
, do Conselho, de 21 de Dezembro, 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 134/98 e 100.º e 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos com os artigos 59.º, n.º 1, 66.º, 67.º e 69.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos no sentido de o prazo do citado artigo 3.º, n.º 2, agora constante do artigo 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, se aplicar a todos os casos de uso daquele meio contencioso, quer antes quer depois da entrada em vigor do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, de modo que, sob pena de caducidade, tem de ser interposto em um mês contado a partir da data em que se considera indeferido o recurso administrativo nos termos do n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei 59/99, data que o interessado conhece automaticamente por aplicação da disposição legal e pela data em que apresentou o recurso.
2 - A norma do n.º 1 do artigo 59.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos refere-se a actos que devam ser notificados e o artigo 101.º a estes e também a actos em que não há lugar a notificação. Nestes últimos incluem-se os actos que resultam de se considerar indeferido um recurso administrativo, quando exista uma forma legalmente estabelecida de tornar absolutamente certo o indeferimento e a sua data, para a partir dela se contar o prazo de utilização dos meios contenciosos. Ou, em diferente modo de analisar este ponto, mas de sentido convergente, a notificação do particular está efectuada com a notificação do acto primário que era recorrido, uma vez que não existe outro conteúdo a notificar e aquele acto passou a ser, ou a valer como sendo, a decisão final do procedimento.
6 - A solução jurídica da questão central permite decidir o recurso no sentido de negar a revista e manter a decisão das instâncias.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 24 de Novembro de 2004. - Rosendo Dias José (relator) - António Fernando Samagaio - Fernando Manuel Azevedo Moreira - Abel Ferreira Atanásio - João Cordeiro - José Manuel Santos Botelho (vencido na forma da declaração do voto do Sr. Conselheiro José Cândido de Pinho) - Maria Angelina Domingues - João Manuel Belchior - Isabel Jovita Loureiro Santos Macedo - Américo Joaquim Pires Esteves - Luís Pais Borges - Jorge Manuel Lopes de Sousa (com declaração junta) - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Adérito da Conceição Salvador dos Santos - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - José Manuel Almeida Simões de Oliveira - José Cândido de Pinho (vencido conforme voto anexo) - Rui Manuel Pires Ferreira Botelho - José António Freitas de Carvalho - Jorge Artur Madeira dos Santos (junta declaração de voto) - António Bento São Pedro - António Políbio Ferreira Henriques - Fernanda Martins Xavier e Nunes - Edmundo António Vasco Moscoso.
Voto de vencido
Pretendendo-se dar passos em frente na defesa dos direitos dos administrados, o que às vezes sucede, na prática, é o contrário. Este é, a meu ver, um bom exemplo disso.
Não acolhemos a tese do acórdão pelas seguintes razões.
Em primeiro lugar, não concordamos que o prazo para recorrer deva ser de 30 dias. Na verdade, esse é o prazo para se recorrer de um acto expresso, conforme resulta do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 134/98, de 15 de Maio, na redacção da Lei 4-A/2003, de 19 de Fevereiro (só esses são notificáveis, só desses se pode ter verdadeiramente conhecimento).
Quando os artigos 49.º, n.º 3, e 99.º, n.º 4, do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, dizem que as impugnações ali referidas (reclamação, recurso hierárquico e tutelar) se consideram indeferidas, o que estão a dizer-nos é que, na falta de decisão - decorridos os respectivos prazos -, se presumem indeferidas. Ou seja, estabelecem actos tácitos de indeferimento, tal como decorre do princípio plasmado no artigo 109.º do Código do Procedimento Administrativo.
O facto de os termos utilizados não serem exactamente os mesmos do artigo 109.º do Código do Procedimento Administrativo não significa que outro seja o entendimento. Na verdade, não havendo acto expresso, não se pode fazer de conta que o silêncio obtido tem o valor de acto expresso. É acto tácito, sim.
E não se diga, ainda, que a circunstância de o legislador não se ter expressado da mesma forma como o fez no artigo 175.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo (diz que decorridos os prazos para a decisão do recurso hierárquico sem que tenha sido tomada uma decisão, "considera-se o recurso tacitamente indeferido») altera o sentido da natureza da decisão. Mesmo não estando incluído no nosso caso o advérbio tacitamente, nem por isso o silêncio passa a ter natureza diferente da que sempre lhe foi atribuída.
Aliás, dizer que se considera indeferido é expressão em tudo semelhante à do artigo 108.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo ("consideram-se concedidas») e nem por isso alguém se atreveu a afirmar que essa "decisão» não é de deferimento tácito (a epígrafe do artigo, por si só, encarregar-se-ia de demonstrar o contrário).
Nem o Decreto-Lei 134/98, nem o Decreto-Lei 59/99, em ponto algum dos respectivos articulados, nos permitem concluir que, em casos como os apontados, os efeitos a extrair se equivalem aos do acto expresso. Assim, as consequências do silêncio são materialmente as que deles emanam, na sua exacta concatenação e harmonização com o regime material do Código do Procedimento Administrativo e, em termos adjectivos, com o da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e, presentemente, com o do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
Produzido, assim, um acto tácito de indeferimento, é depositado na esfera do interessado um plus de garantia que ele utilizará ou não, consoante o seu desejo, conforme a sua estratégia pessoal.
E não é pelo facto de estarmos aí perante procedimentos de natureza urgente que se altera este quadro de regras e princípios.
Sempre a doutrina e jurisprudência entenderam que a impugnação podia ser feita no prazo de um ano, sem prejuízo de recurso do acto expresso que a Administração viesse (quando o viesse) a praticar.
E se o espírito do Decreto-Lei 134/98, nesta matéria específica, foi recebido pelo Código de Processo dos Tribunais Administrativos [diploma que, aliás, revogou aquele: cf. artigo 16.º, alínea f), da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro], mais razões haverá para se concluir ser essa a solução que perdura.
Efectivamente, relativamente ao contencioso pré-contratual, no tocante aos actos expressos, os processos contenciosos devem ser intentados no prazo de um mês (artigo 101.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos). Tudo como dantes!
Quanto aos actos tácitos?
Nada a lei diz em especial, tal como não diziam nem o Decreto-Lei 134/98, nem o Decreto-Lei 59/99.
E, portanto, relativamente a estes o regime da sua impugnação é o que emana do artigo 69.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, segundo o qual:
"Em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto legalmente devido.» (Itálico nosso.)
Como se vê, trata-se de uma estatuição que se encontra em sintonia perfeita com o estatuído no artigo 28.º, alínea d), da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos no que concerne ao prazo (um ano) para a reacção contenciosa (em vez de recurso, agora o meio a utilizar é o da acção especial de condenação prevista nos artigos 66.º e seguintes do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, é a única diferença a assinalar).
É esta a "unidade do sistema» que podemos encontrar no Código de Processo dos Tribunais Administrativos, decorrente, ela mesma, da unidade do sistema anterior e que, em nossa opinião, apresentava as mesmas coordenadas.
Em suma, nada, nem ninguém, nos afiança que o prazo deva ser de 30 dias para a impugnação do acto tácito e, pelo contrário, o regime de direito substantivo relacionado com os respectivos mecanismos adjectivos de reacção apontam-nos o prazo de um ano para o efeito.
Temos, assim, que aquele era um verdadeiro acto tácito de indeferimento como outro qualquer e, como tal, estava sujeito aos prazos de impugnação do artigo 28.º, n.º 1, alínea d), da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos como todos os da mesma espécie.
Sublinhe-se: acto tácito de natureza comum e não especial, como é proposto no acórdão. A circunstância de se estar perante um procedimento urgente não pode tornar diferente a substância dos regimes de institutos tão caros ao nosso ordenamento como é o do acto tácito de indeferimento que, precisamente, tem por objectivo a defesa das posições dos particulares perante a inércia da Administração e que, portanto, representa um instrumento ao serviço dos administrados e não contra eles. Não tendo a função de consagração de direitos substantivos (esse papel tem-no o "acto tácito de deferimento»), favorece o interessado na medida em que lhe reconhece um poder de reactividade de tipo impugnativo que ele utilizará ou não, conforme lhe aprouver. Tratar-se-á, sempre, de uma faculdade.
Mas, se for tratado como acto tácito especial de efeitos "equiparados» ou "equivalentes» aos do acto expresso, isso implicará que o interessado dele deva recorrer em prazo certo (e curto). E isso representa, tenhamos a coragem de o reconhecer, ir contra o administrado.
Além disso, a tese do acórdão levaria a considerar-se precludido o direito de impugnar uma vez transcorrido o dito prazo de 30 dias. E isto equivaleria a afirmar que, contra tudo o que se tem ensinado sobre o acto tácito de indeferimento, o interessado devia socorrer-se dos meios de reacção contenciosa "obrigatoriamente».
Ora, o encurtamento de prazos, visando a celeridade e a defesa do interesse público, ao mesmo tempo também defende os interesses dos particulares concorrentes. Entender que, perante um acto tácito de indeferimento, o interessado deve ou é obrigado a impugnar, é atentar contra os cânones por que se norteiam os ditos interesses e vilipendiar o instituto do acto tácito tal como o conhecemos do artigo 109.º citado, que apenas faculta ao particular a possibilidade de imediatamente reagir contra a Administração.
E, assim, em vez de garantístico, este regime representaria um atentado contra os interesses do particular.
Por outro lado, não tem cabimento, salvo o devido respeito, "obrigar» o lesado a recorrer do acto tácito para, posteriormente, se lhe consentir um novo recurso perante a prática de acto expresso. Podendo parecer que isso represente um acréscimo de garantia, em boa verdade representa uma oculta armadilha. Basta pensar na possibilidade de a Administração nunca vir a produzir nenhum acto expresso. Em tal hipótese, pelo decurso do prazo de 30 dias (muito curto e, portanto, pouco garantístico dada a curta folga para o interessado se preparar para a reacção contenciosa), teria precludido o direito de impugnação!
Seria dar por um lado, aquilo que se tira por outro.
Em suma, a tese do acórdão não se aplaude.
a) Primeiro, porque transforma um acto tácito "comum» num acto tácito "especial» (sem qualquer apoio legal e doutrinal). Se até ao momento apenas conhecíamos o acto ficto reportado ao "acto silente», com a doutrina agora exposta coloca-se o acto tácito de indeferimento a um duplo nível: o silêncio ficciona-se como indeferimento tácito especial, que, por sua vez, se ficciona como acto expresso vulgar.
b) Segundo, porque reverte a favor da Administração um instituto que foi pensado para a defesa dos administrados que estão em relação administrativa com a Administração perante a inacção desta. O que equivale a dizer que é contrário aos interesses dos particulares a favor de quem o instituto foi pensado.
c) Terceiro, fulmina com o dever de decisão plasmado no artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo. Na tese do acórdão, a Administração pode conscientemente demitir-se do dever de decidir expressamente. Sabendo que a jurisprudência do mais alto tribunal da hierarquia da jurisdição administrativa equipara para todos os efeitos o seu silêncio a um acto expresso, preferirá ficar inerte e muda.
d) Por fim, porque transposta para o novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos a posição do acórdão faz tábua rasa do alcance traçado para o artigo 69.º Referente que é à reacção contenciosa perante actos tácitos, o prazo de um ano ali previsto deixa de ser considerado para se levar apenas em conta o de 30 dias, por equiparação a um regime radicado em acto expresso, como é o caso do artigo 101.º do mesmo Código.
Eis os motivos por que não concordamos com os fundamentos do acórdão.
Lisboa, 24 de Novembro de 2004. - José Cândido de Pinho.
Declaração de voto
Concordo com a solução dada à questão do prazo de impugnação, mas entendo que a intempestividade da pretensão a formular no processo principal de contencioso pré-contratual não é fundamento de indeferimento das providências respectivas, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
Lisboa, 24 de Novembro de 2004. - Jorge Manuel Lopes de Sousa.
Declaração de voto
Voto a decisão mas não acompanho as considerações feitas no acórdão a propósito da natureza do indeferimento tácito, já que considero que todos os indeferimentos solventes são, no regime anterior ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, fictiones juris.
Para o melhor esclarecimento da minha posição, remeto para o acórdão que relatei em 5 de Julho de 2000, no recurso n.º 38945. - Jorge Artur Madeira dos Santos.