Parecer 2/2000. - Parecer sobre a proposta de revisão curricular no ensino secundário - cursos gerais e cursos tecnológicos:
Preâmbulo
No uso da competência que lhe é conferida pela sua Lei Orgânica, republicada em anexo ao Decreto-Lei 241/96, de 17 de Dezembro, nos termos regimentais e a pedido do Governo, após apreciação do projecto de parecer elaborado pelos conselheiros relatores Maria Odete Valente (coordenadora), Cassiano Maria Reimão, Paulo Gonçalves Rodrigues, Frederico Valsassina Heitor, Ilídio Peres do Amaral, Ana Teresa Penim, Jorge Moreira de Sousa, José Salvado Sampaio, Leonel Miguel da Silva, Zélia Henriques dos Santos, António da Silva Marques e Ana Rita Varela, o Conselho Nacional de Educação (CNE), em sua reunião plenária de 13 de Abril de 2000, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo, assim, o seu primeiro parecer no decurso do ano 2000.
Parecer
I - Introdução
O CNE tem vindo a dedicar uma especial atenção ao ensino secundário. Tem-no feito quer através de pareceres solicitados pelo Ministério de Educação quer através de estudos, seminários e recomendações de sua própria iniciativa.
Nos últimos dois anos, são de referir o estudo que teve lugar entre Janeiro e Outubro de 1998, do qual resultou uma recomendação aprovada no plenário de 5 de Novembro de 1998, publicada no Diário da República e numa edição do CNE de Junho de 1999, bem como a realização de um colóquio dedicado ao assunto, organizado em conjunto com a Fundação de Calouste Gulbenkian, de que igualmente resultou a publicação do n.º 5 da nova série da revista Colóquio/Educação e Sociedade, de Março de 1999.
De todos estes empenhamentos resulta claro que o ensino secundário corresponde a um troço do sistema educativo numa encruzilhada em relação à qual existem muitas expectativas sociais e insatisfação generalizada e em que as opções que se fazem são determinantes a vários níveis.
No conjunto dos documentos produzidos foram enunciadas algumas perspectivas básicas que convirá aqui relembrar:
a) O ensino secundário que se oferece nas escolas deveria subordinar as suas configurações curriculares a uma base cultural comum, capaz de fomentar o desenvolvimento de aptidões, saberes, saber-fazer e atitudes, tendo em vista promover a construção pessoal de projectos de vida e o desempenho de diferentes papéis sociais, bem como o desenvolvimento de cidadania e de solidariedade, valores caros à vida em comunidade;
b) Qualquer que seja o percurso de ensino e formação seguido por qualquer jovem, uma vez assente nesta base cultural e numa matriz comum, ele seria educativo e globalmente equivalente, independente dos conteúdos apreendidos, das metodologias usadas, do tipo de escola frequentada e dos diplomas e certificados a que conduz;
c) O nível secundário e as escolas e centros de formação que o comportam não devem ser tempo nem lugar para a especialização técnico-profissional, e esta deveria realizar-se após o 12.º ano em cursos de especialização profissional de curta duração em cooperação com as empresas e outras organizações sociais, incluindo a realização de estágios profissionais;
d) Acolher a diversidade pessoal significa, antes de mais, criar condições para que cada um destes jovens realize percursos educativos que respeitem a aquisição de uma base cultural comum e sejam consentâneos com a realização de um leque alargado de opções e experimentações;
e) As escolas e os centros de formação deste nível devem estar muito preocupados com a orientação pessoal de cada jovem (pessoal, escolar e profissional) num contexto de incerteza quanto à evolução do mercado de trabalho;
f) A progressiva autonomização das escolas secundárias deve ser preferencialmente desenvolvida num quadro de reforço das parcerias locais e na solidificação dos projectos educativos próprios, abertos à participação de vários agentes sociais.
Uma primeira versão da proposta de revisão curricular no ensino secundário - cursos gerais e cursos tecnológicos foi enviada ao CNE em Dezembro de 1999. Foi sobre esta versão que se iniciaram os trabalhos que haveriam de conduzir à elaboração de um parecer. No dia 3 de Fevereiro, teve lugar uma reunião no CNE com o director do Departamento do Ensino Secundário, onde foram ouvidas explicações sobre a primeira versão, seguidas de pedidos de esclarecimento e comentários ao documento. Alguns dias depois, uma nova versão foi colocada na Internet, apresentando mudanças suficientes a exigirem que se retomasse a análise. Na nova versão introduziu-se um maior detalhe na apresentação de alguns pontos, mas retiraram-se-lhe os quadros com o elenco das disciplinas específicas de cada curso e algumas das opções anunciadas. O enquadramento e as justificações da proposta permaneceram muito limitados, não se identificando claramente quais as insuficiências que se pretendem superadas e quais as novas linhas de orientação a consagrar. Também não se explica como é que problemas antigos serão agora resolvidos, uma vez que se continua a oferecer os mesmos tipos de respostas. Genericamente, o documento permanece sem um bom diagnóstico e sem a fundamentação que justifique as mudanças sugeridas. No documento em apreço diz-se terem sido considerados os pareceres anteriores do CNE sobre o ensino secundário, mas este não se reconhece em muitas das propostas que o mesmo contempla. Em síntese, trata-se de um documento sem estratégia, o que prenuncia uma oportunidade perdida.
II - Análise do texto
A apreciação que se faz neste capítulo acompanha, ponto por ponto, a estrutura da nova versão do documento, para contextualização e facilitação da leitura dos argumentos que a seu propósito se tecem.
1 - Introdução. - Na introdução invoca-se o papel da escola enquanto lugar de oportunidades de educação e formação e a importância do ensino secundário na construção do futuro dos indivíduos e das sociedades e estabelece-se que, nos próximos anos, todos os jovens dos 15 aos 18 anos deverão frequentar qualquer percurso de educação-formação de nível secundário. Ao apresentar esta meta, seria importante referir qual a articulação entre os cursos agora em revisão e os outros modos de educação e formação, também existentes para este grupo etário, já que o documento em análise é apresentado isoladamente, sem referência aos níveis e sistemas de formação de ensino que com ele se articulam.
Ao esclarecer o âmbito da revisão diz-se "que está em curso uma revisão curricular do ensino especializado da Música e ainda intervenções curriculares de índole diversa no ensino recorrente, no ensino profissional e no ensino artístico especializado". Estão, pois, excluídos deste documento os processos respeitantes a outras modalidades de ensino de nível secundário, pelo que apenas e exclusivamente os actuais cursos gerais e tecnológicos do ensino secundário nele são contemplados, não se estabelecendo quaisquer articulações entre as diversas modalidades de ensino/formação de nível secundário. Esta é uma questão essencial que torna a análise deste processo necessariamente limitada.
Após referir "um conjunto de problemas e desajustamentos que foram detectados desde que ocorreu a generalização dos planos curriculares definidos no Decreto-Lei 286/89, de 29 de Agosto, o documento é apresentado como resultante de um processo iniciado em 1997 pelo Ministério da Educação, através do Departamento do Ensino Secundário. Esse processo visou "definir, com a efectiva participação dos vários interlocutores [...] estratégias de superação das dificuldades detectadas". Tem o documento, agora em apreço, "como principal objectivo informar todas as escolas secundárias e os seus professores e demais intervenientes sobre os desenvolvimentos deste processo de revisão respeitantes aos cursos tecnológicos e aos cursos gerais". Daqui retira-se uma ilação importante. A actual fase do processo de revisão curricular não se destina a sustentar debates susceptíveis de conduzir a alterações do documento. Este facto é confirmado pelo calendário constante da p. 57, onde apenas se prevê a discussão dos programas. Esta metodologia justifica, a nosso ver, críticas. De facto, sendo importante o debate e a reflexão que teve início no ano de 1997, estes não podem confundir-se com a discussão de uma proposta concreta que faz uma interpretação desses debates e fazendo deles derivar uma proposta particular de solução.
A calendarização referida põe em causa a possibilidade de uma participação real na discussão desta proposta quer da comunidade educativa quer da sociedade em geral. O CNE entende que o envolvimento dos parceiros no processo de revisão curricular não pode limitar-se a uma "discussão" (dos programas) via Internet, num período de tempo difícil de vislumbrar, mas seguramente limitado, dado o calendário apertado que se anuncia. A nosso ver, a participação da comunidade escolar e, em particular, dos professores deveria caracterizar-se por um grande envolvimento, o qual se afigura imprescindível para se alcançar sucesso na concretização de uma revisão curricular.
A introdução é explícita quanto ao propósito de ver melhorado o desempenho das escolas secundárias nos diversos domínios: "As escolas secundárias deverão ser capazes de criar ambientes de aprendizagem estimulantes, baseados em projectos claros, coerentes e com real valor educativo e formativo." Refere-se, a este respeito, que as escolas se deverão "assumir como organizações abertas, capazes de promover sistematicamente a sua autoavaliação e responder aos desafios de heterogeneidade e de diversidade que hoje fazem parte integrante da vida das escolas".
Também aí se refere um outro objectivo referente à qualidade do desempenho da escola que deverá ser "uma escola rigorosa e exigente. Uma escola rigorosa na concepção, desenvolvimento e avaliação do seu projecto educativo, exigente e criteriosa na gestão dos seus recursos, na organização das suas ofertas educativas e formativas e tendo como preocupação central a qualidade do ensino e das aprendizagens". Sendo estes objectivos unanimemente aceites, a questão que se coloca é a da criação das condições necessárias à existência de uma tal escola. No entender do CNE, a concretização destes objectivos exige um conjunto de medidas que excedem em muito as constantes desta revisão curricular.
Importaria examinar se as medidas previstas serão as necessárias e suficientes para que se alterem substancialmente alguns dos constrangimentos que são referidos no documento, como, por exemplo, o facto de os "cursos tecnológicos [estarem] concebidos de forma insatisfatória, com uma formação técnica e tecnológica desajustada, claramente insuficiente em formações profissionalmente qualificantes e com uma formação específica/científica inadequada".
Em alguns casos, não é possível emitir uma opinião sobre a pertinência das soluções, na medida em que o elenco de disciplinas de cada curso não consta do actual documento. Noutros, esta análise é dificultada porque não são conhecidas as linhas de orientação para os reajustamentos dos programas.
Colocam-se ainda sérias dúvidas quanto à possibilidade de concretização das intenções que resultam do confronto entre os prazos constantes da calendarização e os constrangimentos que se pretende eliminar. Por exemplo, quando se afirma que "os percursos educativos e formativos carecem de definições claras, que são ambíguos e com desarticulações horizontais e verticais, em diversas disciplinas dos respectivos elencos curriculares" alude-se a um conjunto de problemas cuja resolução passará pela reformulação dos programas. Como será possível realizar tal trabalho num tão curto prazo e prever-se a disponibilização dos programas às escolas em Setembro deste ano?
2 - Princípios orientadores. - Relativamente aos princípios orientadores de revisão curricular, apresentam-se-nos problemáticos os seguintes aspectos:
2.1 - Identidade do ensino secundário:
a) A caracterização do ensino secundário em termos de uma sua "natureza terminal", parece-nos introduzir um conceito desnecessário e em contradição com o de educação ao longo da vida e com o da própria vocação deste ciclo de estudos, neste documento claramente definido como de preparação para outros percursos, o da vida activa e o da frequência do ensino superior. Todos os ciclos de estudo devem constituir-se como possuindo uma mais-valia para quem os frequenta, independentemente do futuro dos alunos. Também aqui essa mais-valia deve ser assegurada, e não será, pois, esta circunstância que justifica atribuir-se-lhe uma "natureza terminal";
b) A diversificação de percursos é desejável; mas, porque a decisão sobre a escolha a fazer tem lugar numa fase de vida escolar em que muitas dúvidas assaltam ainda os jovens e em que a clarificação das possibilidades e consequências dessas escolhas é manifestamente muito reduzida, é preciso garantir que a mudança da opção feita se faça com o mínimo de prejuízo para o aluno e com o máximo de aproveitamento dos estudos entretanto realizados. Ora, o sistema de equivalências, se for feito disciplina a disciplina, dificilmente permitirá a mudança de curso durante o ciclo, sem grandes perdas para o aluno, apesar da existência de disciplinas comuns. Por exemplo, um aluno num curso tecnológico com Matemática B pode vir a ingressar no ensino superior se entretanto decidir seguir esta via? Será que está garantido que o acesso ao ensino superior não venha a ficar dependente da frequência, no secundário, de Matemática A?
c) Acentuar a identidade do secundário poderia ter levado a modelos de organização completamente distintos em que a opção por uma via de inserção na vida activa versus ingresso no ensino superior se faria mais tardiamente (no final do 10.º ano, como foi sugerido no parecer 3/98 do CNE, ou mesmo no final do 11.º ano), com ganhos para uma formação geral, cultural, científica e tecnológica de todos os alunos e com a maior parte dos problemas de mobilidade entre cursos resolvida, concentrando toda a diferenciação das vias no último(s) ano(s).
2.2 - Organização curricular:
a) As constatações das deficiências do actual ensino secundário parecem recolher consenso e têm sido apontadas de várias formas e por vários parceiros. O que importará tentar avaliar, agora, é se as respostas enunciadas no projecto de revisão curricular são portadoras de força, coerência e estratégia suficientes para que se possa readquirir a esperança de que aquelas deficiências deixarão assim de existir, ou se serão atenuadas. Esta prudência é devida, porque também o currículo anterior foi baseado numa análise de situação com algumas semelhanças com a que agora é feita. Sempre houve a intenção de que os cursos predominantemente orientados para a vida activa preparassem os alunos para uma inserção facilitada no mercado de trabalho e a convicção de que eram necessárias relações entre as escolas e os empregadores. Importaria, também, esclarecer se foi o currículo a variável mais responsável por isso não ter acontecido, ou se foram sobretudo as deficientes condições das escolas para proporcionarem este tipo de formação com um corpo docente não adequado a esta via, e falta de autonomia e de recursos materiais para desenvolver as imprescindíveis pontes entre a escola e os contextos de trabalho;
b) A "simplificação" do currículo, agora anunciada, traduz-se numa estrutura comum a todos os cursos, o que permite compreendê-la rapidamente. Não deixa, porém, de colocar questões de menor flexibilidade na arquitectura da própria matriz curricular, por, em nome dessa geometria comum, se diminuir a possibilidade de introduzir certas disciplinas em alguns dos cursos, em que um leque mais alargado de disciplinas corresponderia a uma formação geral mais adequada e mais ampla. Por outro lado, o reforço da componente experimental, a que várias vezes se faz referência, não encontra tradução na proposta. Veja-se, por exemplo, o que acontece com as disciplinas científicas, que agora deverão integrar as práticas laboratoriais extintas, mas em que a carga horária foi substancialmente reduzida;
c) A componente de formação geral não inclui qualquer disciplina que ajude o aluno na sua educação científica e tecnológica (e, nesta, qualquer disciplina a nível da utilização das novas tecnologias de informação).
À Filosofia encomendam-se demasiados encargos, como o de pensar o nosso mundo nos seus aspectos científicos, económicos, sociais, políticos, éticos, estéticos, etc., e de desenvolver a educação para a cidadania e talvez promover a educação ambiental (da educação para a saúde, da educação sexual e da educação interpessoal não há notícia). Naturalmente que se levantam dúvidas sobre a possibilidade de, para esta disciplina, se conseguir organizar um programa com tantas missões e objectivos. São legítimos os receios de que a formação geral dos alunos resulte, afinal, demasiado restrita e que a mais-valia que todos desejamos garantir através da frequência do ensino secundário, qualquer que seja o percurso dos alunos, fique tão limitada, como já o era antes, e não contemple aspectos que os jovens e a sociedade vêm repetidas vezes reivindicando.
A Filosofia poderá mesmo não ser a disciplina mais indicada e atractiva para integrar a componente geral da formação dos adolescentes dos 10.º e 11.º anos. Seria aconselhável uma disciplina que ajudasse à compreensão dos diversos processos culturais da constituição do mundo moderno e contemporâneo (do particular ao universal), que se entrecruzam no seu tempo, ajudando-os a desenvolver valores de cidadania democrática;
d) A introdução de uma área de projecto com um tempo definido na matriz curricular dá garantias de poder vir a sobreviver. A sua orientação por um professor que terá a seu cargo um dos dois grupos em que a turma se divide põe, no entanto, muitos limites ao tipo de projecto que, nessas circunstâncias, será possível desenvolver pelos alunos. Entretanto, colocam-se-nos algumas dúvidas: todo o grupo terá um só projecto ou haverá projectos individuais ou em pequenos grupos? A clarificação feita na última versão do texto dá conta de vários tipos de projectos possíveis, alguns deles sem carácter necessariamente interdisciplinar. Nos projectos que se desenvolvem de maneira transdisciplinar, como será garantida a participação de outros professores com as suas mais-valias? E o projecto terá como primeiro objectivo o reforço da área da formação específica ou o desenvolvimento das chamadas competências transversais? A resposta a esta questão poderá ajudar a discernir se a gestão de recursos humanos proposta não põe em causa o objectivo geral da área de reforço das competências transversais;
e) A referência às questões da educação para a cidadania é acompanhada da afirmação de que a mesma faz parte integrante da vida quotidiana e que deverá ter um programa que servirá para apoio das escolas, deixando a estas a responsabilidade de lhes dar expressão nos projectos de escola, de turma ou de disciplina. Todos estarão de acordo em que a tarefa é de todos. Contudo, não havendo desacordo a este respeito, parece pouco realista pensar que, sem tempos definidos para a discussão de certas temáticas da esfera do pessoal e social, se garanta que as mesmas sejam tratadas com alguma coordenação e sistematização pelos vários professores, nos diversos contextos, e ao longo dos três anos. Também não parece ser o tempo devotado ao projecto que irá dar vazão a esta necessidade. Os jovens vêm reclamando, repetidas vezes, um tempo de formação que corresponda às suas necessidades de expressão intra e interpessoal e de educação cívica, questões que não são devidamente contempladas. Ora, um tempo de formação pessoal e social poderia bem constituir essa oportunidade que este projecto curricular ignora;
f) Quanto à natureza do 10.º ano, existe acordo em considerá-lo de natureza diferente, conhecidas as dificuldades dos alunos neste 1.º ano do ensino secundário. As dificuldades dos alunos têm várias origens, muitas delas resultantes da sua educação básica, bem como as que resultam das dúvidas relativamente à opção que tiveram de fazer de entre um número elevadíssimo de possibilidades. Diz-se que as estratégias de recuperação e de acompanhamento deverão ter uma relevância nas primeiras semanas de aulas e que deverão ser distribuídos materiais de apoio e de orientação às escolas. Estes materiais, com o objectivo de promover a orientação escolar e profissional, embora referidos no âmbito da caracterização do 10.º ano, deveriam antes ser distribuídos e trabalhados durante o 9.º ano, junto dos alunos e das suas famílias, o que não exclui que o acompanhamento e a orientação devam ser continuados.
Muitas dúvidas, porém, se levantam quando se afirma que a orientação e as estratégias de recuperação e de acompanhamento dos jovens devem ter uma grande relevância nas primeiras semanas de aulas. A existência de um módulo inicial, a ser trabalhado durante duas a três semanas no início do 10.º ano, onde se incluam conceitos prévios considerados essenciais e estruturantes, só terá potencialidades se for acompanhado das medidas de superação consideradas necessárias, as quais não serão porventura muito úteis e duradouras se só funcionarem num curto prazo de tempo. Quer isto dizer que, a menos que todo o 10.º ano tenha esse carácter de permitir ajustamentos e compensações face às diversidades dos alunos, difícil será concretizar as intenções anunciadas;
g) Quanto à natureza e propósitos das opções nos cursos gerais, questiona-se por que razão só há opções ao nível do 12.º ano. Se o seu objectivo é também o de dar aos alunos a possibilidade de modelarem, de algum modo, o seu percurso escolar, enriquecendo a formação em áreas não privilegiadas ou mesmo ausentes no curso que frequentam e permitindo-lhes mesmo orientação necessária para uma eventual mudança de curso, seria importante que existissem também, pelo menos ao nível do 10.º ano. Por outro lado, para que desempenhem de facto o seu papel de "opção", não deveriam ser alvo de regulamentação excessiva, o que acabará por muito limitar e condicionar as escolhas possíveis dos alunos;
h) Relativamente às cargas horárias e aos tempos lectivos, considera-se que a redução da carga horária é desejável e enquadra-se nas expectativas dos alunos, mas a ela deve corresponder uma definitiva redução na extensão dos programas, para que daí resulte uma maior disponibilidade dos alunos para a reflexão, para o trabalho pessoal e para um maior envolvimento em projectos e actividades adequadas ao desenvolvimento dos seus interesses pessoais e sociais.
Quanto à duração dos tempos lectivos, tem sido sugerido o seu alargamento, sobretudo quando se realizam actividades experimentais e ou trabalhos de elaboração de projectos. A sua generalização a todos os tempos lectivos e para todas as disciplinas justifica uma reflexão aprofundada e levanta algumas dúvidas que só conhecidos os programas de estudo poderão ser clarificadas. Também nas escolas em que existem outros ciclos de estudo, e que são a maioria, se levantam igualmente dificuldades na gestão dos horários dos professores e na organização dos tempos escolares e intervalos.
3 - Cursos gerais e cursos tecnológicos:
a) A opção, discutível, de alargamento do número de cursos gerais resulta indirectamente de uma certa rigidez da matriz curricular. A existência de opções ao nível dos 10.º e 11.º anos permitiria que, sem qualquer prejuízo para o aluno, o número de cursos fosse mais reduzido. Quanto menor o número de cursos e maior a flexibilidade e, portanto, maior o número de opções dentro de cada um, mais fácil se torna, para o aluno, o processo de decisão com que é confrontado no início do 10.º ano.
Na história do ensino secundário já se tomaram várias opções a este nível, desde apenas dois cursos (Ciências e Letras) a quatro, cinco e agora sete cursos gerais. As justificações para tal variação são de ordem diversa; mas, numa perspectiva de ensino secundário, com uma identidade própria e com o objectivo de preparar o jovem a assumir com autonomia a sua condição de adulto, uma grande e pouco flexível especialização não ajuda nessa direcção;
b) É garantida a permeabilidade entre os cursos gerais e tecnológicos, mas não é claro como tal se fará sem prejuízo do tempo normal previsto para a conclusão do curso. Existem equivalências de anos ou será feita a equivalência de disciplina a disciplina? Para uma melhor compreensão do modo como se processará a mudança de cursos, seria importante a apresentação de exemplos. A referência a um pós-12.º ano, embora de maneira extremamente ambígua, não pode ser um escape para uma mobilidade anunciada, mas não garantida;
c) Na última versão do documento não se apresentam quaisquer quadros com explicitação das disciplinas inerentes a cada curso. Desconhece-se se os quadros que integravam a primeira versão se mantêm ou se foram abandonados. Nestas circunstâncias, a referência a tais quadros parece agora inoportuna embora se julgue indispensável que a sua discussão seja pública.
d) Quanto aos cursos tecnológicos, na proposta são referidos 17 cursos tecnológicos, a que correspondem mais de 40 especificações, o que corresponde a uma aposta do tipo "banda estreita", hoje muito discutida. Mas, na opção feita, não são conhecidos os fundamentos para esta listagem. Por exemplo, não se sabe se são deixadas propositadamente de fora áreas como a da saúde, da agricultura e da pecuária, ou se está implícito que estes tipos de formação se fazem noutros contextos, em escolas profissionais ou através do sistema de formação. De facto, nada é dito sobre as relações entre os diversos percursos possíveis para este nível de ensino nem que critérios são utilizados para a organização da rede destes cursos e das suas relações com os demais. Também nada é clarificado quanto às relações entre a escola e o mundo do trabalho. Fala-se de formação em contexto e de facilitar a aproximação entre escolas e empresas, mas, para além de vagas intenções gerais, não se indica com que instrumentos se operam essas relações.
Sobre estes cursos apresentam-se considerações várias no ponto seguinte.
3.1 - Cursos tecnológicos:
a) Relativamente aos cursos tecnológicos, importaria questionar, em primeiro lugar, o que se entende no documento por preparação para o mercado de trabalho e, nessa medida, esclarecer o que são hoje os perfis desejáveis para esse ingresso. Esta discussão é ignorada, bem como a de considerar as várias vias que, para este grupo etário, hoje são oferecidas, quais os objectivos e diferenciações que se pretendem estabelecer e quais os princípios que orientarão a estruturação das redes dos vários tipos de escolas e de formações;
b) Como já se referiu, a última versão apresenta apenas a matriz dos cursos e não os seus planos de estudo. Por esta razão, algumas das considerações seguintes, muito gerais e resultantes da leitura da primeira versão, poderão ser pouco pertinentes:
A disciplina de Psicologia deveria ser considerada nos planos de estudo porque os conhecimentos e atitudes que proporciona são relevantes para a compreensão do comportamento humano e das relações de trabalho, aspectos da maior importância, no contexto da vida activa;
O domínio das tecnologias assume, hoje em dia, um papel determinante em qualquer contexto profissional. Apesar do esforço que tem vindo a ser feito, a "literacia tecnológica" é ainda diminuta e não se vislumbra que, a curto e médio prazos, os alunos cheguem ao secundário com essas competências básicas permitindo, como se admite na proposta, a continuação da sua formação, apenas numa perspectiva transversal no âmbito das restantes disciplinas e do trabalho de projecto;
A diversidade de opções na componente de formação específica parece de difícil operacionalização, por poder produzir uma dispersão excessiva dos alunos e, consequentemente, a necessidade de um corpo docente alargado, muito especializado para poucos alunos em cada opção, o que fará com que as escolas não consigam responder às expectativas dos seus alunos;
A descrição das actividades para as quais o aluno fica habilitado, através da frequência das diferentes especificações, sugerem, na maior parte dos casos, bastante ambiguidade relativamente ao perfil profissional de saída, o que resultará negativo do ponto de vista da sua inserção na vida activa;
As designações das disciplinas da área científica deveriam ser abrangentes, não nos parecendo adequadas designações com diferenciações pontuais, como, por exemplo, História da Arte e do Design e História das Artes. Uma designação do tipo História das Artes seria mais adequada, porque as disciplinas da área científica deveriam estar articuladas com as dos cursos gerais, permitindo mais facilmente a mobilidade entre cursos;
Considera-se muito prejudicial o facto de não estarem contemplados períodos de estágio curricular ao longo dos cursos;
Considera-se importante a existência de uma prova de aptidão tecnológica;
c) Quanto ao Projecto Tecnológico, é importante clarificar a questão da sua natureza.
Segundo o documento, o Projecto Tecnológico reveste-se de "natureza interdisciplinar e transdisciplinar [...] é uma área em que os alunos deverão mobilizar e integrar competências" e afirma-se que "Será uma oportunidade para os jovens conhecerem e reflectirem sobre os problemas sociais, económicos, tecnológicos, científicos, artísticos e ambientais de forma integrada". O documento refere ainda que "a área de Projecto/Projecto Tecnológico consubstancia muito do pensamento e das ideias acerca da escola secundária que estamos a construir". Porém, o que se afirma acima é contraditório com a estrutura prevista para o seu desenvolvimento, pelo que o que se afirma transversal pode muito facilmente conduzir a uma área monodisciplinar;
Relacionado com o Projecto Tecnológico, colocam-se ainda outras questões:
A disciplina de "práticas" tem um excesso de carga horária e, consequentemente, assim será o seu professor, muito especialmente no 12.º ano. É que o professor de "praticas" no 12.º ano, que muito provavelmente será o professor da disciplina de especificação (12 h/s), será provavelmente responsável também pelo acompanhamento do trabalho final de curso e, em algumas circunstâncias, coordenador de curso. Este professor terá, na melhor das hipóteses, 15 h/s das 30 h/s previstas. Significa isto que os alunos terão quatro manhãs, ou tardes, em cinco dias de aulas, de "práticas" ou "técnicas". Esta situação tem custos de ordem pedagógica e não favorece a transversalidade dos saberes. Recomenda-se, pois, que o perfil do professor do Projecto Tecnológico seja de "banda larga" e que não se estabeleça a ideia de que só o professor de "práticas" ou de "técnicas" pode coordenar o Projecto Tecnológico;
Não está esclarecido se o Projecto Tecnológico se desenvolve de forma integrada, ao longo dos três anos, ou se será um projecto com três fases e com avaliações anuais. No caso desta última hipótese, poderá resultar numa distorção da metodologia de trabalho de projecto onde prevalece a lógica disciplinar e se considera, erradamente, que o Projecto é a soma dos saberes disciplinares das "práticas";
Também não fica esclarecido se o trabalho final de curso está articulado com o Projecto Tecnológico. O trabalho final de curso é desenvolvido no período curricular do Projecto Tecnológico? A avaliação desse trabalho terá em consideração esse processo ou a avaliação incidirá apenas sobre o produto final? O que distingue o trabalho final de curso do trabalho de Projecto Tecnológico no 12.º ano?
d) Quanto às condições para a operacionalização que se consideram de particular importância, julga-se que o sucesso de qualquer curso que visa preparar os jovens para uma inserção na vida activa exige:
Uma gestão flexível dos conteúdos (exemplo: alteração dos mesmos com a periodicidade que se revelar adequada, sem necessidade de esperar por revisões curriculares);
Uma gestão flexível da carga horária, tanto para o docente como para os alunos;
Uma gestão flexível e polivalente dos espaços pedagógicos;
Um trabalho de equipa docente reforçado, exigindo a presença em múltiplas reuniões na escola para além do horário lectivo, o que exige disponibilidade dos professores e espaços livres para o efeito;
Uma assunção conjunta pela responsabilidade do projecto e pela avaliação dos resultados do mesmo;
Uma gestão administrativa e financeira muito flexível e muito específica (exemplo: compra de equipamento, material pedagógico, visitas de estudo, trabalho de projecto, etc.);
Um recrutamento de docentes com competência efectiva para leccionarem as disciplinas tecnológicas e com disponibilidade para se manterem permanentemente a par da evolução do sector (exemplo: visitas a empresas e a feiras, participação em colóquios/seminários especializados, etc.), bem como a consequente revisão da carreira docente;
Uma ligação estreita com as empresas;
Formação tecnológica do corpo docente de todas as componentes de formação, por forma a haver um discurso comum, um trabalho de projecto efectivamente interdisciplinar e uma atitude comum face a comportamentos indispensáveis a uma boa inserção profissional.
III - As escolas e a formação de professores
A reforma que se anuncia preconiza algumas medidas que têm provocado receios e preocupações nas escolas e às quais são devidas explicações.
O representante das escolas secundárias no CNE recolheu elementos de reflexão sobre o documento em apreço. É a partir deles que se inventariam alguns problemas e preocupações:
Como assegurar a permeabilidade entre os cursos;
Como organizar as opções (em função dos alunos? Em função da escola? Em função dos professores?);
Como compatibilizar aulas de noventa minutos com aulas de cinquenta minutos em escolas em que coexistem vários ciclos;
Como se organiza a rede escolar. De quem depende a oferta do tipo de cursos que as escolas vão oferecer;
Como se vão formar os professores para conduzirem a orientação de projectos (a maior parte das formações promovidas pelos centros de formação e instituições do ensino superior não correspondem às necessidades de intervenção na escola);
Que tipo de recursos existirão na altura de iniciar os cursos;
Como estabelecer os relacionamentos com os contextos de trabalho e em que condições se devem desenvolver os mesmos;
Como desenvolver a formação em novas tecnologias, não havendo um tempo definido no currículo e não podendo a mesma decorrer em todas as disciplinas, conhecidos os meios disponíveis em cada escola;
Que novas estruturas são oferecidas, de modo a credibilizar a formação dos novos cursos tecnológicos, de modo que, dentro de anos, as mesmas dificuldades que agora existem nos cursos predominantemente orientados para a vida activa não se façam sentir;
Todas estas preocupações são legítimas, porque as escolas debatem-se hoje com dificuldades estruturais e de recursos e também com as que resultam de um corpo docente com uma visão excessivamente centrada na sua disciplina e pouco preparado e motivado para o exercício de uma intervenção orientada para o desenvolvimento de competências que promovam a análise de problemas e a produção de respostas. A formação para trabalhar em projecto faz-se discutindo e concertando ideias em torno do desenvolvimento de projectos concretos. Esta aprendizagem exige, pois, um tipo de formação centrado na escola e na tarefa;
Às instituições do ensino superior cabe também a enorme responsabilidade de desenvolver atitudes e de criar oportunidades de formação que se abram às lógicas das aprendizagens dirigidas ao estudo e à resolução de problemas e que não estruturem os seus currículos fundados exclusivamente na lógica das disciplinas.
IV - Reformas curriculares e elaboração de programas
Uma reflexão final tem a ver com o padrão que se tornou habitual, nas últimas décadas, em matéria de reformas curriculares e elaboração de programas, o qual não permite uma gestão e um acompanhamento consequente. Este padrão de reformas escolares, de que se dá uma imagem, precisa de ser substancialmente alterado. Tem sido assim nas últimas décadas e, com pequenas variantes, o processo segue os mesmos rituais. Numa secretaria de Estado ou numa direcção de ensino junta-se um grupo de pessoas que propõe o quadro geral e os termos da mudança e define a geometria e a matriz curricular. Para legitimar estas decisões, coloca-se a proposta em discussão pública. Esta, por vezes, é alargada e participada, mas dificilmente concertada, dela geralmente mais não resultando do que alterações periféricas que não conseguem inverter a estrutura predefinida. Entretanto, convidam-se equipas para elaborar os programas das várias disciplinas. Apesar das intenções e promessas de coordenação, raras vezes essas equipas têm o tempo e a atmosfera para trabalhar em comum e estabelecer quais os contributos de cada uma, no concerto das várias disciplinas e na realização dos objectivos globais. Por vezes, os encontros limitam-se, a posteriori, a limar arestas e a evitar os aspectos mais óbvios da desarticulação. Terminada esta fase, as equipas desaparecem ou desmantelam-se e raras vezes ficam a suportar o desenvolvimento dos programas que escreveram. Não há monitorização e, mesmo quando se simulam "experimentações", mais não se trata do que uma implementação faseada, em que os elementos recolhidos nesses períodos não conseguem articular-se nem influenciar o decurso da implementação. Muitas vezes, só depois de vários anos, os recursos necessários chegam às escolas, mas, entretanto, já haverá novas reformas e novas equipas, tão "transitórias" como as anteriores, que, cheias de boa vontade, se esforçam por inventar novas soluções, exactamente com as mesmas estratégias e com os mesmos meios tão deficitários como os anteriores. Este é um pouco o retrato da história do desenvolvimento curricular no nosso país. Os resultados são bem arquitectados, com preâmbulos bem intencionados e interessantes linhas de orientação, mas, estas, na maioria das vezes, já não chegam sequer a ser incorporadas na fase de redacção dos programas propostos. Depois, estes são deixados um pouco à deriva, sem monitorização e sem suporte material.
Em vários momentos, vários educadores têm sugerido a criação de uma estrutura permanente para o desenvolvimento curricular e para a sua monitorização - um instituto ou um centro de desenvolvimento curricular. A instituição teria um corpo permanente de profissionais especialistas em currículo e nas várias áreas do ensino e com a capacidade de acompanhar o processo de desenvolvimento de novos currículos e de desencadear as necessárias acções de apoio ao estabelecimento das condições indispensáveis para que os mesmos se concretizem de acordo com as expectativas.
Várias propostas curriculares têm falhado, porque às decisões arquitectadas não corresponderam estratégias de desenvolvimento, de organização e de gestão dos recursos humanos e materiais. Por isso, o CNE sugere que se considere as vantagens de se criar um tal centro ou instituto.
V - Sumário
1 - O CNE já produziu muito pensamento sobre o ensino secundário. Relativamente à proposta de revisão curricular em apreço, só foi ouvido numa fase já muito adiantada do processo e não se reconhece em muitas das propostas aí expressas.
2 - O enquadramento e as justificações da proposta apresentam-se limitados, não se identificando claramente as insuficiências que se pretendem ver superadas nem as novas linhas de orientação a consagrar. Também não se explica como é que problemas antigos serão agora resolvidos se se continuam a oferecer os mesmos tipos de respostas. O documento não faz um bom diagnóstico das necessidades e não apresenta a fundamentação para as mudanças sugeridas. Em síntese, afigura-se-nos um documento sem estratégia, o que prenuncia uma oportunidade perdida.
3 - Na apresentação da proposta refere-se que, proximamente, todos os jovens dos 15 aos 18 anos deverão frequentar qualquer percurso de educação-formação de nível secundário, mas não se esclarece qual a articulação entre os cursos agora em revisão e os demais modos de educação e de formação também existentes para este grupo etário.
4 - A actual fase do processo de revisão curricular não se destina a sustentar qualquer debate susceptível de conduzir a alterações significativas da proposta; contudo, a participação da comunidade escolar deveria caracterizar-se por um grande envolvimento, o qual se afigura imprescindível para se alcançar sucesso na concretização de uma revisão curricular.
5 - O documento é explícito quanto ao propósito de ver melhorado o desempenho das escolas secundárias nos diversos domínios, quando afirma que estas deverão ser capazes de criar ambientes de aprendizagem estimulantes, baseados em projectos claros, coerentes e com real valor educativo e formativo. No entender do CNE, a concretização destes objectivos exige um conjunto de medidas que excedem em muito as constantes desta revisão curricular.
6 - As constatações sobre as deficiências do actual ensino secundário parecem recolher consenso. O que importa tentar avaliar é se as respostas enunciadas no projecto de revisão curricular são portadoras de força, de coerência e de estratégia suficientes para que se possa readquirir a esperança de que aquelas deficiências desaparecerão ou serão atenuadas.
7 - Colocam-se sérias dúvidas quanto à possibilidade de concretização resultante do confronto entre os prazos constantes da calendarização e os constrangimentos que se pretende eliminar.
8 - Acentuar a identidade do secundário poderia ter levado a modelos de organização completamente distintos em que a opção pelos diversos cursos se faria mais tardiamente.
9 - A diversificação de percursos e a mobilidade dentro do ensino secundário é desejável, mas é preciso garantir que a mudança da opção feita se processe com o mínimo de prejuízo para o aluno e com o máximo de aproveitamento dos estudos entretanto realizados.
10 - A pouca flexibilidade da arquitectura da matriz curricular diminui a possibilidade de introduzir certas disciplinas em alguns dos cursos, em que um leque mais alargado de disciplinas corresponderia a uma formação geral mais adequada e mais ampla.
11 - A componente de formação geral não inclui qualquer disciplina que ajude o aluno na sua educação científica e tecnológica.
12 - A Filosofia poderá não ser a disciplina mais indicada e atractiva para integrar a componente geral da formação dos adolescentes dos 10.º e 11.º anos. Seria aconselhável uma disciplina que ajudasse à compreensão dos diversos processos culturais da constituição do mundo moderno e contemporâneo.
13 - A introdução de uma área de Projecto, com um tempo definido na matriz curricular, gera a possibilidade de poder vir a sobreviver. A sua orientação por um professor que terá a seu cargo um dos dois grupos em que a turma se divide põe, no entanto, muitos limites ao tipo de projecto que, nessas circunstâncias, será possível desenvolver.
14 - Quanto à questão da educação para a cidadania, parece pouco realista pensar-se que, sem tempos definidos para a discussão de certas temáticas da esfera do pessoal e do social, se garanta que as mesmas sejam tratadas com alguma coordenação e sistematização pelos diversos professores. Os jovens vêm reclamando, repetidas vezes, um tempo de formação que corresponda às suas necessidades pessoais. Ora, a existência de um tempo para essa discussão não é considerado na proposta.
15 - Muitas dúvidas se levantam quanto ao efeito da orientação e às estratégias de recuperação e de acompanhamento nas primeiras semanas de aulas do 10.º ano. A menos que todo este ano permita os ajustamentos e as compensações necessários face à diversidade dos alunos, será difícil concretizar as intenções anunciadas.
16 - Quanto à natureza e aos propósitos das opções nos cursos gerais, questiona-se por que razão só há opções a nível do 12.º ano. Se o seu objectivo é também o de dar aos alunos a possibilidade de modelarem o seu percurso, seria importante a sua existência ao nível de todos os anos.
17 - Considera-se que a redução da carga horária é desejável e enquadra-se nas expectativas da comunidade educativa, mas a ela deve corresponder uma definitiva redução na extensão dos programas, para que dela resulte uma maior disponibilidade dos alunos para a reflexão, para o trabalho pessoal e para um maior envolvimento em projectos e actividades que correspondam ao desenvolvimento dos seus interesses pessoais e sociais.
18 - Quanto à duração dos tempos lectivos, tem sido sugerido o seu alargamento, sobretudo quando se realizam actividades experimentais e ou trabalhos de elaboração de projectos.
A sua generalização a todos os tempos lectivos e a todas as disciplinas levanta algumas dúvidas que só conhecidos os programas de estudo poderão ser clarificadas.
19 - No documento garante-se a permeabilidade entre os cursos gerais e tecnológicos, mas não é claro como é que tal se fará sem prejuízo do tempo normal previsto para a conclusão do curso. Existem equivalências de anos, ou a equivalência será feita disciplina a disciplina? Para uma melhor compreensão do modo como se processará a mudança de cursos, seria importante a apresentação de exemplos. A referência a um pós-12.º ano, embora de maneira extremamente ambígua, não pode ser um escape para uma mobilidade anunciada, mas não garantida.
20 - A opção por cursos tecnológicos com um perfil de "banda estreita" não é fundamentada.
21 - O sucesso dos cursos tecnológicos está intimamente dependente das estruturas das escolas e da flexibilização que for possível instituir ao nível de recursos materiais e humanos.
22 - A reforma, que se anuncia, preconiza algumas medidas que têm provocado receios e preocupações nas escolas às quais são devidas explicações.
23 - A formação para o trabalho de projecto faz-se em torno de projectos concretos. Exige-se um tipo de formação centrado na escola e na tarefa.
24 - Às instituições de ensino superior cabe também a responsabilidade de criar oportunidades de formação abertas às lógicas das aprendizagens dirigidas ao estudo e à resolução de problemas.
25 - O padrão que se tornou habitual nas últimas décadas em matéria de reformas curriculares e de elaboração de programas não permite uma gestão nem um acompanhamento consequentes. Este padrão, nas reformas escolares, deverá ser substancialmente alterado; sublinha-se, assim, a necessidade da criação de uma estrutura permanente para o desenvolvimento curricular e para a sua monitorização - um instituto ou um centro de desenvolvimento curricular.
13 de Abril de 2000. - A Presidente, Maria Teresa Ambrósio.
Declaração de voto. - Votei favoravelmente o projecto de parecer sobre a proposta de revisão curricular no ensino secundário - cursos gerais e cursos tecnológicos por concordar com a globalidade das críticas formuladas e com o seu sentido construtivo, independentemente da ausência de recomendações formais de aperfeiçoamentos que devessem eventualmente ser introduzidas no documento em análise. Não é nesta direcção que se consubstancia a intenção construtiva do projecto de parecer. Julgo que ela deve ser apreendida na relação que permite fazer entre, por um lado, a verificação da inexistência de uma avaliação rigorosa e objectiva das anteriores reformas curriculares (cujos resultados fossem susceptíveis de revelar a amplitude e as dimensões do conjunto de "insuficiências e problemas" que a presente proposta de revisão curricular afirma pretender "ultrapassar") e, por outro, a sugestão formulada de criação de um instituto ou centro de desenvolvimento curricular, cuja missão principal seria a de acompanhar, avaliar e monitorizar a implementação das "reformas", "revisões" ou "reestruturações" curriculares. Na medida em que não dispomos de estruturas nem de resultados de avaliação dos efeitos da reforma curricular precedente, a apresentação de mais uma proposta de reestruturação curricular corre o risco de não tomar em conta um conjunto de dados da maior importância para a concretização dos objectivos que visa atingir. É em grande parte por esta razão que o projecto de parecer considera peremptoriamente a referida proposta de revisão curricular mais uma oportunidade perdida!
É certo que, na ausência de uma estrutura de avaliação do desenvolvimento curricular do sistema global de ensino, os autores da proposta esclarecem que ela "é o resultado das conclusões da reflexão produzida no decurso do projecto de revisão, participada do currículo que o Departamento do Ensino Secundário (DES) desenvolveu formalmente desde Fevereiro de 1997 (que envolveu escolas, professores e diversos parceiros de todos os subsistemas do ensino secundário), dos documentos orientadores das políticas para o ensino secundário, produzidos no âmbito do XIII Governo Constitucional, e dos pareceres e recomendações do Conselho Nacional de Educação" (proposta, p. 2).
O esclarecimento não retira pertinência à objecção formulada no projecto de parecer tanto mais que, conforme nele se sublinha, não se esclarece com clareza em que conclusões e recomendações específicas do referido projecto de revisão participada do currículo se apoiam ou filiam "as novas linhas de orientação" apresentadas no documento da proposta de revisão curricular. No que especificamente diz respeito aos pareceres e recomendações do CNE é explicitamente declarado que "teste não se reconhece em muitas das propostas que o mesmo contempla".
Não se pode deixar de concordar que "o enquadramento e justificações da proposta permanecem muito limitados, não se identificando claramente quais as insuficiências que se pretendem superadas". E importa igualmente reconhecer que "também não se explica como problemas antigos serão agora resolvidos uma vez que se continua a oferecer os mesmos tipos de respostas" (projecto de parecer p. 3).
O projecto de parecer é claramente prospectivo, apontando o modo como no futuro as propostas de "revisão" ou de "reorganização" curriculares devem ser elaboradas e fundamentadas.
Julgo compreender as razões que levaram a relatora do parecer a ficar pela denúncia da ausência de um trabalho prévio de avaliação da reforma curricular precedente que nos permitisse identificar quais os pontos que eventualmente correram bem e quais os que manifestamente se revelaram negativos e incapazes de superar "insuficiências e problemas" anteriormente referidos. Trata-se, sem dúvida, de uma situação deficitária que importa ultrapassar de uma vez por todas. É indispensável cortar com o círculo vicioso. E para isso é urgente criar condições para que aquele trabalho possa começar a ser feito. (Oxalá a intenção construtiva do parecer seja bem compreendida e o seu apelo possa ser ouvido e concretizado!)
Apesar da minha declarada concordância com o teor crítico e construtivo do parecer, julgo, no entanto, que nele se poderia ter ido mais além, aproveitando, de resto, algumas indicações ou sugestões positivas da proposta. É certo que essas indicações ou sugestões estão apresentadas de forma pouco desenvolvida, com uma formulação quase marginal, abafadas que são pela prioridade dada à apresentação das novas matrizes curriculares e dos novos elencos de disciplinas. Estou a referir-me à indicação de algumas "medidas subsidiárias" tendentes, no dizer da proposta, a "favorecer a aplicação dos planos de estudo", como sejam "a organização do ano lectivo em semestres, com tempos lectivos de maior duração, e um sistema de avaliação com formas diversificadas, incluindo a valorização da avaliação diagnóstica e da avaliação formativa, que orientem a aprendizagem, além da avaliação sumativa, interna e externa" (proposta, p. 7).
O parecer não faz referência à enunciada intenção de valorização de modalidades de avaliação diferentes da avaliação sumativa/classificativa que são referidas na proposta de revisão, embora sem o desenvolvimento que a sua importância merece. A este respeito, pode considerar-se que o parecer é lacunar. E julgo que poderia ter "mostrado" quanto o insuficiente desenvolvimento dado na proposta às referidas "medidas subsidiárias" revela o apego à ideia persistente de atribuir prioritariamente a resolução das "insuficiências e problemas" existentes no sistema educativo aos ensaios de reforma (revisão ou reorganização) estritamente curriculares. Pelo desenvolvimento dado na proposta aos planos e matrizes das disciplinas dos novos cursos, quer gerais quer tecnológicos, e pelas virtualidades de renovação do ensino que lhes são "magicamente" atribuídas, podemos considerar que esta proposta não difere afinal da reforma curricular actualmente em vigor, decorrente da aplicação do Decreto-Lei 286/89, de 29 de Agosto. Com efeito, em termos de indução de mudanças efectivas na prática de ensino dos professores e da organização das aprendizagens dos alunos nas salas de aula, vale muito pouco (ou mesmo nada) o simples enunciado da intenção de se ir mais além de uma estrita reforma curricular.
É o caso da presente proposta. Com efeito, na sua brevíssima apresentação, pode ler-se na p. 2: "Estas medidas traduzem-se em alterações dos planos de estudo e dos programas, da organização e funcionamento das escolas, das práticas dos professores e da avaliação dos alunos." E, de imediato, acrescenta-se o seguinte: "Convirá ressalvar que o currículo do ensino secundário, entendido como o conjunto das aprendizagens que se pretende que os alunos realizem, não se esgota no plano de estudos e nos programas das disciplinas e áreas disciplinares."
Depois destas declarações formais de princípio, esperar-se-ia que no corpo da proposta fossem explicitadas medidas e linhas de orientação sobre factores e processos relevantes na prática dos professores, designadamente no que se reporta às estratégias de motivação, aos métodos de ensino e aos procedimentos de avaliação mais adequados em relação aos objectivos formativos considerados nucleares em cada disciplina e em cada ano. Ora, o que acontece é que todas as expectativas saem frustradas. Com efeito, já anteriormente indicámos que são marginais as referências feitas à valorização de modalidades de avaliação diagnóstica e de avaliação formativa, e nem sequer se faz qualquer referência à renovação dos métodos de ensino, como se o seu aperfeiçoamento não constituísse condição tão (ou mais) fundamental à resolução de muitos problemas escolares quanto as reformas exclusivamente curriculares!
Da verificação da centração desta proposta de revisão curricular na renovação dos conteúdos das disciplinas e dos respectivos programas ressaltam duas ilações.
A primeira mostra que a concepção de escola subjacente à proposta corresponde à concepção tradicional de escola como transmissora de "conhecimentos, competências, capacidades e atitudes fundamentais" considerados indispensáveis à integração dos alunos "no ensino superior ou no mundo do trabalho". Trata-se de um modelo de escola que tem estado igualmente subjacente às anteriores reformas curriculares, razão pela qual é legítimo duvidar da capacidade inovadora da proposta. (Para provocar mudanças numa qualquer realidade, torna-se indispensável mudar primeiro a visão que dela se tem!)
A segunda ilação revela que a proposta não toma em devida conta as condições temporais e os factores humanos de implementação da reforma, designadamente no que respeita à preparação dos professores. O processo de promoção de qualquer mudança numa realidade tão complexa como é a escola não pode ser feito sem assegurar a motivação dos professores, garantindo não apenas a sua participação (tantas vezes "obrigatória"!) mas o seu empenhamento pessoal, que decorre da interacção de três factores fundamentais: mudança de visão ou concepção de escola, "identificação" dos objectivos formativos e "domínio" dos meios instrumentais para que esses objectivos sejam alcançados.
Neste sentido, e tendo embora em conta que se encontram em curso os trabalhos de elaboração dos programas das disciplinas do ensino secundário, julgo que se justificaria recomendar que se introduzisse um "tempo" entre a conclusão dos mencionados trabalhos e o início da implementação da revisão curricular, tempo suficientemente dilatado para permitir que os professores se familiarizassem com os novos programas e, sobretudo, pudessem treinar as metodologias de construção e utilização dos novos materiais e instrumentos didácticos.
De entre eles deve merecer especial menção a organização de instrumentos de avaliação formativa em função das metas formativas de cada ano e de cada disciplina, tendo em consideração, de forma prioritária, os designados "núcleos de aprendizagem essenciais de cada curso, área ou disciplina" (proposta, p. 5).
Cabe a este propósito reafirmar que um dos pontos positivos da proposta de revisão é a referência à valorização das modalidades de avaliação diagnóstica e avaliação formativa (parecer, p. 3). Ora, para que esta intenção possa ser transposta para a prática (de modo a evitar que venha a aumentar o "rol das boas intenções") torna-se necessário "conceder tempo" para se proceder ao treino da construção e à utilização de instrumentos de avaliação diagnóstica e formativa que sirvam de "modelos" ou, mais apropriadamente, de roteiros orientadores dos instrumentos que os professores deverão elaborar, de forma adequada e flexível, em função das condições específicas do processo de ensino-aprendizagem. Estes instrumentos têm de ser construídos, como é óbvio, em função das metas formativas e dos núcleos de aprendizagem essenciais de cada disciplina. Daqui decorre que os professores precisam de obter conhecimento prévio dos programas com suficiente antecipação, que é indispensável à elaboração adequada de provas de diagnóstico e de avaliação formativa que não sejam "réplicas" dos tradicionais testes de rendimento escolar, típicos da avaliação classificativa. Para este efeito, os professores deveriam ser preparados e treinados quer na execução de estratégias de motivação (orientadas para a obtenção das metas formativas) quer na construção e utilização de provas de avaliação diagnóstica e de avaliação formativa. Se assim não acontecer, a força da prática da avaliação sumativa/classificativa irá sobrepor-se à referida intenção de valorização de modalidades inovadoras de avaliação. Perder-se-ia, então, a oportunidade de se dar início a um processo de renovação qualitativa do ensino capaz de promover a mudança do modelo de escola centrada na transmissão e reprodução de conhecimentos, que ainda é dominante na actualidade, para um outro modelo de escola orientada para o desenvolvimento da personalidade integral dos alunos, em conformidade, de resto, com as finalidades fundamentais do sistema educativo, que aguardam, infelizmente, reformas de natureza qualitativa para lhes dar corpo, reformas que se preocupem prioritariamente com as mudanças de processos de motivar, ensinar, aprender e avaliar o desenvolvimento alcançado e menos com os conteúdos dos planos de estudo e dos respectivos programas.
A proposta de revisão curricular do ensino secundário está longe de dar o relevo merecido aos factores e processos susceptíveis de promover mudanças de natureza qualitativa na prática quotidiana dos professores e dos alunos nas salas de aula. Dá mais valor à renovação dos conteúdos do que à renovação dos processos de ensino e de aprendizagem orientados para o desenvolvimento da personalidade integral dos alunos. Não tendo em conta as interacções que entre elas se estabelecem e não considerando a importância decisiva da renovação qualitativa das estratégias de motivação e de ensino, a proposta de revisão curricular permite prever a persistência dos problemas crónicos do nosso sistema escolar (taxas elevadas de insucesso, de abandono e de iliteracia, mal-estar de professores e alunos).
Por tudo o que ficou dito, talvez tenha ainda cabimento perguntar: será possível conceder-se um tempo para a integração e concretização de medidas que permitam atenuar as limitações detectadas, designadamente as que se reportam à renovação qualitativa dos métodos de ensino, motivação e avaliação das aprendizagens, envolvendo acções estratégicas de preparação dos professores? - Manuel Viegas Abreu.
Declaração de voto. - Voto a favor do parecer, no entanto considero que não se encontram vertidos, no mesmo, os contributos reflexivos que diversas escolas de diferentes proveniências do País produziram. Assim, e na lógica de uma representatividade plenamente assumida, incluo, nesta minha declaração de voto, o texto com os pontos resultantes da consulta efectuada aos estabelecimentos públicos do ensino secundário.
A reforma anuncia algumas medidas que têm provocado receios e preocupações nas escolas, e às quais são devidas explicações.
O representante das escolas secundárias no CNE recolheu elementos e a partir deles se juntam algumas das reflexões/interrogações:
Quanto à unidade matricial do currículo, quer nos cursos gerais quer nos cursos tecnológicos, resulta confusa a diversidade de percursos e a permeabilidade entre os mesmos;
Quanto à democraticidade, à igualdade de oportunidades e ao ingresso no ensino superior, parece importante rever o problema da avaliação com o objectivo de dar maior oportunidade de sucesso aos alunos e proceder às alterações nas regras de acesso ao ensino superior, que também não se encontram previstas;
Quanto à formação de professores, para a área de projecto, não existe referência explícita no que se refere à forma que a mesma irá assumir. Relembra-se o desajustamento temporal e a desadequação que existe entre as formações promovidas pelos centros de formação e outras instituições e o seu reflexo no desempenho profissional e nos planos de formação de cada organização escolar;
A formação por módulos ou cursos que parece depreender-se da proposta como aquela que vingará não será a modalidade mais adequada para corresponder às necessidades identificadas. Dever-se-á apostar, antes, num tipo de formação mais centrada no contexto escolar, numa perspectiva de investigação-acção, que trará mais-valias à escola e, por consequência, à formação dos alunos que a frequentam;
Quanto aos recursos materiais, uma questão que se coloca à partida é o saber quando e se as escolas irão ser verdadeiramente equipadas. Recorde-se, a este propósito, a descoordenação existente, quase sempre, entre o funcionamento dos cursos e a oportunidade do apetrechamento;
Quanto à confiabilidade, os cursos tecnológicos têm de revelar uma vocação verdadeiramente profissionalizante, sem a qual a sociedade, e em particular os empregadores, não depositarão qualquer confiança nos produtos escolares. Não existe, na proposta em apreço, visibilidade sobre esta vertente tão importante;
Após um forte investimento nas TIC no novo ensino recorrente, não se compreende a não introdução de uma disciplina idêntica à de Introdução às Tecnologias de Informação, que existe no actual currículo. É facto que, embora exista o propósito de todas as disciplinas percorrerem esta área, não é, assumidamente, prática corrente nas escolas. Conclui-se, pois, que é necessário investir, e de forma objectiva, nas novas linguagens tecnológicas;
No que concerne à implementação dos cursos tecnológicos, é bem conhecida a cultura de ambiguidade relacional escola/ empresa. Nestes termos, pode questionar-se os benefícios, os meios e as facilidades que estas entidades deveriam obter para a concretização de uma nova atitude;
Por outro lado, é importante que a implementação dos cursos tecnológicos seja seguida de verdadeiros protocolos entre as escolas e as empresas e se abandone a prática, muito vulgarizada, de realizar estágios só para cumprir o legislado;
Outra preocupação é a não articulação com o ensino recorrente ou com o ensino profissional. Tal desiderato poderá, de certa forma, comprometer a lógica de uma verdadeira reforma curricular, para passar a ser uma reformulação de agrupamento de disciplinas. Na prática, nada mudará se ficar tudo na mesma;
Quanto à organização escolar parece consagrar-se um conjunto de medidas de forte impacte, donde ressalta a questão da duração dos tempos lectivos. Quase centenária a opção pelos cinquenta minutos de aula, não deixa de ser interessante a novidade que se propõe, mas questiona-se: como resolver a necessidade de intervalo antes de terminados os noventa minutos?, e como adaptar este elemento da cadeia da organização escolar nas escolas secundárias onde se leccionam outros níveis de ensino?; importa rentabilizar o tempo de trabalho em sala de aula mas sem deixar de atender a problemas pedagógicos;
E quanto às ofertas escolares, em particular no que respeita às disciplinas de opção, será que as escolas podem ir ao encontro dos desejos e expectativas de cada estudante, de cada encarregado de educação? Será que se mantêm as mesmas regras de constituição de turmas e de número mínimo para o seu funcionamento?
Quanto às necessidades de recursos humanos, é possível que caminhemos para uma grande instabilidade ao nível dos quadros dos docentes e, na sequência, assistamos a uma certa perturbação nos climas organizacionais;
No que concerne à rede escolar, não existe, neste momento, a percepção de como é que as escolas irão "receber" os seus cursos. Não se vislumbra uma política de territorialização educativa. Deverão ser as escolas a candidatarem-se no quadro orientador do seu próprio projecto?, ou simplesmente serão suficientes as condições actuais: existência de recursos humanos, materiais e espaços físicos?; ou serão, ainda, as direcções regionais de Educação a pensar pelas escolas?
No que se refere à hipótese do pós-12.º ano, estamos pouco esclarecidos. Pergunta-se como conciliar essa possibilidade com as orientações actuais sobre constituição e funcionamento de turmas?, que meios/apoios pode a escola colocar à disposição dos alunos que pretenderem frequentá-lo?
Finalmente, e sem perder de vista esta situação puramente técnica da estrutura curricular, permitimo-nos alertar para o discernimento estratégico sobre os conhecimentos a ensinar, que corresponde à fase seguinte do processo.
Se por um lado, a preocupação se centra na ampla base de comportamentos, atitudes e valores, ferramentas indispensáveis aos alunos para uma aprendizagem que se projecta ao longo da vida e condição necessária para a assunção de uma verdadeira cidadania, que todos desejamos, centra-se, por outro, na presunção de que a escola, ao prestar um serviço à comunidade onde está inserida, se constitua como um sujeito aprendente, equilibrante e justo na sua acção educativa, para citar Derouet, para quem o funcionamento da escola é, essencialmente, uma questão de justiça. - Leonel Silva.
Declaração de voto. - A presente declaração de voto começa por elogiar o conteúdo do parecer sobre o documento em epígrafe, que, na sua essência, traduz a nossa posição na abordagem efectuada, o que representou para os seus autores um esforço de síntese às diversas declarações dos conselheiros que o aprovaram.
No entanto e sem tirar o mérito do respectivo parecer, julgamos útil e indispensável juntar algumas achegas sobre o sistema de "Avaliação e currículo" que consta do n.º 4 do documento de Fevereiro de 2000.
Assim:
1 - O documento não traduz uma definição básica de avaliação, considerando em primeiro lugar aquela como um indicador da qualidade da educação. Desde Tyle, Grondland Lafourcade, Eisner y Scriven e outros autores como Alkin, Provus, Parlett de entre muitos, que se considera que a avaliação é um instrumento básico para a conceptualização da avaliação educativa, pondo em evidência que das diversas definições coexistem três condições: obtenção da informação, formulação de juízos e tomada de decisões. Ora, sendo o aluno o ponto fulcral do sistema educativo, impõe-se que a avaliação das aprendizagens conduza a um julgamento comparativo, corrector e contínuo do progresso do aluno a partir de dados recolhidos. O que implica, de acordo com a proposta de revisão curricular, avaliar conteúdos conceptuais, conceitos de procedimentos e conteúdos de atitudes, o que não está claro no documento.
2 - Deste modo, a avaliação interessa aos professores, aos alunos, aos pais, à escola e à sociedade, pelo que é preciso que as normas avaliativas das aprendizagens sejam explícitas para o professor, não o mascarando de juiz implacável; ao aluno como participante no processo, tendo o direito a uma autoavaliação reflexiva; aos pais, que devem ser parte actuante e conclusiva de novas competências que são dadas; à escola, como aferidora das condições ideais favoráveis às melhores aprendizagens; à sociedade, que espera a garantia de que os alunos adquiram as capacidades de nela se integrarem.
3 - Assim sendo, deverá reflectir-se nas orientações a serem aprovadas a necessidade imperiosa de uma formação contínua obrigatória em avaliação para todos os professores em exercício, de maneira a torná-la uniforme em todo o sistema educativo não superior, tornando-a transparente, sem quaisquer efeitos perversos que condicionem o percurso formativo dos alunos. - Carlos Alberto de Faria e Chagas.
Declaração de voto. - Não concordo com a estrutura apresentada naquele documento ("Proposta de revisão curricular no ensino secundário - cursos gerais e cursos tecnológicos") e proporia a seguinte:
1 - Os anos 10.º, 11.º e 12.º teriam duas grandes áreas:
A) "Académica" (ou "via de ensino", ou tendo qualquer outro nome) com as seguintes vias:
i) Letras. Daria entrada para todos os cursos das faculdades de letras, direito e similares;
ii) Ciências. Daria entrada para todos os cursos das faculdades de ciências, engenharias, medicinas, agronomias, e similares;
iii) Economias. Daria entrada para todos os cursos das faculdades de economia, gestão de empresas e similares;
iv) Artes. Similarmente.
Na via iv), Artes, cada especialidade (e. g. Música, Belas-Artes, etc.) teria as disciplinas apropriadas a essa especialidade. Nas vias i), ii) e iii) o elenco de disciplinas seria o mesmo para todos os alunos de cada via.
[A "Proposta de revisão curricular no ensino secundário - cursos gerais e cursos tecnológicos agora apresentada cria mais de uma área para o grupo das ciências. Não posso de maneira nenhuma concordar com este aspecto.];
B) "Profissional" (ou "vocacional", ou "para inserção na vida activa") com os cursos que agora constam dos curricula das escolas profissionais e outros similares.
2 - Os alunos poderiam ter o diploma do 9.º ano somente por aprovação durante a sua frequência. Contudo, a matrícula no 10.º ano exigiria um exame de admissão propício à área em que pretendessem matricular-se. Para as áreas "profissionais" a admissão ao 10.º ano seria com base numa prova específica da área desejada. Para a área "académica" (qualquer das vias) só seriam admitidos os alunos que fossem aprovados num exame nacional de Português, Francês, Inglês, História e Geografia, Matemática e Ciências (Física, Química e Ciências Naturais). Este exame teria duas provas, espaçadas de três semanas, das quais seria escolhida sempre a melhor.
3 - No final do 12.º ano haveria também um exame nacional a cada uma das disciplinas do 12.º ano da área "académica" sobre toda a matéria daquela disciplina do 10.º ao 12.º anos. Haveria também duas provas escritas clássicas das quais seria escolhida a melhor. (Poderia haver uma prova de escolha múltipla para efeitos de seriação para entrada no ensino universitário, ou esta seriação podia ser feita com base na média das provas clássicas. Contudo, só poderiam candidatar-se ao ensino universitário os alunos aprovados no exame nacional e em todas as disciplinas da respectiva via).
4 - Os 10.º, 11.º e 12.º anos das áreas "profissionais" teriam fundamentalmente disciplinas práticas para a área em causa. Alguns assuntos da área académica que fosse preciso dar (e. g. Matemática, Inglês), sê-lo-iam em moldes e com programa muito diferentes dos da área académica. A presente situação de se pretender dar, em muitas das actuais escolas profissionais, Matemática, Física, Química, etc., com os mesmos programas e escolaridade que na chamada "via ensino" (área académica), é totalmente inaceitável.
A aprovação nas disciplinas da área "profissional" seria adaptada à natureza específica da disciplina. Poderia ser baseada no trabalho ao longo dos três anos (e. g. em carpintaria), numa prova prática (e. g. desmontar e montar a embraiagem de um automóvel), numa prova de campo (e. g. levantamento topográfico), ou num exame clássico (e. g. Historia ou Inglês para guias turísticos).
A aprovação no número estipulado de disciplinas daria um diploma profissional.
Os diplomados por esta via profissional poderiam ter acesso ao ensino politécnico mediante exame de entrada específico.
5 - A partir do final do 9.º ano, os alunos teriam de passar parte do tempo em contacto com o mundo do trabalho. Sob a supervisão de professores para tal nomeados, os alunos teriam "estágios" em empresas, hospitais, tribunais, museus, ou quaisquer outros locais de trabalho, onde executariam uma tarefa similar à de qualquer outro trabalhador, integrados na normal hierarquia da instituição em causa. No final teriam um certificado indicando o tipo de trabalho efectuado, assinado pelo director da instituição e pelo professor supervisor. A admissão a um dado curso superior poderia exigir certos créditos desses certificados. Por exemplo, um candidato a medicina teria de ter x semanas de trabalho num hospital, um a engenharia civil y semanas de activo trabalho na construção civil, etc. - Victor M. M. Lobo.
Declaração de voto. - Votei favoravelmente o parecer porque ele implica a reformulação total da proposta. É o que decorre inescapavelmente da frase do parecer: "Em síntese, trata-se de um documento sem estratégia o que prenuncia uma oportunidade perdida."
Se tal vier a acontecer -a reformulação da proposta-, abre-se um período de reflexão e debate, em que muitos dos pressupostos actuais pertencentes ao "política e educativamente correcto" poderiam ser discutidos e analisados. Aponto alguns:
i) A identificação do ensino básico, por ser obrigatório, com conhecimentos básicos, entendidos como comuns a todos os jovens;
ii) Definir os conhecimentos básicos e determinar o tempo médio para a sua aquisição. Em minha subjectiva opinião, quatro ou cinco anos serão suficientes para o que eu considero conhecimentos básicos comuns. Todavia, há que apurar o entendimento social do conceito;
iii) Reconhecer que cada jovem posto em contacto com uma aprendizagem rigorosa e exigente em capacidades intelectuais, artísticas e manuais poderá conhecer ele próprio a sua vocação muito antes dos 15 anos;
iv) Adiar até aos 16-17 anos a educação para a vida de um jovem é, na maioria dos casos, comprometer irremediavelmente a sua vocação e inserção na vida profissional e social;
v) Promover a diversificação do sistema educativo por grandes áreas de realização humana, nas idades próprias, não continuando com a ideia, quanto a mim errada, que quanto mais tarde se escolher, melhor;
vi) Na maioria dos casos a escolha tardia do desenvolvimento das competências adequadas às vocações impede inexoravelmente a aquisição dessas competências num nível elevado. É mau para as pessoas e degrada como vem acontecendo a capacidade nacional de intervenção na divisão internacional do trabalho;
vii) Admitir que a aprendizagem aprofundada de uma área de saber ou de fazer contem mais sabedoria e entendimento do mundo que um enciclopedismo vago memorizado;
viii) Promover uma escola centrada no ensino-aprendizagem de alto conteúdo e rigor, em que do aprender resulta satisfação pela ultrapassagem dos desafios e dificuldades, em vez de subordinar o aprender aos aspectos lúdicos sem apelo ao esforço e à vontade. - Carlos Sá Furtado.