Acórdão 25/2000/T. Const. - Processo 301/99. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Por decisão do 1.º Juízo Criminal do Funchal (juiz singular), de 17 de Maio de 1996, a fl. 223, foi José Manuel Figueira César de Barros condenado na pena de 8 meses de prisão pela prática, como autor, de um "crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 300.º, n.º 1, do Código Penal de 1982", praticado em 1992. Ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º Lei 15/94, de 11 de Maio, tal pena foi declarada perdoada, sob a condição resolutiva prevista no artigo 11.º da mesma lei.
A sentença veio a ser confirmada, na sequência de recurso do arguido, por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Março de 1997, a fl. 266.
2 - Entretanto, por Acórdão do tribunal colectivo do Tribunal de Círculo do Funchal de 18 de Março de 1998, a fl. 295, veio o arguido a ser também condenado pela prática - em 16 de Junho de 1993, em 16 de Novembro de 1994 e em 21 de Junho de 1995, respectivamente - de três crimes de denúncia caluniosa, na pena de 7 meses de prisão por cada um deles.
Por força do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei 15/94, de 11 de Maio, foi declarada perdoada a pena de 7 meses relativa ao crime cometido em 1993, "sob a condição resolutiva a que alude o artigo 11.º do mesmo diploma legal", tendo sido fixada, em consequência do cúmulo jurídico efectuado, a pena única em 10 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de três anos.
3 - Em 9 de Outubro do mesmo ano, por decisão do 1.º Juízo Criminal do Funchal, a fl. 326 - que julgara o crime de abuso de confiança -, veio o perdão da pena então aplicada a ser revogado com o fundamento de se ter verificado a condição resolutiva prevista no artigo 11.º da Lei 15/94, pela prática de "infracções dolosas" "cometidas no período compreendido entre 12 de Maio de 1994 e 12 de Maio de 1997".
Em consequência, foi declarada imediatamente exequível a pena de prisão a que o arguido tinha sido condenado.
4 - O arguido interpôs então recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (requerimento a fl. 332). Em primeiro lugar, defendeu ter sido violado o princípio do contraditório pela decisão recorrida. Afirmou ainda, por entre o mais, que a "leitura restritiva e formalista" do artigo 11.º da Lei da Amnistia feita pelo juiz a quo "conduziria a que este preceito produzisse efeitos retroactivos", proibidos pela Constituição.
O Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 26 de Janeiro de 1999, a fl. 410, considerou não procedente a invocação de violação do princípio do contraditório, por não ter sido tempestivamente invocada tal irregularidade.
Pelo que respeita à questão da revogação do perdão, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se nos seguintes termos:
"4.5 - Os autores dos crimes ainda não julgados em 12 Maio de 1994 (data da entrada em vigor da Lei 15/94, designadamente o seu artigo 8.º), obtiveram nessa data, directamente do poder político e sem necessidade de mediação judicial, a concessão - 'relativamente às infracções praticadas até 16 de Março de 1994' - do 'perdão de um ano em todas as penas de prisão, ou um sexto das penas de prisão até oito anos, ou em um oitavo ou um ano e seis meses das penas de prisão de oito ou mais anos, consoante resulte mais favorável ao condenado'". Mas com uma condição (cuja verificação haveria de implicar a resolução do perdão): a 'de o beneficiário não praticar infracção dolosa nos três anos subsequentes à data (12 Maio de 1994) da entrada em vigor da presente lei'. O Estado, com efeito, 'subordinou a um acontecimento futuro e incerto' (a prática pelo beneficiário de uma infracção dolosa entre 12 de Maio de 1994 e 12 de Maio de 1997) a (eventual) resolução - relativamente a cada um dos agraciados - da correspondente medida de clemência.
4.6 - Ora, o arguido, na pendência da condição (mais precisamente em 16 Novembro de 1994 e 21 Junho de 1995), desencadeou 'acontecimentos' (crimes dolosos de desobediência e denúncia caluniosa) a cuja verificação o Estado subordinara a resolução do perdão condicionalmente concedido, em 12 Maio de 1994, a pena que sobre ele viesse a recair em consequência do seu crime, de abuso de confiança, cometido em 6 Outubro de 1992."
O Tribunal da Relação veio assim a confirmar o despacho recorrido, enquanto declarara a resolução do perdão, mas revogou-o na parte em que declarou imediatamente exequível a condenação de 17 de Maio de 1996, ordenando a remessa do processo ao tribunal colectivo, para o efeito de unificar as penas parcelares aplicadas e de execução da pena conjunta.
Deste acórdão interpôs José Manuel Figueira César de Barros recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (requerimento a fl. 420), que, porém, não foi admitido, pelo despacho a fl. 446, em aplicação do disposto nos artigos 400.º, n.º 1, e 432.º, alínea b), do Código de Processo Penal.
5 - É, pois, do mesmo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (requerimento a fl. 455).
Pretende o recorrente ver apreciada a "inconstitucionalidade do artigo 11.º da Lei 15/94, de 11 de Maio, tendo em conta a interpretação com que foi aplicado na decisão recorrida". Para o recorrente, "tal interpretação viola o artigo 18.º, n.os 1 e 3, e o artigo 32.º, n.os 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa e os princípios constitucionais neles consagrados, respectivamente o princípio da irrectroactividade da lei penal, o princípio da presunção de inocência do arguido e o princípio do contraditório em processo penal".
Convidado o recorrente a explicitar o sentido, que reputa inconstitucional, com que a decisão recorrida interpretou o artigo 11.º da Lei 15/94, de 11 de Março, veio aquele responder, em síntese, afirmando, em primeiro lugar, que "a condição resolutiva prevista no artigo 11.º da referida lei traduz claramente uma intenção dissuasora - a de evitar novos crimes -, e, por isso, e também por razões de justiça, há que interpretar o aludido preceito no sentido de que o perdão só será revogado se o recorrente cometer novos crimes após o trânsito em julgado da decisão condenatória, isto é, após lhe ter sido aplicado o perdão" (n.º 2). Mais adiante, acrescenta: "Efectivamente, aplicar a condição resolutiva prevista no artigo 11.º da Lei 15/94, de 11 de Maio, independentemente do momento em que foi proferida a decisão aplicadora do perdão, e, simultaneamente, dizer que a condição resolutiva opera nos três anos subsequentes à entrada em vigor da Lei da Amnistia levaria a uma aplicação retroactiva da lei e, desta forma, à violação do artigo 18.º, n.º 3, da Constituição da República" (n.º 9).
Por último, "considera o recorrente que a decisão recorrida é também inconstitucional por violar manifestamente o princípio do contraditório, ínsito nos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição da República" (n.º 12), já que "após a promoção do Ministério Público a fl. 325, deveria o recorrente ter sido notificado para se pronunciar sobre tal promoção, aduzindo o que tivesse por conveniente" (n.º 16).
Notificado para alegar, veio o recorrente defender o que já tinha afirmado anteriormente, tendo concluído do seguinte modo:
"I - Vem o presente recurso interposto da decisão que operou a resolução do perdão anteriormente concedido ao arguido, ora recorrente.
II - Em primeiro lugar, anote-se que a decisão recorrida viola, e de forma flagrante, o princípio do contraditório, que é um dos princípios basilares do processo penal.
[...]
IX - Desta forma, o ora recorrente deveria ter sido notificado para se pronunciar no que concerne à promoção do Ministério Público.
X - Patenteia-se, portanto, e neste caso, uma violação do princípio do contraditório ínsito no n.º 5 do artigo 32.º da CRP.
XI - Por outro lado, está-se também em face de uma violação do artigo 18.º, n.º 3, da CRP.
XII - Com efeito, a decisão recorrida faz uma interpretação restritiva do artigo 11.º da Lei da Amnistia, esquecendo o seu espírito e a sua razão de ser.
XIII - A condição resolutiva tem apenas uma intenção dissuasora - a de evitar novos crimes.
XIV - Pelo que, e também por razões de justiça, há que interpretar o referido artigo 11.º no sentido de que o perdão só será revogado se o arguido cometer novos crimes após o trânsito da decisão aplicativa do perdão.
[...]
XVI - Assim, os três anos devem ter, como limite mínimo, o trânsito em julgado da decisão que aplicou o perdão.
XII - Sendo certo que, só a partir desse momento, seria legítimo exigir ao ora recorrente o comportamento previsto nessa norma.
[...]
XIX - Na verdade, aplicar a condição resolutiva, independentemente do momento em que foi proferida a decisão aplicativa do perdão, leva, consequentemente, a uma aplicação retroactiva da lei penal e, assim, à violação do artigo 18.º, n.º 3, da CRP.
[...]"
6 - Por sua vez, o Ministério Público contra-alegou, começando por defender "que o recorrente, nas alegações [...], imputa a inconstitucionalidade não à norma mas à própria decisão, o que implica, como é sabido, o não conhecimento do recurso".
Para o caso de não se entender como procedente a questão prévia suscitada, o Ministério Público, quanto à alegada violação do princípio do contraditório, afirma compreender-se que o recorrente não tenha sido notificado para se pronunciar, uma vez que "a decisão de declarar resolvido o perdão é quase tabelar", não concedendo a lei "qualquer margem de discricionariedade na decisão de declarar a resolução do perdão, uma vez verificados os factos que integram a condição [...]".
Quanto à invocada infracção do princípio da irretroactividade da lei penal, entende o Ministério Público que "a posição do recorrente, ao sustentar que o preenchimento da condição resolutiva do perdão através de crimes praticados anteriormente à aplicação do perdão traduzir-se-ia numa interpretação e aplicação retroactiva do artigo 11.º da Lei 15/94, parte do pressuposto de que o perdão nasce da decisão que o aplica e não directamente da lei". E acrescenta: "Assim, não havendo retroactividade, a interpretação do artigo 11.º da Lei 15/94 que foi acolhida na decisão recorrida não viola o disposto no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição".
7 - Tendo sido notificado para se pronunciar, querendo, sobre a questão do não conhecimento do recurso suscitado pelo Ministério Público, veio o recorrente afirmar "que, como é evidente, se imputa a inconstitucionalidade à norma, na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida, e não à decisão propriamente dita".
8 - Importa, antes de prosseguir, proceder à delimitação do objecto do recurso.
São duas as questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente.
A primeira reporta-se a uma alegada violação do princípio do contraditório, decorrente dos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição.
Esta inconstitucionalidade, tal como construída pelo recorrente, consistiria na lesão do citado princípio constitucional pela decisão que revogou o perdão, em aplicação do artigo 11.º da Lei 15/94, de 11 de Março, sem previamente ter sido notificado o arguido para se pronunciar. Por outras palavras, o recorrente questiona a constitucionalidade da decisão por violação do princípio do contraditório, e não de qualquer norma.
De resto, mesmo quando chamado a responder à questão prévia de não conhecimento do recurso suscitada pelo Ministério Público, o recorrente limitou-se a afirmar que "se imputa a inconstitucionalidade à norma, na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida", omitindo, todavia, qualquer identificação da norma à qual seria imputada a inconstitucionalidade.
Assim, não pode conhecer-se do recurso interposto na parte relativa à alegada violação do princípio do contraditório.
9 - Já quanto à segunda das questões suscitadas, o recorrente impugna uma determinada interpretação normativa atribuída ao artigo 11.º da Lei 15/94 pela decisão do 1.º Juízo Criminal do Funchal, e que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Com efeito, logo no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido afirmou que a "leitura restritiva e formalista" da referida disposição legal "conduziria a que este preceito produzisse efeitos retroactivos".
No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, na resposta ao convite para explicitar o sentido com que a norma reputada inconstitucional teria sido aplicada, bem como nas alegações apresentadas, o recorrente, embora com alguma hesitação terminológica, questiona efectivamente a constitucionalidade da norma extraída, por interpretação, do artigo 11.º da Lei 15/94, enquanto alegadamente conduziria à produção de efeitos retroactivos.
Não procede, pois, nesta parte, a questão do não conhecimento do recurso colocada pelo Ministério Público.
10 - O artigo 8.º da Lei 15/94, de 11 de Maio (amnistia de diversas infracções e outras medidas de clemência), determinou um perdão relativo às "infracções" praticadas até 16 de Março de 1994, inclusive", estabelecendo a alínea d) do seu n.º 1 a medida do perdão relativo às penas de prisão de "um ano em todas as penas de prisão, ou um sexto das penas de prisão até oito anos, ou um oitavo ou um ano e seis meses das penas de prisão de oito ou mais anos, consoante resulte mais favorável ao condenado".
O artigo 11.º da mesma lei dispõe:
"O perdão a que se refere a presente lei é concedido sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infracção dolosa nos três anos subsequentes à data da entrada em vigor da presente lei, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente acrescerá a pena ou parte da pena perdoada."
O sentido alegadamente inconstitucional com que foi interpretado e aplicado o artigo 11.º é o de que a condição resolutiva nele prevista se tem por verificada sempre que o condenado pratica uma infracção dolosa durante o período de três anos subsequente à data da entrada em vigor da lei (12 de Maio de 1994, cf. artigo 17.º), mesmo que tal infracção seja anterior à sentença que declara o perdão.
11 - Para o recorrente, é uma intenção dissuasora a que informa o artigo 11.º da Lei 15/94 (alegações, n.º 15, a fl. 471).
Por esse motivo, e ainda porque o perdão não produziria os seus "efeitos de forma imediata e automática, sendo necessária uma decisão judicial que aprecie as circunstâncias do caso concreto para determinar a aplicação desse perdão" (idem, n.º 16, ibidem), o prazo de três anos deveria contar-se a partir da publicação da lei, "mas tendo em conta, como limite temporal mínimo, o trânsito em julgado da decisão em que se aplicou o perdão" (idem, n.º 18, ibidem).
Interpretar o artigo 11.º de modo a permitir que opere a condição resolutiva em função do cometimento de infracções anterior ao "momento em que foi proferida a decisão aplicadora do perdão" "conduziria a uma aplicação retroactiva da lei e, desta forma, à manifesta violação do artigo 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa" (idem, n.º 21, a fl. 472).
12 - Afigura-se como evidente que não resulta da norma aplicada pelo tribunal a quo qualquer retroactividade da lei penal (cuja proibição decorre do artigo 29.º da Constituição, e não do n.º 3 do artigo 18.º).
Na verdade, o que estabelece a norma do artigo 11.º - de resto, interpretada declarativamente pela decisão recorrida - é a resolução do perdão se vier a ser praticada uma infracção dolosa durante um período de tempo de três anos, que é posterior à publicação da lei e que tem início no momento da sua entrada em vigor.
A revogação do perdão não implica qualquer retroactividade da lei, pela simples e linear razão de que a lei é anterior à prática dos factos que fazem operar a condição resolutiva.
Esta verificação permite, só por si, afastar a alegação de retroactividade, sem necessidade de demonstrar a falta de fundamento da tese, aduzida pelo recorrente, da natureza constitutiva da decisão que declara o perdão. Com efeito, o condenado não é surpreendido com a revogação do perdão, já que praticara os factos dolosos em causa em momento posterior à publicação e à entrada em vigor da lei que concede, sob condição resolutiva, o perdão em causa.
É assim irrelevante, para o efeito de saber se há ou não lesão do princípio da irretroactividade da lei penal, a circunstância de os crimes dolosos terem sido praticados antes ou depois da decisão que declarou perdoada a pena relativa ao crime praticado em 1992.
13 - De acordo com o disposto no artigo 79.º-C da Lei do Tribunal Constitucional, este Tribunal pode julgar inconstitucional uma norma cuja constitucionalidade foi questionada pelo recorrente, embora com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais por este não invocados.
Coloca-se o problema de saber se o regime previsto no artigo 11.º da Lei 15/94, de 11 de Maio, não virá a reservar um tratamento igual para situações fundamentalmente diferentes.
De acordo com a jurisprudência corrente do Tribunal Constitucional, as soluções normativas relativas às chamadas medidas de graça ou de clemência não estão subtraídas ao crivo do princípio da igualdade. Como se afirmou no Acórdão 444/97 (Diário da República, 2.ª série, de 22 de Julho de 1997) sobre a Lei 9/96, de 23 de Março, "o princípio de igualdade, tratando-se aqui da definição de direitos individuais perante o Estado, que pela amnistia, como pelo perdão, são alargados - como são restringidos pela aplicação das sanções -, impede desigualdades de tratamento".
A diferenciação de tratamento que por elas seja estabelecida não deve ser arbitrária, materialmente infundada ou irrazoável (cf. o Acórdão 42/95, Diário da República, 2.ª série, de 27 de Abril de 1995, a propósito da exclusão de certas infracções do âmbito do perdão de penas concedido pela Lei 15/94; v. também os Acórdãos n.os 152/95, Diário da República, 2.ª série, de 20 de Junho de 1995, e 160/96, não publicado, ambos sobre normas extraídas da mesma lei).
Por outro lado, situações substancialmente diferentes exigem um regime diverso. A desigualdade de tratamento para diferentes situações é ainda uma dimensão essencial do princípio da igualdade.
14 - Ao conceder um perdão sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infracção dolosa nos três anos subsequentes à data da entrada em vigor da lei, a norma impugnada estatui a resolução da medida de graça em função da prática de infracção dolosa, independentemente de esta prática ser ou não anterior à decisão judicial de aplicação do perdão.
São, pois, colocados em igualdade de circunstâncias os agentes que praticam factos dolosos após a aplicação judicial da lei que concede o perdão e aqueles outros que tinham já praticado factos dolosos em momento anterior à decisão judicial.
Na linha do que defende o recorrente, seria possível afirmar que a aplicação da condição resolutiva legalmente prevista aos casos em que os factos dolosos que a fazem operar são anteriores à decisão judicial faz esquecer a função preventiva, decorrente da ratio do artigo 11.º E tal esquecimento redundaria, afinal, no estabelecimento de um tratamento igual para situações substancialmente desiguais, com lesão do princípio da igualdade.
Todavia, tal linha de raciocínio não se afigura fundada. Na verdade, parece correcto descobrir no artigo 11.º a manifestação de uma ideia de prevenção. Mas não é correcto defender que a função preventiva da condição resolutiva só pode razoavelmente ser desempenhada a partir da decisão judicial. Bem ao contrário, a Lei 15/94, de 11 de Maio, ao declarar condicionalmente perdoadas determinadas penas, estabelece logo, com a publicidade inerente à sua publicação, que só poderá beneficiar do perdão quem se abstiver da prática ulterior de factos dolosos.
A finalidade preventiva obtém-se, pois, a partir da publicação e da entrada em vigor da lei. Deste modo, não sendo decisiva para este efeito a decisão judicial que declara perdoada a pena, é plenamente justificado o igual tratamento concedido aos agentes que vierem a praticar factos dolosos em momento anterior ou posterior à referida decisão judicial.
Consequentemente, conclui-se que a norma impugnada também não viola o princípio constitucional da igualdade.
Assim, decide-se:
a) Não conhecer do recurso interposto, na parte relativa à alegada violação do princípio do contraditório;
b) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 11.º da Lei 15/94, de 11 de Maio, confirmando-se o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 12 de Janeiro de 1999. - Maria dos Prazeres Beleza (relatora) - Messias Bento - José de Sousa e Brito - Alberto Tavares da Costa - Luís Nunes de Almeida.