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Acórdão 469/99/T, de 14 de Março

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Texto do documento

Acórdão 469/99/T.Const. - Processo 91/98. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - 1 - Manuel Dias de Barros Soares e outros propuseram, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, acção nos termos do artigo 69.º do Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho [Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA)], contra o presidente da Junta de Freguesia de Pedroso, concelho de Vila Nova de Gaia, pedindo que se lhes reconheça o direito de sepultarem a mãe no jazigo de sua propriedade sito no cemitério do Mosteiro de Pedroso, dado terem sido impedidos pelo demandado de o fazerem, momentos antes do funeral, sendo obrigados a enterrá-la provisoriamente em campa térrea do mesmo cemitério.

Alegaram, para o efeito, que os seus pais eram proprietários, por doação da avó materna de 3 de Outubro de 1967, desse jazigo, o qual está registado a favor daqueles.

Por despacho do Sr. Juiz de 26 de Junho de 1996, foi a petição liminarmente indeferida, por se entender não se verificar o pressuposto referido no n.º 2 do artigo 69.º da LPTA.

Interposto recurso jurisdicional desta decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 30 de Outubro de 1997, viria a negar provimento ao recurso, confirmando o anteriormente decidido.

Inconformado, Manuel Dias Barros Soares interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, esclarecendo - após oportuno cumprimento do disposto no artigo 75.º-A, n.os 1 e 5, deste diploma legal - ter sido o recurso interposto "com base na violação do preceituado nos artigos 2.º, 13.º, 20.º. 25.º, n.os 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa em face da aplicação do artigo 69.º do Decreto-Lei 267/85".

O recorrente alegou oportunamente, tendo formulado as seguintes conclusões:

"1.º Vem o presente recurso interposto para este venerando Tribunal da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, a qual na sua interpretação dada às normas dos artigos 2.º, 13.º, 20.º, 25.º e 268.º, n.os 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa fê-lo restritamente, deixando as partes abandonadas ao livre arbítrio da administração, fechando-lhe as portas à possibilidade de obterem protecção jurisdicional.

2.º Certa que é a existência de um contrato administrativo, ou seja, de um 'acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo' (artigo 178.º do Código do Procedimento Administrativo), daí há-de resultar a existência de uma concessão - autorização dada pela administração ao administrado para um determinado fim.

3.º Tal concessão não dá lugar a um direito de propriedade civil, mas a um direito que mais não é do que um direito subjectivo, 'uma faculdade de que dispõe uma pessoa, e que se destina, normalmente à realização de um interesse juridicamente relevante' (Dicionário Jurídico, Ana Prata, p. 197).

4.º Terá aquele uma protecção directa e imediata de tal modo que o particular tenha a faculdade de exigir à administração um comportamento que satisfaça plenamente o seu interesse privado. Assim, como defende o Prof. Freitas do Amaral (in Direito Administrativo, vol. II, p. 97), 'há portanto um verdadeiro direito à satisfação do interesse próprio'.

5.º Poder-se-ão destacar entre outros mecanismos, para além do princípio da legalidade, os que mais interessam para o caso sub iudice:

a) Abertura aos particulares de uma via contenciosa não fundada em ilegalidade, para obter o reconhecimento de um direito subjectivo;

b) Imposição de dever de fundamentar em relação aos actos administrativos que afectem directamente os direitos subjectivos dos particulares.

6.º A Constituição da República Portuguesa, na sua nova redacção introduzida pela Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro, veio garantir, expressamente, no n.º 4 do artigo 268.º, 'aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos [...], incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos [...], [para além] da impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem', numa demonstração da intenção do legislador constitucional de ir mais além, na protecção, nomeadamente, dos direitos subjectivos do administrado.

7.º Redundou a decisão ora recorrida numa clara e flagrante violação ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, plasmado no artigo 20.º da nossa lei fundamental, conquanto sonegou ao particular e administrado a possibilidade de uma real e efectiva tutela dos direitos em apreço, porque o tribunal a quo furtou-se a conhecer da matéria do pretérito pleito alegando ter sido mais correcta a impugnação do acto administrativo então praticado.

8.º Olvidou, contudo, outra regra importante, também ela expendida a nível constitucional: a obtenção de uma 'tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos' (n.º 5 do supracitado artigo e diploma legal), já que o ora recorrente intentou acção de reconhecimento do direito uma vez que era aquele o meio mais expedito e abrangente de conseguir uma tutela efectiva do seu direito.

9.º Isto porque, para além de poder obter a confirmação da existência e precisos termos do seu direito, igualmente alcançaria um precioso e inestimável instrumento que lhe permitiria obstar a novas investidas da Administração, porque, muito embora o recurso administrativo contencioso conduza à retirada de eficácia, logo de executoriedade, do acto administrativo, repondo, por conseguinte, a situação jurídica existente in illo tempore, não adviriam daí garantias para o administrado de que a posteriori voltasse a ser praticado acto de igual conteúdo.

10.º Seria, assim, e em nossa modesta opinião, a solução por nós preconizada e aplicada a que melhor responderia às necessidades então existentes.

11.º Importa, também, a questão da fundamentação do acto jurídico, conquanto a falta desta afecta um dos direitos e garantias dos administrados, constitucionalmente previstos, mormente por via do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa.

12.º Determinam os artigos 123.º, n.º 1, alínea d), e 124.º, n.º 1, alíneas a) e e) do Código do Procedimento Administrativo a obrigatoriedade de fundamentação, conquanto constitui aquela elemento essencial do acto administrativo, e na medida em que foi negado e afectado um direito legalmente protegido, que por sua vez imbrincou na essencialidade de um acto administrativo anterior, qual seja a concessão administrativa.

13.º Outrossim, e muito embora após a morte o cadáver deixe de ser havido como pessoa jurídica entende-se 'dever ser atribuído ao cadáver um estatuto próprio, que o distinga de algum modo das coisas em geral [uma vez que] estas nunca foram senão coisas, mas o cadáver foi já pessoa, daí que [...] a sensibilidade dos juristas não possa ficar indiferente' (Prof. Penha Gonçalves, in Teoria Geral do Direito Civil, 1991, p. 134).

14.º De igual forma, também, a Constituição da República Portuguesa concede a esta matéria alguma importância, conquanto prevê, no seu artigo 25.º, que 'a integridade moral e física das pessoas é inviolável', a qual se prolongará, inquestionavelmente, mesmo para além da morte.

15.º Ora, inferimos da conduta do órgão da Administração em causa, um total e inqualificável desprezo por tais direitos, olvidando até da existência de uma última vontade legítima do de cuius, impondo a sua vontade arbitrária à daquele.

16.º Também o tribunal a quo, indirectamente, o fez, na medida em que impossibilitou uma defesa intransigente do direito para o qual se buscava tutela jurisdicional.

17.º Existiu, também, uma violação ao princípio da igualdade, consagrado inconstitucionalidade máxime no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que havia já sido anteriormente efectuada inumação de uma outra pessoa falecida naquele jazigo de família, que por sinal, era marido da de cuius.

18.º Não se compreende, assim, como se permite tal acto, vindo posteriormente a impossibilitar o enterro de quem, legalmente, detinha legitimidade para haver sucedido na posição do cessionário original.

19.º Ora, este princípio constitucional não funciona por forma geral e abstracta, mas perante situações ou termos de comparação que devam reputar-se concretamente iguais (parecer 32/82, de 16 de Setembro, in Pareceres, V, p. 73).

20.º Com tal decisão violou, ainda, aquele órgão administrativo o princípio da separação de poderes acolhido, actualmente, no artigo 2.º da lei fundamental.

21.º Indubitavelmente, qualquer órgão administrativo que fundamente uma sua decisão num processo judicial pendente, ou seja, com decisão não transitada em julgado, estará a imiscuir-se no domínio das funções jurisdicionais, antecipando uma decisão, conquanto acaba por, ainda que indirectamente, a proferir, podendo ainda vir a influenciar o Tribunal na tomada da mesma.

22.º Também o tribunal a quo, indirectamente, permitiu tal violação na medida em que nada fez para fazer valer os direitos que se arrogavam.

23.º Existe, pelo exposto, violação dos princípios constitucionais vertidos nos artigos 2.º, 13.º, 20.º, 25.º e 268.º, n.os 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa, como resultado da aplicabilidade do artigo 69.º do Decreto-Lei 267/85."

Contra-alegou a Junta de Freguesia de Pedroso, o que fez no sentido da confirmação do acórdão recorrido por nele não surpreender qualquer vício de constitucionalidade.

Cumpre apreciar e decidir.

II - 1 - A norma impugnada é a do artigo 69.º da LPTA, que dispõe o seguinte:

"1 - As acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido podem ser propostas a todo o tempo, salvo o disposto em lei especial, por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer.

2 - As acções só podem ser propostas quando os restantes meios contenciosos, incluindo os relativos à execução da sentença, não assegurem a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa."

Delimitando o objecto do recurso, conclui-se estar apenas em causa a norma do n.º 2 do artigo 69.º como, de resto, sublinha o acórdão recorrido ao considerar constituir o thema decidendum a questão da natureza e do alcance do meio processual previsto nesse n.º 2, e, concretamente, da subsistência ou não, após a revisão constitucional de 1989, da regra nele contida.

2 - Entendeu o Supremo que o meio processual previsto no n.º 2 do artigo 69.º da LPTA não constitui meio alternativo, nem tão-pouco residual, do recurso contencioso de acto administrativo que defina a situação jurídica do administrado, antes se configurando como meio complementar de defesa contenciosa, face a condutas consideradas lesivas de direitos ou interesses protegidos. Nesta tese, à acção de reconhecimento de direito ou interesse legítimo prevista naquela normação só será legítimo recorrer quando só por seu intermédio seja possível obter efeitos não susceptíveis de se alcançarem pelos restantes meios contenciosos.

A esta luz, o mencionado meio processual é, em si, portador de complementaridade, de modo tal que a sua utilização só adquire justificação quando os restantes meios contenciosos, nomeadamente o recurso contencioso de anulação, não constituam uma eficaz e efectiva tutela dos direitos ou interesses em causa.

A plenitude de garantia jurisdicional administrativa - destinada a evitar que o particular fique desprovido de um meio processual adequado perante uma qualquer lesão ou risco de lesão de direitos ou interesses legítimos, como se escreveu no aresto recorrido, com apoio da jurisprudência existente sobre a matéria - compatibilizando-se com o reforço do princípio da accionabilidade consagrado no n.º 5 do artigo 268.º da Constituição da República, nem por isso significa que se prescinda de averiguar se, no regime legal do contencioso de anulação, não está efectivamente assegurada a tutela jurisdicional do direito ou interesse em questão.

Ora, a este propósito, considerou-se no acórdão sob recurso:

"O que os AA., ora recorrentes, visavam com a instauração da acção era, segundo os seus próprios termos, o reconhecimento do direito a sepultarem a sua mãe no jazigo [...] sua propriedade, dado terem sido impedidos, por determinação autoritária do réu, ora recorrido, momentos antes do [...] funeral, de a sepultarem no referido jazigo, sendo obrigados a sepultá-la provisoriamente numa campa térrea desse cemitério.

Ora, é inequívoco que eles poderiam ter impugnado contenciosamente o acto de recusa do presidente da Junta de Freguesia que, no exercício de poderes de autoridade administrativa, os impediu de sepultar a sua mãe no referido jazigo, acto cuja fundamentação foi posteriormente remetida aos recorrentes, a pedido destes, e que, através dessa impugnação, e da respectiva execução da sentença anulatória, teriam obtido a tutela efectiva do direito ou interesse que se arrogam.

Nada releva, em contrário, o facto de se tratar de um acto oral, aliás confirmado e fundamentado a posteriori pelo seu autor, por escrito, e a pedido dos recorrentes, pois que tal categoria de acto administrativo (acto oral) é legalmente admissível (cf. Acórdão do STA de 18 de Janeiro de 1973, Acórdãos Doutrinais, n.º 138, p. 805).

O CPA, prevendo, como regra, a forma escrita e impondo-a como obrigatória para os actos dos órgãos colegiais, não exclui que o acto administrativo possa assumir 'outra forma' designadamente quando ela seja 'prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstância do acto' (artigo 122.º), dispondo o artigo 126.º sobre a fundamentação de actos orais.

Não deixou pois o acto aqui em causa de se traduzir num acto administrativo, ou seja, 'acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração, no exercício do poder administrativo, e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto' (Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. III, p. 66).

Acto administrativo, pois, gerador de efeitos jurídicos externos, e directa e imediatamente lesivo dos direitos ou interesses dos recorrentes, enquanto portadores de um interesse pessoal, directo e relevante, por ele afectado e posto em causa.

Acto administrativo, aliás, logo executado, pelo que nem sequer se coloca a questão da sua executoriedade.

Os recorrentes, em suma, outra coisa não pretendem que não seja a anulação do acto de recusa imputado ao presidente da Junta de Freguesia de Pedroso, que reputam de ilegal, em ordem a poderem executar aquilo que tal acto de recusa lhes denegou - sepultarem a sua mãe no identificado jazigo.

Acto que, nos termos das suas próprias alegações, é ilegal por ser 'estranho às atribuições e competências da Junta de Freguesia ou do seu presidente', e por ter sido 'notificado oralmente' e 'carecendo totalmente de forma legal e fundamentação', vícios do acto, cuja apreciação caberia naturalmente em sede de recurso contensioso.

Bem andou pois a decisão agravada, ao decidir que, no caso sub judice, não pode o A. vir utilizar o meio de acção de reconhecimento de direito, quando exista um acto administrativo, do qual podia ter recorrido e, sendo que se o acto fosse anulado, obteria o que aqui pretende, em sede de execução de sentença daquele recurso."

3 - Circunscrito o objecto do presente recurso de constitucionalidade à norma, do artigo 69.º da LPTA, dir-se-ia, ao menos numa primeira aproximação, estar colocada uma questão que exorbita da competência deste Tribunal, limitada que é esta ao julgamento de questões de inconstitucionalidade de normas jurídicas, estando-lhe subtraída a apreciação de decisões judiciais, em si mesmas consideradas, em que se pretende reponderar eventuais erros de julgamento ou uma qualificação de matéria de facto alegadamente errada.

Na verdade, e de acordo com a jurisprudência sedimentada deste Tribunal, ao sistema de fiscalização de constitucionalidade escapam as decisões judiciais, os actos administrativos propriamente ditos e os "actos de Governo" em, sentido estrito ou "actos políticos" - como se exprimiu o Acórdão 353/86, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Abril de 1987 - onde não se exerce o controlo normativo a que se reporta este tipo de recurso.

Neste sentido apontam, na verdade, várias das conclusões que pretendem "condensar" as alegações oportunamente apresentadas pelo recorrente: a decisão recorrida terá violado, "clara e flagrantemente", o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, plasmado no artigo 20.º da Constituição da República, na medida em que se furtou a conhecer da matéria "do pretérito pleito alegando ter sido mais correcta a impugnação do acto administrativo então praticado" (cf. a conclusão 7.ª); assim decidindo, impediu o administrado de utilizar o meio processual que melhor responderia às necessidades existentes.

Não é este o entendimento professado pelo recorrente, ouvido sobre este específico aspecto: como, na oportunidade enfatizou, "o recurso visa a violação do preceituado nos artigos 2.º, 13.º, 20.º, 25.º, n.os 3 e 4 [terá querido escrever 25.º e 268.º, n.os 3 e 4], da Constituição da República Portuguesa em face da aplicação do artigo 69.º do Decreto-Lei 267/85."

No fundo, e porque se está, indubitavelmente, perante mais um caso de fronteira, onde a linha de demarcação entre norma e decisão não se recorta com facilidade, admite-se estar em causa um controlo normativo, o de uma interpretação que bule com a propriedade ou a impropriedade do meio escolhido pelo recorrente, com indesmentível projecção no direito de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos, na vertente da acção para o reconhecimento desses direitos ou interesses, prevista no citado artigo 69.º

A esta luz, a interpretação dada pelo acórdão recorrido fecharia caminho a um dos previstos meios de tutela positiva dos direitos dos administrados perante a Administração, prestando à correspondente valoração um conteúdo normativo constitucionalmente sindicável.

É como tal que se conhecerá do objecto do recurso.

4 - O Tribunal Constitucional, perante o texto constitucional do n.º 5 do artigo 268.º - na redacção oriunda da Lei Constitucional 1/89, de 8 de Julho - ponderou não poder afirmar-se que o legislador constitucional tenha pretendido uma duplicação dos mecanismos contenciosos utilizáveis. Com efeito, escreve-se no Acórdão 435/98 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 10 de Dezembro de 1998), o que decorre do preceito é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente, nesta total abrangência da tutela jurisdicional, traduzindo-se a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados. O que não significa garantia de duplicação ou de alternatividade de meios processuais de reacção a uma dada actuação da Administração.

Como então se adiantou "não decorre do n.º 5 do artigo 268.º da Constituição a exigência da admissibilidade da acção para o reconhecimento de um direito quando o particular possa interpor recurso de anulação, precisamente porque este mecanismo processual se mostra adequado à tutela do seu direito, pretensamente lesado pela actuação da Administração (estará assim assegurada a plenitude da garantia jurisdicional dos administrados, por via do recurso de anulação)".

Orientação semelhante foi, também, a professada pelo Acórdão 452/95 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 21 de Novembro de 1995).

Adoptou-se, então, com o suporte teórico e argumentativo na ocasião desenvolvido, uma interpretação da norma sindicanda - a do n.º 2 do artigo 69.º da LPTA - correspondente à chamada teoria do alcance médio da acção para o reconhecimento de um direito ou de um interesse legítimo, nos termos do qual este meio processual assume um carácter complementar dos outros meios processuais, e não um carácter puramente residual, como entende a teoria do alcance mínimo, utilizável apenas quando não exista, em abstracto, no ordenamento processual, outro meio à disposição do particular para obter uma tutela eficaz da sua posição jurídica, nem um carácter funcional, como defende a teoria do alcance máximo, que admite a utilização do referido instrumento processual sempre que o contencioso de anulação ou os outros meios não fornecessem em concreto ao particular uma protecção máxima.

5 - Com a revisão introduzida pela Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro, o n.º 4 do artigo 268.º passou a ficar redigido de modo a garantir aos administrados "tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas".

No entanto, e como se frisou em recente Acórdão deste Tribunal n.º 105/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 15 de Maio último, não se vê que deva concluir-se hoje diferentemente ao decidido nos Acórdãos n.os 425/95 e 435/98, citados, no que diz respeito às acções para o reconhecimento de um direito ou interesses legalmente protegidos.

De facto, como aí se escreveu, o que o preceito constitucional, na sua actual versão, pretendeu deixar claro foi que "o princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa - a mais do que obrigar o legislador a regular o clássico direito ao recurso contencioso contra actos administrativos; e, bem assim, o direito de acesso à justiça administrativa para tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos (nomeadamente das acções para o reconhecimento desses direitos ou interesses) - obriga-o a prever meios processuais que permitam ao administrado exigir da Administração a prática de actos administrativos legalmente devidos (acções cominatórias) e, quando for o caso, lançar mão de medidas cautelares adequadas".

"É que [acrescenta-se] tudo são manifestações (concretizações) do direito de acesso aos tribunais para defesa, por banda dos administrados, dos 'seus direitos e interesses legalmente protegidos', como dispõe o n.º 1 do artigo 20.º da Constituição."

Ora, à luz das considerações expostas - que o citado acórdão desenvolve - a norma sub judicio - a do n.º 2 do artigo 69.º da LPTA - estabelece um pressuposto processual, versando, assim, sobre processo administrativo. Por isso, conclui-se "ela só seria inconstitucional se, com o estabelecimento desse pressuposto, tornasse impossível ou particularmente onerosa a defesa contenciosa dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares. Sê-lo-ia porque, num tal caso, violaria a garantia de acesso à via judiciária (recte à justiça administrativa)".

O pressuposto funciona, assim "como instrumento de racionalização do acesso à via judiciária e não impede, nem torna particularmente onerosa, a defesa jurisdicional dos direitos".

6 - No caso vertente, a idêntica conclusão se chega.

Como se sublinhou em termos inequívocos no acórdão recorrido, nada impedia os recorrentes de impugnar contenciosamente o acto de recusa do presidente da Junta de Freguesia e, por essa via, obter a tutela efectiva do direito por eles arrogado, designadamente com a respectiva execução da sentença anulatória obtida.

A tutela jurisdicional efectiva, nas circunstâncias do caso concreto, sempre teria lugar se utilizado o meio adequado - e este, traduzido na impugnação contenciosa do acto de recusa, posteriormente fundamentado a solicitação dos próprios interessados, esteve ao alcance destes, uma vez que lhes bastava impugnar, em tempo, o referido acto e, se necessário, em seguida instaurar a respectiva execução da sentença anulatória.

A apreciação do concreto caso compatibiliza-se, por conseguinte, com as considerações expendidas no citado Acórdão 105/99, que reconheceram, na norma do n.º 2 do artigo 69.º, um pressuposto processual que funciona como instrumento de racionalização do acesso à via judiciária, não lhe surpreendendo, como tal, vício de inconstitucionalidade algum - nomeadamente face aos convocados preceitos da lei fundamental.

III - Em face do exposto. decide-se:

a) Negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, o acórdão recorrido no que à matéria de constitucionalidade respeita;

b) Condenar os recorrentes nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.

Lisboa, 14 de Julho 1999. - Alberto Tavares da Costa (relator) - Maria dos Prazeres Beleza - Messias Bento - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1761891.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-16 - Decreto-Lei 267/85 - Ministério da Justiça

    Aprova a lei de processo nos tribunais administrativos.

  • Tem documento Em vigor 1989-07-08 - Lei Constitucional 1/89 - Assembleia da República

    Segunda revisão da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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