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Acórdão 123/2004, de 30 de Março

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 7.º(Competência Territorial) do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, que estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados. (Proc. nº 923/03)

Texto do documento

Acórdão 123/2004
Processo 923/03
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:
I - Pedido
1 - O procurador-geral-adjunto em funções no Tribunal Constitucional veio, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 82.º da Lei do Tribunal Constitucional, requerer a apreciação e declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 7.º do Decreto-Lei 218/99, de 15 de Junho.

2 - A norma que constitui o objecto do pedido dispõe como segue:
"Artigo 7.º
Competência territorial
As acções previstas no presente diploma devem ser propostas no tribunal da sede da entidade credora.»

O pedido formulado fundamenta-se na circunstância de a norma referida ter sido julgada inconstitucional, pelo Tribunal, em três casos concretos.

Os casos concretos em que tal norma foi julgada inconstitucional são os decididos pelo Acórdão 58/2003 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 92, de 19 de Abril de 2003, a pp. 6024 e segs.), pelo Acórdão 233/2003 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) e pela decisão sumária n.º 247/2003 (inédita). Em todas essas decisões se considerou que a norma em causa violava o artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição da República.

3 - Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro ofereceu o merecimento dos autos e requereu ao Tribunal que - na hipótese de a norma em questão vir a ser declarada inconstitucional com força obrigatória geral - tivesse em especial consideração "razões imperativas de segurança jurídica e de interesse público, no sentido de fixar temporalmente os efeitos da decisão, reportando-os à data da publicação do respectivo acórdão, com ressalva das situações litigiosas pendentes, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição».

4 - Apresentado o memorando pelo Presidente do Tribunal, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, foi o mesmo discutido e definida a orientação do Tribunal, tendo o processo sido distribuído à relatora para a elaboração do acórdão, ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 2, parte final, da mesma lei.

Cumpre agora apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5 - O Decreto-Lei 218/99, de 15 de Junho, em que se insere a norma questionada no presente processo, foi aprovado pelo Governo ao abrigo da sua competência legislativa própria [artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição] e, portanto, sem precedência de autorização legislativa parlamentar.

A questão de inconstitucionalidade orgânica suscitada exige que o Tribunal averigúe se tal autorização era necessária, uma vez que a Constituição inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República as matérias atinentes à "competência dos tribunais» [primeira parte da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º].

6 - Nas decisões fundamento do pedido, o Tribunal Constitucional deu resposta afirmativa à pergunta colocada.

No Acórdão 58/2003, o Tribunal analisou a referida questão, nos seguintes termos:

"A resposta à questão da eventual violação do preceito da primeira parte da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição pela norma que constitui o objecto do presente recurso implica a análise do carácter inovatório desta mesma norma face à norma do Código de Processo Civil que seria potencialmente aplicável na determinação do foro territorialmente competente para a acção de que emergiram os presentes autos.

Tal carácter inovatório corresponde ao critério de aferição da conformidade constitucional seguido no Acórdão deste Tribunal n.º 376/96, de 6 de Março (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 160, de 12 de Julho de 1996, a p. 9416), no qual se observou o seguinte, a propósito da norma do artigo 10.º do (revogado) Decreto-Lei 194/92, de 8 de Setembro, relativa ao foro competente para a execução:

'[...] se bem se atentar, tal norma, comparativamente com aqueloutra constante do artigo 94.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e tendo por referência o disposto no artigo 774.º do Código Civil, não veio estabelecer, de per si, uma regra diferente no tocante à competência territorial do tribunal caso o credor esteja munido de um qualquer título dotado de força executiva que não o decorrente de sentença judicial [...]'

No caso da norma que constitui o objecto do presente recurso, considerou o tribunal recorrido que ela inova relativamente à norma que, na sua falta, se aplicaria à acção intentada pelo ora recorrido: a norma do artigo 74.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (reguladora da competência territorial para a acção destinada a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco). E inova, porque a norma que constitui o objecto do presente recurso estabelece como territorialmente competente o tribunal da sede da entidade credora e a norma do artigo 74.º, n.º 2, do Código de Processo Civil estabelece como territorialmente competente o tribunal do lugar onde o facto ocorreu.

Sustenta o representante do Ministério Público neste Tribunal [...] que para dirimir a questão de constitucionalidade ora em apreço seria essencial tomar posição sobre a natureza da acção proposta e identificar a respectiva causa de pedir, atendendo a que, caso ela se enquadrasse na previsão do artigo 74.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (preceito que regula a competência territorial para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento), nenhuma inovação substancial, relativamente a tal preceito, representaria a norma do artigo 7.º do Decreto-Lei 218/99, de 15 de Junho, impondo-se, consequentemente, a conclusão da não inconstitucionalidade desta norma.

Todavia, afigura-se que, independentemente da posição que se adopte acerca da precisa natureza da acção dos autos e dos concretos elementos constitutivos da respectiva causa de pedir, a circunstância de se tratar de uma acção destinada a exigir o pagamento de uma indemnização por serviços prestados a uma vítima de acidente de viação, sem que entre o autor e o réu tivesse sido previamente celebrado qualquer contrato e sem que o réu se tivesse, de algum modo, obrigado em virtude de negócio jurídico [...], sempre redundaria na impossibilidade de aplicação do disposto no artigo 74.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dado que este preceito tem em vista a responsabilidade contratual ou, eventualmente, a responsabilidade emergente de negócio jurídico em sentido amplo.

Portanto, se a norma que constitui o objecto do presente recurso não estivesse em vigor, ao intérprete apenas restaria a opção entre o critério estabelecido no já mencionado artigo 74.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (lugar onde o facto ocorreu) - que foi aquele que na decisão recorrida se considerou potencialmente aplicável - e, caso se considerasse que a responsabilidade do réu dos presentes autos não deriva de facto ilícito nem se funda no risco, o critério geral consagrado no artigo 85.º, n.º 1, do mesmo Código (domicílio do réu).

Ora, optando-se por um ou por outro destes critérios, a solução seria sempre diversa daquela a que se chega pela aplicação do artigo 7.º do Decreto-Lei 218/99, de 15 de Junho, pois que este preceito estabelece como critério de aferição da competência em razão do território o da sede da entidade credora.

Conclui-se, assim, que este preceito inova relativamente à norma do Código de Processo Civil que seria potencialmente aplicável na determinação do foro territorialmente competente para a acção de que emergiram os presentes autos, pelo que infringe o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição.»

7 - Conclui-se, assim, pelas razões constantes das decisões fundamento, para as quais se remete, no sentido da inconstitucionalidade da norma do artigo 7.º do Decreto-Lei 218/99, de 15 de Junho, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição da República Portuguesa.

Na verdade, da norma em causa resulta que, sejam quais forem os contornos da acção proposta, sempre a competência do Tribunal terá de aferir-se em função de critério diverso dos estabelecidos no Código de Processo Civil - o critério da localização da "sede da entidade credora» e portanto em função de um critério inovatório.

Nem pode objectar-se a tal conclusão que a norma do artigo 7.º do Decreto-Lei 218/99 retoma a solução que constava do artigo 10.º do Decreto-Lei 194/92, de 8 de Setembro, por ele revogado. É que o novo diploma veio alterar todo o sistema de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados. Assim, enquanto o artigo 10.º do Decreto-Lei 194/92 definia o foro competente para a execução das certidões de dívidas emitidas pelos hospitais, o artigo 7.º do Decreto-Lei 218/99, aqui questionado, estabelece a regra de competência territorial para as acções previstas no diploma, que são acções declarativas.

8 - A presente inconstitucionalidade tem repercussões ao nível da definição dos tribunais territorialmente competentes para as acções de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde e, se viesse a produzir efeitos sobre os processos ainda pendentes, originaria grande perturbação no funcionamento dos tribunais e no andamento dos próprios processos, pois exigiria, em cada caso, a determinação do tribunal territorialmente competente e, posteriormente, a remessa dos autos para o tribunal em questão.

Assim sendo, razões de segurança jurídica e de interesse público de excepcional relevo justificam que os efeitos da inconstitucionalidade se produzam, não ex tunc, mas sim, e tão-só, para o futuro, isto é, a partir da publicação do respectivo acórdão no jornal oficial (nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição), exceptuando-se, porém, os processos pendentes em que tenha sido ou seja ainda possível arguir a incompetência relativa do tribunal, nos termos da legislação processual aplicável.

III - Decisão
9 - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 7.º do Decreto-Lei 218/99, de 15 de Junho;

b) Limitar os efeitos da inconstitucionalidade de modo que essa inconstitucionalidade só produza efeitos após a publicação do presente acórdão no Diário da República, exceptuando-se, porém, os processos pendentes em que tenha sido ou seja ainda possível arguir a incompetência relativa do Tribunal, nos termos da legislação processual aplicável.

Lisboa, 2 de Março de 2004. - Maria Helena Brito - Benjamim Rodrigues - Vítor Gomes - Artur Maurício - Rui Moura Ramos - Gil Galvão - Maria Fernanda Palma - Mário Torres - Pamplona de Oliveira - Bravo Serra - Paulo Mota Pinto - Maria dos Prazeres Beleza - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/170479.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1992-09-08 - Decreto-Lei 194/92 - Ministério da Saúde

    REGULA A COBRANCA DE DÍVIDAS POR PARTE DAS INSTITUIÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS, INTEGRADOS NO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE. ESTABELECE AS CONDICOES DE EXECUÇÃO DAS CERTIDOES DE DÍVIDA COMO TÍTULOS EXECUTIVOS. O DISPOSTO NO PRESENTE DIPLOMA APLICA-SE A TODAS AS DÍVIDAS NAO PRESCRITAS A DATA DA SUA ENTRADA EM VIGOR, OU SEJA 30 DIAS APOS A DATA DA SUA PUBLICAÇÃO.

  • Tem documento Em vigor 1999-06-15 - Decreto-Lei 218/99 - Ministério da Saúde

    Estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2009-05-13 - Acórdão do Tribunal Constitucional 185/2009 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de Julho (aprova o regime jurídico da gestão sustentável dos recursos cinegéticos e os princípios reguladores da actividade cinegética e da administração da caça na Região Autónoma dos Açores) (Proc. nº 807/08).

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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