Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2004
A proibição do trabalho de menores em idade escolar, constitucionalmente consagrada como direito fundamental no n.º 3 do artigo 69.º da Constituição da República Portuguesa, constitui um elemento essencial do combate contra a discriminação e a opressão sobre as crianças e os jovens, nomeadamente as formas de violência física e psíquica, e contra a exploração económica e social de que são muitas vezes alvo.
Portugal transpôs, entretanto, para o seu ordenamento jurídico a legislação comunitária aplicável neste domínio e ratificou as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) especificamente dirigidas ao trabalho infantil, nomeadamente a Convenção n.º 138, sobre a idade mínima legal de admissão no mercado de trabalho, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 11/98, de 19 de Março, e a Convenção n.º 182, sobre a interdição e a eliminação das piores formas de trabalho infantil, ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 47/2000, de 1 de Junho.
No seu Programa, o XV Governo Constitucional definiu como uma das medidas prioritárias da sua acção o reforço do enquadramento legal e regulamentar, bem como dos meios necessários para uma execução efectiva da política de combate à exploração do trabalho infantil.
O Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, e a legislação que o regulamenta, actualmente em processo de adopção, vem concretizar o objectivo de reforço do enquadramento legal e regulamentar acima referido.
Tendo cessado em 31 de Dezembro de 2003 a vigência do Plano para Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PEETI), inicialmente criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/98, de 2 de Julho, e cujo horizonte temporal foi posteriormente alargado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2000, de 13 de Janeiro, impõe-se dar cumprimento ao objectivo de reforço dos meios necessários para uma execução de uma política efectiva de combate à exploração do trabalho infantil.
A acção desenvolvida pelo PEETI ao longo dos últimos anos, reconhecida como singular no contexto internacional, permitiu já criar parcerias efectivas e dinâmicas com diferentes agentes, públicos e privados, contribuindo não apenas para o aumento da visibilidade do combate à exploração do trabalho infantil mas também para a execução de uma estratégia de inclusão social de jovens e crianças desfavorecidos, através de um conjunto de respostas de educação e formação, sustentadas numa metodologia de regulação próxima, que têm sido instrumentos de combate ao abandono escolar precoce e à inserção, também precoce, no mundo do trabalho.
Torna-se agora necessário reforçar a componente preventiva da política de combate à exploração do trabalho infantil, através da adopção de mecanismos de encaminhamento dos menores em situação de trabalho infantil para medidas educativas e formativas que lhes permitam concluir a escolaridade obrigatória, e, se possível, adquirir formação profissional, obtendo, assim, condições adequadas de trabalho num futuro próximo.
Naturalmente, o reforço da componente preventiva não deve deixar perder de vista a necessidade de intensificar a função reparadora, permitindo dessa forma a minoração dos efeitos nocivos da incursão prematura no mundo do trabalho infantil e possibilitando a obtenção de condições individuais para a inserção legal no mercado de trabalho.
Nesse sentido apontam as avaliações realizadas no âmbito do Conselho Nacional contra a Exploração do Trabalho Infantil (CNCETI) e pelo grupo de trabalho criado pelo despacho conjunto 9/2003, dos Ministros da Educação e da Segurança Social e do Trabalho, de 6 de Dezembro de 2002, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Janeiro de 2003, ao defenderem o alargamento e a flexibilização das respostas aos casos de abandono escolar motivados pela exploração do trabalho infantil ou por outras formas de exploração de menores, nomeadamente nas formas consideradas intoleráveis pela Convenção n.º 182 da OIT, privilegiando e reforçando o papel da escola.
Na mesma linha aponta também o despacho conjunto 948/2003, dos Ministros da Educação e da Segurança Social e do Trabalho, de 25 de Agosto, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Setembro de 2003, ao sublinhar a importância dos Programas Integrados de Educação e Formação (PIEF), caracterizados por duas vertentes fundamentais: a vertente educativa e formativa, centrada no reingresso escolar e na definição de percursos alternativos de educação e formação, visando a escolaridade ou a dupla certificação escolar e profissional, e a vertente de integração, orientada para a despistagem de situações e para a disponibilização de respostas de ordem social e económica, para a inserção em actividades de formação não escolar, de ocupação e desenvolvimento vocacional, de orientação e de desporto escolar.
Tendo a consciência das enormes dificuldades que diariamente se nos colocam no combate às situações de trabalho infantil e às razões que estão na sua origem, entende o Governo, no contexto de uma política integrada de infância e juventude, dever apostar numa política de prevenção que contribua decididamente para o combate à exploração do trabalho infantil e que crie condições para uma transição pacífica entre a escola e o trabalho, no respeito da Constituição e do quadro legal internacional a que Portugal se vinculou.
Neste contexto, justifica-se proceder à redefinição das funções e dos objectivos prosseguidos pelo PEETI e, bem assim, da sua estrutura, por forma a aumentar a eficácia da execução da política de combate ao trabalho infantil no nosso país.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - O Programa para Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PETI) sucede ao Plano para Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PEETI) como uma estrutura de projecto a funcionar na dependência do Ministro da Segurança Social e do Trabalho, com a faculdade de subdelegação.
2 - Compete ao PETI:
a) Dinamizar e coordenar acções de divulgação e de informação sobre a promoção e protecção dos direitos dos menores junto dos pais e encarregados de educação, dos estabelecimentos de educação e de ensino, dos empregadores e da opinião pública em geral, com vista à prevenção da exploração do trabalho infantil;
b) Estabelecer acordos de cooperação institucional com outras entidades, designadamente as autarquias locais, sempre que o diagnóstico das necessidades das crianças e dos jovens em risco justifique a execução de acções conjuntas para a prevenção da exploração do trabalho infantil;
c) Desenvolver acções específicas de prevenção da exploração de trabalho infantil nas formas consideradas intoleráveis pela Convenção n.º 182 da OIT;
d) Divulgar as medidas educativas e formativas promovidas, realizadas ou apoiadas pelos organismos dos Ministérios da Educação e da Segurança Social e do Trabalho, nomeadamente os Programas Integrados de Educação e Formação (PIEF), em todas as regiões onde o diagnóstico de necessidades das crianças e jovens em risco o justifique;
e) Dinamizar e coordenar a constituição de parcerias locais que progressivamente assumam a responsabilidade pela coordenação e execução das respostas consideradas necessárias para a protecção de crianças e jovens em perigo e para a prevenção da exploração do trabalho infantil;
f) Dar visibilidade às boas práticas e promover o intercâmbio de experiências, designadamente através de página da Internet, meios de comunicação social, jornais escolares e de um boletim informativo bimestral, destinado à comunidade, aos pais e encarregados de educação, aos estabelecimentos de educação e de ensino e aos parceiros institucionais e privados;
g) Promover a articulação com os serviços inspectivos do Ministério da Segurança Social e do Trabalho, assim como com os serviços inspectivos de outros ministérios, nomeadamente a Inspecção-Geral da Educação, na identificação de situações de exploração de trabalho infantil.
3 - Compete, em particular, ao PETI, no âmbito do desenvolvimento dos PIEF:
a) Assegurar a coordenação dos PIEF ao nível nacional, em articulação com os serviços do Ministério da Educação;
b) Dinamizar e coordenar a sinalização das situações de risco dos destinatários dos PIEF e canalizar a informação para as estruturas regionais responsáveis pela execução dos referidos programas;
c) Promover a integração em PIEF de menores em situação de exploração de trabalho infantil, nas formas tradicionais e nas formas consideradas intoleráveis pela Convenção n.º 182 da OIT;
d) Promover a integração em PIEF de menores com idade igual ou superior a 16 anos que celebrem contrato de trabalho, para os quais tenha sido elaborado um plano de educação e formação (PEF);
e) Assegurar e apoiar a integração em PIEF de jovens com idade igual ou superior a 15 anos, a cumprir medida prevista no artigo 4.º da Lei Tutelar Educativa, à excepção da medida da alínea i), em articulação com o IRS e com outras entidades a quem caiba acompanhar a respectiva execução.
Para os menores a cumprir internamento em centro educativo, a integração em PIEF, quando necessária, ocorre após a cessação da medida;
f) Dinamizar e coordenar actividades curriculares não disciplinares, numa vertente educativa e formativa, para ocupação das crianças e dos jovens integrados em PIEF durante os períodos de interrupção das actividades curriculares;
g) Dinamizar e coordenar, durante a interrupção das actividades curriculares no período de Verão, o Projecto de Férias, para prevenção da exploração de trabalho infantil sazonal;
h) Dinamizar e coordenar a articulação das respostas promovidas, realizadas ou apoiadas pelos serviços e organismos dos Ministérios da Educação e da Segurança Social e do Trabalho com as entidades empregadoras, com vista a proporcionar às crianças e aos jovens integrados em PIEF uma inserção qualificada na vida activa.
4 - Compete ainda ao PETI, no âmbito da formação e investigação para a promoção e protecção dos direitos das crianças e dos jovens em perigo:
a) Estabelecer acordos de cooperação institucional, com entidades públicas ou privadas, com vista ao desenvolvimento de estágios profissionais, de acções de formação contínua e de outros cursos em prevenção de crianças e jovens em perigo, destinados a docentes e outros profissionais titulares de habilitação académica de nível superior;
b) Divulgar e disponibilizar a consulta, a todos os interessados, de estudos, bibliografias, trabalhos de investigação, relatórios e outros documentos de relevante interesse para a protecção de crianças e jovens em perigo e para a prevenção da exploração do trabalho infantil.
5 - Integram a estrutura de projecto do PETI um director, chefe de projecto, e um subdirector, a nomear por despacho do Ministro da Segurança Social e do Trabalho, ficando sob a sua coordenação as actividades desenvolvidas pelas equipas móveis multidisciplinares já criadas no âmbito do PEETI ou a criar.
6 - O director do PETI tem um estatuto remuneratório correspondente ao dos cargos de direcção superior do 1.º grau, sendo o de subdirector correspondente ao dos cargos de direcção superior do 2.º grau.
7 - O mandato da estrutura de projecto termina em 31 de Dezembro de 2006.
8 - O PETI apresenta anualmente ao Ministro da Segurança Social e do Trabalho e ao Conselho Nacional para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil um relatório sobre a execução das medidas adoptadas.
9 - No exercício das suas funções, o PETI:
a) Propõe à tutela as medidas julgadas necessárias para assegurar o seu bom funcionamento;
b) Pode solicitar aos serviços centrais e regionais da Administração Pública, em especial dos ministérios envolvidos, todas as informações necessárias à prossecução dos seus objectivos.
10 - Podem ser chamadas a colaborar com a estrutura de projecto quaisquer pessoas consideradas necessárias à execução do PETI, devendo os funcionários da administração central, regional ou local ser nomeados em regime de comissão de serviço, requisitados ou destacados.
11 - O director do PETI pode propor, nos termos da lei, a realização e a correspondente adjudicação dos estudos e a aquisição de bens e serviços que se mostrem indispensáveis ao cumprimento da sua missão.
12 - O apoio administrativo e logístico ao funcionamento do PETI é assegurado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional.
13 - Os encargos orçamentais decorrentes do previsto na presente resolução são suportados pelo orçamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional, sendo o seu montante fixado e aprovado por despacho do Ministro da Segurança Social e do Trabalho.
14 - A execução do PETI é acompanhada pelo Conselho Nacional para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil, que funciona na directa dependência do Ministro da Segurança Social e do Trabalho, com a seguinte composição:
a) Um representante do Ministro da Segurança Social e do Trabalho, que preside;
b) Um representante do Ministro da Administração Interna;
c) Um representante da Ministra da Justiça;
d) Um representante do Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro;
e) Um representante do Ministro da Educação;
f) Um representante do Governo da Região Autónoma dos Açores;
g) Um representante do Governo da Região Autónoma da Madeira;
h) Um representante do Instituto do Emprego e Formação Profissional;
i) Um representante da Inspecção-Geral do Trabalho;
j) Um representante do Instituto de Solidariedade e Segurança Social;
l) Um representante do Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas;
m) Um representante da Coordenadora Nacional para os Assuntos da Família;
n) Um representante da Confederação Nacional de Acções sobre o Trabalho Infantil;
o) Um representante do Instituto de Apoio à Criança;
p) Um representante da Associação Nacional de Municípios Portugueses;
q) Um representante da Associação Nacional de Freguesias;
r) Um representante de cada uma das associações de empregadores com assento na Comissão Permanente da Concertação Social;
s) Um representante de cada uma das associações sindicais com assento na Comissão Permanente da Concertação Social;
t) Um representante da União das Misericórdias;
u) Um representante da Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade Social;
v) Um representante da Casa Pia;
x) Um representante da Confederação Nacional das Associações de Pais.
15 - Compete ao Conselho Nacional para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil emitir pareceres e orientações para a execução dos objectivos enunciados.
16 - O mandato dos membros do Conselho Nacional termina em 31 de Dezembro de 2006.
17 - Aos membros do Conselho Nacional que residam fora de Lisboa serão abonadas, nos termos da lei geral, ajudas de custo e transportes para participação nas reuniões.
18 - O Conselho Nacional do PETI reúne sempre que necessário e quando convocado para o efeito pelo presidente, nos termos do seu regulamento interno.
19 - Os membros do Conselho Nacional são indicados pelos ministérios e entidades envolvidos no prazo de 15 dias após a publicação da presente resolução.
20 - O PETI sucede na titularidade de todos os direitos e obrigações do PEETI, sem necessidade de quaisquer formalidades, devendo todas as referências feitas em lei ou em negócio jurídico ao PEETI entender-se feitas ao PETI, a partir da entrada em vigor da presente resolução.
21 - O pessoal afecto ao PEETI transita para a nova estrutura de projecto criada pela presente resolução, mantendo-se no exercício das respectivas funções.
22 - São revogadas a Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/98, de 4 de Junho, e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2000, de 13 de Janeiro.
23 - A presente resolução do Conselho de Ministros produz efeitos desde de 1 de Janeiro de 2004.
Presidência do Conselho de Ministros, 26 de Fevereiro de 2004. - O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.