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Acórdão 231/2008, de 22 de Julho

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações, interpretada de modo a incluir na indemnização atribuída ao proprietário expropriado uma parcela destinada a compensá-lo das despesas que tenha de suportar para substituir o bem expropriado por outro equivalente e que se não compreendam no valor do bem (ou direito) expropriado, determinado segundo os critérios referenciais dos artigos 26.º e seguintes do referido Código

Texto do documento

Acórdão 231/2008

Processo 337/06

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - EP - Estradas de Portugal, E. P. E., expropriante no processo de expropriação por utilidade pública que a opõe aos expropriados Sandra Maria da Silva Ribeiro e Domingos Salgado Alves, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que manteve a sentença que considerara que, no cálculo da indemnização por expropriação de uma parcela de terreno em que estava implantado um edifício de habitação, se incluem os montantes correspondentes à penalização que os expropriados tiveram de suportar em consequência da liquidação antecipada e à perda de bonificação de juros de um empréstimo bancário contraído para a construção da casa, bem como ao custo de registos e os emolumentos para aquisição de nova casa e despesas de mudança.

2 - Prosseguindo o recurso, o expropriante apresentou alegações em que conclui nos termos seguintes:

"1.ª Do princípio constitucional da justa indemnização decorre, para o legislador, a necessidade de, ao definir os respectivos critérios de cálculo, tomar em consideração, quer a "vertente do interesse público" quer o "princípio da igualdade de encargos" entre os cidadãos.

2.ª O critério fixado no Código das Expropriações para alcançar a compensação integral do sacrifício patrimonial infligido aos expropriados e para garantir que estes, em comparação com outros cidadãos, não sejam tratados de modo desigual e injusto, é o valor real e corrente do bem (artigo 23.º do CE/99) - também designado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo.

3.ª A observância do "princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos" na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada de uma indemnização integral ou de uma compensação total do dano infligido ao expropriado, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor.

4.ª A teoria da substituição funciona apenas em "sentido figurado" ou "abstractamente", já que o sujeito expropriado não pode ser indemnizado do conjunto das despesas reais e concretas que tiver de fazer para readquirir um bem do mesmo tipo ou qualidade daquele de que se viu privado;

5.ª Isto mesmo se consagra no artigo 23.º, n.º 1, do actual Código das Expropriações, ao impor que a justa indemnização visa «ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem» (sublinhado nosso);

6.ª Assim, ao contrário do que se sustentou no douto acórdão em crise, não integram o conceito de justa indemnização as quantias alegadamente gastas pelos expropriados por «circunstâncias relacionadas com o empréstimo» concedido para aquisição da construção implantada na parcela, bem como os custos com «eventuais registos e emolumentos a despender com a aquisição de uma nova residência e, bem assim, com os custos derivados da mudança de residência».

7.ª É inconstitucional a norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações (1999), quando interpretada no sentido de incluir na justa indemnização o conjunto das despesas reais e concretas que o expropriado tiver de fazer para readquirir um bem do mesmo tipo e qualidade daquele de que se viu privado.

Termos em que, deverá dar-se provimento ao presente recurso, devendo o acórdão recorrido ser reformado em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações (1999), quando interpretada no sentido de incluir na justa indemnização o conjunto das despesas reais e concretas que o expropriado tiver de fazer para readquirir um bem do mesmo tipo e qualidade daquele de que se viu privado, assim se fazendo justiça!"

Os expropriados também alegaram, tendo concluído nos seguintes termos:

"I.ª O disposto no artigo 23.º n.º 1 do C. E. tem de ser interpretado à luz do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13 da C.R.P.

II.ª À luz deste princípio e na sua vertente da relação externa da expropriação, deve a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um tratamento desigual entre os expropriados e os não expropriados

III.ª A observância do mesmo princípio, quanto à igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, exige que a expropriação seja acompanhada de uma indemnização integral do dano sofrido.

IV.ª Assim a única interpretação constitucionalmente admissível para o artigo 23 n.º 1 do Código de Expropriações é a que aplicando o dito princípio de igualdade inclui no prejuízo suportado pelo Expropriado também as despesas que este terá para adquirir um bem de igual natureza e qualidade.

V.ª O conceito de "justa indemnização" tem uma abrangência muito maior do que aquela que o limita à ideia de uma mera substituição de um bem pelo seu valor real e corrente.

VI.ª É dominante na doutrina sobre expropriações o entendimento de que a reposição da situação patrimonial dos Expropriados, só se verificará na situação de a indemnização englobar, além do valor de mercado do bem expropriado, também, o ressarcimento de outros prejuízos patrimoniais causados directa e necessariamente pela expropriação na esfera jurídica patrimonial dos expropriados (desvalorização da parte sobrante, etc.) e, ainda, as despesas necessárias para substituir o bem expropriado por outro equivalente

VII.ª Constitui imperativo constitucional, consagrado no C.E. e, ainda, na doutrina mais autorizada, ressarcir-se os Expropriados de todos os prejuízos e despesas, sofridos pela expropriação, de modo a ficarem numa situação semelhante à que possuíam antes de terem sido afectados com a expropriação.

VIII.ª O critério do valor de mercado contempla, apenas, o valor que seria necessário despender para adquirir um bem semelhante, esquecendo a perspectiva dos expropriados, que terão de suportar uma série de despesas para substituir o bem que lhe foi subtraído."

II - Fundamentos

3 - Recordemos o essencial do litígio, no que respeita ao problema em que se insere a questão de constitucionalidade.

Num processo de fixação da indemnização por expropriação por utilidade pública de uma parcela em que estava implantada uma casa, os expropriados pediram que o montante indemnizatório incluísse, a mais do valor do bem, o correspondente a outros prejuízos que imputam ao acto expropriativo, a saber: os montantes que tiveram de suportar em consequência da perda da bonificação do juro e da liquidação antecipada de um empréstimo que haviam contraído para a construção da casa, bem como os custos de registo e emolumentos para aquisição de uma nova casa e as despesas inerentes à mudança de residência. O tribunal de 1.ª instância, perfilhando o entendimento de que a observância do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos exige que a expropriação por utilidade pública seja acompanhada por uma compensação integral do dano infligido ao expropriado, acolheu esta pretensão, incluindo no cômputo da indemnização uma parcela de (euro) 2.678,39, a título de despesas acrescidas com a liquidação do empréstimo (despesas comprovadas), e outra de (euro) 10.000, para cobrir os custos de registos e emolumentos relacionados com a aquisição de uma nova casa e as despesas com a mudança de residência (calculados segundo juízos de experiência comum).

O expropriante sustentou, em recurso para a Relação, que essas quantias não integram o conceito de "justa indemnização" por expropriação, sendo inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da justa indemnização (n.º 2 do artigo 62.º da CRP), a norma do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido de incluir na indemnização o conjunto de despesas reais e concretas que o expropriado tiver de fazer para readquirir um bem do mesmo tipo e qualidade daquele de que se viu privado.

A esta questão respondeu o acórdão recorrido nos seguintes termos:

"Quanto aos custos com a transferência de residência, novo empréstimo, registos, emolumentos e mudanças, questão fulcral das conclusões, subscrevemos as considerações do Prof. Alves Correia transcritas na decisão recorrida:

"A obrigação de indemnização por expropriação por utilidade pública não se confunde com o dever de indemnização correspondente à responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco e pela violação dos deveres contratuais. Ao passo que esta abrange todas as perdas patrimoniais do lesado e cobre não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que deixou de obter em consequência da lesão, tendo como objectivo colocá-lo na situação em que estaria se a intervenção não tivesse tido lugar, aquela engloba apenas a compensação pela parte patrimonial suportada e tem por finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor. De uma maneira geral, entende-se que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda" - "As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública", p.128 e 129".

Quanto à inconstitucionalidade invocada na conclusão 7.ª, o mesmo autor dá resposta a esta questão na obra (O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, cit., p. 532 e ss.) ao defender que o conceito constitucional de «justa indemnização» leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação.

Atendo-nos apenas à primeira e à segunda dimensões - aquelas que têm a ver com o princípio da justiça da indemnização visto na direcção do expropriado - , dir-se-á, com o autor referido, que no conceito de justa indemnização vai implícito o sentido de que devem ser rejeitados por inconstitucionais os critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal (blösse Nominalentschädigung), a uma indemnização puramente irrisória ou simbólica ou a uma indemnização simplesmente aparente. Estar-se-á perante uma indemnização meramente simbólica quando, por exemplo, a lei, baseando-se num critério abstracto, que não faça qualquer referência ao bem a expropriar e ao seu valor segundo o seu destino económico, permite indemnizações que não se traduzem numa compensação adequada do dano infligido ao expropriado.

Segundo o autor citado, o princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: o princípio da igualdade no âmbito relação interna e o princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação.

No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos. A observância do «princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos» na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada de uma indemnização integral (volle Entschcädigung) ou de uma compensação integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a indemnização por expropriação possua um «carácter reequilibrador» em benefício do sujeito expropriado, objectivo que só será atingido se a indemnização se traduzir numa «compensação séria e adequada» ou, noutros termos, numa compensação integral do dano suportado pelo particular."

Segundo Pedro Elias da Costa a indemnização só será justa se conseguir repor a situação económica do expropriado, nomeadamente, se possibilitar "fazer face às despesas que terá de suportar para substituir o bem expropriado por outro equivalente (ex: custos com aquisição de nova habitação, custo com transporte de mobílias, custos com, a feitura dos registos, obtenção de documentos, etc.)".

Daqui resulta claramente que essas despesas têm de ser consideradas para o efeito do cálculo da indemnização pela expropriação, pois que, se assim não fosse, o expropriado não veria o dano económico sofrido integralmente ressarcido, não acarretando tal indemnização qualquer inconstitucionalidade.

Não colhem, pois, as conclusões da apelante.

Nestes termos, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida."

4 - O n.º 1 do artigo 23.º, que é a norma básica do Código das Expropriações quanto ao conteúdo da indemnização, dispõe que "[a] justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo e possível numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data".

O acórdão recorrido interpretou esta norma como abrangendo no montante indemnizatório a arbitrar ao expropriado não só o correspondente à perda do direito ou da substância da coisa objecto de expropriação (o valor do bem expropriado), mas também as despesas necessárias (os prejuízos subsequentes ou derivados) para que o expropriado substitua o bem de que o acto ablativo o privou por outro equivalente.

Convém, todavia, delimitar mais rigorosamente o objecto do recurso porque a norma efectivamente aplicada tem um alcance mais restrito do que esta formulação poderia inculcar.

Na verdade, o entendimento de que a indemnização pela expropriação deve consistir na atribuição ao expropriado de um montante que lhe permita substituir o bem de que foi privado por outro equivalente - o critério do valor de substituição que, na dialética argumentativa, poderia parecer que o acórdão recorrido aceitou como sentido normativo a extrair, sem reserva, do referido conceito legal de "justa indemnização" - não foi aplicado na máxima extensão que a fórmula indicada pelo recorrente poderia comportar.

Com efeito, a indemnização correspondente ao valor do bem expropriado foi determinada segundo os critérios referenciais objectivos constantes dos artigos 26.º e 28.º do Código das Expropriações, cujo resultado tenderá para o valor de substituição mas não coincide necessariamente com ele. Essa componente do montante indemnizatório - o que poderemos designar por indemnização principal ou da substância - não foi objecto de recurso para a Relação. Abrangido pelo recurso para a Relação e, subsequentemente, pelo âmbito de aplicação do sentido questionado da norma é, somente, o que respeita à indemnizabilidade, a este título, das despesas ou custos colaterais inerentes à reposição da situação em que o expropriado se encontrava e em que não incorreria se não fosse o acto expropriativo. Isto é, tendo presente que se trata de um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, só está em causa a verificação da conformidade com o princípio constitucional da "justa indemnização" da referida norma interpretada como comportando a inclusão, no cômputo da quantia devida ao expropriado a título de indemnização por expropriação, do montante correspondente aos prejuízos patrimoniais subsequentes ou derivados que sejam consequência directa e necessária da expropriação do prédio por utilidade pública e que não respeitem ao valor deste, calculado de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 26.º a 28.º do Código.

Em segundo lugar, convém relembrar que ao Tribunal Constitucional não compete senão apreciar a conformidade de tal sentido normativo aos parâmetros constitucionais pertinentes.

Assim, não cabe no presente recurso verificar a realidade (ou razoabilidade) de tais despesas ou custos e a efectividade do nexo causal entre cada uma delas e o acto expropriativo, nem fixar a melhor interpretação do direito ordinário, designadamente, saber que significado atribuir, nesse âmbito, ao facto de os Códigos das Expropriações de 1991 e 1999 não conterem disposição expressa semelhante à da parte final do n.º 1 do artigo 28.º do Código das Expropriações de 1976 ("O prejuízo do expropriado mede-se pelo valor real e corrente dos bens expropriados, e não pelas despesas que haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente"). Tudo isso é matéria de aplicação do direito ordinário ao caso concreto.

5 - Seja permitido referir, sem preocupações de exaustão, que estas majorações ou indemnizações acessórias, correspondendo a prejuízos decorrentes do acto expropriativo mas que não se compreendem no estrito valor real e corrente da coisa, são também aceites noutras ordens jurídicas próximas da nossa.

Assim, segundo Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, p. 551 (nota 152), a jurisprudência alemã admite a indemnização, em geral, dos custos ou danos resultantes directamente da expropriação que não tenham cobertura no valor real do bem: a diminuição do valor do terreno sobrante no caso de expropriação parcial; os custos da mudança de habitação, de estabelecimento comercial ou industrial e de local de exercício de profissão liberal; os custos para a transferência de um serviço; a perda de determinado círculo de clientes; as despesas necessárias para a realização de uma reunião.

No direito francês entende-se que o carácter integral da reparação implica que, independentemente da indemnização principal, representando o valor patrimonial do elemento desaparecido (o edifício, o terreno, etc.), o expropriado deve receber indemnizações acessórias correspondendo a diversas espécies de prejuízos, entre eles os custos de substituição inerentes ao "reemprego" da parte da indemnização correspondente ao valor da coisa na aquisição de outra da mesma natureza (Code de L'Expropriation, artigo R.13-46: «L'indemnité de remploi est calculée compte tenu des frais de tous ordres normalmente exposés pour l'aquisition de biens de même nature moyennant un prix égal au montant de l'indemnité principale») e as despesas de mudança e reinstalação e os custos de registo (Cf. René Hostiou, Code de L'Expropriation, pp. 47 e segs. e pp. 157 e segs. e Jean-Marie Auby e Pierre Bon, Droit Administratif des Biens, 3.ª ed., p. 480).

Em Espanha (cf. Eduardo Garcia de Enterria e Tomás-Ramon Fernandez, curso de Derecho Administrativo, ii, 2.ª ed., p. 274), entende-se que a objectivação do valor dos bens ou direitos expropriados não impede que se indemnizem acessoriamente os prejuízos que tenham origem na operação expropriatória, uma vez que do que se trata é de proporcionar ao expropriado um valor de substituição que lhe permita repor tudo o que a expropriação lhe tira e recuperar, em consequência, todas as utilidades reais que para ele supunha o objecto expropriado.

Aliás, entre nós, esta ideia de a indemnização dever cobrir outros prejuízos patrimoniais, causalmente ligados ao acto expropriativo e diversos daqueles que estão compreendidos no estrito valor da coisa expropriada, está presente, em maior ou menor medida, noutras disposições do Código das Expropriações, designadamente, no n.º 2 do artigo 29.º (depreciação ou necessidade de vedação das partes sobrantes), na parte final do n.º 4 do artigo 30.º (prejuízos da paralização da actividade comercial ou industrial ou do exercício de profissão liberal exercida pelo arrendatário no local expropriado, durante o período necessário para a transferência para o novo local) e no artigo 31.º (indemnização pela interrupção da actividade comercial, industrial, liberal ou agrícola do proprietário expropriado).

6 - Retomando a questão de constitucionalidade, o que se pretende que o Tribunal decida é se a norma do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações, interpretada de modo a incluir na indemnização atribuída ao proprietário expropriado uma parcela destinada a compensá-lo das despesas que tenha de suportar para substituir o bem expropriado por outro equivalente e que se não compreendam no valor do bem (ou direito) expropriado, determinado segundo os critérios referenciais dos artigos 26.º e seguintes do referido Código, viola o princípio da "justa indemnização"

Reconhece-se que a questão assim colocada - de infracção por excesso ao referido princípio constitucional - mereceria resposta negativa imediata para quem entendesse que o sentido da consagração do direito à "justa indemnização" por expropriação no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição é, apenas, aquele que corresponda a uma dimensão favorável ao expropriado. Com efeito, poderia considerar-se duvidoso que, de um enunciado que institui uma condição à expropriação por utilidade pública (ou de validade das normas infraconstitucionais que comportem um efeito expropriativo), inserido num preceito constitucional primacialmente dirigido à garantia da propriedade, se retire a possibilidade de inviabilizar normas que garantam uma indemnização que, não sendo inferior ao valor do bem, possa ser considerada (ao abrigo de algum critério) como mais ampla que um valor «aceitável» desse bem.

Porém, não é este (unidireccional ou de mera garantia do expropriado) o entendimento que a jurisprudência deste Tribunal - pelo menos a jurisprudência maioritária, podendo colher-se uma elucidativa indicação das nuances ou divergências da jurisprudência do Tribunal a este propósito, embora aplicadas a um problema particular, no Acórdão 469/2007, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 30 de Outubro de 2007 - tem feito do conceito de "justa indemnização" inserto no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição. O Tribunal tem considerado, numa leitura desta norma constitucional em conjugação com o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, estar vedado ao legislador adoptar um critério de determinação do valor da indemnização por expropriação que conduza ou consinta a inclusão de elementos de valorização puramente especulativos ou anómalos, de tal modo que a expropriação seja factor de um locupletamento manifestamente injusto a favor do expropriado.

Segundo esta orientação, para ser justa a indemnização por expropriação não deve criar a favor do expropriado uma situação mais vantajosa do que a dos proprietários não expropriados em idênticas circunstâncias (vertente externa do princípio da igualdade na relação de expropriação). A questão tem-se colocado a propósito da avaliação como terrenos para construção de parcelas situadas em áreas a que os instrumentos de ordenamento do território não reconhecem essa potencialidade, designadamente em área de RAN ou REN. Mas o princípio é válido em geral. Como se repetiu no acórdão 275/2004 por transcrição dos acórdãos n.º s 333/2003 e 557/2003 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)

"[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da "justa indemnização", de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.

E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado, os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente estabelecida. Ora, se é verdade que o "princípio da igualdade de encargos" entre os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização, obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso, não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública. Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção."

Vale por dizer que a indemnização deve ser justa, tanto do ponto de vista da satisfação do interesse do particular expropriado, como do ponto de vista da realização do interesse público.

É, pois, pertinente averiguar se a norma em causa - com aquele conteúdo indemnizatório que consente ou impõe, na interpretação adoptada pela decisão recorrida - viola o princípio da "justa indemnização" ou o princípio da igualdade. Sendo que a afirmação da violação deste último princípio, quando se confrontam com ele normas respeitantes à determinação da indemnização por utilidade pública, significa o reconhecimento (pelo menos implícito) de que com tal critério se infringe, por defeito ou excesso, o princípio da "justa indemnização", que é o parâmetro constitucional específico e o ponto de partida para a convocação do princípio da igualdade enquanto revelador (ou elemento de densificação) do sentido directo e imediato do qualificativo "justo" aposto a indemnização.

7 - Sucede que a componente indemnizatória agora em consideração não é identificável com aquelas hipóteses de inclusão de elementos de valorização do bem expropriado, sem atender aos condicionamentos legais ou regulamentares ao seu aproveitamento susceptíveis de afectar a determinação do respectivo valor em condições normais de mercado, relativamente às quais o Tribunal tem maioritariamente, considerado ocorrer violação do princípio da igualdade na relação externa da expropriação.

O que agora está em apreciação é uma situação (uma dimensão normativa) bem diversa. Aprecia-se uma interpretação das normas respeitantes ao cálculo ou à determinação da indemnização por expropriação (recte, na vinculação processual do presente recurso de fiscalização concreta, a norma extraída do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações) que atenda a prejuízos reais, directa e necessariamente decorrentes do acto expropriativo e que acresçam ao valor do bem, que se somem à parcela indemnizatória calculada por referência a esse valor.

Na situação sob exame, não se trata de saber se o proprietário expropriado sai manifestamente favorecido relativamente aqueles proprietários sujeitos a idênticas limitações legais ou regulamentares e que não foram "contemplados" com a expropriação, mas de saber se o conceito de "justa indemnização" consente que, além do valor do bem, se compensem despesas em que só o expropriado incorreu e em que ele apenas tenha incorrido ou tenha de incorrer por virtude do acto expropriativo ou para substituir o bem expropriado por outro do mesmo tipo e de idêntico valor ou utilidade.

8 - A resposta positiva que o acórdão recorrido deu a esta questão encontra justificação na observância do princípio da igualdade na relação externa da expropriação, que é um elemento material densificador do conceito constitucional da "justa indemnização", como o Tribunal tem repetido. O expropriado acabaria por suportar um sacrifício patrimonial especial se, por esta ou por outra via, não lhe fosse atribuída uma compensação pelas despesas que, embora não fazendo parte da "perda de substância" e não estando, por isso, incluídos no valor real e corrente do bem expropriado (no seu valor de mercado, normativamente entendido), derivam directa e necessariamente do acto expropriativo.

A compensação das despesas em que o expropriado tenha de incorrer para concretizar a entrega da coisa ou adquirir um bem que lhe proporcione utilidade idêntica à daquele de que foi privado não o enriquece injustamente à custa do expropriante. Pelo contrário, é um meio idóneo para evitar que o interesse público que justifica a expropriação recaia de modo especial sobre o sujeito expropriado que, além do sacrifício do seu concreto direito de propriedade mediante a submissão à "alienação forçada" inerente à expropriação, vê a sua situação patrimonial anormalmente afectada por aquelas despesas necessárias para transformar o valor da coisa expropriada (o montante pecuniário correspondente à substância) noutro bem da mesma natureza, capaz de lhe proporcionar utilidade idêntica à daquele de que foi privado (v. gr., as despesas notariais e de registo para aplicação do valor do bem na aquisição de outro do mesmo tipo e as despesas de mudança do recheio, no caso de expropriação de um edifício). Incluindo o correspondente a essas maiores despesas que o acto de desapossamento faz especialmente incidir sobre o expropriado, designadamente aquelas em que incorra para readquirir um bem do mesmo tipo e qualidade daquele que foi objecto de expropriação, porque só assim cobre a integralidade do prejuízo directo, material e certo causado pelo acto expropriativo, o montante indemnizatório mantêm-se nos limites da correcção dos efeitos patrimoniais lesivos directamente decorrente desse acto. São despesas ou custos que redundam em decréscimo da situação patrimonial do expropriado e que o atingem de modo diferenciado relativamente aos restantes proprietários de bens da mesma natureza, que não tenham sido expropriados.

Ora, o direito à justa indemnização é a concretização do princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos, princípio este que resulta, por seu turno, da aplicação ao domínio do património privado daqueles valores gerais que exigem a criação de um direito que seja igual, proporcional e não arbitrário. Todos juntos estes princípios geram uma regra que pode ser enunciada do seguinte modo: sempre que o bem comum exigir que certo ou certos particulares sofram sacrifícios patrimoniais que sejam de índole grave e especial, por excederem em natureza e intensidade os encargos normais que são impostos a todos pelas necessidades da vida colectiva, fica o Estado obrigado a compensar a perda anormal que infligiu. A justa indemnização é a corporização desta regra (Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador, pág. 573).

Assim, mesmo que, porventura, se entendesse que a compensação de tais prejuízos poderia fazer-se ao abrigo de outro instituto ou por outros meios processuais - o que, atendendo ao objecto do recurso não cumpre agora dilucidar - , o certo é que a sua consideração, no âmbito do processo de expropriação e como componente da indemnização aí calculada, não exorbita do reestabelecimento da situação patrimonial afectada pelo acto expropriatório e, consequentemente, não pode ser taxada de injusta.

Pode, pois, concluir-se que a dimensão normativa em apreciação, abrangendo na indemnização por expropriação prejuízos patrimoniais necessariamente decorrentes do acto expropriativo que especialmente incidem sobre o expropriado, realiza o princípio da igualdade de contribuição para os encargos públicos, não violando, por conseguinte, o princípio da justa indemnização consagrado no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição.

III - Decisão

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, condenando-se a recorrente em custas com 25 UCs de taxa de justiça.

Lisboa, 21 de Abril de 2008. - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral - Gil Galvão.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1694198.dre.pdf .

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  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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