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Acórdão 303/2008, de 1 de Julho

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Registo Predial, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 67/96, de 31 de Maio, enquanto autoriza o prosseguimento da lide em face da recusa de registo com o fundamento de que a acção a ele não se encontra sujeita

Texto do documento

Acórdão 303/2008

Processo 1072/07

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A - Relatório

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Coruche recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção, da sentença proferida por aquela instância, na qual se recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação da norma constante do artigo 3.º, n.º 3, do Código do Registo Predial, na redacção decorrente do Decreto-Lei 67/96, de 31 de Maio.

2 - A decisão recorrida tem o seguinte teor:

«[...]

A fls. 85 dos presentes autos, foi proferido despacho cuja parte decisória passamos a transcrever: 'pelo exposto, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 3.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, ambos do Cód. do Reg. Predial, e 508.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Cód. de Proc. Civil, convido os autores para, no prazo de 15 dias, procederam à junção aos autos do comprovativo do registo da presente acção, sob expressa cominação de, não o fazendo, ser determinada a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 276.º, n.º 1, alínea d), do Cód. de Proc. Civil'.

Notificados de tal despacho, os autores promoveram junto da Conservatória do Registo Predial de Coruche o registo da acção. Acontece, porém, que o registo da acção foi recusado pela Exma. Senhora Conservadora do Registo Predial de Coruche, com fundamento na sua não sujeição a registo (cf. cópia do despacho por si proferido, que se encontra inserta a fl. 92 dos autos).

Sobre esta matéria, o artigo 3.º, n.º 3, do Cód. do Registo Predial estabelece que 'sem prejuízo da impugnação do despacho do conservador, se o registo for recusado com fundamento em que a acção a ele não está sujeita, a recusa faz cessar a suspensão da instância a que se refere o número anterior'.

Face à letra da lei, aparentemente nada mais restaria ao juiz do que proceder à tramitação subsequente da acção, determinando a cessação da suspensão da instância (caso, naturalmente, já a tivesse declarado). No entanto, nos presentes autos recusar-se-á a aplicação daquela norma legal, pois entendemos que a mesma é inconstitucional.

Vejamos porquê:

Conforme dispõe o artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 'as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades'.

Ao convidar o autor a promover o registo da acção, o juiz (entendido em sentido amplo) não está naturalmente a dar uma ordem ao conservador do registo predial (até porque não detém qualquer poder hierárquico sobre o mesmo). Contudo, tal convite feito ao autor significa que o juiz entende - e afirma - que determinada acção está sujeita a registo.

Ao recusar o registo da acção com o fundamento de que mesma não está sujeita a registo, o conservador do registo predial desautoriza o tribunal, pondo em causa a sua decisão. Por seu turno, o artigo 3.º, n.º 3, do Cód. do Reg. Predial, ao dispor que tal despacho do conservador faz cessar a suspensão da instância, mais não faz do que estabelecer que a decisão do conservador do registo predial prevalece sobre a decisão do juiz.

Ora, a ser assim, tal norma padece de inconstitucionalidade, pois viola directamente o comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 2, da CRP.

Pelo exposto, decido:

a) Recusar a aplicação da norma constante do artigo 3.º, n.º 3, do Cód. do Registo Predial, com fundamento na sua inconstitucionalidade;

b) Determinar a suspensão da instância (o que ainda não tinha determinado anteriormente), já que os autores, naturalmente não por culpa sua, não juntaram aos autos o comprovativo do registo da acção.»

3 - Após admissão do recurso, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, em sede de alegações, pugnou pela sua procedência, sintetizando a sua argumentação nas seguintes proposições conclusivas:

«[...]

1.º

A norma constante do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Registo Predial, ao prescrever que a recusa do registo predial - diligenciado pela parte, na sequência de convite formulado liminarmente pelo juiz, pressupondo o entendimento de que a acção estaria sujeita à publicidade registral por incidir sobre factos com eficácia real - faz cessar a suspensão da instância, sem que incida sobre o requerente o ónus de esgotamento de todos os meios impugnatórios possíveis, face a tal recusa de registo pelo conservador, não viola o princípio constitucional da prevalência das decisões judiciais sobre as administrativas.

2.º

Na verdade, ao pronunciar-se liminarmente sobre a sujeição da causa à publicidade emergente do registo predial, o juiz não está a determinar ou ordenar a feitura de um acto de registo, no exercício da sua função jurisdicional, mas tão-somente a convidar a parte a diligenciar por tal registo junto do órgão competente.

3.º

Pelo que - se o conservador, a quem está cometida primacialmente a função de zelar pela legalidade em matéria de registo, considerar que o mesmo não tem cabimento - não se verifica uma situação de colisão ou conflito entre uma decisão judicial e administrativa, a solucionar pela necessária prevalência da primeira.

4.º

Termos em que deverá proceder o presente recurso.»

B - Fundamentação

4 - Como resulta da definição do objecto do recurso, a questão decidenda traduz-se em saber se a norma do artigo 3.º, n.º 3, do Código do Registo Predial padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Dispõe esse parâmetro constitucional que «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades».

Por seu turno, a norma sindicanda estipula que «sem prejuízo da impugnação do despacho do conservador, se o registo for recusado com fundamento em que a acção a ele não está sujeita, a recusa faz cessar a suspensão da instância a que se refere o número anterior».

Vejamos, então.

5 - O artigo 3.º, n.º 1, do Código do Registo Predial - doravante, abreviadamente, C. R. Predial - , sujeita a registo determinadas acções judiciais [as que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo 2.º - alínea a); e as acções que tenham por fim, principal ou acessório, a reforma, a declaração de nulidade ou a anulação de um registo ou do seu cancelamento - alínea b) da referida norma].

Com o registo de tais acções pretende-se, como ensina Antunes Varela (in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103.º, p. 484), «dar conhecimento a terceiros de que determinada coisa está a ser objecto de um litígio e adverti-los de que devem abster-se de adquirir sobre ela direitos incompatíveis com o invocado pelo autor, sob pena de terem de suportar os efeitos da decisão que a tal respeito venha a ser proferida, mesmo que não intervenham no processo», constituindo, assim, «um instrumento de publicidade que gera a cognoscibilidade sobre uma eventual causa de nulidade, anulação, resolução, rescisão [...] de um facto inscrito ou susceptível de ser inscrito», ao mesmo tempo que permite, cautelarmente, «assegurar a exequibilidade da sentença que venha a julgar procedente a lide, nas mesmas condições em que o seria caso fosse proferida na data da propositura da acção» (Mónica Jardim, «O registo de acções e decisões judiciais - Qualificação do registo e os poderes do conservador», trabalho apresentado no I Encontro de Notários e Conservadores dos Países de Língua Portuguesa, realizado em Cabo Verde, entre 23 e 25 de Julho de 2007, cedido pela autora e que será publicado no volume lxxxiii do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no prelo).

E, de modo a não comprometer o cumprimento desse escopo, o n.º 2 do artigo 3.º do C. R. Predial estipula que «as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição», sendo que, como vem sendo reiterado pelos nossos tribunais superiores, esta imposição legal «visa submeter à competente instância do registo predial a pronúncia sobre caber ou não a efectivação do registo suscitado em ordem a obter a sua comprovação nos autos» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Janeiro de 1991, disponível em www.dgsi.pt), permitindo assim «que os serviços do registo predial se pronunciem sobre se é necessário ou não o registo da acção» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Abril de 1991, disponível na Colectânea de Jurisprudência, ano xvi, 1991, t. 2, p. 251).

Ora, a norma em crise, aditada ao artigo 3.º do C.R.Predial pelo Decreto-Lei 67/96, de 31 de Maio, surge na sequência deste regime pretendendo resolver alguns problemas relativos ao efeito da recusa do registo da acção no posterior desenvolvimento processual.

De facto, pode ler-se no preâmbulo que antecede a alteração legislativa:

«O n.º 1 do artigo 3.º do Código de Registo Predial [...] enuncia as acções que estão sujeitas a registo, acrescentando o seu n.º 2 que tais acções 'não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição'.

Este normativo tem originado indesejáveis paragens na marcha dos processos, o que sucede nos casos em que, ordenado pelo juiz o registo da acção, o conservador o recusa com o fundamento de que a acção não é registável.

Aí, documentada nos autos a recusa, são frequentes as situações em que o juiz mantém o seu primitivo despacho, com o que se gera, ou pode gerar, um óbice intransponível ao reatamento da lide.

Deste modo, na esteira de jurisprudência que crescentemente se estabiliza nos tribunais superiores, entende-se conveniente esclarecer que a acção segue os seus trâmites havendo recusa do registo, independentemente da impugnação pelo requerente do despacho do conservador».

Atento o regime decorrente a norma do artigo 3.º, n.º 3, do C. R. Predial, pode, pois, dizer-se que o mesmo tem uma motivação claramente compreensível na óptica do desenho de um direito fundamental de acesso à justiça moldado pela imposição jusfundamental de processo justo e equitativo, desonerando a parte da impugnação da recusa como condição necessária, mas não suficiente, do prosseguimento dos autos, impedindo, assim, que ela suporte os efeitos da paralisação processual que daí decorreria.

Cumprida esta explicitação preliminar e passando a considerar mais incisivamente o problema concreto posto nos autos, importa começar por referir, compulsados os fundamentos da decisão recorrida, que a recusa de aplicação do artigo 3.º, n.º 3, do C. R. Predial resultou, no que é essencial, do facto de o conservador ter recusado, na sequência de convite para que a parte promovesse o registo da acção, a sua inscrição no registo com o fundamento de que a acção em causa a ele não estaria sujeita e de, por esse motivo, cessar ope legis a suspensão da instância, entendendo o tribunal a quo que «o artigo 3.º, n.º 3, do Cód. do Reg. Predial, ao dispor que tal despacho do conservador faz cessar a suspensão da instância, mais não faz do que estabelecer que a decisão do conservador do registo predial prevalece sobre a decisão do juiz», proposição esta que autorizou o juízo de censura constitucional à luz do parâmetro constante do artigo 205.º, n.º 2, da Constituição, afigurando-se claro que a montante desse juízo, mas forçosamente contido nele como condição lógica da sua existência, se encontram postos em causa os poderes do conservador para recusar uma inscrição registral quando a mesma seja apresentada na sequência de um convite a promover tal inscrição.

Começando, então, pela consideração desse específico pré-juízo implicado na recusa de aplicação da norma sindicanda, cumpre mencionar que o nosso sistema registral se encontra construído sob a égide do princípio da legalidade - artigo 68.º do C. R. Predial - , nos termos do qual, «compete ao conservador apreciar a viabilidade do pedido de registo, em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos nele contidos», o que pressupõe, para o seu cabal cumprimento, o desenrolar de uma complexa função qualificadora direccionada a «comprovar a legalidade de forma e de fundo dos documentos apresentados, tanto por si sós, como relacionando-os com os eventuais obstáculos que o registo possa opor ao assento pretendido» (Mónica Jardim, ob. cit., pp. 2-3), sendo consabido, no que concerne especificamente ao registo de acções que «a viabilidade do pedido de registo não deixa de implicar também [...] toda uma problemática que vai desde a exaustiva demanda sobre a registabilidade da acção titulada nos articulados apresentados, até à verificação casuística, em face aliás da situação tabular existente à data da apresentação do pedido do registo qualificando, das regras técnicas de observância necessária à prossecução dos objectivos da segurança do comércio jurídico (pressupostos processuais do registo ou requisitos de acesso ao registo), de entre as quais há que salientar aquelas que se prendem não só com o trato sucessivo na modalidade de continuidade das inscrições (artigo 34.º, n.º 2), mas também com a identidade do prédio e da sua harmonização entre a matriz e o registo (artigos 28.º a 33.º e 79.º a 86.º, designadamente)» (cf. Silva Pereira, O Princípio da Legalidade, o Registo das Decisões Finais e a Força do Caso Julgado, p. 13, in http://www.fd.uc.pt/cenor/textos/DOC070314-004.pdf; e, em idêntico sentido, Mónica Jardim, ob. cit., pp. 7-8).

É dentro desse quadro impositivo que se recorta funcionalmente a intervenção do conservador como primeiro garante da «defesa da legalidade tabular» sobre o qual se faz recair, assim, um autêntico dever de aferição, em concreto, do cumprimento dos pressupostos legais de registabilidade perante os pedidos que lhe são apresentados.

Como é óbvio, o juízo de qualificação do conservador não é insindicável, podendo a questão tabular em causa ser objecto de sindicância hierárquica ou contenciosa.

E, no que concerne especificamente ao controlo jurisdicional aberto por via do recurso contencioso da decisão do conservador, bem se compreenderá que a decisão que o tribunal venha a proferir na sequência desse processo tenha a força vinculativa própria das decisões jurisdicionais quanto à matéria registal em causa, a implicar o cumprimento de um dever de obediência ao julgado.

No entanto, não se pode é «confundir a atitude que o conservador há-de assumir perante um pedido formulado numa acção judicial ou perante um título de natureza judicial que seja apresentado na conservatória para ser registado, com a atitude que o conservador há-de assumir perante uma decisão judicial que se traduza num mandado especificamente dirigido a resolver a controvérsia suscitada pela sua anterior decisão, depois de corrido o processo próprio de impugnação» (Mónica Jardim, ob. cit., p. 17), pelo simples facto de, na primeira situação, não existir acto jurisdicional que, tendo como destinatário o conservador, ordene ou imponha a realização de determinado acto de registo.

De resto, tendo presente tal diferença, bem se veria que a apreciação da viabilidade do pedido de registo e a decisão que sobre ele recaia não põe em crise a existência de qualquer decisão jurisdicional nem implica «subordinação de uma das entidades à outra, mas apenas o cumprimento das suas competências específicas» (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29 de Setembro de 2005, disponível em www.dgsi.pt).

Projectando esta realidade no caso dos autos, perante a inexistência de um título judicial próprio a impor, como res judicata, a realização do registo e atenta a legitimidade da pronúncia do conservador sobre a legalidade dos pedidos que lhe são dirigidos, improcedem os fundamentos subjacentes ao juízo lavrado na decisão recorrida.

Resta, portanto, concluir que a recusa de registo de uma acção cujo pedido tenha sido formulado, pelas partes, na sequência de promoção judicial não compromete as exigências de sentido firmadas na norma do artigo 205.º, n.º 2, da Constituição, não padecendo de inconstitucionalidade a norma do artigo 3.º, n.º 3, do C. R. Predial, enquanto autoriza o prosseguimento da lide em face da recusa de registo com o fundamento de que a acção a ele não se encontra sujeita, sendo que, como se alvitrou, o regime aqui em crise acaba inclusivamente por ser reclamado por injunções constitucionais não despiciendas em sede de um justo e equitativo acesso ao direito e aos tribunais.

C - Decisão

6 - Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Registo Predial, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 67/96, de 31 de Maio; e, consequentemente,

b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em consonância com o presente juízo de constitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 29 de Maio de 2008. - Benjamim Rodrigues - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1689952.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1996-05-31 - Decreto-Lei 67/96 - Ministério da Justiça

    Adita um n.º 3 ao artigo 3.º do Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de Julho.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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