Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2003
Entende-se por violência doméstica toda a violência física, sexual ou psicológica que ocorre em ambiente familiar e que inclui, embora não se limitando a, maus tratos, abuso sexual de mulheres e crianças, violação entre cônjuges, crimes passionais, mutilação sexual feminina e outras práticas tradicionais nefastas, incesto, ameaças, privação arbitrária de liberdade e exploração sexual e económica. Embora maioritariamente exercida sobre mulheres, atinge também, directa e ou indirectamente, crianças, idosas e idosos e outras pessoas mais vulneráveis, como as deficientes.
Assim entendida, a violência doméstica abrange uma complexidade de situações ligadas à intimidade dos cidadãos e cidadãs e é, por isso mesmo, extremamente difícil de combater. É um crime público com dimensões alarmantes na sociedade portuguesa e que não se restringe a Portugal.
De acordo com as conclusões da 42.ª Sessão da Comissão do Estatuto das Mulheres das Nações Unidas, de Março de 1998, os Estados Partes são exortados a: «Formular planos, programas ou estratégias nacionais de uma forma multidisciplinar e coordenada, que serão disseminados visando a eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas, dotando de objectivos, prazos de implementação e a aplicação efectiva de procedimentos de monitorização, envolvendo todos os intervenientes no processo, bem como as ONG de mulheres.» Embora os números ainda preliminares relativos ao ano de 2002 apontem no sentido de um aumento da violência doméstica perpetrada sobre as crianças, idosos e pessoas com deficiência, as mulheres são, ainda, a enormíssima maioria das vítimas mais frequentes da violência praticada no espaço familiar.
Trata-se de um fenómeno de enorme gravidade que pode revestir formas diversas, tanto psíquicas como físicas, incluindo o abuso sexual.
Por essas razões, este II Plano Nacional contra a Violência Doméstica tem como objecto primordial de intervenção o combate à violência exercida sobre as mulheres no espaço doméstico, embora não lhe sejam alheias todas as outras formas identificadas.
O XV Governo Constitucional considera que o combate a um fenómeno com estas características e que atravessa toda a sociedade portuguesa só será eficaz se travado numa perspectiva transversal e integrada. Por isso, a aplicação das medidas previstas neste Plano será articulada de forma particular com o Plano Nacional de Acção para a Inclusão Social. De igual modo se determina que para efeitos de aplicação deste Plano se estabeleça uma ligação muito particular entre a Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres e a Coordenação Nacional para os Assuntos de Família.
O Governo procurará, através do Orçamento Geral do Estado e dos fundos comunitários disponíveis para este efeito, garantir os meios imprescindíveis à boa concretização deste Plano, o que pressupõe um rigoroso compromisso por parte dos ministérios directamente envolvidos na sua elaboração e a colaboração das autarquias e das organizações não governamentais que actuam nesta área.
Combater a violência doméstica é combater um fenómeno que contraria os princípios fundamentais do Estado de direito, a que urge pôr termo. É esse o principal objectivo deste II Plano Nacional contra a Violência Doméstica, assumindo que este flagelo é uma prática gravemente violadora dos direitos humanos e um obstáculo à realização dos direitos fundamentais.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar o II Plano Nacional contra a Violência Doméstica, em anexo à presente resolução e que dela faz parte integrante.
2 - O II Plano Nacional contra a Violência Doméstica tem uma vigência de três anos, a partir da data da sua aprovação, e a sua aplicação deverá ser coordenada com a de outras políticas sectoriais.
3 - Cumpre à Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (CIDM) a dinamização, o acompanhamento e a execução de todas as medidas constantes do Plano. Para tal, procurará garantir a estreita colaboração com todos os ministérios mais directamente envolvidos na sua elaboração.
4 - Ao Observatório sobre a Violência Doméstica, presidido pela CIDM, é reconhecido um papel particular na garantia de execução do Plano.
5 - Compete aos vários ministérios envolvidos na execução das medidas que integram o II Plano Nacional contra a Violência Doméstica a identificação e inclusão, nos respectivos orçamentos anuais, dos encargos delas resultantes.
Presidência do Conselho de Ministros, 13 de Junho de 2003. - O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.
II Plano Nacional contra a Violência Doméstica
(2003-2006)
Introdução
A violência doméstica não é, infelizmente, apenas um problema dos nossos dias, assim como não é um problema especialmente nacional. Muito pelo contrário, a sua prática atravessa os tempos e o fenómeno tem características muito semelhantes em países cultural e geograficamente distintos mais e menos desenvolvidos.A violência doméstica é o tipo de violência que ocorre entre membros de uma mesma família ou que partilham o mesmo espaço de habitação.
Estas circunstâncias fazem com que este seja um problema especialmente complexo, com facetas que entram na intimidade das famílias e das pessoas (agravado por não ter, regra geral, testemunhas e ser exercida em espaços privados). Abordá-lo é delicado, combatê-lo é muito difícil. É verdade, no entanto, que, mercê do grande interesse que as principais organizações internacionais têm dedicado a este tema nas últimas décadas, temos actualmente a consciência mais desperta para conhecer o problema e, consequentemente, para o enfrentar.
A violência mais comum é a exercida sobre as mulheres. Segundo o Conselho da Europa, a violência contra as mulheres no espaço doméstico é a maior causa de morte e invalidez entre mulheres dos 16 aos 44 anos, ultrapassando o cancro, acidentes de viação e até a guerra (ver nota 1). Este dado internacional, se relacionado com os indicadores disponíveis em Portugal (embora apenas indicativos e ainda a necessitar de confirmação mais rigorosa), que sugerem que semanalmente morrem mais de cinco mulheres por razões directas e indirectamente relacionadas com actos de violência doméstica, dá-nos uma fotografia de uma realidade que nos ofende na nossa dignidade humana enquanto pessoas e na nossa condição de cidadãos enquanto portugueses.
No entanto, somos crescentemente confrontados com o aumento de situações de violência perpetrada, também, contra as crianças, as pessoas idosas e as mais frágeis, como é o caso dos cidadãos portadores de deficiência. Esta violência pode assumir diversas formas, que vão dos maus tratos e espancamento até ao abuso sexual, violação, incesto, ameaças, intimidação e prisão domiciliária.
Não podemos ignorar, no entanto, que a grande maioria de situações que prefiguram casos de violência doméstica são ainda as exercidas sobre as mulheres pelo seu marido ou companheiro. Este tipo de violência doméstica tem significativas implicações políticas, sociais e até económicas e constituiu uma violação dos direitos humanos com raízes históricas e culturais. Na sua origem está, porém, a persistência de flagrantes desigualdades entre as mulheres e os homens.
A Constituição da República Portuguesa preconiza, no seu artigo 9.º, alínea b), entre as tarefas fundamentais do Estado a de «garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático», assim como na sua alínea h) a de «promover a igualdade entre homens e mulheres». O princípio da igualdade (artigo 13.º) e o direito à integridade pessoal (artigo 26.º), entre outras disposições constitucionais, reforçam esta tutela que apesar de constitucionalmente protegida é sistematicamente violada.
A nível internacional, várias orientações (normativas e outras) e programas de acção têm sido adoptados no que toca à violência, nomeadamente doméstica.
No âmbito das Nações Unidas, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, adoptada pela Assembleia Geral em 1979, deu um grande passo ao proibir todas as formas de discriminação contra as mulheres, nelas se incluindo a violência. Na mesma linha vai a Resolução 48/104, de 20 de Dezembro de 1993, contendo a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Igualmente determinantes foram a 4.ª Conferência Mundial sobre as Mulheres, Pequim, 1995, e a sessão extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas «Mulher 2000: Igualdade entre os sexos, desenvolvimento e paz no século XXI.».
No entanto, merece um relevo particular a muito recente Resolução da Comissão dos Direitos Humanos n.º 2002/52 sobre a eliminação da violência contra as mulheres.
Também o Conselho da Europa abordou o assunto de diversos modos e desde há vários anos, tendo o Comité dos Ministros adoptado, a 30 de Abril de 2002, a Recomendação Rec (2000) n.º 5 sobre a protecção das mulheres contra a violência.
Por outro lado, várias presidências da União Europeia mostraram uma particular sensibilidade sobre a violência doméstica, tendo sido adoptadas várias recomendações nesta área, de que se destaca a presidência espanhola em 2002. Também em reunião de Dezembro do mesmo ano, do Conselho de Ministros do Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores, realizada no final da presidência dinamarquesa, foram aprovados indicadores estatísticos na área da violência doméstica.
Estamos, pois, perante um problema velho para o qual urge encontrar respostas novas.
O II Plano Nacional contra a Violência Doméstica foi elaborado por um grupo de trabalho integrado por representantes dos vários ministérios mais directamente relacionados com esta área. Trata-se de um Plano ambicioso:
tanto pelo número e características das medidas apresentadas que requerem, quase todas, a colaboração transversal entre diversos organismos públicos como pelo rigoroso calendário que se propõe cumprir.
Está organizado em sete capítulos principais, que se desdobram em várias medidas concretas, e tem como principal objecto de intervenção a violência doméstica exercida sobre as mulheres. O XV Governo Constitucional tem presente, como já ficou explícito, que também prefiguram situações de violência doméstica as praticadas sobre homens, crianças, pessoas idosas e pessoas deficientes.
No entanto, considerando que:
São as mulheres a grande maioria das vítimas de violência doméstica;
Se conhece muito mal a realidade da violência praticada sobre crianças, pessoas idosas e pessoas deficientes (lacuna que se procurará colmatar, em parte, ao longo do período de vigência deste Plano);
Que é a CIDM a dinamizadora deste Plano, sob a tutela do Ministro da Presidência;
Que a CIDM não tem competências directas nas outras áreas que pressupõem situações de violência doméstica (crianças, pessoas idosas e pessoas deficientes);
Que a violência sobre as mulheres radica na persistente desigualdade de condições entre as mulheres e os homens, e que muito embora nela sejam também englobadas outras formas de violência sobre as mulheres (assédio, tráfico, etc.), é a violência doméstica que causa o maior número de mortes de mulheres entre os 16 e os 44 anos:
Por todas estas razões, o Governo apresenta este II Plano Nacional contra a Violência Doméstica focalizado, principalmente, na violência doméstica exercida sobre as mulheres.
A sociedade, mulheres e homens, partilha representações sociais sobre o género e as relações entre os géneros em todos os estratos sociais e profissionais. Os testemunhos das mulheres são tidos como pouco credíveis pela sociedade em geral e, por isso, muitas mulheres sentem-se prisioneiras isoladas no seu mundo de violência. Muitas vezes, de vítimas transformam-se em acusadas; poucas acreditam na possibilidade de se libertarem da perseguição dos agressores ou de que estes venham a ser punidos. Suportam o insustentável na convicção de que estão a proteger os seus filhos, ignorando que, ao fazê-lo, estão a alimentar uma espiral de violência que levará a que alguns deles sejam mais tarde novos agressores.
Não mais poderemos continuar a fechar os olhos a estes factos, sob pena de impedirmos Portugal de se afirmar como um país moderno, onde o respeito pelos direitos humanos esteja garantido, onde homens e mulheres partilhem entre si, em igualdade de circunstâncias, os direitos e deveres de cidadãos e cidadãs.
O II Plano Nacional contra a Violência Doméstica pretende mudar a situação vigente, marcando uma viragem no combate sem tréguas à violência doméstica sobre mulheres.
1 - Informação, sensibilização e prevenção
Uma maior sensibilização das cidadãs e dos cidadãos para o problema da violência doméstica passa por acções de informação e divulgação sobre os seus direitos e deveres. O Governo está empenhado em comprometer toda a sociedade no combate a um crime público que tem proporções inaceitáveis, pois a eficácia deste combate depende de todos os portugueses. Apostar na sensibilização e na prevenção, tanto dos adultos como das gerações mais novas, é um dos caminhos para alterar a actual situação.
1.1 - O Governo promoverá, através dos meios de comunicação social, uma campanha nacional sobre a problemática da violência doméstica, com especial relevo para as publicações periódicas, programas de televisão e rádio. Esta campanha inicial será seguida de outras campanhas destinadas a manter sempre presente esta problemática - (PCM/CIDM, MJ, MAI, MSST, MS, ICS, PGR, ANM) campanha inicial no 2.º semestre de 2003; campanhas anuais todos os meses de Novembro, celebrando o Dia Internacional de Combate contra a Violência Doméstica - 25 de Novembro.
1.2 - Elaboração de material informativo em suportes vários, papel, CD, vídeo, etc., sobre direitos humanos e violência doméstica. O material será simples, de fácil leitura, curto e preciso, de preferência seguindo o modelo de perguntas e respostas e será distribuído em locais de atendimento ao público, quer da administração central quer das autarquias, nomeadamente em hospitais e centros de saúde. O material audiovisual será utilizado em salas de atendimento com vídeo ou computador e em acções de formação e sensibilização (PCM/CIDM, MJ, MS, MSST, MAI, ANM) - os materiais começarão a ser concebidos desde já, promovendo-se a sua divulgação a partir do 2.º semestre de 2003.
1.3 - Propor às Ordens dos Médicos, dos Enfermeiros e dos Farmacêuticos, o estabelecimento de protocolos com vista à divulgação regular de material informativo sobre violência doméstica nos consultórios e farmácias. Uma determinação no mesmo sentido será feita ao INFARMED (PCM/CIDM e MS) - protocolos a desenvolver durante o ano de 2003 tendo em vista a concretização prática deste projecto a partir de 2004 e, depois, de forma regular durante todos os anos de vigência do Plano.
1.4 - Realização de um seminário nacional interdisciplinar sobre violência doméstica envolvendo a experiência das instituições públicas, das vítimas, de associações que trabalham neste domínio, de agressores recuperados por instituições de reinserção, ONG, IPSS, forças de segurança, ordens profissionais e sindicatos, para além da Provedoria de Justiça, da Procuradoria-Geral da República e da comunicação social [PCM/CIDM (enquanto dinamizadora)] - 1.º semestre de 2004.
1.5 - Determinar a integração progressiva nos planos curriculares de todos os níveis de ensino, numa perspectiva de não violência, de temas relacionados com os direitos humanos, a cidadania, a igualdade nas relações entre pessoas dos dois sexos e a protecção das pessoas mais vulneráveis (ME).
1.6 - Introdução nas escolas, desde a Educação pré-escolar, aos ensinos básico e secundário (transversalmente e nas áreas de projecto e educação cívica) do tratamento de temas relacionados com a igualdade de direitos entre sexos, com realce para o problema da violência doméstica (ME e CIDM) - proposta a apresentar em 2003 para aplicação nos anos lectivos subsequentes.
1.7 - Elaboração de «unidades didácticas» (objectivos, conteúdos, metodologias) para disponibilizar às escolas dos diferentes níveis de escolaridade. Estas UD deverão conter módulos mais práticos dirigidos a «estratégias de promoção de auto-estima, aquisição de competências sociais tais como comunicação, negociação e assertividade», no sentido de desenvolver o respeito e a igualdade nas relações interpessoais (ME e CIDM) - colaboração a iniciar desde já, tendo em vista a implementação de experiências piloto no ano lectivo de 2003-2004.
1.8 - Sensibilização e apoio a autarquias que tenham, ou desejem ter, projectos contra a violência, nomeadamente espaços de informação sobre a problemática da violência doméstica (ANM e MCOTA) - início imediato com a aprovação do Plano.
1.9 - Criação de uma página web com informações específicas sobre violência doméstica, que seja continuamente actualizada, garantindo que o maior número possível de portais com relação directa ou indirecta com esta temática estabeleça uma ligação a esta página, nomeadamente os portais dos ministérios, das forças policiais, do poder judicial, das universidades e de outras instituições e departamentos (PCM/CIDM, autarquias e ministérios) - dar-se-á início de imediato ao desenvolvimento da página, prevendo-se a implementação deste projecto ao longo de todo o período de vigência do Plano.
1.10 - Sensibilização dos(as) promotores(as) de iniciativas comunitárias no âmbito do QCA III, para incluírem nos respectivos programas sectoriais a questão da violência doméstica (PCM/CIDM, MSST, MCOTA - CCR, MS) - imediato, através de uma redobrada atenção coordenada da transversalidade desta matéria em todos os programas do QCA III.
1.11 - Incentivos e apoios aos meios de comunicação social com vista à realização de documentários, debates e programas sobre a violência doméstica, enquanto manifestação de atraso estrutural impeditivo da concretização de uma sociedade democrática (PCM/CIDM, ICS, AACS) - imediato e durante todo o período de vigência do Plano.
2 Formação
A abordagem da temática da violência doméstica tem especificidades que exigem uma aproximação cuidada. É preciso lidar com este problema de forma profissional, disponibilizando formação continuada a todos os profissionais das mais diversas áreas e elementos da sociedade civil que, no seu dia-a-dia, lidam, em primeira linha, com as situações concretas.Por forma que os profissionais de hoje e as gerações futuras possam estar adequadamente preparados para lidar de forma tão profissional quanto possível com este fenómeno, a formação deve revestir uma natureza dupla e incidir sobre dois tipos de público alvo:
a) Formação inicial - sensibilização das entidades competentes, nomeadamente do ensino universitário para a importância da inclusão de módulos sobre violência doméstica em cursos universitários e de formação profissional para futuros(as) profissionais mais directamente envolvidos no atendimento de vítimas deste tipo de violência e na criação de um ambiente propício ao tratamento sério deste problema (jornalistas, ciências políticas, etc.) (PCM/CIDM, MCES, MSST, ME, MAI, MJ, ordens profissionais);
b) Formação contínua e multidisciplinar, dirigida a todos os grupos alvo que, de algum modo, têm contacto ou estejam envolvidos no atendimento e protecção de vítimas de violência doméstica, tais como magistrados, advogados, juristas, agentes das forças policiais, profissionais de saúde, comunicação social, agentes sociais, etc. (PCM/CIDM, MCES, ME, MSST, MAI, MJ, MS, OA);
c) Os cursos de formação serão elaborados, acreditados e propostos a entidades formadoras nas áreas que acima são referidas (PCM/CIDM, MSST).
2.1 - Realização, com o apoio do Programa Foral, de acções de formação que abranjam grande parte do território nacional e que permitam familiarizar os funcionários das autarquias, nomeadamente das juntas de freguesia, com as especificidades da problemática da violência doméstica (PCM/CIDM, MCOTA, ANM) - acções a iniciar no 2.º semestre de 2003, prevendo-se o seu desenvolvimento nos anos subsequentes.
2.2 - Inclusão obrigatória na formação na área da igualdade dirigida aos mais diversos públicos, instituições e autarquias, de um módulo sobre violência doméstica (PCM/CIDM, CITE) - acções a iniciar imediatamente e a desenvolver durante todo o tempo de vigência do Plano em estreita sintonia com o Plano Nacional para a Igualdade de Oportunidades entre as Mulheres e os Homens.
2.3 - Inclusão da temática «Igualdade entre as mulheres e os homens», com realce para o problema da violência doméstica, nas acções de formação de professores a cargo dos centros de formação de professores. Este ponto do Plano será desenvolvido em estreita sintonia com o Plano Nacional para a Igualdade entre as Mulheres e os Homens (PCM/CIDM e ME) - imediatamente à entrada em vigência do Plano e a desenvolver durante todo o triénio.
2.4 - Inclusão da temática «Igualdade entre as mulheres e os homens», com realce para o problema da violência doméstica, nos curricula de formação inicial de professores a cargo das escolas superiores de educação que ainda não o façam. De igual modo, colaborar, através da disponibilização de formadores, em iniciativas relacionadas com a formação de professores e outros profissionais de educação em sessões em escolas do ensino básico e secundário, escolas superiores de educação e politécnicos (PCM/CIDM e MCES) - a ser trabalhado de imediato tendo em vista a sua aplicação a partir de 2004.
2.5 - Dar orientações às escolas, no sentido de detectarem, acompanharem e encaminharem situações de crianças vítimas de violência familiar. Promover programas de detecção de violência familiar nas escolas, prevendo a intervenção de agentes sociais sempre que for caso disso (PCM/CIDM e ME) - experiências piloto em 2003 e a desenvolver nos anos lectivos subsequentes.
2.6 - Elaboração de material formativo sobre prevenção, identificação e detecção de casos de violência doméstica, nomeadamente para profissionais de atendimento (PCM/CIDM, MJ, MSST, MAI, MS) - a ser trabalhado de imediato tendo em vista a sua aplicação em 2004.
3 - Legislação e sua aplicação
Apesar de salvaguardados no nosso ordenamento jurídico desde 1976, a igualdade de direitos entre as mulheres e os homens será objecto de uma continuada atenção que poderá implicar, em determinadas circunstâncias, a revisão da lei. O poder judicial e as forças de segurança são, entre outros, parceiros imprescindíveis do Governo na garantia da aplicação das normas existentes. Trata-se de garantir a integridade física e moral de mulheres, crianças, idosos(as) e outras pessoas vulneráveis que são vítimas de violência doméstica.3.1 - Sensibilização dos magistrados no sentido da aplicação da medida de coacção de afastamento do agressor prevista no artigo 200.º do Código de Processo Penal e da pena acessória de proibição de contacto com a vítima prevista no artigo 152.º, n.º 6, do Código Penal (MJ, PGR) - 2.º semestre de 2003 e nos anos subsequentes.
3.2 - Revisão do sistema de obtenção de prova no contexto da violência doméstica (MCES, MJ, PGR, Conselho Superior da Magistratura, Ordem dos Advogados, universidades) - imediato e durante todo o período de vigência do Plano.
3.3 - Determinação da inibição da licença de uso e porte de arma, sempre que seja aplicada a medida de afastamento do agressor ou existam antecedentes reveladores de violência doméstica. Esta medida deve ser aplicada de forma imediata, desde a constituição do arguido (MJ, MAI).
3.4 - Identificação e estabelecimento de medidas legítimas de intervenção policial e sua respectiva tipificação quanto à sua natureza, pressupostos e objectivos, em conformidade com os interesses legítimos das vítimas de violência doméstica, no quadro de uma futura regulamentação da função policial (MAI, MJ).
3.5 - Avaliação das possibilidades de reforço da segurança de vítimas de violência doméstica que hajam beneficiado da medida de afastamento do agressor. Este reforço não dependerá exclusivamente das forças de segurança, mas encontrar-se-ão para cada caso formas de envolvimento da comunidade e prever-se-á a possibilidade de uso de meios electrónicos para chamadas de urgência no caso de ameaças iminentes à vítima de violência doméstica (MAI, MJ) - a partir de 2004.
3.6 - Assegurar às vítimas de violência doméstica, através do Instituto de Acesso ao Direito, a imediata consulta jurídica, a efectuar por advogados, ou advogados estagiários acompanhados de patrono formador, e a célere e sequente concessão de apoio judiciário, ponderada a insuficiência económica, nos termos legais (MJ, OA) - partir do 2.º semestre de 2003.
3.7 - Garantir uma efectiva protecção das vítimas de violência doméstica através do recurso aos diversos instrumentos previstos na Lei 93/99, de 14 de Julho - aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal (MJ).
3.8 - Revisão da Lei 129/99, de 20 de Agosto, relativa ao adiantamento pelo Estado de indemnização às vítimas de violência conjugal.
3.9 - Elaboração e publicação de um guia de legislação e jurisprudência sobre violência doméstica (MJ) - elaboração até ao final do 2.º semestre de 2003;
publicação durante o 1.º semestre de 2004.
4 - Protecção da vítima e integração social
O combate à violência doméstica, pela complexidade de situações que estão na sua origem, só terá sucesso quando a sociedade assentar num modelo organizativo diferente: é preciso actuar tendo em vista um maior equilíbrio nos papéis desempenhados pelas mulheres e pelos homens na sociedade e na família. Infelizmente, este é um combate para muitos anos que obriga, no imediato, a assegurar uma protecção efectiva das vítimas que contemplará dois momentos diferentes: a assistência em situações de emergência social, que passa por uma crescente implementação da rede de casas de apoio, e garantir que à ocasião difícil da ruptura se perspectiva um novo projecto de vida, o que só se consegue com uma eficaz reintegração social das vítimas e seus descendentes.
4.1 - Reestruturação do Serviço de Informação às Vítimas de Violência Doméstica (Linha Verde), garantindo a prestação de um serviço de apoio eficaz, todos os dias da semana, vinte e quatro horas por dia (PCM/CIDM, MSST) - 1.º semestre de 2003.
4.2 - Incremento da rede nacional de casas de apoio para mulheres vítimas de violência doméstica de acordo com o estabelecido na Lei 107/99, de 3 de Agosto, e no Decreto-Lei 323/2000, de 19 de Dezembro (PCM/CIDM, MSST) - ao longo de toda a vigência do Plano.
4.3 - Elaboração de um regulamento interno das casas de abrigo, acautelando, nomeadamente, a qualidade dos serviços prestados, as condições de abertura, de funcionamento e de fiscalização (que não evita a obrigatoriedade de existir, também, um regulamento interno de funcionamento de cada casa, como previsto no Decreto-Lei 323/2000) (PCM/CIDM, MSST) - 1.º semestre de 2003.
4.4 - Criação de uma base de dados a nível nacional integrando todos os recursos públicos e privados que trabalham nesta área. Numa segunda fase, esta base deverá estar acessível na Internet, embora com acesso restrito, mantendo actualizada a informação relativa à ocupação de cada casa de abrigo e respectivas disponibilidades em cada momento (PCM/CIDM, MSST, CNPD) - criação da base de dados no 1.º semestre de 2004; colocação da base na Internet no 2.º semestre de 2004.
4.5 - Estabelecimento de uma rede entre todos os organismos públicos e privados que lidam com violência doméstica, para que se estabeleçam regras mínimas de atendimento, que incluam a confidencialidade, o bom acolhimento e o encaminhamento das diferentes situações (protocolos de atendimento a vítimas), tendo em vista uma melhor resposta às vítimas (PCM/CIDM), enquanto entidade dinamizadora (MS, MSST, MAI, MJ, ONG, ANM) - 1.º semestre de 2004.
4.6 - Elaboração de guiões de atendimento para todos os profissionais que fazem o atendimento de vítimas de violência doméstica (PCM/CIDM, MS, MSST, MAI, MJ) - 2.º semestre de 2003.
4.7 - Facilitação do acesso de mulheres vítimas de violência doméstica a programas de pré-formação e formação profissional, bem como a outras formas de apoio para inserção no mercado de trabalho (MSST) - em todo o período de vigência do Plano.
4.8 - Garantir o acesso efectivo de vítimas de violência doméstica a unidades de saúde de aconselhamento e tratamento clínico e psicológico (MS).
4.9 - Desenvolvimento e criação de gabinetes de atendimento e tratamento clínico de famílias disfuncionais para prevenção da violência doméstica (MCES, MSST, MS, MJ) - 1.º semestre de 2005.
4.10 - Criação de recursos de reabilitação e tratamento clínico dos agressores que, voluntariamente, pretendam mudar o seu comportamento (PCM/CIDM, MS, MJ) - 1.º semestre de 2005.
5 Investigação
É positiva a crescente visibilidade pública que tem merecido a problemática da violência doméstica, nomeadamente nos órgãos de comunicação social. Mas o Governo só poderá combater com máxima eficácia o que conhecer em profundidade. É ainda difícil entender toda a dimensão social e económica deste flagelo, pelo que é forçoso colmatar esta lacuna. O Governo promoverá estudos sectoriais, estabelecerá elos privilegiados com as universidades e com os organismos públicos e privados que financiam a investigação. É forçoso obter dados concretos, que permitam tirar conclusões e fazer projecções objectivas.5.1 - Tendo como referência os indicadores sobre violência doméstica aprovados pelo Conselho de Ministros da União Europeia, em Dezembro de 2002, é necessário adaptar e uniformizar os indicadores nacionais para permitir conhecer e acompanhar a evolução do combate à violência doméstica, viabilizando, também, a comparação a nível nacional, comunitário e internacional (PCM/CIDM, INE) - ao longo de todo o período de vigência do Plano.
5.2 - Institucionalização da recolha de dados, com base em fichas normalizadas, construídas a partir dos indicadores acima definidos, por parte de todas as instituições que trabalham com vítimas de violência doméstica (PCM/CIDM, MS, MJ, MAI, MSST, INE, ONG) - colaboração a iniciar com o INE no 1.º semestre de 2003; implementação prática a partir do 2.º semestre de 2004.
5.3 - Elaboração de inquéritos de âmbito nacional sobre violência na família que permitam avaliar a evolução deste problema em Portugal (PCM/CIDM) - 1.º semestre de 2004.
5.4 - Promoção de estudos sobre os custos humanos, sociais e materiais da violência doméstica, bem como de projectos de investigação para a identificação de factores e valores culturais que perpetuam a manutenção do ciclo de violência na família (PCM/CIDM, MCES) - ao longo de todo o período de vigência do Plano.
5.5 - Disponibilização, através de protocolo com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, de uma linha de subsídios que apoie, também, estudos específicos nesta área (MCES) - protocolo a celebrar em 2003, com carácter anual.
6 - Mulheres imigrantes
O número de imigrantes que vivem entre nós tem uma dimensão muito significativa no conjunto da sociedade portuguesa. Da coexistência de várias comunidades, com valores e referências culturais tão diferentes resultam problemas novos, nomeadamente na área da violência doméstica. O Governo tem assumido de forma explícita que não consentirá na prática de qualquer forma de mutilação genital feminina em Portugal e actuará nesse sentido. Na aplicação de todas as outras medidas deste Plano as mulheres imigrantes serão consideradas em igualdade de circunstâncias com as de nacionalidade portuguesa.6.1 - Promoção de estudos que permitam conhecer em profundidade os problemas específicos de violência doméstica a que estão sujeitas as comunidades imigrantes e desenvolver acções de sensibilização especificamente destinadas a essas comunidades (PCM/CIDM, MAI, ACIME) - a implementar com a entrada em vigor do Plano.
6.2 - Sensibilização por formas directas não abrangidas por outras consideradas neste Plano das comunidades de imigrantes para a violação de direitos humanos que constituem todas as formas de mutilação genital feminina (PCM/CIDM, ACIME) - a implementar com a entrada em vigor do Plano.
6.3 - Criminalização de forma expressa da mutilação genital feminina.
6.4 - Habilitar os centros de saúde e os hospitais a prestar o auxílio especial necessário em situações de mutilação genital feminina nas comunidades em que aquelas se inserem e em relação às mulheres e crianças que a eles recorrem (PCM/CIDM, ACIME, MS) - a implementar com a entrada em vigor do Plano.
7 Avaliação
Porque o Governo quer alcançar o óptimo, é necessário acompanhar a evolução deste Plano. A CIDM manterá um papel fundamental enquanto dinamizadora, ao longo de todo o seu período de execução, mas nesta área nada se fará sem o empenhamento transversal de todo o Governo, dos organismos públicos e da sociedade civil. Para o cumprimento das medidas que aqui estão expressas, é essencial criar um mecanismo que avalie a sua aplicação.7.1 - Será constituído um observatório sobre a violência doméstica, que acompanhará e fará a avaliação contínua da aplicação deste Plano Nacional.
Cumpre-lhe, também, recolher informações e dados tendo em vista a realização de um relatório anual que será apresentado em Dezembro ao ministro da tutela, para posterior apreciação pelo Conselho de Ministros. Será integrado pelos representantes da CIDM, dos Ministérios da Justiça, da Educação, da Saúde, da Segurança Social e do Trabalho e da Administração Interna e da Associação Nacional de Municípios que trabalharam na elaboração do Plano ou quem, em sua substituição, vier a ser nomeado para este efeito. A CIDM presidirá a este observatório, que reunirá trimestralmente e para o qual serão ainda convidadas a participar, de forma rotativa, as associações e ONG que trabalham nesta área (PCM/CIDM, MJ, ME, MS, MSST, MAI, ANM).
7.2 - O observatório terá relações de intercâmbio com o Observatório para os Assuntos de Família.
7.3 - A avaliação final será feita por um grupo de especialistas, a designar pelo Ministro da Presidência, que integrará entidades ligadas à investigação científica, personalidades com manifesta experiência nesta área ou, ainda, peritos na área dos direitos humanos.
(nota 1) Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, Recomendação 1582 (2002)1 (1).
Índice das siglas utilizadas no presente Plano
AACS - Alta Autoridade para a Comunicação Social.
ACIME - Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas.
ANM - Associação Nacional de Municípios.
CCR - comissões de coordenação regional.
CIDM - Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres.
CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.
CNPD - Comissão Nacional de Protecção de Dados.
ICS - Instituto da Comunicação Social.
INE - Instituto Nacional de Estatística.
IPSS - instituições particulares de solidariedade social.
MAI - Ministério da Administração Interna.
MCES - Ministério da Ciência e Ensino Superior.
MCOTA - Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.
ME - Ministério da Educação.
MJ - Ministério da Justiça.
MS - Ministério da Saúde.
MSST - Ministério da Segurança Social e do Trabalho.
OA - Ordem dos Advogados.
ONG - organizações não governamentais.
PCM - Presidência do Conselho de Ministros.
PGR - Procuradoria-Geral da República.
QCA III - III Quadro Comunitário de Apoio.