Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I - Relatório
1 - Requerente e pedido
O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio requerer, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição da República Portuguesa (CRP), a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma contida no artigo 126.º da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007).
O preceito em questão estabelece, no quadro das relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas, os montantes de que estas beneficiarão, durante o ano económico de 2007, a título de transferência. É do seguinte teor:
«Nos termos e para os efeitos do artigo 88.º da Lei 91/2001, de 20 de Agosto, alterada e republicada pela Lei 48/2004, de 24 de Agosto, as transferências para as Regiões Autónomas em 2007 são determinadas nos termos seguintes:
a) (euro) 223 436 000 para a Região Autónoma dos Açores, sendo (euro) 167 436 000 a título de solidariedade e (euro) 56 000 000 do Fundo de Coesão;
b) (euro) 170 895 000 para a Região Autónoma da Madeira, sendo (euro) 139 195 000 a título de solidariedade e (euro) 31 700 000 do Fundo de Coesão.»
2 - Fundamentos do pedido
2 - 1. De inconstitucionalidade
O requerente alicerça o pedido de inconstitucionalidade nos seguintes fundamentos:
a) Violação do dever de solidariedade do Estado para com as Regiões Autónomas
Invoca-se, em síntese, que foi violado o princípio constitucional da solidariedade do Estado para com as Regiões Autónomas, ancorado nos artigos 225.º, n.º 2, 227.º, n.º 1, alínea j), e 229.º, n.º 1, da CRP, ao ser reduzido o montante a transferir de 2006 para 2007 e que essa situação é «tanto mais gritante e escandalosa quanto é certo por ela se acentuarem as disparidades derivadas do carácter insular do território do arquipélago da Madeira».
b) Violação do direito de audição das Regiões Autónomas
A este respeito, é alegado um vício procedimental pelo facto de «a Região Autónoma da Madeira não ter sido devidamente auscultada na instrução do procedimento legislativo de elaboração da lei do Orçamento do Estado para 2007», o que configuraria a violação do direito de audição consagrado no artigo 229.º, n.º 2, da CRP, e concretizado nos artigos 90.º e seguintes do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (doravante, EPA-RAM), aprovado pela Lei 130/99, de 21 de Agosto, e na Lei 40/96, de 31 de Agosto.
Argúi-se que um tal direito constitucional e legalmente consagrado não foi respeitado no caso em apreço, «dado que a Assembleia da República, no decurso do prazo concedido para a emissão de parecer por parte da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e sem esperar por ele, inopinadamente efectuou a votação na generalidade e iniciou a votação na especialidade da futura lei do Orçamento do Estado para 2007». E acrescenta-se que o «comportamento da Assembleia da República infringiu por completo o núcleo essencial deste direito de audição, ao não ter esperado pela emissão daquele parecer antes de começar a tomar decisões sobre a configuração definitiva da lei do Orçamento do Estado para 2007, pondo em questão a utilidade daquele direito de audição».
2. 2. De ilegalidade
São apontados três fundamentos para a ilegalidade da norma em questão:
a) Violação da norma do não retrocesso financeiro consagrada no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira
Alega-se que foi desrespeitado o artigo 118.º, n.º 2, do EPA-RAM, o qual estabelece que as verbas a transferir pelo Estado não podem ser inferiores ao montante transferido pelo Orçamento do ano anterior multiplicado pela taxa de crescimento da despesa pública corrente no Orçamento do ano respectivo, visto que o montante agora transferido para a Região Autónoma da Madeira foi inferior ao montante no ano anterior, tendo passado de (euro) 204 888 536, em 2006, para (euro) 170 895 000, em 2007.
Argumenta-se que aquele preceito estatutário, configurando uma norma legal imperativa mínima, de legalidade reforçada, impede que possa ser desvirtuada pela lei que aprova o Orçamento do Estado, que é uma lei comum. E que a obediência da lei orçamental às leis reforçadas decorre, também, da própria força, procedimento, conteúdo e função dos estatutos político-administrativos e, no caso, até está expressamente mencionada, dado que qualquer orçamento se deve sujeitar às vinculações impostas por leis e contratos.
Prosseguindo, o autor do pedido afasta o argumento de que «o único padrão aferidor das relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas é o constante da lei de Finanças das Regiões Autónomas, Lei Orgânica 1/2007, de 19 de Fevereiro», por considerar, em suma, que «é a própria lei de Finanças das Regiões Autónomas a colocar-se num patamar inferior e complementar àquele que é primariamente definido pela Constituição e logo a seguir por cada Estatuto Político-Administrativo das Regiões Autónomas», o que resulta, nomeadamente, dos artigos 1.º, 4.º e 59.º, n.º 1, alínea c), desta lei financeira.
E conclui que «o mesmo raciocínio deve ser feito em relação a uma pretensa justificação para a diminuição do valor transferido em 2007 por comparação com o valor transferido em 2006 que se fundasse no artigo 88.º, n.º 2, da lei do enquadramento do Orçamento do Estado», por esta não ser uma lei reforçada em relação aos Estatutos Político-Administrativos, que sobre ela devem prevalecer pela sua especificidade na regulação dos direitos regionais e, em especial, da autonomia financeira regional.
b) Violação da norma da lei de enquadramento orçamental que apenas admite o retrocesso nas transferências financeiras para as Regiões Autónomas em circunstâncias excepcionais
A norma cuja violação forneceria uma segunda razão de ilegalidade do artigo 126.º da lei do Orçamento do Estado seria a contida no n.º 2 do artigo 88.º da lei de enquadramento orçamental, aprovada pela Lei 91/2001, de 20 de Agosto, alterada e republicada pela Lei 48/2004, de 24 de Agosto, nos termos da qual, a redução das transferências do Orçamento do Estado, determinadas na lei do Orçamento, dependem da verificação de circunstâncias excepcionais imperiosamente exigidas pela rigorosa observância das obrigações decorrentes do Programa de Estabilidade e Crescimento e dos princípios da proporcionalidade, não arbítrio e solidariedade recíproca e carece de audição prévia dos órgãos constitucionais legalmente competentes dos subsectores envolvidos.
No entender do requerente, a quebra do não retrocesso em matéria de transferências financeiras anuais do Estado para as Regiões Autónomas não obedeceu às condições fixadas no n.º 2 do preceito.
O carácter arbitrário da diminuição de verbas transferidas para a Região Autónoma da Madeira seria evidenciado pelo confronto com o tratamento conferido, nesta matéria, à Região Autónoma dos Açores: esta Região beneficiou de um aumento da verba a transferir, que, de (euro) 210 066 000, em 2006, passou para (euro) 223 436 000, em 2007.
Tal desigualdade de tratamento violaria «uma ideia de solidariedade recíproca, neste caso entre as próprias Regiões Autónomas e o Estado», atentando também contra a identidade de estatuto jurídico-político das duas regiões, do ponto de vista constitucional.
A redução seria ainda desproporcionada «porque se pretende cumprir os objectivos do Programa de Estabilidade e Convergência à custa das transferências para as Regiões Autónomas, quando é manifesto que o próprio Estado - o primeiríssimo destinatário desses apertados critérios e que deveria dar o exemplo - não mostra capacidade de os cumprir, bastando dizer, para o justificar, que para 2007 e em relação a 2006, as despesas de funcionamento do Estado aumentam 9,4 %, as despesas correntes do Estado sobem 3,1 %, o serviço da dívida aumenta 16 % e os encargos financeiros da dívida pública aumentam 8,1 %».
c) Falta de base legal prévia na determinação do montante a transferir em 2007 para a Região Autónoma da Madeira
No que respeita a este último fundamento do pedido de declaração de ilegalidade, o cerne da questão é o facto de «ter sido erroneamente determinado o montante da verba a transferir para a Região Autónoma da Madeira por aplicação da lei das Finanças das Regiões Autónomas então vigente».
Invoca o requerente que «a lei das Finanças das Regiões Autónomas na altura em vigor - a Lei 13/98, de 24 de Fevereiro - determinava como método de cálculo da verba a transferir do estado para as Regiões Autónomas o constante do seu artigo 30.º, n.º 2. [...] Simplesmente, não foi esse o método seguido, mas um qualquer outro método sem qualquer respaldo em lei que no momento se aplicasse».
Esse método não poderia, designadamente, corresponder àquele que veio a ser posteriormente acolhido pela nova lei de Finanças das Regiões Autónomas, entretanto aprovada, uma vez que a norma em apreço, como todo o Orçamento do Estado para 2007, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, enquanto que a Lei Orgânica 1/2007, que aprovou a nova lei de Finanças das Regiões Autónomas, apenas foi publicada em 19 de Fevereiro de 2007, pelo que a sua aplicação ao caso constituiria uma retroactividade inadmissível e violaria o princípio da tutela da confiança, «aplicável aos indivíduos como às instituições, constante do artigo 2.º da Constituição Portuguesa».
3 - Resposta do autor da norma
Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República apresentou uma defesa do exercício das suas competências, rejeitando a alegação de ter sido violado o direito constitucional e legal de audição das Regiões Autónomas. No que respeita a todos os outros fundamentos de inconstitucionalidade e ilegalidade invocados pelo requerente, deu por reproduzido o parecer da Comissão de Orçamento e Finanças relativo à Proposta de Lei 99/X, o qual considerara que essa Proposta «preenche as condições para subir a Plenário da Assembleia da República para apreciação na generalidade».
Como prova da observância do direito de audição das Regiões Autónomas, o Presidente da Assembleia da República forneceu a datação precisa dos passos mais relevantes do procedimento legislativo conducente à aprovação da lei do Orçamento do Estado de 2007.
Desse circunstanciado relato, há a destacar, no que à Região Autónoma da Madeira interessa, que a Proposta de Lei 99/X foi enviada, por via electrónica, ao Presidente da Assembleia Legislativa Regional dessa Região Autónoma, em 8 de Novembro de 2006. Essa Proposta foi votada, na generalidade, no dia seguinte, tendo a discussão na especialidade, pelo Plenário da Assembleia da República, decorrido nos dias 29 e 30 de Novembro de 2006. Neste último dia, após o encerramento da discussão na especialidade, processou-se a votação, também na especialidade, pelo Plenário, tendo a votação final global ocorrido na mesma data.
Em face destes dados, entende o Presidente da Assembleia da República que não é correcto considerar extemporâneo o pedido de parecer, como fez a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, alegando que este «não aproveitaria à Assembleia da República em nenhum efeito».
Citando jurisprudência da Comissão Constitucional e do Tribunal Constitucional, afirma que o direito de audição incide sobre normas específicas da Proposta, e não sobre a globalidade do diploma, pelo que a audição pode ser desencadeada antes do início da discussão na especialidade.
Conclui que «o Presidente da Assembleia da República não violou qualquer direito de audição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que, querendo, poderia ter enviado o seu parecer sobre a lei do Orçamento do Estado no prazo de 15 dias, prazo que decorre do artigo 6º da lei 40/96, de 31 de Agosto, uma vez que o seu contributo, conforme se provou, ainda viria em tempo para poder ser analisado no debate na especialidade que decorreu 21 dias após o pedido de consulta».
4 - Memorando
Discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em harmonia com o que então se estabeleceu.
II - Fundamentação
5. Questão prévia quanto à legitimidade do requerente
Nos termos do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da CRP, os presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de normas, com força obrigatória geral, quando o pedido "se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas".
Este pressuposto está realizado, no caso vertente, pelo que, no que se refere às duas questões de constitucionalidade suscitadas, não se suscitam dúvidas quanto à legitimidade do requerente.
No que toca à declaração de ilegalidade, aquela norma restringe a legitimidade para a requerer das entidades nela mencionadas, entre as quais os presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, a pedidos que se fundem "em violação dos respectivos estatutos".
Há que indagar, pois, se as normas invocadas como fundamento da ilegalidade da norma contida no artigo 126.º da Lei 53-A/2006 possuem natureza estatutária.
Quanto à regra do não retrocesso financeiro, é patente que ela se inscreve no EPA-RAM estando contida no seu artigo 118.º De um ponto de vista formal, não pode, pois, negar-se que esta norma é susceptível da qualificação habilitante do requerimento de declaração de ilegalidade apresentado.
Já o mesmo se não diga do disposto no artigo 88.º, n.º 2, da lei de enquadramento orçamental. Ainda que este diploma seja uma lei de valor reforçado, com valência paramétrica da legalidade das normas constantes das Leis anuais do Orçamento (artigo 106.º, n.º 1, da CRP), a verdade é que ele não cai dentro da esfera de legitimidade restringida, quanto a iniciativas de fiscalização abstracta da legalidade, consagrada na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da CRP.
Encontra-se subtraída à legitimidade dos órgãos enumerados nesta alínea qualquer pedido de declaração de ilegalidade que não apresente o fundamento aí mencionado. É manifesto que tal é o caso presente.
Idêntico juízo merece o último dos fundamentos de ilegalidade invocados, concernente à falta de base legal prévia na determinação do montante a transferir em 2007 para a Região Autónoma da Madeira.
Das considerações do requerente, no que ao vício de ilegalidade estritamente diz respeito, pode deduzir-se que, na sua óptica, esse vício resulta de um facto negativo: a não aplicação do critério consagrado na Lei 13/98, de 24 de Fevereiro - a lei de Finanças das Regiões Autónomas vigente à data da aprovação da lei do Orçamento do Estado para 2007.
Cingindo-nos, pois, à apreciação da ilegalidade decorrente da aplicação de «um qualquer outro método» de transferência financeira que não o consagrado na lei de Finanças Regionais de 1998, é também de primeira evidência que a respectiva declaração não poderia ser requerida pelo Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, pela razão simples de que aquela lei não integra o estatuto desta região.
É de concluir, em face do que fica dito, que, por falta de legitimidade do requerente, este Tribunal não pode conhecer do pedido de declaração de ilegalidade, na parte em ele se funda na violação do artigo 88.º, n.º 2, da lei de enquadramento orçamental, e na falta de base legal prévia na determinação do montante a transferir em 2007 para a Região Autónoma da Madeira.
6 - Da alegada inconstitucionalidade por violação do direito, constitucional e legal, de audição das Regiões Autónomas
Nos termos do artigo 229.º, n.º 2, da CRP, «os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional».
No plano infraconstitucional, o mesmo direito é consagrado na Lei 40/96, de 31 de Agosto, cujo artigo 2.º, n.º 1, reza assim:
«A Assembleia da República e o Governo ouvem os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas sempre que exerçam poder legislativo ou regulamentar em matérias da respectiva competência que às Regiões digam respeito».
O artigo 89.º, n.º 1, do EPA-RAM praticamente reproduz este preceito.
Mas, embora o requerente filie o seu direito em todas estas disposições, é evidente que, sendo alegado um vício de inconstitucionalidade, apenas a norma constitucional pode servir de parâmetro de aferição.
E, em face do teor do artigo 229.º, n.º 2, da CRP, nenhuma dúvida se pode suscitar de que, quanto à norma sobre que especificamente incide o pedido de declaração de inconstitucionalidade - o artigo 126.º da lei do Orçamento do Estado - estão preenchidos os pressupostos aplicativos do referido preceito constitucional. A lei do Orçamento do Estado é da competência da Assembleia da República (artigo 161.º, alínea g), da CRP) e a norma em questão estabelece o montante das transferências financeiras entre o Estado e as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Trata-se, pois, indiscutivelmente, de uma disposição que se situa no núcleo central da previsão constitucional do dever de audição.
Mas, no caso vertente, o que se questiona não é a omissão de cumprimento desse dever, pois o órgão legiferante tomou a iniciativa de ouvir os órgãos regionais. O que o requerente argui é que o momento em que o fez inutilizou por completo a eficácia prática do parecer a emitir sobre a matéria.
Em seu entender, a Assembleia da República deveria «ter esperado pela emissão daquele parecer antes de começar a tomar decisões sobre a configuração definitiva da lei do Orçamento do Estado para 2007». Como não foi isso que se passou, uma vez que a Proposta foi enviada já em fase de aprovação, aquele órgão de soberania «infringiu por completo o núcleo essencial deste direito de audição».
Para se avaliar se esta arguição procede, recordemos os factos e as datas da sua verificação, correlacionando-as com o faseamento do processo legislativo parlamentar.
De acordo com o Regimento da Assembleia da República (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/93, de 2 de Março, com as alterações posteriores, então em vigor), este processo atravessa três fases. Começa com a discussão e aprovação na generalidade (n.º 1 do artigo 158.º), a que se segue a discussão e votação na especialidade, em comissão (artigo 159.º), salvo avocação pelo Plenário (artigo 164.º), finalizando com a votação final global (artigo 165.º).
Apurou-se que a discussão na generalidade da Proposta de Lei 99/X se iniciou no dia 7 de Novembro de 2006, prolongando-se pelos dois dias seguintes. A votação na generalidade teve lugar no último desses dias, a 9 de Novembro. Na sequência da aprovação na generalidade, baixou à Comissão de Orçamento e Finanças, para discussão e votação na especialidade.
A Proposta de lei foi enviada ao Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 8 de Novembro de 2006. Tendo seguido por via electrónica, é de presumir que foi recebida nesse mesmo dia.
O Relatório da discussão e votação na especialidade foi publicado no Diário da República de 29 de Novembro de 2006. Nos dias 29 e 30 desse mês decorreu a discussão na especialidade, pelo Plenário da Assembleia da República. Após o encerramento da discussão, foi também no dia 30 de Novembro que teve lugar a votação na especialidade e a votação global final, pelo Plenário.
Retira-se destes dados que a consulta à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira ocorreu quando já estava em curso a discussão na generalidade, um dia antes da respectiva votação, mas 21 dias antes do início do debate que antecedeu a votação final global.
É o momento da consulta e o prazo disponível para o órgão regional se pronunciar que levam a questionar a observância do dever de audição da Assembleia Legislativa Regional.
Para aferirmos se o procedimento adoptado corresponde ao cumprimento perfeito daquele dever, há que atentar se ele preservou ou não o sentido útil da imposição constitucional. O que, naturalmente, só acontecerá, como se afirma no Acórdão 670/99, «se puder considerar-se alcançado o objectivo com que a Constituição consagra tal dever. Ou dito de outra forma, se a Região Autónoma, através dos órgãos competentes, tiver disposto do tempo necessário para se pronunciar cabalmente sobre as questões que lhe respeitam e se o parecer que eventualmente houvesse sido emitido ainda poderia ser considerado na sua aprovação final, por ser conhecido na Assembleia da República em tempo útil».
Idêntica orientação se pode colher no Acórdão 130/2006: «Entende o Tribunal que - sob pena de se esvaziar o direito de audição, convertendo a obrigatoriedade de audição numa formalidade sem sentido útil - a oportunidade da pronúncia do titular do direito deve situar-se numa fase do procedimento legislativo adequada à ponderação, pelo órgão legiferante, do parecer que aquele venha a emitir, com a possibilidade da sua directa incidência nas opções da legislação projectada».
Determinante para o resultado da aplicação deste critério, nos casos como o sub iudice, é a prévia definição do objecto e extensão do dever de audição. De facto, se for de entender que esse dever incide sobre todas as normas do Orçamento do Estado, na sua globalidade, para apreciação dos seus "princípios e sistema", forçoso é concluir liminarmente que ele foi desrespeitado: sendo essa matéria objecto do debate e votação na generalidade, é manifesto que à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira não terá sido dada oportunidade de sobre ela se pronunciar, em tempo útil.
Já o mesmo se não dirá (ou não se dirá de forma imediata) na hipótese inversa, de o dever de audição abranger apenas as normas do Orçamento do Estado respeitantes à Região Autónoma, pois então ganha sentido a tese de que a fase relevante do processo legislativo é a da discussão e votação na especialidade.
Não é a primeira vez que se apresenta neste Tribunal a questão do objecto do dever de audição dos órgãos regionais, quando está em causa o Orçamento do Estado. E firmou-se como jurisprudência constante, que aqui se reafirma, a de que o direito de audição não tem por objecto o Orçamento do Estado, na sua totalidade, abrangendo tão-somente, dos seus preceitos, aqueles que lhes digam especificamente respeito.
Como se afirma no já citado Acórdão 670/99:
«Seguro é que a lei do Orçamento do Estado, globalmente considerada, não é, manifestamente, uma "questão" respeitante às Regiões Autónomas, ou, em especial, à Região Autónoma da Madeira. Melhor dizendo, nem todas as suas normas se podem considerar respeitantes às Regiões Autónomas, no sentido relevante». A razão deste entendimento pode buscar-se no Parecer 26/78 da Comissão Constitucional, aí se podendo ler que está em causa «uma lei que, pela sua natureza e pelo seu objecto, se destina a todo o País, sem excepção de regiões ou parcelas».
Justifica-se, assim, plenamente, no caso da presente lei do orçamento, a distinção entre a globalidade da proposta e as normas especificamente respeitantes às regiões autónomas, limitando às segundas o dever de audição das regiões autónomas.
O que, por sua vez, leva a que se conclua que o simples facto de já se ter iniciado o debate na generalidade, quando a comunicação para audição foi emitida, não acarreta, contrariamente ao alegado, qualquer desrespeito daquela exigência constitucional. É verdade que, nesse momento, se encontram já "a consumar-se votações irreversíveis" - as concernentes aos princípios gerais informadores das opções do orçamento -, como se alega no pedido do Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. Simplesmente, essas votações decidem matéria que não é respeitante às regiões autónomas, no sentido relevante para a aplicação do artigo 229.º, n.º 1, da CRP.
O momento em função do qual se há-de ajuizar se ao órgão regional foi dada oportunidade efectiva de se pronunciar em tempo útil é outro: é o início do debate na especialidade, no âmbito do qual serão discutidas as normas sobre que incide o dever de audição, só então podendo ser considerada a pronúncia sobre elas eventualmente emitida pelo órgão consultado. Nesse momento, as questões sobre as quais os órgãos regionais têm o direito de ser ouvidos - o conteúdo das normas que especificamente respeitam às regiões autónomas - ainda estão em aberto, pelo que a decisão definitiva pode ser influenciada pelo parecer formulado pelos órgãos regionais.
Desta forma se dá cumprimento ao que o Acórdão 130/2006 justificadamente considera exigível:
«O cabal exercício do direito de audição pressupõe, assim, que, além de um prazo razoável para o efeito, ele se exerça (ou possa exercer) num momento tal que a sua finalidade (participação e influência na decisão legislativa) se possa atingir, tendo sempre em conta o objecto possível da pronúncia.»
O que importa, como condição infringível da compatibilidade constitucional dos termos em que foi dado cumprimento ao dever de audição, é que a consulta se faça com a antecedência suficiente sobre aquela data, por forma a propiciar ao órgão regional o tempo necessário para um estudo e ponderação das implicações, para os interesses regionais, dos preceitos em causa.
É este último ponto que cumpre agora apreciar.
A questão gira em torno de saber sobre o que deve entender-se, para este efeito, como um prazo razoável, padrão normativo a que o Tribunal tem lançado mão, nesta matéria, desde o Acórdão 403/89.
É sempre espinhosa a tarefa de concretização e quantificação precisa de um critério normativo indeterminado, de base teleológica.
A Lei 40/96, de 31 de Agosto, ao regular o direito de «audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas», não hesitou em lançar mãos a essa tarefa. Fê-lo no seu artigo 6.º, neste termos:
«Os pareceres devem ser emitidos no prazo de 15 ou 10 dias, consoante a emissão do parecer seja da competência respectivamente da assembleia legislativa regional ou do governo regional, sem prejuízo do disposto nos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas ou de prazo mais dilatado previsto no pedido de audição ou mais reduzido, em caso de urgência.»
Como não faz sentido que o legislador submeta os órgãos regionais a um ónus de cumprimento impossível, ou gravosamente pesado, é manifesto que, no seu entender, aqueles prazos são suficientes para o exercício cabal do direito de audição. Mas, muito embora se trate de uma concretização qualificada, ela não tem o valor firme de um parâmetro de constitucionalidade, como oportunamente adverte o Acórdão 529/2001. De todo o modo, o que não pode negar-se é que aqueles prazos têm um forte valor indicativo de compatibilidade constitucional, pois, pelo menos na generalidade das situações, eles propiciam um lapso de tempo objectivamente apropriado à participação efectiva - e não meramente formal - dos órgãos regionais no processo legislativo. Em condições de normalidade, e tendo sempre em conta o objecto da pronúncia, esses prazos permitem alcançar a finalidade que levou à consagração constitucional do dever de audição - o ponto de vista valorativo verdadeiramente decisivo para ajuizar do cumprimento desse dever.
Ora, no caso vertente, verifica-se que a Proposta de Lei 99/X foi enviada à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 8 de Novembro de 2006, tendo-se dado início ao debate e votação na especialidade no dia 29 do mesmo mês. Aquele órgão dispôs, pois, de 21 dias para se pronunciar. Tendo presente o âmbito circunscrito da audição, é de entender que a Assembleia da República respeitou integralmente o dever consagrado no artigo 229.º, n.º 1, da Constituição da República.
7 - Da alegada inconstitucionalidade por violação do dever de solidariedade do Estado para com as regiões autónomas
É também invocada, para fundar a inconstitucionalidade do artigo 126.º da lei do Orçamento do Estado, a violação do dever de solidariedade do Estado para com as regiões autónomas.
O simples modo de formulação deste fundamento de inconstitucionalidade enfatiza a subjectivação da solidariedade, entendida isoladamente como fonte de uma relação entre o Estado e as regiões autónomas, no quadro da qual o primeiro assume uma posição debitória, uma vinculação a prestações financeiras, em benefício das segundas.
Ora, as referências da nossa lei Básica a essa ideia regulativa perspectivam-na, mais amplamente, como um princípio norteador da acção do Estado, tendo em conta o todo nacional e o conjunto das populações que o integram. No campo valorativo dessa ideia, e na realização dos objectivos programáticos que dela se inferem, projecta-se seguramente uma intenção normativa de equilibrada ponderação e satisfação, no âmbito de todo o território nacional, das aspirações de bem-estar de todos os portugueses.
A solidariedade como factor integrativo da comunidade nacional é uma concepção que transparece claramente dos próprios enunciados normativos presentes no quadrante da autonomia regional. É assim que a cooperação dos órgãos de soberania e dos órgãos regionais, «visando, em especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade» (artigo 229.º, n.º 1), se inscreve nas finalidades genéricas do reconhecimento da autonomia das regiões, como instrumento do «reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses» (artigo 225.º, n.º 2). Em consonância, a participação das regiões nas receitas tributária do Estado deve ser estabelecida «de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional» (alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º).
No Acórdão 11/2007, cujo entendimento aqui se retoma, assinala-se que «o princípio, dito da solidariedade nacional, não pode ser perspectivado por forma a dele se extrair uma só direccionalidade, qual seja a da solidariedade representar unicamente a imposição de obrigações do Estado para com as Regiões Autónomas, pois que, sendo uma das tarefas fundamentais do Estado a de promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, inter alia, o carácter ultraperiférico dos Açores e da Madeira (cf. alínea g) do artigo 9.º da Constituição), visando a autonomia das Regiões, a par da participação democrática dos cidadãos, do desenvolvimento económico-social e da promoção e defesa dos interesses regionais, o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade de todos os portugueses (n.º 2 do artigo 225.º), torna-se inequívoco que, neste ponto, não poderão deixar de ser ponderados também os interesses das populações do território nacional no seu todo, consequentemente aqui se incluindo as próprias populações do território "historicamente definido no continente europeu"».
A ideia de solidariedade coenvolve a de reciprocidade, sob pena de se negar a si própria. Não pode ser de sentido único, pelo que qualquer pretensão específica de apoio, em correcção de assimetrias e desigualdades, deve sempre dispor-se à permanente consideração de pretensões e necessidades concorrentes de outros sectores da comunidade nacional.
Como «indicador de sentido e de medida» dos programas de acção estadual, na sua dimensão objectiva de parâmetro constitucional de decisões políticas, o princípio solidarístico impõe a ponderação mutuamente reflexiva e a gradação de interesses, nacionais e regionais, contrastantes. Só assim o Estado cumpre adequadamente a tarefa fundamental que lhe cabe de promoção da «igualdade real entre os portugueses» (alínea d) do artigo 9.º da CRP) e do «desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional» (alínea g) do mesmo artigo).
O que não obsta, antes impõe (a)o atendimento das particularidades das regiões autónomas, decorrentes da insularidade e da localização ultraperiférica, em obediência a comandos constitucionais explicitados na 2.ª parte da alínea g) do artigo 9.º e no artigo 229.º, n.º 1.
Mas, mesmo as decisões que se fundam nesta específica dimensão parcelar e territorialmente situada do princípio da solidariedade não podem ser tomadas com abstracção de outros objectivos constitucionalmente legitimados. Ainda que a situação justificativa de medidas de apoio específicas, por assentar em factores de ordem geográfica, seja dotada de permanência, a manifestação concreta da solidariedade para com as regiões autónomas, em cada momento histórico, não pode ser imune às variáveis conjunturais e às exigências que delas decorrem, no contexto do todo nacional.
Não se infere, designadamente, do princípio da solidariedade, em qualquer das suas projecções, uma imperatividade, de cunho apriorístico, de deveres prestacionais com um conteúdo mínimo rigidamente prefixado. Há que respeitar as competências políticas próprias da Assembleia da República, a quem cabe, em matéria orçamental, ajuizar anualmente da melhor distribuição de meios financeiros escassos. E nisso vai reconhecida uma larga margem de liberdade de conformação legislativa, de acordo com o princípio democrático.
Sem esquecer as causas estruturais específicas de carências que afectam as populações das regiões autónomas, é à escala global de toda a comunidade nacional que devem ser apreciados e comparativamente correlacionados os níveis de necessidades e a disponibilidade de recursos para as satisfazer.
Daí que transferências financeiras passadas não forneçam uma medida jurídico-constitucionalmente vinculativa de um montante mínimo de transferências futuras, em termos de ficar vedada qualquer redução, em detrimento de uma região. Para além das flutuações económico-financeiras gerais e da prossecução dos objectivos de política nacional neste campo traçados, há que valorar actualizadamente a evolução económica e social de cada região, para definir a justa medida, em cada exercício orçamental, da actuação do princípio de solidariedade.
Não basta, pois, invocar a redução de verbas transferidas para a Região Autónoma da Madeira, ainda quando acompanhada de uma alteração de sentido inverso, no que se refere à Região Autónoma dos Açores, para fundar a violação daquele princípio. Independentemente do juízo que, em termos de apreciação política, essa opção mereça, do estrito ponto de vista da conformidade constitucional só uma redução manifestamente irrazoável e arbitrariamente desproporcionada se mostraria incompatível com os parâmetros que decorrem da lei Fundamental.
Entende o Tribunal que esse limiar não foi ultrapassado, pelo que não deve ser julgado inconstitucional, com este fundamento, o artigo 126.º da lei do Orçamento de Estado de 2007.
8 - Da alegada ilegalidade por violação da regra do não retrocesso financeiro consagrada no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela lei 130/99, de 21 de Agosto
A cláusula de não retrocesso consta da norma contida no n.º 2 do artigo 118.º (transferências orçamentais) do EPA-RAM, a qual é do seguinte teor:
«Em caso algum, as verbas a transferir pelo Estado podem ser inferiores ao montante transferido pelo Orçamento do ano anterior multiplicado pela taxa de crescimento da despesa pública corrente no Orçamento do ano respectivo.»
Vem arguido que a lei do Orçamento do Estado, ao determinar um montante de transferência financeira, para 2007, inferior ao do ano anterior, viola aquela norma estatutária, norma de legalidade reforçada, que não pode ser desvirtuada por uma lei comum, como o é a lei orçamental.
Em abono desta tese, desenvolvem-se considerações tendentes a demonstrar a prevalência hierárquica de cada Estatuto Político-Administrativo das Regiões Autónomas sobre a lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica 1/2007, de 19 de Fevereiro) e sobre a lei de enquadramento orçamental (Lei 91/2001, de 20 de Agosto).
Importa reconhecer, na verdade, que uma definição rigorosa da natureza e âmbito normativo dos Estatutos das Regiões Autónomas é determinante do juízo a emitir sobre o facto de o n.º 2 do artigo 118.º do EPA-RAM não ter sido obedecido.
A Constituição não nos indica, pela positiva, quais as matérias que devem constituir objecto de reserva de lei estatutária. Mas daí não pode concluir-se que ganham necessariamente essa qualidade, à margem de qualquer predicado material objectivo do seu conteúdo, todas as normas que constam dos Estatutos, por simples decorrência dessa formal localização sistemática.
Essa conclusão já foi rejeitada, com toda a clareza, pelo Acórdão 162/99, em doutrina plenamente acolhida e desenvolvida pelo Acórdão 567/2004.
Pode ler-se neste último aresto:
«Todavia, o âmbito dessa reserva de estatuto não se determina em função do conteúdo concreto de um estatuto vigente; não ocorre violação da "reserva de estatuto" sempre que uma norma o contrarie. Escreveu-se no mesmo Acórdão 162/99:
"Não basta, pois, que uma determinada norma conste de um estatuto regional para que a sua alteração por um decreto-lei importe violação da reserva de estatuto [...] Essa violação só existirá se essa norma constante do estatuto pertencer ao âmbito material estatutário - ou seja: se ela regular questão materialmente estatutária."
Ora, fora da reserva de estatuto está necessariamente "o regime de finanças das regiões autónomas" - alínea t) do artigo 164.º da Constituição - e nomeadamente a matéria das "relações financeiras entre a República e as regiões autónomas" - n.º 3 do artigo 229.º da Constituição - , que é matéria reservada à competência legislativa da Assembleia da República.»
Compete a este órgão de soberania definir, em cada ano, na lei do Orçamento do Estado, o montante a transferir para os Açores e para a Madeira. Por isso mesmo, no artigo 106.º, n.º 3, alínea e), da CRP, se determina que a proposta de Orçamento seja acompanhada de relatórios sobre «as transferências de verbas para as regiões autónomas».
Não pode, pois, uma regra formalmente integrada nos Estatutos impor um limite aos poderes parlamentares de fixação do montante das verbas a transferir, restringindo a competência da Assembleia da República para efectuar os ajustamentos anuais que entenda justificados.
A tese contrária implicaria uma constrição da competência parlamentar na regulação das relações financeiras entre o Estado central e as regiões autónomas que não estaria constitucionalmente sufragada.
Por isso mesmo, é seguro concluir que, seja qual for o significado a atribuir aos termos literais da proibição peremptória de retrocesso, cominada no n.º 2 do artigo 118.º do EPA-RAM, esta norma não pode prevalecer-se de um estatuto que não possui - o de integrante da reserva material de estatuto - para suplantar o regime instituído por uma lei do Orçamento do Estado.
Daí que o facto de o comando contido naquela norma não ter sido observado não representa uma violação estatutária, inexistindo a ilegalidade que daí decorreria.
III - Decisão
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não conhecer, por falta de legitimidade do requerente, do pedido de declaração de ilegalidade do artigo 126.º da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), na parte em ele se funda na violação do artigo 88.º, n.º 2, da lei de enquadramento orçamental, e na falta de base legal prévia na determinação do montante a transferir em 2007 para a Região Autónoma da Madeira;
b) Não declarar a inconstitucionalidade nem a ilegalidade da norma contida no artigo 126.º da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007).
Lisboa, 21 de Novembro de 2007. - Joaquim Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - Maria Lúcia Amaral - Carlos Fernandes Cadilha - Benjamim Rodrigues - João Cura Mariano - José Borges Soeiro - Gil Galvão - Maria João Antunes - Ana Maria Guerra Martins - Vítor Gomes (com declaração anexa) - Carlos Pamplona de Oliveira (com declaração) - Rui Manuel Moura Ramos.
Declaração de voto
Apesar de acompanhar o acórdão quanto à conclusão de que a norma em apreciação não enferma de ilegalidade por violação da regra consagrada no n.º 2 do artigo 118.º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira, não perfilho inteiramente a fundamentação contida no n.º 8 do acórdão para recusar ao parâmetro invocado a força jurídica específica das normas estatutárias. E, no caso presente, nem é apenas pelas reservas que, noutra ocasião, já sumariamente expus ao entendimento do Tribunal que, de um modo geral e sem distinção, nega consequências invalidantes à inclusão em lei de valor reforçado pelo procedimento de normas que constitucionalmente não devam ser sujeitas a tal procedimento ou forma externa (cf. declaração de voto aposta ao acórdão 428/2005, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 23 de Setembro; desenvolvidamente, carlos blanco de morais, As Leis Reforçadas - As leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações ente actos legislativos, pág. 914 e segs.) e que valem de modo especialmente intenso relativamente aos Estatutos das regiões autónomas, face ao seu especial valor paramétrico. Com efeito, essa inclusão traduz-se na preterição frontal da forma legislativa constitucionalmente prescrita para regular a matéria. A regra de não retrocesso contida no n.º 2 do artigo 118.º do Estatuto respeita às "relações financeiras entre a República e as regiões autónomas" que o n.º 3 do artigo 229.º expressamente reserva para a lei a que se refere a alínea t) do n.º 1 do artigo 164.º da Constituição, como o acórdão salienta. Com a sujeição expressa da regulação da matéria a este acto legislativo, que aliás reveste a forma de Lei Orgânica (n.º 2 do artigo 166.º), a Constituição pretendeu subtrair as relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas à rigidificação inerente à sua inserção nos estatutos político-administrativos, evitando a restrição aos poderes da Assembleia da República que adviria da sua atracção para o âmbito dos estatutos (cf. n.º 4 do artigo 226.º). Deste modo, parece-me que, em vez de a considerar meramente irrelevante o Tribunal deveria ter recusado ex officio aplicação à norma estatutária por violação do n.º 3 do artigo 229.º da Constituição - desvio de forma - , por essa via improcedendo a arguição de ilegalidade da norma orçamental submetido à apreciação quanto ao fundamento de violação da referida regra da proibição do retrocesso financeiro. - Vítor Gomes.
Declaração de voto
Acompanho a decisão tomada pelo Tribunal e, genericamente, a sua fundamentação.
Todavia, quanto ao Ponto 8. do Acórdão, divirjo do entendimento de que é possível ultrapassar a norma contida no n.º 2 do artigo 118º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira por via da simples desqualificação da sua natureza de norma estatutária, mas sem a confrontar directamente com o n.º 3 do artigo 229º da Constituição. O certo, porém, é que a referida norma estatutária se mostra abertamente desconforme com este preceito constitucional, o que implicaria, a meu ver, um juízo de inconstitucionalidade, formulado a título incidental, que melhor habilitaria o Tribunal a desconsiderar a norma e, por esta via, a solucionar o problema.
Quanto à definição do objecto do dever de audição das regiões, entendo que a jurisprudência do Tribunal anterior à revisão constitucional de 2004 deve ser lida à luz do novo figurino de competências legislativas das regiões; com efeito, não me parece possível continuar a defender que o citado dever se reporta apenas aos preceitos que digam "especificamente" respeito à regiões. A redacção conferida ao artigo 228º da Constituição pela 6ª revisão constitucional impõe um entendimento mais amplo desse dever; o de que "as questões respeitantes às regiões autónomas" - como diz o n.º 3 do artigo 229º -, também abrangem as matérias que os Estatutos regionais incluem na competência legislativa de cada uma das regiões. Deste modo, afigura-se-me que, para solucionar este tipo de problema, não é mais possível adoptar um critério fundado apenas na incidência específica da norma, sem ter em atenção a matéria que regula e a verificação de que ela se inclui, ou não, na competência legislativa regional.
Finalmente, quanto ao dever de solidariedade do Estado para com as regiões: a Constituição impõe um dever especial de cooperação, visando "a correcção das desigualdades derivadas da insularidade" (artigo 229º n.º 1). Este comando permite compreender, na sua justa dimensão, o dever de solidariedade nacional que, no que concerne às regiões autónomas, se explicita no artigo 225º n.º 2 da Constituição. Sendo certo que, como se afirma no Acórdão, a solidariedade é um "factor integrativo da comunidade nacional", já não será, no caso, tão certo que "a ideia de solidariedade coenvolve a de reciprocidade", pois estamos perante uma realidade em que, reconhecidamente, as partes não são iguais, uma vez que a insularidade constitui, por si só, um factor de debilidade. - Carlos Pamplona de Oliveira.