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Acórdão 476/2007, de 3 de Janeiro

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Sumário

Não julga inconstitucional a interpretação do artigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Penal no sentido de que não deve subir imediatamente o recurso interposto da decisão, proferida em audiência de julgamento, que recusa declarar prescrito o procedimento criminal

Texto do documento

Acórdão 476/2007

Processo 515/07

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

UGT - União Geral de Trabalhadores e João António Gomes Proença, arguidos no processo 40180/90.0TDLSB, da 3ª secção, da 4ª Vara Criminal de Lisboa, no decurso da audiência de julgamento, requereram, conjuntamente com outros arguidos, que fosse declarado prescrito o procedimento criminal movido contra eles naquele processo.

Este requerimento foi indeferido por despacho do Juiz Presidente do Tribunal Colectivo.

Interposto recurso deste despacho pela UGT - União Geral de Trabalhadores e por João António Gomes Proença foi o mesmo admitido, na instância recorrida, com subida a final, nos próprios autos, com efeito devolutivo.

Desta decisão reclamaram os recorrentes para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, relativamente ao regime de subida do recurso, requerendo que o mesmo subisse imediatamente e em separado.

Esta reclamação foi indeferida por decisão da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida em 23-3-2007.

Deste indeferimento foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:

"União Geral de Trabalhadores (UGT) e outro, reclamantes nos autos à margem referenciados, notificados do douto despacho de fls. e não se podendo com o mesmo conformar, vêm interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por inconstitucionalidade do disposto no n.º 2 do artigo 407º CPP, na interpretação dada pelas instâncias, por estar na desconformidade com o artigo 20º da CRP.

[...]

Termos em que se requer a Vossa Excelência que o presente recurso para o Tribunal Constitucional seja admitido, nos termos do disposto nos artigos 6º, 70º n.os 1, alínea b), 2 e 3, 72º, n.os 1 alínea b) e 2, 74º n.º 3 e 75º n.os 1 e 2 da Lei Orgânica, lei 28/82 de 15/11, com a finalidade de vir a ser proferido acórdão que determine a inconstitucionalidade do artigo 407º/2 do CPP vertida na interpretação através do que o preceito foi mobilizado para a retenção desse recurso".

Notificados para enunciarem a interpretação normativa contida na decisão recorrida cuja inconstitucionalidade pretendiam ver apreciada, foi apresentado requerimento de correcção, nos seguintes termos:

"Respondendo à solicitação de V. Exa. diz a União Geral de Trabalhadores - UGT pretender conferir a constitucionalidade do artigo 407º/2 CPP na interpretação negativa da subida imediata dos recursos de despachos que negam a extinção do procedimento criminal e por isso prolongam a audiência penal como gravame inútil do arguido, não obstante poder este vir a ser absolvido na sentença final, justamente pelo motivo intercalar rejeitado".

A UGT apresentou alegações, com as seguintes conclusões:

"O presente recurso diz respeito ao indeferimento da modalidade de subida imediata do recurso, dito intercalar, interposto do despacho que não acolheu a prescrição do crime da acusação;

O fundamento das instâncias, inclusivamente do Excelentíssimo Presidente do Tribunal da Relação está justamente em tratar-se de despacho intercalar penal que deve seguir, em recurso, a regra da retenção, pois é necessário obter um julgamento rápido da causa;

Contudo, este argumento é falacioso, porque muito mais rápido será decidido pela prescrição, na 2ª instância;

De qualquer modo não é este o argumento principal: as questões de não condenação penal (por exemplo: prescrição) têm exactamente o mesmo peso frente à garantia do direito de liberdade que o julgamento. Não são, por conseguinte, questões intercalares, mas verdadeiras questões finais;

E as questões finais que vão à Sentença não podem ter um tratamento processual penal ao nível do direito fundamental ao recurso diferenciado do tratamento do direito ao recurso de uma outra qualquer questão final, como é (e acima o dissemos), o problema da prescrição do procedimento criminal;

Se acontecer da maneira contrária, tal como a interpretação do artigo 407º CPP é feita pelas instâncias, infringe-se directamente o artigo 18º/3 CRP: não há racionalidade na compressão do direito de liberdade frente ao direito de julgamento dito rápido;

Assim, tem toda a razão de ser aquilo mesmo que já foi a esta minuta:

[...] ao sacrificar em detrimento dos direitos consagrados nos artigo 31.º, 1 e 2, e 20.º, n.º 5 da CRP, de forma injustificada e desnecessária à luz das necessidades de celeridade processual (acauteláveis com o regime de subida imediata e em separado previsto no artigo 406.º, n.º 2 do CPP), se atribui ao artigo 407º, n.º 2 do CPP uma dimensão normativa inconstitucional, por violadora dos artigos 18º, n.º 2, 31.º, 1 e 2, e 20º, n.º 5 da CRP;

E por outro lado, este entendimento negativo que as instâncias dão ao artigo 407º/2 CPP, por estar desadequado com o conceito de indemnidade processual (pois, por exemplo, em caso de sentença absolutória, não há recurso da decisão final e, por isso, não sobem os recursos intercalares) infringe o princípio constitucional da recursibilidade, pois inutiliza o próprio recurso interposto e retido".

O MP apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:

"Não é inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal, interpretada em termos de só deverem subir imediatamente os recursos expressamente tipificados no n.º 1, não estando incluído em tal tipologia taxativa o recurso interposto da decisão interlocutória que haja considerado não se verificar a invocada prescrição do procedimento criminal.

Na verdade, a apreciação a final de tal recurso mantém efectiva utilidade para o arguido, mesmo no caso de condenação, já que a respectiva procedência sempre ditaria a retroactiva anulação dos actos processuais praticados, incompatíveis com extinção do procedimento criminal.

Termos em que deverá improceder o presente recurso".

Fundamentação

A questão decidenda é a de saber se a interpretação do disposto no artigo 407.º, n.º 2, do CPP (actual n.º 1, após a alteração efectuada pela lei 48/2007, de 29 de Agosto), no sentido de que não deve subir imediatamente o recurso interposto da decisão, proferida em audiência de julgamento, que recusou declarar prescrito o procedimento criminal, é inconstitucional.

O recurso das decisões que não põem termo ao processo, usualmente denominadas interlocutórias, desde há muito vem sendo palco de confronto de interesses de política processual conflituantes, sendo frequentes as oscilações das opções legislativas neste domínio quer no processo penal, quer no processo civil (leia-se, por exemplo, o édito de D. Afonso IV, que passou a integrar o § 4º, do Título 71º, do Livro III, das Ordenações Afonsinas, o qual já reflectia os problemas que ainda hoje se suscitam neste domínio).

Por um lado, muitas decisões interlocutórias assumem uma relevância, ou condicionam de tal modo o resultado final do processo que dificilmente se justificará que não sejam recorríveis, exigindo muitas vezes o seu conteúdo, sob pena de já não poderem ser evitáveis consequências irreparáveis, que esse recurso seja imediatamente apreciado.

Por outro lado, tais recursos são uma das causas de entorpecimento e perturbação do processo, neles se despendendo, muitas vezes inutilmente, meios importantes do aparelho judiciário, nomeadamente a actividade dos tribunais de recurso, com prejuízo para a celeridade na apreciação das questões decisivas.

Daí que o legislador, ao longo dos tempos, tenha oscilado, ao sabor do sentir dos efeitos negativos das diferentes soluções, entre a inadmissibilidade dos recursos das decisões interlocutórias e a sua admissibilidade com conhecimento imediato, passando por soluções intermédias, nas quais todos estes recursos só subiriam a final ou subiriam imediatamente apenas aqueles em que se justificava um conhecimento imediato (vide aspectos desta evolução legislativa, sobretudo na área do processo civil, em "Código de Processo Civil anotado", de Alberto dos Reis, vol. VI, pág. 98-103, da ed. de 1953, da Coimbra Editora, e em "O agravo e o seu regime de subida", de Luso Soares, pág. 111-144, da ed. s. d. da Almedina).

Em processo penal, na legislação anterior ao CPP de 1929, a regra era os recursos das decisões interlocutórias subirem imediatamente ao tribunal superior para serem apreciados.

Com a aprovação deste código e por influência das reformas que tinham vindo a ser operadas, em legislação avulsa, ao regime do CPC de 1876, os recursos das decisões interlocutórias, em regra, passaram a subir em dois momentos: com o recurso do despacho de pronúncia ou equivalente e com o recurso da sentença final (artigo 653.º e 654.º). E no artigo 655.º enumeraram-se quinze tipos de decisões em que o recurso, excepcionalmente, subiria imediatamente. A 12ª respeitava às decisões sobre excepções, o que abrangia a decisão que negasse a prescrição do procedimento criminal.

O CPP de 1987 não alterou muito este figurino, passando os recursos, em regra, a subir com o interposto da decisão final (artigo 407.º, n.º 3), salvo os relativos às decisões tipificadas nas diversas alíneas do artigo 407.º, n.º 1, e aqueles cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis (artigo 407.º, n.º 2). O aditamento desta cláusula geral copiou o disposto no artigo 734.º, n.º 2, do CPC, o qual havia sido introduzido pelo Decreto-Lei 39.157, de 10-9-1953, por pressão doutrinal e jurisprudencial, e que já vinha sendo aplicado em processo penal, na vigência do CPP de 1929, com base no critério de integração de lacunas estabelecido no § único, do seu artigo 1º (vide o Assento do S.T.J. de 13-7-1960, no BMJ n.º 99, pág. 567). Mas, no elenco das decisões cujo recurso deve ser apreciado imediatamente, constante do n.º 1, do artigo 407.º, deixou de figurar as que apreciavam excepções (a recente alteração introduzida a este artigo pela lei 48/2007, de 29 de Agosto, procedeu à troca do conteúdo dos anteriores n.º 2 e n.º 1, passando a ser enunciada em primeiro lugar a regra de que sobem imediatamente todos os recursos cuja retenção os tornaria inúteis e só depois se enumerando casos em que o recurso deve subir imediatamente).

A decisão recorrida entendeu que o recurso interposto da decisão, proferida em audiência de julgamento, que não declarou prescrito o procedimento criminal também não se integrava na cláusula geral estabelecida no artigo 407.º, n.º 2, do CPP, de 1987, na sua redacção original.

Neste recurso não cumpre verificar da correcção infraconstitucional deste juízo, mas apenas verificar se ele viola algum parâmetro constitucional, nomeadamente o direito ao recurso de que é titular o arguido.

O Tribunal Constitucional já foi chamado por diversas vezes a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da subida diferida de recursos interpostos de decisões interlocutórias, tendo quase sempre concluído pela sua conformidade com os princípios constitucionais.

Assim ocorreu nos seguintes acórdãos:

474/94 (pub. em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 28º vol., pág. 393), relativo ao recurso de decisão que indeferiu a realização de diligências de prova em instrução;

964/96 (pub. em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 34º vol., pág. 413), relativo ao recurso de decisão que indeferiu a realização de diligências de prova em instrução;

1205/96 (pub. em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 35º vol., pág. 551), relativo ao recurso de decisão instrutória, na parte em que indeferiu questão prévia relativa à nulidade de diligência de busca;

244/97 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt), relativo ao recurso de decisão que indeferiu pedido de entrega de veículo apreendido;

104/98 (pub. no Diário da República, 2.ª série, de 20-3-1998), relativo ao recurso de decisão que indeferiu a realização de diligências de prova em instrução;

551/98 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt), relativo ao recurso de decisão que indeferiu a arguição de nulidade de notificação da acusação por editais;

68/2000 (pub. em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 46º vol., pág. 367), relativo ao recurso de decisão que indeferiu a realização de diligências de prova em instrução;

350/2002 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt), relativo ao recurso de decisão que indeferiu a arguição de nulidade de escutas telefónicas;

242/2005 (pub. em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 62º, vol., pág. 325), relativo ao recurso de decisão que indeferiu a arguição de nulidades ocorridas durante o inquérito.

A mesma posição foi assumida pelo Tribunal Constitucional quando a decisão recorrida não acolhia a pretensão do arguido de ver prescrito o procedimento criminal, como ocorre neste processo (acórdãos n.º 435/2000, pub. em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 48º vol., pág. 293, e 46/2001 disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

E, se o acórdão 417/2003 (pub. em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 57º, vol., pág. 297) considerou inconstitucional "a norma do artigo 407º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de apenas dever subir com o interposto da decisão final o recurso interposto de decisão que indeferiu o pedido de acesso a elementos contidos nos autos, com vista a impugnar a decisão que aplicou ao recorrente a medida de coacção de prisão preventiva", foi por se considerar que a decisão do recurso, a final, não teria qualquer sentido útil e que nunca apagaria a prisão preventiva entretanto sofrida.

José Manuel Vilalonga veio, entretanto, alertar que a questão da constitucionalidade da subida diferida dos recursos em processo penal, não podia ignorar que a marcha do processo penal, com a sucessiva passagem das várias fases processuais, implicava uma estigmatização social, ou uma afectação da dignidade cívica crescente do arguido (em "Direito de recurso em processo penal", em Jornadas de direito processual penal e direitos fundamentais, pág. 382).

O direito de defesa do arguido em processo penal, constitucionalmente proclamado, é uma cláusula geral que inclui não só todas as garantias explicitadas nos diversos números do artigo 32.º, da CRP, mas também todas as demais que decorram da necessidade de efectiva defesa do arguido.

Este preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo penal equitativo e leal, no qual o Estado, ao fazer valer o seu jus puniendi, deve actuar com respeito pela pessoa do arguido, considerando-o um sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, de ser julgado por um tribunal independente e do processo decorrer com lealdade de procedimentos, considerando-se ilegítimas quaisquer disposições, ou suas interpretações, que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.

Uma das manifestações deste direito à defesa, actualmente (desde a Revisão de 1997) com consagração específica no texto constitucional (artigo 32.º, n.º 1, in fine) é o direito ao recurso.

De modo a garantir a possibilidade de defesa contra a prolação de decisões injustas, deve ser assegurada ao arguido a possibilidade de impugnar para um segundo grau de jurisdição, não só a sentença condenatória, mas também todas as decisões que afectem direitos fundamentais deste, ou que prejudiquem seriamente a sua posição processual.

E, para que esta possibilidade seja efectiva, é necessário que as normas processuais que regulamentam o direito ao recurso assegurem que o arguido possa impugnar essas decisões de uma forma eficaz.

Contudo, isto não significa que toda e qualquer decisão proferida em processo penal seja recorrível pelo arguido, nem que todos os recursos por ele interpostos devam ser imediatamente apreciados pelo tribunal superior.

O artigo 20.º, n.º 5, da CRP, ao dispor que "para defesa dos direitos e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos", positivando o due process, permite a conciliação de vários graus de celeridade processual, nomeadamente o sacrifício da máxima celeridade em determinadas tramitações processuais, para defesa duma racionalização dos meios disponíveis, de forma a garantir uma administração geral da justiça em prazos razoáveis.

Havendo razões de política processual que justifiquem que os recursos de decisões interlocutórias apenas subam com o recurso interposto da decisão final, o legislador ordinário poderá estabelecer e o julgador, interpretando a lei, poderá determinar a sua subida diferida para este momento, desde que tal regime não atinja o núcleo essencial dos direitos constitucionais do arguido em processo penal.

É a verificação destas circunstâncias que importa fazer.

Não sendo este um caso em que o recurso teria efeitos suspensivos do processo (artigo 408.º, n.º 2, do CPP) a sua subida imediata não provocaria qualquer entorpecimento ou atraso do processo, uma vez que ela ocorreria em separado (artigo 406.º, do CPP), sendo insignificante o trabalho de instrução dos autos de recurso com as peças necessárias (artigo 414.º, n.º 6, do CPP)

Não são, pois, razões de celeridade do processo em que foi deduzido o recurso que justificam que este suba diferidamente.

São antes razões de política processual geral, de necessidade de filtragem dos recursos a apreciar pelos tribunais superiores, de modo a apurar a qualidade e a celeridade das suas decisões, que subsistem como justificação para esse regime de subida.

Na verdade, com a subida diferida dos recursos interlocutórios evita-se a apreciação pelos tribunais superiores de muitos deles, uma vez que o seu conhecimento fica prejudicado pelo sentido da decisão final.

Esse diferimento não prejudica o direito ao recurso de decisão interlocutória que julgou improcedente o pedido do arguido de ser declarado prescrito o procedimento criminal, uma vez que aquele sempre terá direito à apreciação por um segundo grau de jurisdição da sua pretensão, salvo se vier a ser absolvido dos crimes que lhe são imputados, situação que lhe é mais favorável que a mera extinção do procedimento criminal, por prescrição.

Não se pode, pois, dizer que, nesta situação, o diferimento do momento da apreciação do recurso prejudique a efectividade do direito do arguido obter um controlo por um tribunal superior da correcção da decisão do tribunal de 1ª instância.

Contudo, esse adiamento não evita o prosseguimento do processo até à decisão final, o que o arguido conseguiria na hipótese do recurso subir imediatamente e obter provimento antes de ser proferida tal decisão.

A verificar-se esta hipótese os arguidos recorrentes veriam prolongado o seu estatuto de arguido submetido a julgamento, com a consequente compressão da sua liberdade individual, por força do regime da subida diferida daquele recurso.

Na verdade, um arguido sujeito a julgamento, mesmo que se encontre apenas submetido à medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (e não há notícia nestes autos de recurso que os recorrentes estejam sujeitos a outras medidas de coacção), sempre sofre as limitações impostas pelo n.º 3, do artigo 196.º, do CPP, além daquelas que resultam necessariamente da circunstância de se encontrar a ser julgado (v. g. a perda de tempo resultante da comparência na audiência de julgamento e organização da defesa, os gastos patrimoniais com a mesma e as repercussões da preocupação com o desfecho do processo).

Todavia, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender que a limitação dos direitos individuais do arguido, resultante da sua sujeição a julgamento, não viola o princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da CRP) e não justifica que se exija que tenha havido uma completa e exaustiva verificação de existência de razões que indiciem a sua presumível condenação, nomeadamente através de um duplo controlo jurisdicional dessa verificação, pelo que também nesta situação seria suficiente a decisão da 1ª instância que rejeitou a prescrição do procedimento criminal para justificar o prosseguimento do processo até à decisão final, sem necessidade de, entretanto, ser apreciado o recurso dessa decisão.

E, mesmo que não se perfilhe este entendimento, tendo em consideração que na concreta questão de inconstitucionalidade aqui em discussão, a decisão recorrida já foi proferida em plena audiência de julgamento, a compressão dos direitos individuais dos arguidos, imputável ao diferimento da apreciação do recurso, além de ser meramente hipotética, tem uma dimensão que não é suficiente para impedir a prevalência das razões de política processual (a celeridade e qualidade das decisões dos tribunais de recurso) que fundamentam tal diferimento.

Daí que se conclua que não é inconstitucional, nomeadamente por não violar o disposto nos artigos 32.º, n.º 1 e 2, e 20.º, n.º 5, da C.R.P., a interpretação do artigo 407.º, n.º 2, do CPP, no sentido de que não deve subir imediatamente o recurso interposto da decisão, proferida em audiência de julgamento, que recusa declarar prescrito o procedimento criminal.

Decisão

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso interposto por UGT - União Geral de Trabalhadores e João António Gomes Proença da decisão da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-3-2007.

Custas do recurso pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, tendo em consideração os critérios do artigo 9.º, do Decreto-Lei 303/98, de 7/10 (artigo 6.º, n.º 1, deste diploma).

Lisboa, 25 de Setembro de 2007. - João Cura Mariano - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Joaquim Sousa Ribeiro (vencido, conforme declaração que junto) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Não acompanhei a decisão que fez vencimento, por entender que a subida diferida dos recursos de despachos denegatórios da ocorrência de uma causa extintiva do procedimento criminal, como a prescrição, esvazia de tutela efectiva o interesse que a invocação em juízo dessa excepção visa satisfazer. Tendo em conta a natureza e alcance específicos deste meio de defesa - que, a meu ver, não foram adequadamente valorados - , a simples continuação do processo acarreta violação das garantias de defesa, na sua dimensão de direito a recorrer.

Na verdade, o requerimento de prescrição criminal e o recurso contra o seu indeferimento não almejam obter uma decisão de fundo de sentido favorável ao requerente, contrariamente ao que se passa, por exemplo, com os recursos das decisões de não admissão de meios de prova. O fim tido em vista com essa iniciativa processual é antes a cessação do procedimento criminal, ou seja, a não apreciação da questão de fundo e a não prolação de uma decisão a seu respeito, por já não ser exercitável, no caso, o poder sancionatório do Estado. O que é posto em causa não é apenas a eficácia de uma decisão condenatória que venha a ser proferida, mas, mais radicalmente, o poder de a proferir, o poder de julgar os factos submetidos a juízo.

Por isso é que, no caso de sentença absolutória (em que, obviamente, não havendo recurso da decisão final, a questão da prescrição não chega a ser apreciada), nunca se pode dizer que a sentença consome o objecto do recurso, por dar satisfação, ainda que por outra via, ao interesse subjacente à alegação de prescrição. Esse interesse - o interesse em não ser submetido ao poder jurisdicional do Estado, por prescrição do procedimento criminal - fica irremediavelmente prejudicado quando, não havendo decisão definitiva quanto à ocorrência de prescrição, a acção prossegue até à decisão final. Proferida sentença absolutória, pode concluir-se que o requerente obteve exactamente o mesmo tratamento que lhe seria dispensado se não tivesse invocado a prescrição, sem conseguir evitar o prosseguimento da sujeição a procedimento criminal - de que o recurso, a ser provido, o libertaria.

Menos ainda se pode dizer, contrariamente ao expendido na fundamentação da decisão de que divirjo, que, para o arguido, a absolvição é uma «situação que lhe é mais favorável que a mera extinção do procedimento criminal, por prescrição».

Esse é um juízo que deve ser deixado à autodeterminação do interessado. É aqui descabida uma visão paternalista do que é o "bem" para o arguido: é ao próprio que cabe defini-lo e determinar o modo de o alcançar. E não pode esquecer-se que a continuação da instância acarreta inevitavelmente uma compressão da liberdade do arguido na condução da sua vida e a vivência de situações susceptíveis de ocasionar incómodos e gravames.

No caso de o processo finalizar por uma sentença de condenação, o provimento do recurso não apaga, a mais disso, a estigmatização social daí decorrente.

Sou, pois, de opinião que a garantia judiciária efectiva do direito à extinção, por prescrição, do procedimento criminal e do direito ao seu reconhecimento, por via de recurso, torna constitucionalmente exigível a subida imediata do recurso da decisão que nega a ocorrência dessa causa extintiva. Como se sustenta no voto de vencida da Conselheira Maria Fernanda Palma, aposto no Acórdão 242/2005 do Tribunal Constitucional (Diário da República, 2.ª série, 10 de Outubro de 2005, p. 14.526), a «tutela constitucional do direito de recurso impõe, no plano infraconstitucional, a efectiva eficácia do recurso». A retenção do recurso até à eventual interposição de recurso da decisão final rouba-lhe efectividade, no plano substancial, pois já não permite a satisfação plena do direito à extinção do procedimento criminal que, por essa via, se pretende ver reconhecido.

Daí não ter podido acompanhar o entendimento contrário, que fez vencimento. - Joaquim Sousa Ribeiro.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1636023.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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