Assento
Acordam, em pleno, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça:
1 - Os jornalistas Jorge Bento Schnitzer da Silva e Carlos Alberto Pedrosa Miranda recorrem, nos termos dos artigos 668.º do Código de Processo Penal de 1929, aqui aplicável, e 763.º e seguintes do Código de Processo Civil, para o tribunal pleno do Acórdão de 12 de Novembro de 1986, proferido na Secção de Jurisdição Criminal deste Supremo, para o que afirmam que ele está em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o aresto, também do Supremo Tribunal, emitido em 27 de Abril de 1977 e publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 266, pp. 124 a 127.
Por acórdão da aludida Secção, reconheceu-se a existência da invocada oposição, pelo que se determinou que prosseguisse o recurso.
Seguiram-se alegações.
Os recorrentes pugnam por assento segundo a orientação do acórdão de 1977, mas o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto defende a posição assumida no aresto de 1986, salientando que durante 1985 a Secção de Jurisdição Criminal do Supremo proferiu cinco decisões no mesmo sentido da de 1986.
2 - Com o processo em condições de se apreciar o recurso, cabe primeiramente reexaminar, por força do disposto no n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil, a questão de saber se efectivamente se verifica oposição de julgados que fundamente a intervenção de mérito do tribunal pleno.
Temos por evidente que existe essa oposição.
Na verdade, o Supremo, pela sua Secção de Jurisdição Criminal, emitiu as referidas decisões em processos diferentes e deu à mesma questão essencial de direito soluções opostas no domínio da mesma legislação.
Numa e noutra hipótese tratava-se de crimes de abuso de liberdade de imprensa com recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos da 2.ª instância, dentro do prazo de cinco dias fixado no artigo 651.º do Código de Processo Penal, mas para além dos três dias imediatos ao início desse prazo.
Para o efeito, dispunha o n.º 3 do então vigente artigo 49.º do Decreto-Lei 85-C/75, de 26 de Fevereiro:
Nos tribunais superiores os prazos serão reduzidos a metade dos estabelecidos na lei geral, mas nenhum será inferior a 48 horas, quando naquela não estejam especialmente previstos prazos de menor duração.
Ora, no mencionado acórdão de 1977 entendeu-se que nos processos por crimes de imprensa o prazo para a interposição de recurso, mesmo nos tribunais superiores, continuava a ser o geral, de cinco dias, enquanto no aresto de 1986 se interpretou o transcrito preceito da chamada Lei de Imprensa no sentido de que tal prazo fora reduzido a três dias (metade de cinco, na quantidade que mais favorece os interessados) - do que resultou não se haver conhecido do recurso dos jornalistas Silva e Miranda, porque interposto para além desse prazo.
Assim, não se suscitam dúvidas de que existe a alegada oposição, sendo, pois, de concluir pela admissibilidade do recurso, com o que passamos a apreciar o seu objecto.
3 - Já se deixou transcrita a norma que, por diferentes interpretações, deu causa a julgados com soluções opostas.
Saliente-se que, pelo facto de ter sido revogado o artigo 49.º da Lei de Imprensa, na pendência do presente recurso, pelo artigo 3.º, alínea a), do Decreto-Lei 377/88, de 24 de Outubro, não deixa de ser obrigatório resolver o descrito conflito de jurisprudência, uma vez que, a optar-se pela orientação do acórdão de 1977, ainda seria consentido aos recorrentes submeter o crime por que foram condenados à apreciação deste Supremo Tribunal.
Pensamos, porém, que a solução correcta e única aceitável é a defendida no aresto impugnado.
Na verdade, quando se dispunha no n.º 1 do artigo 49.º que a sentença condenatória ou absolutória é recorrível nos termos gerais, devendo o recurso ser interposto, instruído e minutado conforme os artigos 645.º e seguintes do Código de Processo Penal, ressalvadas as especialidades do presente diploma, não pode duvidar-se de que uma das tais "especialidades» era, precisamente, a do transcrito n.º 3 do mesmo artigo 49.º, ou seja, a de que "nos tribunais superiores os prazos serão reduzidos a metade dos estabelecidos na lei geral [...]».
Como justamente se ponderou no Acórdão de 12 de Novembro de 1986, signos normativos como recursos nos termos gerais, ressalvadas as especialidades do Decreto-Lei 85-C/75 e prazos reduzidos a metade dos estabelecidos na lei geral, têm uma carga significante que o intérprete não pode alterar.
Mas, se fosse consentido, adiante o aresto de 1986, limitar a extensão literal da expressão "nos tribunais superiores os prazos serão reduzidos a metade [...]», não se descobriria fundamento válido para concluir, como se fez no acórdão de 1977, que se mantinha o de cinco dias do citado artigo 651.º e que se reduzia a quatro o permitido para alegar (artigos 649.º e 743.º, respectivamente dos Códigos de Processo Penal e de Processo Civil).
O absurdo desse conjecturado sentido da lei seria evidente, por sabido que, em regra, não oferece qualquer dificuldade jurídica manifestar vontade de recorrer, estando até na imediata disponibilidade das partes (artigo 32.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), enquanto a subsequente alegação reconhecidamente impõe reflexão e estudo, tarefa que nem de longe se compara à simplicidade de um requerimento de interposição de recurso.
Daí que, avisadamente, se advirta que, "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas [...]» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
4 - Convém lembrar que a Lei de Imprensa, após as alterações introduzidas pelo citado Decreto-Lei 377/88, continua dominada por preocupações de brevidade e dispõe agora, por forma ainda mais explícita, que "a natureza urgente dos processos por crimes de imprensa implica a redução a metade de qualquer prazo previsto no Código de Processo Penal, salvo se este for de 24 horas [...]» (artigo 52.º, n.º 2).
5 - Os recorrentes desenvolvem argumentação em contrário da interpretação que se deixou acima definida, apoiando-se essencialmente nas considerações insertas no acórdão de 1977.
Defendem, em resumo, que, como o prazo de interposição do recurso é anterior à pendência do processo no tribunal superior, daí resulta que a redução a metade, prevista no n.º 3 do revogado artigo 49.º, é exclusivamente dirigida ao prazo para alegar, até porque, quando a lei visa a limitação daquele prazo, não deixa de o fazer de modo expresso (artigo 46.º, n.º 3) (repare-se que este artigo 46.º já há muito fora revogado, mais concretamente, pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 181/76, de 9 de Março).
6 - É argumentação que não convence.
Já respondemos com suficiente desenvolvimento à interpretação firmada no acórdão de 1977 e pela qual, naturalmente, pugnam os recorrentes.
Resta só observar que, quando o transcrito n.º 3 aludia à redução a metade dos prazos nos tribunais superiores, não estaria, necessariamente, apenas a prever recursos das relações para o Supremo, já que também neste último Tribunal e no âmbito dos crimes de abuso de liberdade de imprensa é possível, por exemplo, movimentar impugnações para o pleno.
Como quer que seja, não pode haver dúvida de que na vigência do referido artigo 49.º, nos recursos da 2.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, os prazos, tanto de interposição como para alegar, estavam reduzidos a metade, face às explícitas e categóricas palavras utilizadas no n.º 3 daquele artigo, como continua limitado a metade "qualquer prazo previsto no Código de Processo Penal [...]» (actual redacção do artigo 52.º do Decreto-Lei 85-C/75, de 26 de Fevereiro).
Temos, portanto, que é de confirmar o Acórdão de 12 de Novembro de 1986.
7 - De harmonia com o exposto, decidem negar provimento ao recurso, pelo que, para resolução do mencionado conflito de jurisprudência, se lavra o seguinte assento:
Na vigência do n.º 3 do artigo 49.º do Decreto-Lei 85-C/75, de 26 de Fevereiro, estava reduzido a três dias o prazo de interposição de recursos das relações para o Supremo Tribunal de Justiça, estabelecido no artigo 651.º do Código de Processo Penal de 1929.
Vai cada recorrente condenado nos mínimos do imposto de justiça e procuradoria.
Lisboa, 5 de Abril de 1989. - António de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - António Soares Tomé - Salviano Francisco de Sousa - Cesário Dias Alves - Mário Sereno Cura Mariano - Jorge de Araújo Fernandes Fugas - José Isolino Enes Calejo - José Domingues - Fernando Maria Xavier de Figueiredo Brochado Brandão - Eliseu Figueira Júnior - Mário Afonso - Adelino Barbosa de Almeida - José Alexandre Paiva Mendes Pinto - Vasco Lacerda Tinoco - João Solano Viana - Silvino Alberto Villa-Nova - António Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licínio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Augusto Tinoco de Almeida - Júlio Carlos Gomes dos Santos - José Alfredo Soares Manso Preto - Manuel Augusto Gama Prazeres - José Manuel Méneres Sampaio Pimentel - Albergo Baltazar Coelho - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - Afonso de Castro Mendes - Flávio Parreira da Trindade Pinto Ferreira - Fernando Heitor Barros de Sequeiros - Jorge da Cruz Vasconcelos - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo - José Henriques Ferreira Vidigal - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva - José Saraiva.