Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1 - Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, o Tribunal da Comarca de Castelo Branco proferiu a seguinte decisão:
"O Tribunal é competente.
A arguida tem legitimidade para impugnar judicialmente a decisão da entidade administrativa e está em tempo.
Pela arguida foi arguida a inconstitucionalidade do diploma aplicável em causa.
Para tanto alega que o diploma em causa ao definir a taxa a pagar ao Estado está, a final, a estabelecer um imposto e que tal viola o que vai no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República. Ou seja, padece a norma de uma inconstitucionalidade orgânica por não ter o Governo legislado sobre a matéria.
Dispõe tal norma:
'É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
...
i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.'
Ao atribuir às autarquias competência para a fixação de taxas, o Decreto-Lei não está a legislar ao abrigo de uma qualquer autorização legislativa sobre a matéria.
Na verdade, o Governo, ao criar o diploma, deveria, no seu preâmbulo, referir que, ao atribuir competência às câmaras para a prática desse acto - criação de taxas - estava, ele próprio, a agir ao abrigo de uma autorização legislativa coisa que não fez limitando-se a, pura e simplesmente, legislar e atribuir competências sem olhar para a CRP.
Assiste, pois, razão à recorrente pelo que declaro inconstitucional, padecendo de constitucionalidade orgânica, o artigo 53.º do Decreto-Lei 310/2002, de 18 de Fevereiro, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa."
O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade obrigatório nos seguintes termos:
"O magistrado do Ministério Público nesta comarca, nos termos do disposto nos artigos 280.º, n.os 1, alínea a), e 3, da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de Novembro), vem interpor recurso obrigatório da douta sentença de fl. 52 a fl. 54, para o venerando Tribunal Constitucional.
O presente recurso tem em vista a apreciação da constitucionalidade do artigo 53.º, n.º 2, do Decreto-Lei 310/2002, de 18 de Dezembro (regime jurídico do licenciamento e fiscalização pelas câmaras municipais de actividades diversas anteriormente cometidas aos governos civis), cuja aplicabilidade foi recusada naquela peça processual com o fundamento em que tal disposição legal está ferida de inconstitucionalidade orgânica por atentar contra o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.
O recurso deverá subir nos próprios autos, de imediato, e com efeito suspensivo."
Junto do Tribunal Constitucional o Ministério Público alegou, concluindo o seguinte:
"1 - Não cabe obviamente no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, a fixação, em regulamentos municipais, das taxas devidas como contrapartida pecuniária do exercício de uma actividade de licenciamento pelo município.
2 - É, pois, manifestamente improcedente o juízo de inconstitucionalidade orgânica, emitido quanto à norma que constitui objecto do presente recurso, que deverá proceder, em consonância com a plena conformidade a lei fundamental de tal preceito legal."
A recorrida não contra-alegou.
2 - Cumpre apreciar.
II - Fundamentação
3 - A norma cuja aplicação o tribunal recorrido recusou com fundamento em inconstitucionalidade orgânica determina que as taxas devidas pelos licenciamentos das actividades previstas pelo diploma legal, nas quais se inclui a de exploração de máquinas de diversão, são fixadas por regulamento municipal.
Na decisão recorrida, o juiz a quo considerou, respondendo à questão de constitucionalidade suscitada pela arguida (que alegou que a norma impugnada procedia à criação de um imposto), que a norma desaplicada se refere a matérias abrangidas pela alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição (alínea segundo a qual é abrangida pela reserva relativa de competência parlamentar a criação de impostos, o sistema fiscal e o regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas).
Ora, não só o montante cujo pagamento é devido (ao consubstanciar a contrapartida da remoção de um obstáculo jurídico à actividade de exploração de máquinas de diversão através do respectivo licenciamento) tem um carácter essencialmente sinalagmático das prestações, pelo que, na perspectiva jurídico-constitucional, a prestação em causa consubstancia uma taxa e não um imposto, como também, estando apenas em questão a fixação do montante dessa taxa (em concreto), não é pertinente invocar o regime geral das taxas, como, de resto, o Tribunal Constitucional por diversas vezes já entendeu (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 377/94 e 365/2003 - www.tribunalconstitucional.pt; cf., também, José Manuel Cardoso da Costa, "Sobre o princípio da legalidade das 'taxas' e das 'demais contribuições financeiras'", em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no Centenário do Seu Nascimento, FDL, Coimbra Editora, 2006, pp. 789 e segs., em especial pp. 798 e segs.
É, pois, manifestamente improcedente o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
4 - Conclui-se, assim, pela não inconstitucionalidade orgânica da norma em apreciação.
III - Decisão
5 - Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar organicamente inconstitucional a norma do artigo 53.º, n.º 2, do Decreto-Lei 310/2002, de 18 de Dezembro, revogando-se, consequentemente, o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
Lisboa, 8 de Março de 2007. - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.