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Acórdão 677/2006, de 26 de Janeiro

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Sumário

Julga inconstitucional, por violação do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República, a norma do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, interpretado no sentido de equiparar ao custo da construção o "valor da construção" relevante para se determinar o "valor do solo apto para construção"

Texto do documento

Acórdão 677/2006

Processo 276/2003

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Em 14 de Junho de 2000 os peritos-avaliadores designados pelo Tribunal da Relação do Porto para intervir nas arbitragens para fixação da indemnização devida pela expropriação, a efectuar pelo ICOR - Instituto para a Construção Rodoviária, de uma parcela com a área de 2548 m2, pertença de Maria Gagliardini Graça da Silveira Montenegro, fixaram em 31 302 180$ a indemnização a atribuir a esta.

De tal decisão apresentaram recurso a expropriada e a entidade expropriante, tendo o Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, em 9 de Julho de 2002, aumentado a indemnização devida à expropriada para 43 475 250$, ou seja, Euro 216 853,63. Discutindo a questão de constitucionalidade do artigo 25.º, n.º 3, do Código das Expropriações de 1991, tal como interpretado pelo Acórdão de fixação de jurisprudência 1/99, de 12 de Janeiro (in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 37, de 13 de Fevereiro de 1999), a sentença concluiu pela falta de razão dos argumentos da expropriada. Pode ler-se nesta decisão (fls. 359-362 dos autos):

"[...]

Um outro aspecto a considerar no processo determinativo da indemnização, de resto nuclear, reporta-se ao valor da construção a atender nos termos do artigo 25.º, n.º 1, do CE. Segundo a expropriada o valor a considerar será o valor de mercado da construção, defendendo a expropriante o custo da construção.

Vejamos então.

Conforme vem sido uniformemente defendido, nomeadamente no âmbito do CE de 1991, o critério da justa indemnização deve aferir-se pelo valor do bem no mercado, valor este entendido no seu sentido normativo, ou seja, 'o valor do bem no mercado ou valor venal do bem expropriado, o valor de mercado normal ou habitual', mas não especulativo - cf. Fernando Alves Correia, in RLJ, ano 132, p. 233. Se assim é, não se deve compreender que na determinação daquele quantitativo se imponha e considere o valor do custo construção, sob pena de se entrar à partida com uma quantia desajustada do mercado e que viciaria as contas que se pretende revelem, precisamente, o valor de mercado - cf. Osvaldo Gomes in Expropriações [...], p. 194, quando refere 'o valor da construção, para efeitos do artigo 25.º, deve calcular-se em função do valor de mercado de construção e não apenas o seu custo provável'.

Mais, também com o devido respeito face à pretensão da expropriante, os preços da construção para efeitos de cálculo da justa indemnização não se fixam por portaria, tendo tais portarias outra função. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Fevereiro de 1997, CJ, tomo I, pp. 233 a 236.

Dir-se-á mais: o código actual adoptou o custo da construção e a consideração dos preços desta fixada administrativamente.

É um facto, todavia, não será por isso que no âmbito do CE de 1991 tal seja a intenção legislativa. Com efeito, em primeiro lugar, como já vem sendo suscitada, é duvidosa a constitucionalidade do disposto no artigo 26.º, n.º 4, do CE de 1999 quando se refere ao custo de construção por violação do princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação. Por outro lado, não se deve ignorar que o valor definido pelas portarias anualmente hão-de funcionar como referenciais. 'Esta norma não impõe uma correspondência do preço por metro quadrado da construção para efeitos de expropriação, ao preço do metro quadrado de construção fixado administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou renda condicionada, mas apenas uma obrigação de consideração destes preços como padrão de referência ou como factor indiciário do custo do metro quadrado de construção para o cálculo da indemnização por expropriação' - cf. F. Alves Correia, in RLJ, ano 133, p. 51.

Quanto ao preço de construção, o tribunal atendeu ao apresentado pelos peritos da expropriante e expropriada como supra se referiu e pelos motivos ali considerados.

Assim sendo, por todo o exposto, o valor a considerar nos termos e para os efeitos do artigo 25.º, n.º 1, eleva-se a 150 000$/m2, valor este, de resto, preconizado pela expropriada.

A não atendibilidade das benfeitorias agrícolas.

[...]

Atendibilidade da percentagem arbitrada pelos peritos do Tribunal e referente à cedência para construção de arruamentos e atendibilidade do índice de ocupação de 65%.

[...]

Percentagem nos termos e para os efeitos do artigo 25.º, n.º 4, do CE.

Consideram os peritos a percentagem de 30% nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º, n.º 4, do CE, tendo o perito da expropriada alvitrado a percentagem de 10%.

Àquela percentagem reage a expropriada. Todavia, não obstante a divergência, como noutras situações, cremos adequada a percentagem fixada, quando é certo que se trata de questão técnica que aos peritos cabe apreciar e em melhores condições se encontram para decidir. Na verdade, não se deve ignorar que, atenta a natureza destes autos, a discordância do julgador (que eventualmente poderia existir) exigiria uma apreciável motivação por parte do tribunal - cf. Antunes Varela e Pires de Lima, in CC anotado, comentário ao artigo 389.º do CC -, o que, com o devido respeito, não ocorre.

Quanto à divergência entre laudos, como é bom de ver, a opção terá de ser pelo laudo maioritário quando é certo que o mesmo é subscrito pelos peritos indicados pelo Tribunal o que dá ainda maiores garantias de imparcialidade e independência.

Os parâmetros a considerar no processo determinativo da indemnização.

Isto posto, tudo devidamente ajustado, considerando o somatório das percentagens a que aludem os n.os 2 e 3 do artigo 25.º, ou seja, conforme apuraram os peritos do Tribunal, acesso - 10%; pavimentação em betuminoso - 1%; rede de abastecimento de água - 1%; rede de saneamento - 1,5%; rede de distribuição de energia eléctrica - 1%; rede de águas pluviais - 0,5%; localização e qualidade ambiental - 10%, resulta um ratio a aplicar ao valor da construção de 25%. Mais, resulta ainda que a área a expropriar é de 2548 m2, como resulta que o índice de ocupação é de 0,65%, o valor da construção é de 150 000$/m2.

Fixados os parâmetros, importa ainda considerar que não existem benfeitorias a indemnizar como também não há qualquer depreciação da parte sobrante do prédio nos termos e para efeitos do artigo 28.º, n.º 2, do CE, e que a percentagem nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º, n.º 4, do CE considerado pelos peritos do Tribunal foi de 30%.

C) Cálculo da indemnização.

De acordo com o que fica dito, está encontrado o valor da parcela expropriada, procedendo-se à seguinte operação e em termos similares como o fizeram os peritos no laudo maioritário:

a) 150 000$ (valor por metro quadrado de construção) x 0,65 (índice de ocupação) x 25% [artigo 25.º, n.os 2 e 3, alínea h), do CE] = 24 375$;

b) 24 375$ x 0,70 (100-0.30 referente aos encargos previstos no artigo 25.º, n.º 4, do CE) = 17 062$50 m2;

c) 17 062$50 x 2548 m2 = 43 475 250$ (valor a indemnizar).

Destarte está assim achado o valor de 43 475 250$ a título de indemnização a atribuir à expropriada."

2 - Recorreram de novo expropriada e expropriante.

A primeira concluiu da seguinte forma as alegações do seu recurso:

"1.º Os senhores peritos nomeados pelo Tribunal consideraram que o agravamento dos custos de construção no local era de 3250$, valor superior ao indicado pelo perito da expropriada.

2.º O senhor juiz do processo alterou na douta sentença recorrida este valor para 17 062$.

3.º Fê-lo porque utilizou a mesma fórmula de cálculo dos senhores peritos, mas substituindo o valor do custo da construção (90 000$) pelo valor de mercado da construção (150 000$).

4.º O valor de mercado não tem uma relação directa com o custo da construção, ele depende, para além deste último valor, do jogo da oferta e procura, da situação do prédio em determinado local, etc., pelo que não pode servir de base para o cálculo pretendido.

5.º Ao operar a referida alteração na fórmula do cálculo utilizada pelos senhores peritos, o senhor juiz recorrido agravou em 81% o valor obtido pelos senhores peritos sem nenhum fundamento.

6.º Esta nova fórmula de cálculo, diminuindo artificialmente o valor da indemnização, não colhe qualquer apoio na letra da lei, nem no seu espírito.

7.º A alínea h) do n.º 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações só pode ser interpretada no sentido de que este factor é fixo.

8.º A interpretação dada pelo acórdão uniformizador de jurisprudência 1/99 viola o disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

9.º Ao pretender o referido aresto uma interpretação de acordo com a Constituição, violou o princípio da exclusão da interpretação conforme com a Constituição mas contra legem, porque acaba por alterar o único sentido possível que nos é dado pela letra da lei.

10.º Interpretação que é violadora do princípio da separação de poderes; aos tribunais cabe julgar de acordo com a lei (artigo 203.º da CRP e ainda artigos 114.º, 168.º, n.º 1, e 206.º da Lei Fundamental).

11.º Pelo que terá de aplicar-se a percentagem de 15%, como uma percentagem fixa.

12.º De qualquer das formas, mesmo aceitando a doutrina do acórdão uniformizador e uma vez que este considera como meramente referencial e não como 'tecto' a percentagem de 15% e ainda dadas as condições excepcionais do local, deverá ser sempre esta a percentagem a fixar pela localização e qualidade ambiental.

13.º Dá também como provado que o índice de edificabilidade da área envolvente da parcela expropriada, de acordo com o único plano de ordenamento do território válido e eficaz no momento da DUP, o PDM, era de 1,3/m2.

14.º Porém, adopta o índice de 0,65/m2, que é o do Plano de Pormenor, para não entrar em linha de conta com as cedências ao domínio público, o que se aceita se também se considerar o terreno completamente infra-estruturado, como ficará após a execução do Plano de Pormenor.

15.º Tanto mais que, a pedido do senhor juiz recorrido, já após as partes terem alegado, o município de Felgueiras veio esclarecer a fl. 278 destes autos que o entendimento dos serviços da autarquia é no sentido de que no cálculo dos índices de edificabilidade deverá ser contabilizada a área total do terreno urbanizável objecto da intervenção, isto é, que não tinha fundamento retirar-se qualquer área para arruamentos à parcela expropriada.

16.º Sendo certo que se utilizássemos o índice de construção máximo previsto para a zona pelo PDM, 1,3 m2, e nenhum indício existe nos autos de que não o poderíamos aplicar, e entrássemos em linha de conta apenas com as infra-estruturas existentes, diminuindo-lhe o valor indicado pelos senhores peritos para infra-estruturas, obteríamos o valor por metro quadrado de 35 760$, superior àquele que a expropriada peticiona desde o início.

17.º Por todas estas razões e como a construção de infra-estruturas pertence, em primeira linha, a entidades públicas, a sua inexistência não releva para efeitos de classificação do solo e as respectivas percentagens devem ser acrescidas ao valor do terreno sempre sob pena de se obter um valor inferior ao de mercado, e assim de se violar, como o fez a douta sentença recorrida, o disposto no artigo 22.º e no n.º 1 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991.

18.º A indemnização que deverá ser atribuída à expropriada deverá ser, assim, a seguinte:

Valor unitário do terreno - 0,65/m2 x 150 000$ x 0,34 = 33 150$.

Valor do terreno sem infra-estruturas - 33 150$ - 3240$ = 29 910$.

Valor da parcela - 29 919$ x 2548 = 76 210 680$ = Euro 380 137,26.

19.º Esta é a indemnização que respeitará o princípio constitucional da igualdade na sua vertente externa, ínsito no conceito indeterminado acolhido pela Constituição da justa indemnização, no seu n.º 2 do artigo 62.º

Assim:

Revogando a douta decisão recorrida e fixando a indemnização a atribuir à expropriada em Euro 380 137,26, acrescida da actualização nos termos do artigo 23.º do Código das Expropriações de 1991 [...]"

Quanto ao recurso da expropriante, dizia-se nas suas conclusões:

"1.º O 'valor da construção' a que se alude no n.º 2 do artigo 25.º do CE/91, para efeitos do cálculo do valor do solo apto para construção, não se confunde com o valor final, que se pretende atingir, ou seja, com o valor de mercado.

2.º É certo que o critério fixado no Código das Expropriações (tanto no de 1991 como no de 1999) para alcançar a compensação integral do sacrifício patrimonial infligido aos expropriados e para garantir que estes, em comparação com outros cidadãos, não sejam tratados de modo desigual e injusto, é o valor real e corrente do bem também designado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo.

3.º Esse valor de mercado normativamente entendido corresponde ao valor de mercado normal e habitual, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções, as quais são ditadas por exigências da justiça.

4.º A justa indemnização tem de corresponder, no sentido exposto, ao valor de mercado, mas tal desiderato nada acrescenta quanto ao valor a ter em conta para aplicação das percentagens previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 25.º do CE/91.

5.º A única alteração introduzida pelo legislador do CE/99 no que diz respeito a esta matéria foi, não a de considerar que o valor do solo apto para construção deve corresponder a uma percentagem do custo da construção (artigo 26.º, n.º 6), mas a de considerar que na determinação desse custo da construção se atendesse, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada (artigo 26.º, n.º 5).

6.º Não é certo que o CE/99 tenha introduzido um novo critério e que, na vigência do CE/91, o valor real e corrente ou valor de mercado da construção (que se pretende alcançar a final) devesse calcular-se tomando por base esse mesmo valor, para lhe aplicar as percentagens previstas nos n.os 2 e 3 do seu artigo 25.º

7.º Não é esse, aliás, o entendimento que tem sido seguido nos tribunais.

8.º O valor de 150 000$/m2 [constante da alínea q) dos factos provados] corresponde ao valor médio de mercado da comercialização da habitação, pelo que, além do custo de construção do terreno, inclui o custo unitário de construção, o custo dos projectos, taxas, licenças, o custo dos terrenos infra-estruturados, encargos com sisa, encargos financeiros, encargos com a promoção imobiliária e, naturalmente, a margem de lucro do investidor.

9.º O valor de mercado de construção adoptado para efeitos de cálculo corresponde, assim, ao valor de venda ao consumidor final.

10.º O valor da construção que deve ser considerado para determinação do cálculo da indemnização devida não equivale ao preço de venda dos imóveis ao público: este abrange - para além dos referidos custos com licenças, projectos e custos financeiros - ainda as próprias margens de lucro dos promotores imobiliários.

11.º Esse valor de venda ao público reflecte, inclusive, o valor da especulação imobiliária, as margens de lucro do promotor e mediadores imobiliários, pelo que a sua aplicação para efeitos de cálculo da indemnização conduziria, necessariamente, a distorções especulativas na fixação do valor da justa indemnização.

12.º A valorização da construção possível deve processar-se multiplicando a área de construção possível pelo somatório dos custos directos e indirectos da construção (o mesmo é dizer o valor comercial da construção deduzido da margem de lucro do promotor, encargos financeiros, projectos, taxas, promoção e venda do empreendimento).

13.º Para determinar o valor do terreno deve multiplicar-se o valor da construção possível pelo índice fundiário do terreno, e feita a correspondente dedução dos custos de infra-estruturação, comprovada a real possibilidade de edificação.

14.º O 'valor de construção' a ter em conta para efeitos da aplicação do n.º 2 do artigo 25.º do CE/91 deverá ser de 80 000$, conforme defendeu - fundamentadamente - o Sr. Perito indicado pelo expropriante/apelante ou, se assim não se entender, o de 90 000$ indicado pelos restantes Srs. Peritos.

15.º A douta sentença em crise, salvo melhor opinião, violou os artigos 13.º e 62.º da Constituição da República, bem como os artigos 1.º, 2.º, n.º 2, e 25.º do CE/91."

A expropriada apresentou ainda contra-alegações no recurso interposto pela expropriante, concluindo assim:

"1.º O 'valor de construção' a que alude o n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991 é sinónimo de valor de mercado do bem; só este entendimento é conforme com o conceito de justa indemnização constante do n.º 2 do artigo 62.º da CRP.

2.º Se assim não fosse, o cálculo a realizar chegaria a resultados idênticos para terrenos de valores completamente díspares, apesar de poderem ser fisicamente próximos.

3.º O legislador mais não fez que adoptar a fórmula de cálculo normalmente utilizada no negócio imobiliário.

4.º A interpretação proposta pela expropriante do referido normativo não permite uma correspondência exacta do montante da indemnização e o valor do bem expropriado, de forma a permitir que o valor total do património do expropriado não sofra quebra em consequência desse acto.

5.º A ausência dessa correspondência leva a que a interpretação proposta pela expropriante seja contrária ao direito à justa indemnização e ao princípio da igualdade nos termos em que se encontram consagrados na Constituição (artigos 62.º, n.º 2, e 13.º).

6.º Ora, dentro das várias interpretações possíveis da norma cuja interpretação se discute, terá de prevalecer a que for mais conforme com o texto e programa das normas constitucionais já chamadas à colação, e essa é a que considera que valor de construção significa valor de mercado de construção.

7.º Porque o lucro do promotor imobiliário não é mais que a sua remuneração, ele deve ser tomado em conta no cálculo do valor da construção.

8.º Só se pode falar na existência de elementos especulativos no valor da construção quando por parte dos promotores imobiliários há manobras que se destinam a aumentar ficticiamente o valor de mercado.

9.º Ora nenhum indício existe nos autos dessas manobras.

10.º O valor de construção para o perito indicado para a expropriante é inferior ao valor do custo de construção, uma vez que lhe retira ainda factores que sempre foram considerados como fazendo parte desse, uma vez que lhe retire o custo, como as taxas e licenças de construção, bem como o custo do projecto.

11.º A expropriante pretende agora, de forma tardia, na fase de recurso que se tenha em consideração o resultado das peritagens de outros processos em que a expropriada não interveio, numa clara violação ao disposto no artigo 522.º do Código de Processo Civil.

12.º Tais elementos que nenhum valor jurídico podem ter na decisão deste processo, de acordo com o normativo citado na conclusão anterior, estão a ser utilizados como uma forma de influenciar o tribunal, pondo em crise os princípios processuais do contraditório e da igualdade.

13.º A forma como esses elementos surgem não permite sequer um debate sério em torno da sua justeza, uma vez que a expropriante não esclarece a que parcelas se referem essas diligências probatórias, nem indica sequer os fundamentos que levaram os peritos a adoptar aqueles valores.

14.º Pelo que nunca poderiam sequer possibilitar uma análise crítica por parte da expropriada nestas alegações ou posteriormente pelo Tribunal."

Por Acórdão de 12 de Fevereiro de 2003 do Tribunal da Relação de Guimarães, foi julgada procedente a apelação da expropriante e parcialmente procedente a apelação da expropriada, fixando-se a indemnização a atribuir a esta em Euro 140 514,79, a ser actualizada nos termos indicados pela sentença da 1.ª instância, mas omitindo-se qualquer juízo sobre as questões de constitucionalidade suscitadas pela expropriada. Pode ler-se nesse aresto:

"Expostos estes princípios fundamentais, urge entrar, agora, na análise da questão suscitada pelos apelantes, salientando, antes de mais, que constitui entendimento unânime na nossa jurisprudência o de que, quando haja disparidade entre os peritos, deve merecer a preferência do julgador o parecer maioritário e, em caso de discordância entre os peritos do tribunal e os demais, há que dar prevalência ao laudo dos primeiros, pela maior garantia de imparcialidade que oferecem, aliada à competência técnica, de presumir, perante a sua inclusão na respectiva lista oficial.

Mas, num e noutro caso, só assim deve suceder quando o parecer maioritário não contraria as normas legais que delimitam o cálculo do montante indemnizatório.

A parcela expropriada está abrangida, de acordo com o PDM do município de Felgueiras, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 21, de 28 de Janeiro de 1994 (e, por isso, em vigor à data da declaração de utilidade pública), pelo espaço canal da via EN 101.

No caso dos autos, verifica-se que todos os árbitros, todos os peritos e o M.mº Juiz a quo estão de acordo na classificação da parcela expropriada como 'solo apto para a construção', de harmonia com o disposto no artigo 24.º, n.º 2, do Código das Expropriações, a avaliar pela sua zona envolvente que, atenta a matéria de facto provada, é caracterizada por construções, essencialmente do tipo moradias de rés-do-chão e andar, nos termos do estabelecido nos artigos 26.º, n.º 2, e 25.º do Código das Expropriações.

Discordam, porém, quanto aos factores a atender para efeitos de cálculo do valor da parcela expropriada, pelo que se impõe analisar cada um deles.

Assim, quanto:

a) Ao de índice de ocupação, verifica-se que, enquanto os árbitros, o perito nomeado pela expropriada, o perito nomeado pela entidade expropriante e o M.mº Juiz a quo estão de acordo que este é de 0,65, os peritos nomeados pelo tribunal entendem que o mesmo deve ser fixado em 0,60.

A este respeito, diremos que, não obstante o Plano de Pormenor das Portas da Cidade não ser plenamente eficaz à data de declaração de utilidade pública, pois que o mesmo foi publicado alguns meses após tal declaração, a verdade é que a parcela expropriada está inserida numa área por ele abrangida.

E porque este mesmo Plano define um índice de ocupação global médio de 0,65 (valor aliás inferior ao estabelecido no PDM de Felgueiras para as áreas marginantes da via que motivou a presente expropriação), considera-se correcta a adopção de tal indicador, que, também, se aceita;

b) Ao valor da construção por metro quadrado, entendem os árbitros, os peritos nomeados pelo Tribunal e o perito nomeado pela expropriada que este valor deve ser fixado em 90 000$, enquanto o perito nomeado pela expropriante fixou tal valor em 80 000$.

E o Mmo. Juiz a quo tomou como bom o valor unitário de 150 000$/m2 para o custo de construção, por entender que o valor da construção a atender, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, do Código das Expropriações será o valor de mercado da construção.

Importa, porém, clarificar este conceito.

Na verdade, ainda que se entenda que a indemnização será tanto mais justa quanto melhor corresponder ao valor do mercado, ou seja, ao valor normal que seria alcançado em dado momento se, porventura, o bem expropriado fosse posto no mercado, isso não significa uma total correspondência entre o valor de mercado ou valor venal e o valor do bem expropriado.

É que, tal como ensina Fernando Alves Correia, a propósito do critério estabelecido no artigo 28.º do Código das Expropriações de 1976, 'seria, porém, erróneo pensar que o critério do valor de mercado, recebido implicitamente pelo nosso Código das Expropriações, tem uma aplicação estrita ou rigorosa. De modo algum. Funciona apenas como padrão geral ou como ponto de referência do cálculo do montante da indemnização, estando sujeito, em alguns casos, a correcções, as quais são ditadas por exigências de justiça. Uma boa parte delas manifesta-se em reduções, que são impostas pela especial ponderação do interesse público que a expropriação serve [...]. Mas, em alguns casos, são admitidas majorações, devido à natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo. Aquelas correcções ao critério geral do valor de mercado, impostas pelo princípio da justiça, dão origem àquilo que a doutrina alemã designa por modelo de indemnização de acordo com o valor de mercado normativamente atendido [...], que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado que resulta do jogo da oferta e da procura'.

E, a propósito do Código das Expropriações de 1991, ensina Osvaldo Gomes que, apesar de este Código não usar a expressão valor real e corrente, referindo-se, antes, a valor do bem expropriado, 'esta modificação terminológica não alterou o critério que vinha sendo adoptado, tanto mais que o valor do bem deve ser determinado objectivamente, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública'.

Será, assim, de concluir que o valor de mercado normativamente entendido corresponde ao valor de mercado normal, habitual, não especulativo e sujeito às exigências da justiça.

No caso em apreço, verifica-se que o valor de 90 000$ traduz o custo médio da construção corrente à data de declaração de utilidade pública da parcela em causa (Fevereiro de 1999), pelo que, na falta de outros indicadores, sendo certo que o perito nomeado pela entidade expropriante nem sequer justificou a adopção do valor de 80 000$, cremos ser de aceitar aquele valor, que é, aliás, o indicado pelos árbitros e pela maioria dos peritos;

c) Quanto à percentagem para o encontro do valor do solo apto para construção, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 25.º do CE/91, diremos que foram tidas em conta, por todos os árbitros, pelos peritos nomeados pelo Tribunal e pelo perito nomeado pela expropriada, as seguintes percentagens: 10% para [a]cesso rodoviário; 1% para pavimentação em betuminoso; 1% para rede de abastecimento de água; 1,5% para rede de saneamento: 1% para rede de distribuição de energia eléctrica; 0,5% para rede de drenagem de águas pluviais.

Mas, se estes seis factores de percentagens não levantam dúvidas, tendo sido unanimemente adoptados em todos os laudos, com excepção do laudo do perito nomeado pela entidade expropriante, que apenas tomou em consideração a percentagem de 10% relativa ao acesso rodoviário, já a percentagem a considerar para a localização e qualidade ambiental se nos afigura problemática.

Assim, enquanto os árbitros fixaram a percentagem de 15% para a valorização que resulta da localização e qualidade ambiental da parcela, os peritos nomeados pelo Tribunal fixaram tal percentagem em 10% e o perito indicado pela expropriada bem como o perito nomeado pela entidade expropriante fixaram essa mesma percentagem em 12%, sendo que o tribunal a quo seguiu a percentagem indicada pelo laudo maioritário.

É consabido que o valor indemnizatório deve entender-se como flexível e variável em função dos vários componentes que caracterizam o ambiente.

Da matéria de facto dada como assente resulta que a parcela expropriada está situada no perímetro urbano de Felgueiras - dista 500 m em linha recta do centro cívico de Felgueiras - e está inserida numa área que, de acordo com o Plano de Pormenor das Portas da Cidade, se prevê seja transformada numa zona nobre da cidade, quer do ponto de vista habitacional quer do ponto de vista de serviços e equipamentos.

Este quadro factual permite, de alguma forma, retirar a conclusão de que a sua localização será privilegiada, pelo que nesta medida e dentro dos critérios que adoptamos e que derivam do que vem fixado no citado acórdão uniformizador do STJ, cremos que existem razões para fixar essa percentagem, a servir de factor de cálculo do valor do solo, no montante que foi atendido no laudo do perito nomeado pela expropriada e no parecer do perito nomeado pela expropriante - 12% - por se mostrar mais ajustado à situação factual e por outras razões não virem invocadas no laudo dos árbitros e no laudo dos peritos nomeados pelo Tribunal que justifiquem o seu aumento para 15% ou redução para 10%;

d) Quanto ao factor de depreciação do valor do terreno por falta de infra-estruturas, só o parecer dos árbitros, dos peritos nomeados pelo Tribunal e do perito nomeado pela expropriada levaram em conta este factor para efeitos de cálculo de indemnização, atribuindo os primeiros e segundos uma redução de 30% e o terceiro uma redução de 10%.

Resulta da matéria de facto assente que a parcela expropriada era inferior relativamente às vias públicas circundantes, distando mais de 50 m dos arruamentos que servem o prédio donde foi destacada.

Assim, entendemos ser de acolher a tese seguida na sentença recorrida e que considerou o valor do respectivo terreno depreciado em 30%, para efeito de realização das mesmas.

Acresce que, tendo em vista a finalidade da parcela expropriada, não se vê motivo para entrarmos em linha de conta com quaisquer outros factores de depreciação, nomeadamente com o valor das áreas de cedência ao domínio público, tal como entenderam os peritos nomeados pelo tribunal.

Perante estes considerandos, há que referir que se aceitam as bases de cálculo fixadas na sentença em análise, apenas corrigindo o valor do custo da construção por metro quadrado, que passará a ser de 90 000$/m2, o índice de ocupação, que passará a ser de 65%, e a percentagem a que se deve atender para encontrar o valor do solo expropriado, nos termos do disposto no artigo 25.º, n.os 2 e 3, do CE/91, que passará dos 25% (10%, 1%, 1%, 1,5%, 1%, 0,5% e 12%) para 27% (10%, 1%, 1%, 1,5%, 1%, 0,5% e 12%).

Assim, seguindo-se o raciocínio de cálculo constante na decisão recorrida, teremos o seguinte:

a) 90 000$ (valor por metro quadrado de construção) x 0,65 (índice de ocupação) x 27% [artigo 25.º, n.os 2 e 3, alínea h), do CE] = 15 795$;

b) 15 795$ x 0,70 (100-0,30 referente aos encargos previstos no artigo 25.º, n.º 4, do CE) = 11 056$/m2;

c) 11 056$ x 2548 m2 = 28 170 688$ (valor a indemnizar), ou seja, Euro 140 514,79.

Daí procederem as conclusões da expropriante/apelante, procedendo apenas parcialmente as conclusões da expropriada/apelante."

3 - Trouxe então a expropriada recurso ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a avaliação da conformidade constitucional das normas do artigo 25.º, n.os 2 e 3, alínea h), do Código das Expropriações de 1991, considerando a primeira "violadora dos princípios constitucionais da igualdade e do direito à propriedade privada, consagrados respectivamente nos artigos 13.º e 62.º, n.º 1, da Constituição", e a segunda "violadora do princípio da separação de poderes e do princípio da subordinação dos tribunais à lei, consagrados [nos artigos] 203.º, 14.º, 168.º e 206.º da Constituição".

Admitido o recurso, a recorrente encerrou assim as suas alegações:

"1.º O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de que se recorre interpretou a expressão 'valor de construção', constante do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações como equivalente a valor de custo da construção, revogando nessa parte a douta sentença de 1.ª instância, que considerava que essa expressão quer significar valor de mercado da construção.

2.º Para a recorrente, o n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, na interpretação que dele faz o Tribunal da Relação de Guimarães, é materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos artigos 62.º, n.º 2, e 13.º da Lei Fundamental.

3.º Na verdade, embora a Constituição não concretize o conceito de 'justa indemnização', limita-o.

4.º Justa indemnização não pode ser uma indemnização nominal, irrisória ou simbólica.

5.º Sob pena de violação da igualdade na sua vertente externa, a indemnização tem de compensar plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos.

6.º Também sob pena de violação do princípio da igualdade, mas agora na sua vertente interna, não pode a lei fixar critérios diferentes, que conduzam à atribuição de indemnizações desiguais e sem qualquer fundamento, relativamente ao prejuízo sofrido por expropriados diversos, pela perda de bens de igual valor.

7.º O conceito de justa indemnização é concretizado no n.º 2 do artigo 22.º do Código das Expropriações de 1991 e delimitado negativamente no n.º 3 do mesmo preceito, dele se excluindo determinadas mais-valias.

8.º O n.º 1 do artigo 25.º do Código das Expropriações estabelece para solo apto para construção, como o que foi objecto da expropriação em causa, para determinação da sua indemnização, como fórmula de cálculo o valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de utilidade pública.

9.º Portanto, o valor economicamente normal a que se refere o n.º 2 do mesmo preceito é o valor de mercado e não o valor de custo de construção, uma vez que este conduziria a um resultado que nada tem a ver com o do valor de mercado do solo e que é manifestamente inferior a este, na esmagadora maioria dos casos.

10.º Coloca a norma em causa, na interpretação que lhe foi dada, a expropriada numa posição de manifesta desigualdade relativamente aos expropriados que vejam expropriados edifícios, uma vez que estes são indubitavelmente avaliados pelo seu valor de mercado de acordo com o artigo 27.º do Código das Expropriações de 1991.

11.º E numa posição de desigualdade a expropriada relativamente aos proprietários confinantes não expropriados, detentores de solo de iguais características, pois receberá de indemnização muito menor que o valor de mercado do solo expropriado, colocando em crise o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante os encargos públicos.

12.º Por último, a norma, na interpretação que lhe foi dada, viola o princípio da igualdade porque não permite atribuir indemnizações desiguais, para solos idênticos, quer no que respeita à qualidade ambiental, quer às infra-estruturas quer quanto à capacidade edificativa, mas com valores de mercado diferentes, por causa da sua localização.

13.º Pelo exposto, é a norma constante do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 62.º, n.º 2, e 13.º da Constituição."

Por sua vez, a entidade expropriante aduziu razões para que o "critério fixado no Código das Expropriações para alcançar a compensação integral do sacrifício patrimonial infligido aos expropriados" fosse o do "valor real e corrente do bem [...] em sentido normativo".

Cumpre apreciar e decidir, começando por delimitar o objecto do recurso.

II - Fundamentos. - 4 - Decorre das conclusões das alegações da recorrente - e logo do próprio texto das alegações - que esta deixa de invocar a questão da eventual inconstitucionalidade do disposto na alínea h) do n.º 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991 (esta norma não é sequer referida em todas as alegações). Tal limitação do objecto do recurso de constitucionalidade previamente definido no requerimento de interposição do recurso é permitida pelo n.º 3 do artigo 684.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional - e é aliás frequente (cf. v. g. Acórdãos n.os 180/97, 507/99 e 315/2002, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Assim, ao abandonar aquela questão de constitucionalidade, a recorrente deixou apenas o n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991 como única norma impugnada durante o processo cuja apreciação integra o objecto do presente recurso de constitucionalidade. É o seguinte o texto dessa norma:

"Artigo 25.º

Cálculo do valor do solo apto para a construção

1 - ...

2 - Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para construção deverá corresponder a 10% do valor da construção, no caso de dispor apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente.

3 - A percentagem a que se refere o número anterior será acrescida nos termos seguintes:

a) Pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela - 1%;

b) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela - 1%;

c) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela - 1,5%;

d) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, com serviço junto da parcela - 1%;

e) Rede para drenagem de águas pluviais, com colector em serviço junto da parcela - 0,5%;

f) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento junto da parcela - 2%;

g) Rede distribuidora de gás - 2%;

h) Localização e qualidade ambiental - 15%."

Como melhor se verá adiante, porém, o facto de a norma desse n.º 2 ser, em si, incompleta, na medida em que o limite aí fixado é subsequentemente alterado pelas diferentes alíneas do n.º 3 desse mesmo, não impõe o afastamento da sua consideração.

5 - Importa começar por perguntar se se verificam os requisitos para se poder tomar conhecimento do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e tendo por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações, na interpretação que faz equivaler a expressão "valor de construção" ao custo da construção.

A resposta a esta questão é positiva. Na verdade, a expropriada, e ora recorrente, viu ser-lhe concedida na 1.ª instância uma indemnização baseada, além do mais, no entendimento de que o valor a considerar para a construção, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, era de 150 000$/m2 (correspondente ao valor de mercado da construção).

Perante o recurso da expropriante, a questão da inconstitucionalidade de uma interpretação do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações que faz equivaler a expressão "valor de construção" ao custo da construção foi suscitada nas contra-alegações apresentadas pela expropriada no recurso interposto pela expropriante.

A decisão recorrida, porém, do Tribunal da Relação de Guimarães reduziu o valor da construção por metro quadrado a 90 000$, dizendo [parte final da alínea b), supra transcrita]:

"Será, assim, de concluir que o valor de mercado normativamente entendido corresponde ao valor de mercado normal, habitual, não especulativo e sujeito às exigências da justiça.

No caso em apreço, verifica-se que o valor de 90 000$ traduz o custo médio da construção corrente à data de declaração de utilidade pública da parcela em causa (Fevereiro de 1999), pelo que, na falta de outros indicadores, sendo certo que o perito nomeado pela entidade expropriante nem sequer justificou a adopção do valor de 80 000$, cremos ser de aceitar aquele valor, que é, aliás, o indicado pelos árbitros e pela maioria dos peritos."

A decisão recorrida, apesar de remeter para um "valor de mercado normativamente entendido", sustentou-se, pois, decisivamente, no custo médio da construção corrente à data da declaração de utilidade pública, considerado relevante "na falta de outros indicadores".

6 - A questão de constitucionalidade em apreciação diz respeito à forma de cálculo do valor do solo expropriado que era apto para construção. Questiona-se, mais precisamente, a constitucionalidade de uma determinação desse valor, na falta de outros elementos, com base no custo da construção.

Convém recordar que o regime do cálculo do valor dos terrenos expropriados foi sujeito a mais do que uma alteração, desde o Código das Expropriações de 1976 (aprovado pelo Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro). Segundo o artigo 33.º, n.º 1, desse Código de 1976, o "valor dos terrenos situados em aglomerado urbano" não poderia "exceder, em qualquer caso, o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível", determinado nos termos seguintes:

"a) Calcula-se primeiramente o volume e o tipo de construção ou construções que será possível erigir no terreno, num aproveitamento economicamente normal, no estado actual, em face do desenvolvimento local e dos regulamentos em vigor, não devendo ter-se em conta, para o efeito, quaisquer projectos, planos ou estudos que por alguma forma alterem essa possibilidade;

b) Apura-se em seguida o custo provável da construção, sem o terreno, pelo custo médio correspondente ao tipo de construção e à região;

c) Se o custo da construção dever ser sensivelmente agravado pelas especiais condições do local, a importância do acréscimo daí resultante será abatida ao valor máximo a atribuir ao terreno."

Esta norma foi julgada inconstitucional em vários acórdãos do Tribunal Constitucional (v. os Acórdãos n.os 210/93 e 264/93, publicados no Diário da República, 2.ª série, de, respectivamente, 28 de Maio de 1993 e 5 de Agosto de 1993, 167/94 e 615/95, inéditos, 801/93, 455/94, 641/94, 150/95, 154/95, 755/95, 1096/96, 166/97, 219/97 e 637/97, estes disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

O Código das Expropriações de 1991 (aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro) veio alterar a matéria, dispondo (artigo 25.º, n.º 1) que o "valor do solo apto para a construção" se calcula "em função do valor da construção nele existente ou, quando for caso disso, do valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de utilidade pública, devendo ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental". Por sua vez, o n.º 2 do artigo 25.º, que está agora em causa, determina que, num aproveitamento economicamente normal, "o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a 10% do valor da construção". A percentagem referida poderia, ainda, ser acrescida pela consideração dos factores referidos no n.º 3 do artigo 25.º - tendo, no presente caso, sido relevante a alínea h) desse n.º 3, que, de acordo com a "localização e qualidade ambiental", prevê um acréscimo de 15%. O que está em causa no presente processo não é, porém, o acréscimo atribuído, mas logo a base de cálculo do valor da construção, que foi vista como "o custo médio da construção corrente à data de declaração de utilidade pública da parcela em causa". Esta solução, aliás, não se afasta substancialmente da prevista no Código das Expropriações de 1999 (aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro), em cujo artigo 26.º, n.os 2, 4 e 5, se pode ler:

..."

2 - O valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.

4 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.

5 - Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada."

O legislador teve, na verdade, "consciência" das dificuldades de aplicação do critério que remete para a média de certos valores, previsto no n.º 2, e definiu um segundo critério no n.º 5, que consiste no "custo da construção, em condições normais de mercado" [sobre este sistema, v. Fernando Alves Correia, "A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999", separata da RLJ, Coimbra, 2000, n.º 2.2, alínea f), pp. 139 e segs.].

7 - A desconformidade constitucional da única norma impugnada - a do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991 - decorre, segundo a recorrente, de o Tribunal da Relação de Guimarães fazer "equivaler o 'valor de mercado normativamente entendido' ao valor do custo de construção". No seu entendimento, tal viola o princípio da justa indemnização constante do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição (por violar o respeito pelo princípio da igualdade de encargos e porque conduz a uma indemnização que não traduz uma compensação adequada do dano infligido ao expropriado), bem como o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental (por discriminar negativamente os expropriados proprietários de edifícios e não permitir atribuir indemnizações diferenciadas em face da localização dos imóveis).

Importa distinguir esta questão da constitucionalidade de todo o sistema de avaliação do "solo apto para construção" previsto no artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991 e, designadamente, quanto à possibilidade de adaptação da avaliação às circunstâncias do caso concreto, superando a rigidez anteriormente imposta. Este mesmo ponto já foi tratado por este Tribunal, designadamente no Acórdão 131/2001 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49.º vol., pp. 513-525). Aí se escreveu o seguinte, dando conta das diferenças que impediam que o juízo de inconstitucionalidade antes proferido a propósito do artigo 33.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1976 (tanto no aí citado Acórdão 210/93, como no Acórdão 264/93, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º vol., pp. 673-683) pudesse valer para a norma do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991:

"Não pode deixar de se compaginar o regime previsto em 1991 para o cálculo do valor dos solos aptos para construção com o que vigorava até então para o cálculo do valor dos 'terrenos situados em aglomerado urbano' (artigo 33.º do Decreto-Lei 845/76).

Aí era definido um limite máximo do valor dos terrenos em 15% do valor do custo provável da construção que neles fosse possível efectuar (artigo 33.º, n.º 1). Teve o Tribunal Constitucional oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade desta norma que vinha, aliás, questionada, em termos idênticos aos do presente recurso (Acórdão 210/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º vol., pp. 549 e segs.). Escreveu-se neste aresto:

"Alcançada a conclusão de que a 'justa indemnização' de que fala o artigo 62.º, n.º 2, da Constituição implica a garantia ao expropriado de uma compensação plena da perda patrimonial suportada, de modo que o sacrifício que lhe foi imposto seja suportado por todos os cidadãos e não apenas por ele, está o Tribunal em condições de afirmar que a norma do n.º 1 do artigo 33.º do Código das Expropriações de 1976, ao dispor que o valor dos terrenos situados em aglomerado urbano não poderá exceder em qualquer caso o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível erigir, estabelece um limite tal à indemnização que põe em causa, em algumas situações, o princípio da 'justa indemnização'. Com efeito, aquela norma, na medida em que fixa um tecto percentual inultrapassável ao quantitativo da indemnização por expropriação de terrenos situados em aglomerado urbano, impedirá algumas vezes que o dano patrimonial infligido ao expropriado seja integralmente ressarcido, obstando, assim, a que seja atingida a meta almejada de uma indemnização justa.

Deve, pois, concluir-se que a norma do n.º 1 do artigo 33.º do Código das Expropriações infringe o conceito de justa indemnização inserto no artigo 62.º, n.º 2, da Lei Fundamental - infracção esta, convém esclarecê-lo, que encontra o seu fundamento não na opção legislativa da referência do valor do terreno situado em aglomerado urbano ao custo provável da construção que nele seja impossível implantar, tendo em conta o seu normal destino edificativo, mas antes na fixação do quantum da indemnização de um máximo percentual igual para todos os casos, rigoroso e inultrapassável."

É, aliás, nesta linha argumentativa que os recorrentes invocam a inconstitucionalidade dos n.os 2 e 3 do artigo 25.º do Código de 1991.

Esquecem, porém, as profundas alterações que o novo Código introduziu no regime do cálculo do solo apto para a construção, alterações essas que influem decisivamente no juízo de constitucionalidade que sobre aquelas normas se deve formular.

Na verdade, o que - como se viu - determinou o juízo de inconstitucionalidade sobre a norma do artigo 33.º, n.º 1, do Código de 1976 foi a rigidez ou fixidez de um limite máximo inultrapassável do valor do solo que impedia, ou podia impedir, uma justa indemnização pela variedade de situações dos solos expropriados com directa incidência no seu valor real.

Ora, tal já não se verifica no regime previsto no Código de 1991, passando a ser flexível e ultrapassável o limite de 10% estabelecido pela norma do n.º 2 do artigo 25.º, norma esta que não pode deixar de ser lida em conjugação com o que consta das diversas alíneas do n.º 3 do mesmo artigo, ou seja, a previsão de acréscimos percentuais em função dos factores ali elencados que compõem um quadro suficientemente amplo de valoração da construção possível no solo expropriado e, consequentemente, permitem uma indemnização justa.

Convém a propósito evocar que, no citado Acórdão 210/93, depois de se ter formulado o juízo de inconstitucionalidade e porque estava já em vigor o Código de 1991, se acrescentou:

"Importa, por fim, salientar que o Código das Expropriações de 1976 foi recentemente substituído por um novo Código aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro, e dele já não consta uma norma de conteúdo idêntico à do artigo 33.º, n.º 1, do Código anterior".

Esta referência final do acórdão é, para nós, significativa no sentido de deixar perceber que as mesmas considerações que fundamentavam o juízo de inconstitucionalidade se não poderiam transpor para o Código de 1991. Isto mesmo acaba por receber o conforto do estudo feito por Alves Correia (relator que foi do Acórdão 210/93) na Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.os 3094 e segs., onde se escreveu (n.os 3905 e 3906, pp. 236 e segs.), depois de se precisar o fundamento da inconstitucionalidade reconhecida no mesmo acórdão:

"Esta observação do Tribunal Constitucional teve como finalidade impedir uma transposição de plano da doutrina do Acórdão 210/93 para a norma do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, que, embora adoptasse o princípio da referência do valor do solo apto para a construção nele existente ou, quando for caso disso, ao valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal à data da declaração de utilidade pública - valor esse que deveria corresponder a 10% do valor da construção, no caso de o solo dispor apenas de acesso rodoviário sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente -, previa, porém, vários acréscimos percentuais a este montante - que no seu total podiam ascender até aos 34% - com base em determinados índices valorativos do terreno (reservando, por exemplo, uma margem de 15% para a localização e qualidade ambiental) e tendo em atenção as características específicas de cada caso concreto."

Em suma, pois, as normas constantes dos n.os 2 e 3 do artigo 25.º estabelecem um critério de avaliação de solos aptos para construção com a plasticidade bastante para permitir que a indemnização garanta ao expropriado uma compensação integral da perda patrimonial por aquele sofrida e em termos de o sacrifício suportado pelo expropriado ser igualmente suportado por todos os cidadãos - e é isto o que impõe o artigo 62.º, n.º 2, da CRP.

Por outro lado, não resulta das mesmas normas que os cidadãos colocados na mesma situação recebam indemnizações diferentes, nem elas fixam critérios de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros, com o que se não mostra violado o princípio da igualdade."

Como se disse neste aresto, o princípio da igualdade de encargos não resulta lesado por se fazer depender o valor da indemnização pela expropriação de um terreno urbano do potencial edificativo desse terreno, desde que não haja um limite previamente fixado que seja impeditivo de uma valorização adequada. Indo tal limite até aos 34% do valor da construção e sendo a edificação o principal valor fundiário das sociedades modernas, o regime de determinação do valor da indemnização por expropriação de terreno que constava dos diversos números do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991 permitia compensar o dano dos expropriados.

Por outro lado, como também se disse, não há violação do princípio da igualdade, nem perante os não expropriados, nem perante os expropriados proprietários de edifícios, nem perante outros expropriados proprietários de terrenos. Como, retomando a argumentação do Acórdão 210/93 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º vol., pp. 549-564), se escreveu no Acórdão 140/2003 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):

"O artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, ao determinar que a expropriação por utilidade pública implica o pagamento de justa indemnização, visa certamente banir a arbitrariedade e a desproporção no cálculo do valor da indemnização, mas não fixa qualquer critério rígido de cálculo do respectivo montante, cuja aplicação possa ser sindicada pelo Tribunal Constitucional em qualquer processo de expropriação.

Significa isto que de tal preceito constitucional não decorre a imposição, ao legislador, do critério de todo e qualquer valor de mercado do bem expropriado (ou o do valor de mercado da construção existente no bem expropriado), como pretendem os recorrentes.

Não obstante na perspectiva dos recorrentes esse valor de mercado ser o critério "mais justo", a verdade é que ao Tribunal Constitucional não compete emitir um juízo de censura sobre um critério que, podendo não ser o "mais justo", ainda assim se revela equitativo e, como tal, obedece aos parâmetros do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição. Por outras palavras, o Tribunal Constitucional não pode ser chamado a pronunciar-se sobre o melhor método de cálculo do valor da indemnização por expropriação por utilidade pública, pois que tal função compete ao legislador ou aos peritos.

Seguindo esta ordem de ideias, nenhuma arbitrariedade ou desproporção se vislumbra no entendimento acolhido na decisão recorrida, a que apenas esteve subjacente a rejeição de elementos conjunturais de especulação e nunca a aceitação de uma indemnização simbólica.

Por último, refira-se que, no Acórdão 210/93, de 16 de Março (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 124, de 28 de Maio de 1993, a p. 5609) - aliás citado quer no acórdão recorrido quer nas alegações da recorrida - expressamente se referiu que não só a Constituição não fixa qualquer critério rígido de cálculo do valor da indemnização por expropriação, como não impõe a consideração do livre jogo da oferta e da procura no cálculo desse valor.

Escreveu-se, entre o mais, nesse acórdão:

"[...]

9 - O artigo 62.º, n.º 2, da Lei Fundamental, ao estabelecer que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de 'justa indemnização', consagra claramente o princípio da indemnização como um pressuposto de legitimidade do acto expropriativo (cf. F. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, pp. 120-122 e 156-162) ou, por outras palavras, como 'um elemento integrante do próprio acto de expropriação' (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 337. Cf. também F. Alves Correia, 'Formas de pagamento da indemnização na expropriação por utilidade pública - Algumas questões', separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 'Estudos em homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia', 1984, Coimbra, 1991, pp. 15 e 16, nota 4).

Aquele preceito constitucional determina que a indemnização por expropriação deve ser justa, mas não define qualquer critério indemnizatório de aplicação directa e objectiva, nem contém qualquer indicação sobre o método ou mecanismo de avaliação do prejuízo derivado da expropriação. É este um problema de técnica legislativa, cuja escolha foi deixada pela Constituição ao legislador ordinário (cf. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, Almedina, 1990, pp. 532-546).

Apesar disso, a expressão 'justa indemnização', inserta no artigo 62.º, n.º 2, da Lei Fundamental, não pode ser considerada como uma fórmula vazia. É, antes, uma fórmula carregada de sentido, na qual podem ser colhidos importantes limites à discricionaridade do legislador ordinário.

10 - Em obra recente, F. Alves Correia (cf. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, cit., p. 532 e segs.) defende que o conceito constitucional de 'justa indemnização' leva implicadas três ideias: a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos, e a consideração do interesse público da expropriação.

Atendo-nos apenas à primeira e à segunda dimensões - aquelas que têm a ver com o princípio da justiça da indemnização visto na direcção do expropriado -, dir-se-á, com o autor referido, que no conceito de justa indemnização vai implícito o sentido de que devem ser rejeitados por inconstitucionais os critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal (blösse Nominalentschädigung), a uma indemnização puramente irrisória ou simbólica ou a uma indemnização simplesmente aparente. Estar-se-á perante uma indemnização meramente simbólica quando, por exemplo, a lei, baseando-se num critério abstracto, que não faça qualquer referência ao bem a expropriar e ao seu valor segundo o seu destino económico, permite indemnizações que não se traduzem numa compensação adequada do dano infligido ao expropriado.

Além disso, no conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos. Uma indemnização justa (na perspectiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos.

Segundo o autor citado, o princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: o princípio da igualdade no âmbito relação interna e o princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação.

No campo da relação interna da expropriação, confrontam-se as regras de indemnização aplicáveis às diferentes expropriações. Neste domínio, o princípio da igualdade impõe ao legislador, na definição de regras de indemnização por expropriação, um limite inderrogável: não pode fixar critérios de indemnização que variem de acordo com os fins públicos específicos das expropriações (v.g. critérios de indemnização diferentes para as expropriações de imóveis destinados à abertura de vias férreas, ao rasgo de auto-estradas, à execução dos planos urbanísticos, etc.), com os seus objectos (v.g. critérios diferenciados de indemnização para as expropriações de imóveis e móveis, prédios rústicos e prédios urbanos, solos agrícolas e solos urbanizados, etc.) e com o procedimento a que elas se subordinam. O princípio da igualdade não permite que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros grupos de expropriados. Aquele princípio obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação.

No domínio da relação externa da expropriação, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada num montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos. A observância do 'princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos' na expropriação por utilidade pública exige que esta seja acompanhada de uma indemnização integral (volle Entschädigung) ou de uma compensação integral do dano infligido ao expropriado. Aquele princípio impõe que a indemnização por expropriação possua um 'carácter reequilibrador' em benefício do sujeito expropriado, objectivo que só será atingido se a indemnização se traduzir numa 'compensação séria e adequada' ou, noutros termos, numa compensação integral do dano suportado pelo particular.

Na perspectiva de F. Alves Correia, o critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor de mercado (Verkehrswert), também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo.

Com a expressão 'valor de mercado normativamente entendido', designa o autor que se vem citando 'o valor de mercado normal ou habitual', não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções, as quais são ditadas por exigências da justiça. Uma boa parte destas manifesta-se em reduções que são impostas pela especial ponderação do interesse público que a expropriação serve, como a eliminação dos elementos de valorização puramente especulativos e das mais-valias ou aumentos de valor ocorridos no bem expropriado, em especial nos terrenos, que tenham a sua origem em gastos ou em despesas feitas pela colectividade. Mas, noutros casos, aquelas traduzem-se em majorações, devido à natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo (para mais desenvolvimentos, cf. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico, cit., pp. 550 e segs.).

[...]""

8 - Acompanhando-se estas considerações, dir-se-á que a Constituição não impõe, no artigo 62.º, n.º 2, a consideração do valor de aquisição ou de venda no mercado da construção existente no solo expropriado, como método de cálculo do valor da construção. Isto na medida em que nesse valor se incluam "elementos conjunturais de especulação" ou custos de procura e intermediação do negócio. É admissível, para apurar o valor da construção relevante, a "eliminação dos elementos de valorização puramente especulativos e das mais-valias ou aumentos de valor ocorridos no bem expropriado, em especial nos terrenos, que tenham a sua origem em gastos ou em despesas feitas pela colectividade" (do facto de, portanto, serem aceitáveis alterações no puro valor de mercado), sem que tal viole o critério da justa indemnização (cf., alertando, em face do artigo 26.º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1999, para a necessidade de não identificar o custo de construção com o custo directo de produção, mas antes o considerar na perspectiva do adquirente final, isto é, incluindo, por exemplo, o lucro do promotor, Luís Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações Anotado, 2.ª ed. Coimbra, Almedina, 2000, anotação 5 ao artigo 26.º, pp. 101 e segs.).

Mas daqui - isto é, do facto de a Constituição não impor a consideração do preço de mercado - não se segue, porém, que a redução do valor da construção ao custo da construção, mesmo na falta de outros elementos, seja bastante para assegurar uma justa indemnização ao expropriado, isto é, uma indemnização que não seja desproporcionada ao valor do solo expropriado. Isto é, não resulta que o valor da construção possa ser determinado directamente pelo custo da construção. E é justamente este ponto o que está em questão.

O valor de justa indemnização não tem de coincidir inteiramente com o valor de mercado realmente atribuído a um prédio - sendo, antes, um "valor de mercado normativamente entendido", isto é, entendido, justamente, de acordo com os parâmetros de uma justa indemnização. Assim, os custos de mediação imobiliária e outros custos de transacção do prédio, bem como outros elementos puramente especulativos, não têm de ser relevantes para efeitos dessa indemnização (muito embora possa ser difícil distinguir claramente em concreto estes últimos, "puramente especulativos"). Seja, porém, como for quanto ao exacto âmbito destes elementos (puramente especulativos) integrados no preço que se forma no mercado imobiliário, é certo que não pode reduzir-se o valor de mercado da construção, mesmo "normativamente entendido", apenas ao "custo da construção", e mesmo que este seja um custo concreto, e não apenas médio.

Por outras palavras: entende-se que não é constitucionalmente admissível, pois afastaria o critério de determinação do valor da indemnização do critério de uma "justa indemnização", que o "valor da construção", relevante nos termos do n.º 2 do artigo 25.º para efeitos do cálculo do "valor do solo apto para construção", seja reduzido apenas ao "custo da construção", como fez o acórdão recorrido (fl. 452), embora também se não imponha (nos termos referidos) a sua equiparação exacta ao preço de venda de uma construção no mercado.

É, na verdade, evidente que uma construção pode ter um custo reduzido, mas (mesmo independentemente de custos de mediação ou de elementos especulativos que contribuem também para a determinação do preço no mercado imobiliário) possuir logo um valor de mercado muito superior - e mesmo desproporcionadamente superior - a esse custo: basta pensar, por exemplo, no valor de uma construção a realizar num local onde esta não apresente custos especiais, mas que se situe numa zona urbana (ou de expansão urbana) muito valorizada. Nesta medida, a determinação do valor da construção, relevante para apurar o valor do solo apto para construção, apenas a partir do custo (concreto ou médio) da construção afasta o valor da indemnização a atribuir do padrão de uma justa indemnização constitucionalmente imposto.

Isto, aliás, é assim mesmo considerando devidamente os elementos de flexibilidade previstos no n.º 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, diversamente do que acontecia no Código de 1976, e que, como vimos, levaram o Tribunal Constitucional a, neste aspecto, diferenciar (nos acórdãos citados) os juízos de constitucionalidade que mereciam as normas de ambos os diplomas, ou considerando o n.º 8 do artigo 25.º do Código de 1991, nos termos do qual se "o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante será reduzido ou adicionado ao valor da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno".

Quanto a este último, a redução do custo de construção e, sobretudo, a sua disparidade em relação ao valor da construção não têm de decorrer de quaisquer "especiais condições do local", antes podem mesmo ser a regra. E, quanto àqueles elementos de flexibilização, recorde-se novamente que o que está em causa na desconformidade com o padrão de justa indemnização referida não é a rigidez ou falta de flexibilidade da indemnização perante as possíveis variações da situação concreta dos prédios expropriados. Está, antes, em questão a relevância directa do critério do custo da construção como forma de apuramento do valor da construção (relevância, essa, que não é afectada pelo elementos de adequação à situação concreta previstos no n.º 3 do artigo 25.º).

E, como se disse, tal redução do valor da construção ao custo desta, mesmo que apenas para determinação do valor do solo com aptidão construtiva, afasta o critério da indemnização da exigência de uma justa indemnização.

Tem, pois, de ser concedido provimento ao recurso, julgando inconstitucional, por violação do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, a norma do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, na interpretação que equipara ao custo da construção o "valor da construção" relevante para se determinar o "valor do solo apto para construção".

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República, a norma do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, interpretado no sentido de equiparar ao custo da construção o "valor da construção" relevante para se determinar o "valor do solo apto para construção";

b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a reformulação da decisão recorrida, em consonância com o presente juízo de inconstitucionalidade.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2006. - Paulo Mota Pinto (relator) - Benjamim Rodrigues - Mário José de Araújo Torres - Maria Fernanda Palma - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1540018.dre.pdf .

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