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Acórdão 636/2006, de 8 de Janeiro

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Sumário

Julga inconstitucional a norma do artigo 160.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, quando interpretada no sentido de não reconhecer legitimidade a um sindicato para a interposição de recurso hierárquico de um despacho que homologa a classificação final de um concurso profissional em representação dos respectivos filiados

Texto do documento

Acórdão 636/2006

Processo 445/2005

Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que figura como recorrente o Ministério Público e como recorrido o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, o Tribunal Central Administrativo Sul entendeu o seguinte:

"2.2 - Objecto do presente recurso contencioso é o despacho transcrito na alínea d) do número anterior que se consubstanciou na rejeição dos recursos hierárquicos interpostos pelo recorrente, com fundamento na sua ilegitimidade.

Conforme é entendimento uniforme do STA (cf., v. g., os Acórdãos de 14 de Junho de 1994, in Acórdãos Doutrinários, n.º 396, p. 1392, de 15 de Maio de 1997 - recurso n.º 40 923, de 7 de Outubro de 1997 - recurso n.º 39 442, e de 28 de Janeiro de 1999 - recurso n.º 38 091), quando o acto do superior não conhece do mérito da impugnação do acto do subalterno, o âmbito do recurso contencioso interposto daquele cinge-se à questão concreta da rejeição, pelo que o recorrente contencioso apenas pode impugnar essa causa de pedir e não alegar outros vícios completamente estranhos ao fundamento de rejeição do recurso hierárquico.

No caso em apreço, como referimos, o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais traduziu-se na rejeição dos recursos hierárquicos, com fundamento na ilegitimidade do recorrente.

Deste modo, o âmbito do presente recurso contencioso cinge-se à apreciação do fundamento concreto da rejeição dos recursos hierárquicos, sendo irrelevante a alegação de quaisquer vícios completamente estranhos a tal fundamento.

Analisando as conclusões da alegação do recorrente, constata-se que só nas conclusões A) a F) é impugnado o fundamento da rejeição dos recursos hierárquicos, sendo completamente estranhas a este fundamento e, por isso, irrelevantes as restantes.

Assim, apenas há que apreciar o conteúdo das conclusões A) a F) da alegação do recorrente, onde é invocado um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.

Vejamos, então, se esse vício se verifica.

O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão 118/97, de 19 de Fevereiro (publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 464, p. 135), declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade - por violação do artigo 56.º, n.º 1, da CRP - da norma constante do n.º 1 do artigo 53.º do CPA na parte em que negava às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir, fosse em defesa dos interesses colectivos, fosse em defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representavam.

Para o efeito, considerou-se que o artigo 56.º, n.º 1, da CRP, ao afirmar que 'compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem', não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la - a possibilidade de intervenção das mesmas associações na defesa colectiva dos seus interesses individuais. É que se a defesa dos trabalhadores que representam é uma competência própria dos sindicatos, mal se compreenderia que fosse retirada no âmbito do desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo.

Assim, perante esta declaração de inconstitucionalidade que atingiu a restrição constante da parte final do n.º 1 do artigo 53.º do CPA, deve-se concluir que, quando num procedimento administrativo esteja em jogo um direito ou interesse legalmente protegido de uma pessoa enquanto trabalhadora, poderá nele intervir a organização sindical que, como tal, a represente.

Mas poderá essa intervenção traduzir-se na interposição de uma reclamação ou de um recurso hierárquico de um acto administrativo?

Parece-nos que a resposta a esta questão tem de ser afirmativa. Efectivamente, se o sindicato tem legitimidade para iniciar e intervir no procedimento administrativo e, de acordo com a jurisprudência dominante (cf., v. g., os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 160/99, in Diário da República, 2.ª série, n.º 39, de 16 de Fevereiro de 2000, e 103/2001, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49.º vol., p. 411, e os Acórdãos do STA de 26 de Abril de 2001 - recurso n.º 44 655, de 28 de Novembro de 2001 - recurso n.º 45 075, e de 6 de Fevereiro de 2003 - recurso n.º 17 85/2002), é-lhe reconhecida uma legitimidade processual ampla para defesa dos direitos e interesses colectivos e para defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam, sem necessidade de expressos poderes de representação forense, não se compreenderia que não tivesse legitimidade para reclamar ou recorrer hierarquicamente de actos proferidos no decurso do procedimento em que pode intervir, eventualmente para lhe permitir a respectiva impugnação contenciosa.

Assim, e porque a intervenção no procedimento administrativo reconhecida aos sindicatos pela norma do n.º 1 do artigo 53.º do CPA após o referido Acórdão do TC n.º 118/97 inclui a faculdade de reclamar e recorrer dos actos desfavoráveis proferidos no decurso desse procedimento, entendemos que, sob pena de enfermar de inconstitucionalidade material pelas mesmas razões por que aquele acórdão a declarou, o n.º 1 do artigo 160.º deve ser interpretado de forma a ser compatibilizado com o citado artigo 53.º, n.º 1.

Nestes termos, o despacho impugnado, ao rejeitar o recurso hierárquico interposto pelo recorrente, incorreu no invocado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, em virtude de ter aplicado uma norma - n.º 1 do artigo 160.º do CPA - que enferma de inconstitucionalidade material por infracção do artigo 56.º, n.º 1, da CRP - na interpretação acolhida, devendo, em consequência, ser anulado.

3 - Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o despacho impugnado."

2 - O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da norma do artigo 160.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo:

"1.º É inconstitucional, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 56.º da CRP, a interpretação normativa do artigo 160.º, n.º 1, do CPA que se traduza em denegar às associações sindicais legitimidade para assumir a defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem através da dedução dos meios impugnatórios aí previstos - reclamação ou recurso hierárquico perspectivados como condição prévia para a impugnação contenciosa dos actos lesivos.

2.º Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida."

O recorrido contra-alegou aderindo às alegações do Ministério Público.

Tendo sido decidida pelo presidente do Tribunal Constitucional a intervenção do plenário, ao abrigo do artigo 79.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, cumpre apreciar.

II - Fundamentação. - 3 - O artigo 160.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo tem a seguinte redacção:

"1 - Têm legitimidade para reclamar ou recorrer os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pelo acto administrativo.

2 - É aplicável à reclamação e aos recursos administrativos o disposto nos n.os 2 a 4 do artigo 53.º"

O tribunal recorrido recusou, por inconstitucionalidade (por violação do artigo 56.º, n.º 1, da Constituição), a aplicação de tal preceito quando interpretado no sentido de não reconhecer legitimidade a um sindicato para a interposição de recurso hierárquico de um despacho que homologa a classificação final de um concurso profissional em representação dos respectivos filiados.

O Tribunal Constitucional, no Acórdão 118/97, de 19 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série-A, de 24 de Abril de 1997), declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 56.º, n.º 1, da Constituição, da norma do artigo 53.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir, seja em defesa de interesses colectivos, seja em defesa de interesses individuais dos trabalhadores que representem.

Entendeu então o Tribunal Constitucional o seguinte:

"6 - Os sindicatos são associações permanentes de trabalhadores para a defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais. Trata-se, pois, de associações voluntárias e permanentes, essencialmente caracterizadas pela condição de trabalhadores dos respectivos associados e, como decorre do artigo 56.º, n.º 1, da Constituição, pelo objectivo da defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam.

O artigo 56.º da CRP, no seu n.º 2, enumera certos direitos específicos das associações sindicais - participação na elaboração da legislação do trabalho, na gestão das instituições de segurança social, no controlo de execução dos planos económico-sociais, e representação nos organismos de concertação social. Mas não se esgotam aí os fins e objectivos destas associações.

Efectivamente, como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., revista, 1993, Coimbra Editora, em anotação ao artigo 56.º):

'Os direitos das associações sindicais previstos neste artigo não são todos exclusivos delas, nem muito menos esgotam os seus direitos. Não são exclusivos, porque alguns deles são compartilhados pelas CT (v. nota I ao artigo 54.º). Não esgotam os direitos das associações sindicais, porque a própria Constituição prevê outros, e nada impede que outros sejam atribuídos por lei.'

Ora, o n.º 1 deste artigo 56.º, ao afirmar que 'compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem', não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la - a possibilidade de intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais.

7 - De resto, esta actuação colectiva dos sindicatos para defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores há-de revelar-se decisiva em múltiplos aspectos de intervenção social, nomeadamente no âmbito das condições de trabalho.

Por exemplo, no domínio das atribuições cometidas ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), regulado pelo Decreto-Lei 219/93, de 16 de Junho - no qual a Inspecção-Geral do Trabalho (IGT) passou, desde então, a estar integrada, como serviço central do mesmo -, mal se compreenderia que as associações sindicais não dispusessem da faculdade legal de fazer desencadear os procedimentos tendentes à intervenção daqueles serviços no que se refere, designadamente, ao exercício das seguintes competências, previstas, quanto à IGT, no artigo 13.º daquele diploma:

a) Fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais respeitantes às condições de trabalho, ao apoio ao emprego e à protecção no desemprego, bem como ao pagamento das contribuições para a segurança social;

b) Fiscalizar o cumprimento das normas relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho;

c) Aprovar e fiscalizar o cumprimento dos regulamentos internos das empresas;

...

Em todos estes casos se prevê uma actividade administrativa - embora de tipo fiscalizador ou inspectivo - que supõe a existência de um procedimento administrativo. Ora, excluir a possibilidade de as associações sindicais promoverem o início desse procedimento administrativo, ou de nele intervirem, em matérias como as referidas significaria uma amputação inaceitável dos poderes que, necessariamente, decorrem das finalidades que a Constituição lhes reconhece, e, portanto, lhes são garantidos, no n.º 1 do artigo 56.º

8 - Entende o Primeiro-Ministro que a disposição em causa - a norma constante do artigo 53.º do CPA - não retira a legitimidade procedimental aos sindicatos; antes, esta legitimidade seria 'assegurada pelo n.º 1 do artigo 53.º ao reconhecer tal legitimidade aos titulares de direitos ou interesses legítimos'.

A verdade, porém, é que há que distinguir entre os direitos e interesses das próprias associações sindicais - nomeadamente aqueles que pertencem a qualquer pessoa colectiva ou aqueles que lhes são especificamente reconhecidos pela Constituição ou a lei, como por exemplo nos n.os 2 e 3 do artigo 56.º da CRP - e os direitos e interesses colectivos dos trabalhadores, e não já das associações sindicais, que a estas apenas cabe defender em nome e representação daqueles. Ora, a intervenção no procedimento administrativo por parte de 'associações que tenham por fim a realização de interesses colectivos' cabe na parte final do n.º 1 do artigo 53.º do Código, tal como a das associações que tenham por fim a defesa de interesses difusos é tratada no n.º 3 do mesmo artigo (cf. Diogo Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Pedro Siza Vieira e Vasco Pereira da Silva, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2.ª ed., Almedina, 1995, p. 96). Só que a norma em apreço cria uma excepção a tal legitimidade das associações que tenham por fim a realização de interesses colectivos quando, expressamente, na sua parte final, apenas admite a intervenção das 'associações sem carácter político ou sindical'.

De tal previsão resulta, pois, inequivocamente, a exclusão da legitimidade das associações sindicais para, na defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores que representam, desencadearem o procedimento administrativo e nele intervirem.

Ora, impossibilitar esse tipo de actuações no âmbito do procedimento administrativo revela-se manifestamente inconstitucional, por violação do artigo 56.º, n.º 1, da CRP.

9 - Poderia, apesar de tudo, aquela exclusão ser justificada por razões atinentes à especial natureza ou conformação dos interesses em jogo no procedimento administrativo?

Também aqui a resposta só poderá ser negativa.

Com efeito, no n.º 4 do artigo 267.º da Constituição prevê-se que o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, a qual, além do mais, deverá assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, tendo estes ainda direito, nos termos do artigo 268.º, n.º 1, a serem informados, quer sobre o andamento dos processos em que sejam interessados, quer ao acesso aos arquivos e registos administrativos.

Aquele artigo 267.º, n.º 1, estabelece, pois, o princípio da participação dos interessados na administração. Este é, inequivocamente, um imperativo constitucional que há-de encontrar no Código do Procedimento Administrativo a sua forma de concretização por excelência e impede, portanto, qualquer interpretação restritiva como aquela a que acima se referiu.

10 - Por outro lado, apesar da amplitude com que é constitucionalmente consagrada a finalidade da intervenção sindical, o artigo 53.º do CPA, do qual consta a norma em apreciação, vem inequivocamente impedir, ainda, que as associações sindicais, em virtude do seu carácter sindical, procedam à defesa colectiva de interesses individuais no âmbito do procedimento administrativo. Também aqui se configura uma restrição clara e injustificada aos direitos dos sindicatos, não apenas à luz do princípio da participação no procedimento administrativo, mas principalmente da competência e representatividade dos sindicatos, tendo em consideração a prossecução dos fins que lhes são constitucionalmente cometidos.

Na sequência da orientação perfilhada por este Tribunal no Acórdão 75/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., p. 200), a defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que representem é uma competência própria dos sindicatos, mal se entendendo que seja retirada no âmbito do desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo.

11 - A este propósito, pode ler-se no citado Acórdão 75/85:

'Ora, nesta última parte, já se não está, obviamente, a regular as formas de participação do pessoal civil na vida dos respectivos organismos, mas a forma que obrigatoriamente deve revestir a apresentação e defesa dos interesses individuais de cada trabalhador.

E, mais concretamente, ao determinar-se que a apresentação e defesa de tais interesses terá de ser feita directamente pelos próprios, exclui-se necessariamente a defesa colectiva de interesses individuais, designadamente através da intervenção das associações sindicais.

Todavia, quando a Constituição, no n.º 1 do seu artigo 57.º [actual artigo 56.º], reconhece a estas associações competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem, não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores: antes supõe que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais.'

Com efeito, a liberdade sindical não se esgota na faculdade de criar associações sindicais e de a elas aderir ou não aderir. Antes supõe a faculdade de os trabalhadores defenderem, coligados, os respectivos direitos e interesses perante a sua entidade patronal, o que se traduz, nomeadamente, na contratação colectiva e, também, na possibilidade de, também colectivamente, porque só assim podem equilibrar as relações com os dadores de trabalho, assegurarem o cumprimento das normas laborais, designadamente das resultantes da própria negociação colectiva. É que, na verdade, a actividade sindical não se confina à mera defesa dos interesses económicos dos trabalhadores, antes se prolonga na defesa dos respectivos direitos jurídicos, consagrados na lei ou nos instrumentos de regulação colectiva das relações laborais, e esta última defesa exige a possibilidade de os sindicatos intervirem em defesa dos direitos e interesses individuais dos trabalhadores que representam, principalmente quando se trate de direitos indisponíveis (cf. artigo 6.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho).

Parece evidente que - máxime quando se esteja perante direitos disponíveis - a lei poderá e deverá prever, numa razoável ponderação entre os interesses de cada trabalhador e os interesses de uma certa categoria ou grupo de trabalhadores, que a intervenção das associações sindicais no procedimento administrativo se possa exercitar, em certos casos, de forma meramente coadjuvante ou subordinada, quando estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores. Tal, porém, não significa que se possa, pura e simplesmente, excluir os sindicatos, como ocorre na norma questionada.

Sendo esta a interpretação daquele dispositivo constitucional que aqui se perfilha, e não existindo, assim, quaisquer fundamentos para nos desviarmos da jurisprudência firmada no já mencionado Acórdão 75/85, forçoso é concluir, também nesta perspectiva, pela inconstitucionalidade da norma em causa, na parte impugnada."

No mesmo sentido, pronunciou-se ainda o Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.os 160/99 e 103/2001 (www.tribunalconstitucional.pt).

A jurisprudência acabada de referir é aplicável nos presentes autos.

Com efeito, a norma declarada inconstitucional no aresto citado tem carácter geral, já que se refere à legitimidade das associações sindicais para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir.

Ora, uma das formas de intervenção no procedimento administrativo é precisamente a interposição do recurso hierárquico de um acto administrativo lesivo. Assim, os fundamentos da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão 118/97 valem inteiramente para a intervenção no procedimento administrativo que se consubstancia na interposição do recurso hierárquico. Na verdade, o recurso hierárquico é, entre outros, um mecanismo (de relevância significativa) de defesa e promoção dos direitos dos trabalhadores representados pela associação sindical, defesa e promoção tutelados pelo artigo 56.º da Constituição.

Conclui-se, pois, pela inconstitucionalidade da norma apreciada.

III - Decisão. - 4 - Em face do exposto, decide-se confirmar o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.

Lisboa, 21 de Novembro de 2006. - Maria Fernanda Palma - Maria João Antunes - Mário José de Araújo Torres - Maria Helena Brito - Gil Galvão (com dúvidas quanto ao conhecimento) - Vítor Gomes (vencido quanto ao conhecimento, conforme declaração anexa) - Rui Manuel Moura Ramos (vencido pelo essencial dos fundamentos aduzidos nos votos de vencido apostos ao Acórdão 118/97, que entendo transponíveis para o caso em apreço) - Carlos Pamplona de Oliveira (vencido quanto ao conhecimento, por entender que a decisão recorrida não desaplicou a norma; e quanto ao fundo, por entender que a norma não é inconstitucional) - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta) - Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) - Bravo Serra (na esteira da declaração de voto que apus ao Acórdão 118/97, entendo que a norma em apreço só é inconstitucional na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para reclamar ou recorrer nos casos em que se vise a defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores) - Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração de voto anexa) - Artur Joaquim de Faria Maurício.

Declaração de voto

Vencido, apenas quanto ao conhecimento do recurso, por considerar que na decisão recorrida não houve efectiva desaplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma apreciada pelo presente acórdão.

A afirmação de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 160.º do Código do Procedimento Administrativo, contida no acórdão recorrido, refere-se à interpretação adoptada pela autoridade administrativa para rejeitar o recurso hierárquico interposto pelo Sindicato, não ao sentido que o acórdão extrai do preceito, prefere e, consequentemente, aplica na decisão do caso que lhe era sujeito. Com efeito, antes daquela afirmação, o acórdão considerara que a legitimidade reconhecida às associações sindicais pela norma do n.º 1 do artigo 53.º do CPA, após a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, na parte em que negava às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir em defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que representam, impunha a interpretação do n.º 1 do artigo 160.º do mesmo diploma de modo a permitir-lhes reclamar e recorrer hierarquicamente de actos proferidos no decurso do procedimento em que podem intervir. Ou seja, para o tribunal a quo a norma respeitante à legitimidade para o procedimento de 2.º grau, sobretudo quando necessário para acesso à via contenciosa, não podia deixar de ser interpretada em conformidade com a regra geral para iniciar e intervir no procedimento administrativo. Assim, a anulação do acto contenciosamente impugnado não resultou da recusa efectiva, ainda que de modo implícito, de aplicação do sentido normativo agora apreciado - não foi produto de uma decisão intermédia, na conclusão do processo hermenêutico, de que esse era o sentido da norma, mas que não poderia ser aplicado por ser desconforme à Constituição - mas da conclusão de que os elementos sistemáticos e teleológico de interpretação conduziam a atribuir à norma um sentido oposto àquele para que a administração se inclinara, conclusão para que foi determinante o argumento de coerência do sistema entre as regras de legitimidade para as diversas fases do procedimento administrativo.

É certo que o acórdão recorrido afirma expressamente a inconstitucionalidade do sentido normativo que a administração adoptara. Mas optou pelo sentido oposto, com argumentos que não se resumem a essa desconformidade com a Constituição. Ora, a interpretação conforme à Constituição é ainda um dos elementos do processo de determinação do sentido da lei, a que os tribunais devem recorrer como simples modalidade de interpretação sistemático-teleológica, que não justifica, por si só, o recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Ressalvada, obviamente, a hipótese de o tribunal a quo,a pretexto de uma interpretação conforme à Constituição, ter adoptado um sentido de todo incomportável segundo os cânones comuns de hermenêutica, procedendo, de facto, a uma real desaplicação da norma em qualquer dos sentidos por ela comportáveis, o que não sucede com o acórdão recorrido, na leitura que dele faço. - Vítor Gomes.

Declaração de voto

1 - Não fora a afirmação expressa, constante da parte final do acórdão recorrido, de que o despacho então em apreciação havia de ser anulado por "ter aplicado uma norma - n.º 1 do artigo 160.º do CPA - que enferma de inconstitucionalidade material", teria votado o não conhecimento do recurso, por não ter ocorrido uma recusa de aplicação por inconstitucionalidade que o suportasse.

Com efeito, da interpretação de todo o acórdão parece resultar que nele se procedeu antes a uma interpretação do disposto no n.º 1 do citado artigo 160.º (cujo regime se considerou em vigor) que estivesse de acordo com o n.º 1 do artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo, tal como resultou da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral operada pelo Acórdão 118/97 deste Tribunal.

2 - Votei, todavia, vencida quanto ao julgamento de inconstitucionalidade pelas razões que apontei na declaração que juntei ao Acórdão 160/99 e que transcrevo:

"Votei vencida porque não considero que do disposto no n.º 1 do artigo 56.º da Constituição resulte, nem a necessidade constitucional de os sindicatos terem legitimidade para impugnar contenciosamente [...] actos administrativos que afectem interesses individuais dos trabalhadores neles filiados, nem, muito menos, de trabalhadores neles não filiados.

Decidiu-se no acórdão, em primeiro lugar, que a Constituição impõe que seja reconhecida aos sindicatos como tal - ou seja, não como representantes dos seus filiados, mas em nome próprio - legitimidade para defenderem em juízo interesses individuais dos seus filiados. E decidiu-se, em segundo lugar, que essa legitimidade existe mesmo em relação a trabalhadores não filiados (uma vez que se dispensa a prova da filiação quanto aos trabalhadores concretos atingidos pelos efeitos do acto impugnado).

Esta concepção, a meu ver, contraria o princípio constitucional da liberdade sindical, consagrado no artigo 55.º da Constituição. Não pode, com efeito, considerar-se como que transferido para o sindicato o poder de deliberar sobre a forma de prossecução dos interesses individuais dos trabalhadores filiados, por exceder a própria razão de ser da existência deste tipo de associações. Muito menos, repito, quanto a trabalhadores não filiados, o que apenas poderia ter como justificação a ideia de que os sindicatos representam, fora do âmbito dos interesses colectivos da classe, todos os trabalhadores que têm uma determinada profissão, independentemente, sequer, da sua vontade de neles se filiarem."

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Declaração de voto

Votei vencido pelo essencial das razões constantes da declaração de voto aposta ao Acórdão 118/97 pelo Exmo. Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, para a qual remeto. Resumidamente, direi apenas que, em meu entender, o artigo 56.º, n.º 1, da Constituição, ao prescrever que "[c]ompete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem" não impõe, além da legitimidade para defesa e promoção de interesses colectivos dos trabalhadores, o reconhecimento de poderes de representação legal às associações sindicais, para interposição de acções em defesa de interesses individuais do trabalhador, sem que exista uma específica manifestação de vontade deste; nem tal norma constitucional prevê, por outro lado, o imperativo reconhecimento de um poder legal de representação para interposição de recurso, hierárquico ou contencioso, em acções para defesa de interesses individuais do trabalhador, sem que este confira tal poder às associações sindicais. Não é, pois, a meu ver, inconstitucional a interpretação de normas legais no sentido de que não resultam delas, para a associação sindical, poderes de representação para defesa de interesses individuais do trabalhador, antes apenas este último, titular do interesse em causa, tendo legitimidade para recorrer. - Paulo Mota Pinto.

Declaração de voto

Votei vencido pelo essencial das razões aduzidas na declaração de voto aposta ao Acórdão 118/97 pelo Sr. Juiz Conselheiro Vítor Nunes de Almeida e que aqui se consideram adquiridas, sendo que o presente acórdão se abona na doutrina que nele se refuta.

Alongando fundamentação, aliás nele abordada, dir-se-á apenas mais o que se segue.

A tese do acórdão assenta no entendimento de que o n.º 1 do artigo 56.º da Constituição, que dispõe que "compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam", assegura aos trabalhadores "a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la - a possibilidade de intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais".

Trata-se de uma solução interpretativa obtida por raciocínio a contrario. Ora, ao contrário do que vai nele suposto, entendemos que o resultado alcançado mediante tal método hermenêutico não corresponde a uma verdade jurídica inelutável, podendo, sempre, admitir-se existirem outras soluções possíveis.

De qualquer jeito, um raciocínio a contrario só terá alguma fiabilidade se o pólo oposto comungar da mesma natureza da proposição referente. É, porém, o que não se passa relativamente aos direitos que estão em causa: de um lado está a legitimidade das associações sindicais para promover e defender os interesses colectivos dos trabalhadores (defesa colectiva de interesses colectivos) e, do outro, o reconhecimento de poderes de representação legal, às associações sindicais, para intervir em procedimentos administrativos ou contenciosos de defesa de interesses individuais do trabalhador, sem que exista um específica manifestação de vontade deste (defesa colectiva de interesses individuais).

Tais interesses que constituem o corpus dos respectivos direitos são substancialmente diferentes. O interesse colectivo corresponde ao interesse definido pela comunidade organizada dos trabalhadores ou reconhecido pela lei a tal comunidade enquanto tal, bem podendo ser contrário aos interesses individuais de alguns trabalhadores ou até aos interesses colectivos de alguns grupos ou classes de trabalhadores.

O interesse individual corporiza-se num direito subjectivo ou num interesse individual legalmente protegido, representando uma posição jurídica individual autónoma do respectivo titular, até relativamente a outros titulares de um direito da mesma natureza. Naquele, o trabalhador individual apenas pode comparticipar; neste, o trabalhador individual dispõe dele.

Sendo realidades jurídicas substancialmente diferentes, não pode, na ausência de uma clara expressão do legislador constitucional nesse sentido, ver-se as mesmas aconchegadas dentro da mesma disposição constitucional de competência.

Acresce que são, também, estruturalmente, diferentes as normas que atribuem competências constitucionais das que conferem direitos ou interesses legalmente protegidos.

As normas que dispõem sobre competência têm carácter institucional ou orgânico, pois se traduzem na atribuição dos poderes considerados necessários para que esse ente realize as suas funções. Têm uma "dimensão organizatório-representativa" (expressão da Sr.ª Juíza Conselheira Assunção Esteves na declaração de voto aposta no mesmo acórdão).

Traduzindo-se o seu objecto numa disposição ou instituição de poderes funcionais, não pode aplicar-se-lhes o princípio da máxima efectividade ou da expansividade que deve seguir-se na interpretação dos direitos fundamentais, a que se arrima, implicitamente, a solução acolhida no acórdão. As normas dispositivas de competência dizem tudo o que o legislador quer dar. Ao contrário, as normas que criam direitos fundamentais reconhecem direitos de defesa contra quem não seja seu titular, nestes se incluindo o próprio Estado. Deste modo, até onde se revele a necessidade de tutela de defesa, essas normas mantêm apetência e eficácia normativas, apenas podendo esses direitos ser restringidos com obediência do disposto no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição.

A norma do artigo 56.º, n.º 1, da lei fundamental insere-se naquela espécie de normas e não na destas (como será o caso da do artigo 55.º).

Assim sendo, é de concluir que não é inconstitucional a interpretação de normas legais, como as que dispõem sobre a legitimidade para a interposição de recurso, hierárquico (como é o caso) ou contencioso, em procedimentos ou acções para defesa de interesses individuais do trabalhador, no sentido de que não resultam delas, para a associação sindical, poderes de representação para a defesa de interesses individuais.

De resto, a própria tese seguida no acórdão, sempre, tem a necessidade de admitir, manifestamente, para além do texto constitucional, que os poderes de representação da associação sindical, cuja fonte vê no artigo 56.º, n.º 1, não podem ser exercidos contra a vontade do trabalhador. Ou seja, sempre tem de aceitar que essa representação não valha, sem que de tal excepção encontre rasto na disposição constitucional. - Benjamim Rodrigues.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1536778.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1985-05-23 - Acórdão 75/85 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da parte final da alínea a) do n.º 2 do artigo 111.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/82, de 15 de Setembro, que estabelece que a apresentação e defesa dos interesses individuais «serão feitas, directamente pelos próprios, perante os respectivos chefes», por violação do disposto n.º 1 do artigo 57.º e no n.º 1 do artigo 52.º da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1993-06-16 - Decreto-Lei 219/93 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Cria o Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT).

  • Tem documento Em vigor 1997-04-24 - Acórdão 118/97 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade - por violação do artigo 56º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa - da norma constante do n.º 1 do artigo 53º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir, seja em defesa dos interesses colectivos, seja em defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhad (...)

Aviso

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