Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Pelo Acórdão 174/2006, a fl. 4528, foi deferida a reclamação apresentada por Alexandre Gracias Palhares Mesquita contra o despacho de não admissão do recurso que interpusera para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 2005, a fl. 4355, que, por sua vez, julgara o recurso perante ele interposto da seguinte forma:
"Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência para apreciar a questão prévia suscitada no exame preliminar do relator, decide-se, ante a sua manifesta improcedência, pela rejeição do recurso oposto pelo cidadão Alexandre Gracias Palhares Mesquita ao Acórdão 4333/04-3 da Relação de Lisboa, que, no âmbito do comum colectivo 64/02.2JELSB do 2.º Juízo Criminal do Seixal, o condenara, em 14 de Julho de 2004 e 6 de Setembro de 2005, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão e, em cúmulo jurídico com a pena de 2 anos e 4 meses de prisão que lhe fora aplicada na 1.ª instância, por crime previsto e punido pelo artigo 275.º do Código Penal, na pena unitária de 5 anos e 6 meses de prisão."
A questão prévia em causa foi assim descrita neste mesmo acórdão:
"6.1 - Em 30 de Maio de 2003, o ora recorrente havia recorrido - intercalarmente (fls. 2487 e seguintes) - do despacho de pronúncia ('Não foram [indicadas] nos despachos que autorizaram as escutas concretizadas as razões pelas quais se entendeu que tal diligência era necessária para a descoberta da verdade e da prova; as escutas não foram acompanhadas judicialmente entre a decisão que as ordenou e a que ratificou a sua transcrição; as decisões que ordenaram as escutas não têm motivação de facto; a sua evolução deveu-se a estrito critério policial: tal torna-as nulas').
6.2 - Esse recurso foi recebido, em 3 de Junho de 2003, para 'subir a final com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa' (fl. 2491).
6.3 - Acontece, porém, que o ora recorrente - conformado com a decisão do tribunal colectivo - não interpôs recurso da decisão final. Fê-lo, todavia, em seu detrimento, o Ministério Público, com (essencial) fundamento nas escutas telefónicas cuja legalidade o recorrido havia posto em causa no seu recurso retido. Teria competido a este, por isso, alertar - 'obrigatoriamente' - o tribunal, pelo menos na respectiva contramotivação, para os recursos retidos em relação aos quais mantivesse interesse.
6.4 - E, como esse alerta era 'obrigatório' (dele dependendo, por isso mesmo, o conhecimento do tribunal de recurso), o interessado, de duas uma: ou recorria, subordinadamente, da própria sentença com que se conformara (de maneira a alertar o tribunal para o seu interesse no conhecimento - em razão do recurso do Ministério Público do recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava a contramotivação do recurso para manifestar ao tribunal ad quem a manutenção ou repristinação desse seu interesse.
6.5 - Não o tendo feito, o seu recurso retido - já que não actualizado no momento processual próprio - perdeu, definitivamente, actualidade.
6.6 - Repare-se, de resto, que o ora recorrente nem sequer reclamou contra essa (pretensa) omissão de pronúncia no recurso (de 9 de Agosto de 2004) oportunamente interposto do acórdão (pretensamente) omisso, mas tão-só, em posterior acto avulso (datado de 28 de Setembro de 2004), e que veio tardiamente explicitar que, 'para além dos vícios assacados à decisão recorrida, ocorria que a mesma tinha um outro de conhecimento oficioso, a omissão de pronúncia quanto ao recurso interlocutório'. Só que, por não se verificar o apontado vício (já que o interessado no conhecimento do recurso retido não alertara o tribunal ad quem, na resposta ao recurso do MP ou mesmo em recurso subordinado, para a subsistência do seu interesse), não haveria - nem haverá - que dele tomar conhecimento, agora, oficiosamente."
No recurso interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o recorrente pretendia ver "apreciada dupla inconstitucionalidade, a saber:
a) Do artigo 412.º, n.º 5, do CPP, quando interpretado nos termos em que o foi na decisão recorrida, isto é, no sentido de que o recorrido está obrigado a manifestar nos autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os mesmos tornado inúteis, quando a matéria questionada no recurso interlocutório, não obstante tal impugnação, é utilizada para fundamentar alteração na matéria de facto, por afrontamento do artigo 32.º, n.º 1, da CRP;
b) Do artigo 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CPP, quando interpretado nos termos em que o foi na decisão recorrida, isto é, no sentido de que o Ministério Público não é obrigado a especificar os elementos subsumíveis a tais alíneas, podendo mesmo indicar os factos pretensamente errados, a título exemplificativo, podendo o juiz ajudar na especificação de tais elementos, por afrontamento do artigo 32.º, n.os 1 e 5, da CRP".
Pelo despacho a fl. 4367, o recurso não foi admitido. Quanto à inconstitucionalidade atribuída ao artigo 413.º, alíneas a) e b) do n.º 3, do Código de Processo Penal, "porque a decisão recorrida o não interpretou" no sentido apontado pelo recorrente; relativamente ao n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, "porque o recurso é manifestamente infundado (artigo 76.º da LTC). Pois que, não obstante a matéria impugnada no recurso interlocutório (do arguido) haver sido utilizada para fundamentar o recurso principal (do Ministério Público), o arguido poderia, em recurso subordinado ou na própria resposta ao recurso do Ministério Público, ter manifestado (e não manifestou) o seu interesse no conhecimento do recurso retido. Tanto bastaria, segundo a decisão recorrida, para que a Relação dele devesse tomar conhecimento. Doutro modo, a Relação nem sequer saberia - nem estaria obrigada a saber - da existência, nas profundezas do processo, de tal remoto e recôndito recurso".
Deste despacho reclamou António Gracias Palhares Mesquita para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei 28/82, mas apenas quanto à não admissão do recurso relativo à norma do n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. E foi essa reclamação que foi deferida pelo citado Acórdão 174/2006.
2 - Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 77.º da Lei 28/82, o deferimento da reclamação "faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso"; o mesmo não sucede, naturalmente, quanto à respectiva procedência, ainda que o motivo da sua não admissão tenha sido a manifesta falta de fundamento.
Nos termos do requerimento de interposição do recurso, constitui o seu objecto a norma constante do n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de que "o recorrido está obrigado a manifestar nos autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os mesmos tornado inúteis, quando a matéria questionada no recurso interlocutório, não obstante tal impugnação, é utilizada para fundamentar alteração na matéria de facto", norma que o recorrente acusa de violar "o artigo 32.º, n.º 1, da CRP".
Conforme resulta do Acórdão 174/2006, não há obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso. Assim, e nomeadamente, está ultrapassada a questão da utilidade do respectivo julgamento, nos termos questionados pelo Ministério Público no âmbito da reclamação.
O que o deferimento da reclamação já não permite ao recorrente é, posteriormente, ampliar ou modificar o objecto do recurso que interpôs.
Assim, não se considerará, por implicarem dimensões do n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, que não foram impugnadas pelo recorrente, quando o recurso foi interposto, nem a alteração constante da conclusão 1.ª das alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, adiante transcritas, que coloca na dependência da vontade do recorrido a escolha do momento para "dar cumprimento ao artigo 412.º, n.º 5, do CPP", nem o aditamento que, na conclusão 2.ª das mesmas alegações, acrescenta a necessidade do convite para que o mesmo indique se mantém interesse nos recursos retidos.
3 - Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações.
O recorrente, após transcrever parte do Acórdão 174/2006, formulou as seguintes conclusões:
"1 - O recorrido não tem de dar cumprimento ao artigo 412.º, n.º 5, do CPP enquanto não sentir, face à tramitação processual, essa necessidade.
2 - Verificado nos autos esse incumprimento, não se tendo tornado o recurso necessário, há que convidá-lo a manifestar o seu interesse pelos recursos que tiver pendentes.
3 - É inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação do aludido artigo em sentido contrário."
Quanto ao Ministério Público, observou que não cabe ao Tribunal Constitucional "determinar qual seja a melhor interpretação da norma em causa, nomeadamente o âmbito e consequências processuais da omissão de adequado cumprimento pelo recorrente do ónus prescrito naquele preceito legal e da sua extensão ao recorrido no recurso dominante", cabendo apenas ao Tribunal Constitucional "sindicar se a interpretação normativa, efectivamente realizada, de tal norma é ou não compatível com os preceitos constitucionais". Disse ainda que lhe parece "evidente que não viola a Constituição o mero estabelecimento do ónus que consta do n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal e a sua aplicabilidade ao recorrido no recurso dominante" já que é uma imposição "apropriada a possibilitar uma maior eficiência do sistema jurisdicional", por um lado, e "não implica um sacrifício desproporcionado para ao arguido/recorrente", não se traduzindo em nenhuma "dificuldade substancial" concluiu a contra-alegação nestes termos:
"1 - É inconstitucional, por violação do princípio das garantias de defesa, a interpretação normativa do artigo 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal segundo a qual (ao contrário do que ocorre no processo civil) é irremediavelmente preclusiva a omissão de especificação dos recursos retidos que conservam interesse para o recorrente, conduzindo a omissão de referência aos mesmos (apesar de oportunamente interpostos e motivados) por parte do recorrente - que legitimamente optou por não apresentar contramotivação no recurso dominante, interposto pelo Ministério Público - à respectiva preclusão, sem que ao arguido seja, ao abrigo do princípio da cooperação, facultada oportunidade processual para se pronunciar sobre a subsistência de interesse processual na apreciação dos recursos retidos.
2 - Termos em que deverá proceder o presente recurso."
4 - A norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada é a constante do n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, que tem a seguinte redacção:
"Artigo 412.º
Motivação do recurso e conclusões
1 - ...
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse."
Do Acórdão 174/2006 consta a história deste n.º 5, introduzido no Código de Processo Penal pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, bem como a referência à questão (de direito ordinário) de saber se deve ou não considerar-se abrangido no seu regime o recorrido no recurso que determina a subida dos recursos retidos, relativamente aos quais ele ocupa a posição de recorrente.
5 - Como também se dá nota no Acórdão 174/2006, o Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes sobre o n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Sempre estiveram, no entanto, em causa interpretações diferentes da que agora releva, aplicadas em outros tantos casos concretos. E o Tribunal sempre observou que a razão de ser do preceito é, por um lado, evitar que o tribunal superior tenha de julgar recursos que vieram a revelar-se inúteis, deixando ao critério do recorrente (em recursos retidos) a avaliação do interesse que neles mantenha e, por outro, minimizar o risco de esquecimento, pelo tribunal, de recursos anteriormente interpostos, apelando para o efeito à cooperação que é exigível aos diversos intervenientes processuais.
Assim, no seu Acórdão 191/2003 (Diário da República, 2.ª série, de 28 de Maio de 2003), o Tribunal Constitucional decidiu "julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas do artigo 32.º, n.º 1, e do artigo 20.º, n.º 4, parte final, da Constituição, o artigo 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que é insuficiente para cumprir o ónus de especificação ali consignado a referência a 'todos' os recursos, nas conclusões da motivação, sempre que no texto desta tenha sido feita a sua identificação individualizada e seriada".
O Tribunal Constitucional considerou, então, que "tendo em conta a identidade e unicidade da peça processual em causa - a motivação do recurso" e constando dessa mesma peça (no texto) a especificação dos recursos retidos e a indicação (nas conclusões) de que o recorrente mantinha interesse em todos eles, era excessivo impor, como condição do julgamento dos recursos retidos, a "repetição de identificação individualizada dos recursos retidos" nas conclusões.
No Acórdão 724/2004 (Diário da República, 2.ª série, de 4 de Fevereiro de 2005), o Tribunal Constitucional decidiu "[julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, parte final, da Constituição, o artigo 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a exigência da especificação dos recursos retidos em que o recorrente mantém interesse, constante do preceito, também é obrigatória, sob pena de preclusão do seu conhecimento, nos casos em que o despacho de admissão do recurso interlocutório é proferido depois da própria apresentação da motivação do recurso interposto da decisão final do processo", nomeadamente por entender inaceitável "transferir totalmente e apenas para o arguido os efeitos decorrentes do incumprimento de um ónus cuja conformação legislativa assenta em razões de cooperação e colaboração entre o recorrente e o julgador numa situação em que o cumprimento apenas poderia ser perspectivado sobre uma admissão hipotética do recurso interposto, por o tribunal não ter cumprido o seu dever de emitir pronúncia sobre requerimento anterior do arguido através do qual interpôs o recurso dito retido [...]".
E, recentemente, no Acórdão 381/2006, ainda inédito, o Tribunal, por um lado, reiterou o julgamento de inconstitucionalidade constante do citado Acórdão 724/2004 e, por outro, fazendo apelo à semelhança ao que o Tribunal repetidamente decidira "sobre uma questão paralela, referida aos ónus constantes dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, tendo concluído no sentido da inconstitucionalidade destes preceitos quando interpretados no sentido de que a mera falta de indicação, nas próprias conclusões da motivação, de qualquer das menções aí contidas tem como efeito imediato o não conhecimento, nessa parte, do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada oportunidade de suprir tal deficiência (cf., entre muitos outros no mesmo sentido, os Acórdãos n.os 288/2000, 388/2001, 401/2001, 320/2002, 529/2003, 322/2004 ou 405/2004, todos disponíveis na página da Internet deste Tribunal", afirmou:
"A fundamentação que conduziu a esta jurisprudência é inteiramente transponível para os presentes autos. Com efeito, sendo certo, por um lado, que o cumprimento adequado do ónus a que se refere o artigo 412.º, n.º 5, do CPP não pressupõe - numa interpretação funcionalmente adequada, para utilizarmos as palavras do Acórdão 191/2003, já citado - o uso de qualquer fórmula sacramental e, por outro, que na conclusão 11.ª os recorrentes mencionam a existência de dois recursos interlocutórios retidos, versando sobre a matéria da prescrição, referindo que os mesmos deveriam 'subir a final', se, ainda assim, alguma dúvida persistia no espírito do tribunal sobre se os recorrentes mantinham ou não o interesse na sua apreciação, deveria efectivamente ter procedido a um convite para o seu esclarecimento, sob pena de, não o tendo feito, decidir com base numa interpretação normativa do n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal que é incompatível com as disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, parte final, da Constituição da República Portuguesa."
Assim, julgou "inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, parte final, da Constituição da República Portuguesa, o n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, na interpretação que permita ao tribunal ad quem, considerando não ser suficiente para o cumprimento do ónus previsto nesse preceito a referência nas conclusões ao recurso interlocutório retido e a que o mesmo subirá a final, a liminar rejeição desse recurso, entretanto já admitido, sem que seja formulado ao recorrente um convite para explicar se mantém interesse no seu conhecimento".
6 - A norma em apreciação no presente recurso é, portanto, diferente das que foram consideradas nos referidos acórdãos.
Não deixa, todavia, de respeitar a uma mesma questão substancial e que, no fundo, se prende, por um lado, com a liberdade de conformação do legislador na definição das regras de processo penal, e, por outro, com os limites que a tutela constitucional do direito ao recurso constante do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição impõe a essa liberdade, nomeadamente vista do ângulo do princípio da proporcionalidade.
Como se sabe, e se dá nota nos acórdãos anteriormente citados, o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente que não é legítimo ao legislador, ao definir aquelas regras, impor ónus de tal forma excessivos ou desproporcionados que venham a traduzir-se numa lesão constitucionalmente inaceitável do direito ao recurso.
Isto se disse também, por exemplo, no seu Acórdão 260/2002 (Diário da República, 2.ª série, de 24 de Julho de 2002):
"6 - O Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou que se integra na liberdade de conformação do legislador ordinário a definição das regras relativas ao processamento dos recursos. Assim, por exemplo, no seu Acórdão 299/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º vol., pp. 699 e seguintes), citado em vários acórdãos posteriores, o Tribunal Constitucional observou que '[...] o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual [...]'; necessário é que essas regras não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais ou, mais especificamente, no que toca ao processo penal, das garantias de defesa e de recurso afirmadas no citado n.º 1 do artigo 32.º
[...]
8 - No que respeita ao formalismo dos recursos em processo penal, relativamente ao qual há que contar com o referido artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, o Tribunal Constitucional, recorrendo igualmente ao crivo da proporcionalidade, na sequência de julgamentos de inconstitucionalidade formulados em três casos concretos (Acórdãos n.os 43/99, 417/99, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente, de 26 de Março de 1999 e de 13 de Março de 2000, e 43/2000, não publicado), julgou inconstitucional, 'com força obrigatória geral [...], por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, [...] a norma constante dos artigos 412.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei 59/98, de 25 de Agosto), quando interpretados no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação implicar a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência'.
Como se tinha escrito no citado Acórdão 417/99, tais normas impunham 'uma limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido em processo penal, restringindo o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à justiça'."
7 - Como se viu, também foi por se entender estarem em causa interpretações do n.º 5 do artigo 512.º do Código de Processo Penal que impunham ao recorrente um ónus desproporcionado - por confronto com as vantagens, também já apontadas, da colaboração do interessado e com a consequência decorrente do seu incumprimento - que o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade nos Acórdãos n.º 191/2003, 724/2004 e 381/2006.
Note-se, aliás, que tal desproporcionalidade - e agora deixa-se de lado a hipótese contemplada no Acórdão 724/2004, pois, no caso de que nos ocupamos, o recurso retido tinha sido oportunamente admitido - assentou decisivamente na circunstância de na mesma peça processual de que constam as conclusões de recurso, local onde o n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal determina que seja fornecida a indicação, especificadamente, do interesse no julgamento dos recursos retidos, se considerarem suficientemente especificados tais recursos; e julgou-se que tal especificação, porventura não tão perfeita quanto poderia ser, era todavia idónea para alertar o tribunal para que os tinha de julgar - ou por saber exactamente que recursos havia a decidir, ou, pelo menos, por saber que havia recursos a julgar, justificando-se então que convidasse o recorrente a especificá-los.
Esta circunstância foi também julgada decisiva quando se apreciaram recursos que, referidos aos n.os 2, 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, se julgou ser inconstitucional uma interpretação que considerasse absolutamente impeditiva do julgamento do recurso uma falta das correspondentes indicações nas conclusões do recurso (cf. os acórdãos atrás citados), pronunciando-se o Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade quando a omissão ocorria também na motivação.
Com efeito, no seu Acórdão 140/2004 (Diário da República, 2.ª série, de 17 de Abril de 2004) foi decidido "não julgar inconstitucional a norma do artigo 412.º, n.os 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne a matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências".
Para além disso, nunca se colocou qualquer dúvida quanto ao regime aplicável, nem houve decisões divergentes sobre as implicações do incumprimento do ónus imposto pelo n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, introduzido neste diploma, como se disse, pela Lei 59/98, e inspirado na lei de processo civil. Não se encontra, assim, motivo semelhante ao que se julgou contribuir para o juízo de inconstitucionalidade formulado no citado Acórdão 260/2002.
8 - É certo que, no caso presente, está em causa a imposição do ónus de especificação ao recorrido no recurso dominante, e não ao recorrente neste último recurso; e é igualmente certo que a lei de processo penal lhe não impõe nem o ónus de responder à motivação apresentada pelo recorrente (no caso, pelo Ministério Público) nem o ónus de (e aqui o Tribunal Constitucional não tem de discutir a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto à admissibilidade de recurso subordinado) recorrer subordinadamente, utilizando a peça processual correspondente, conforme o caso, para indicar que tem interesse no julgamento de um recurso retido que anteriormente interpôs.
Daqui não decorre, todavia, que seja desproporcionado exigir ao recorrido que, eventualmente nessas mesmas peças, e ainda que apenas com esse objectivo, venha fornecer essa indicação ao tribunal, sobretudo num caso em que, como o próprio recorrente afirma, a questão objecto do seu recurso retido era relevante para o recurso principal.
Note-se, a terminar, que se não pode afirmar que o acórdão recorrido tenha considerado preclusivamente que só nessas peças processuais podia ser cumprido o ónus de especificação agora em causa. Resulta claramente do respectivo texto, quando afirma que nem sequer ao arguir a nulidade do acórdão da Relação o recorrido o cumpriu, que o Supremo Tribunal de Justiça não restringiu formalmente àquelas peças essa possibilidade.
O que o Supremo Tribunal de Justiça, no fundo, entendeu foi que o recorrido teve oportunidade de colocar ante a Relação, tribunal a quem competia julgar o recurso retido, em momento anterior ao julgamento do recurso principal, a questão do seu interesse no julgamento do recurso retido.
Não releva, para o efeito, que o primeiro acórdão da Relação tenha sido anulado. Releva, sim, que o arguido teve plena oportunidade de, em momentos diversos e mais que suficientes, dar cumprimento a um ónus cuja justificação está mais que demonstrada.
9 - Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 28 de Julho de 2006. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Bravo Serra - Gil Galvão - Vítor Gomes - Artur Maurício.