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Acórdão 321/2006, de 30 de Agosto

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Texto do documento

Acórdão 321/2006

Processo 1043/2005

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - 1 - O juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa proferiu, em 7 de Março de 2005, despacho do seguinte teor (constante a fls. 52 e seguintes dos presentes autos):

"Requerimento de fls. 493/496:

Notificado do teor do despacho de fl. 380, no qual a magistrada do Ministério Público declarou a suspensão do presente processo, nos termos do artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, o arguido António Nunes de Nóbrega apresentou requerimento no qual alega que o referido despacho do Ministério Público é inexistente por usurpador de funções jurisdicionais.

A magistrada do Ministério Público pronunciou-se sobre o alegado, promovendo o indeferimento do requerido.

Apreciando e decidindo.

Dispõe o artigo 47.º, n.º 1, do Regime Geral para as Infracções Tributárias, que 'se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças'.

Da leitura e interpretação que fazemos da referida disposição legal concluímos que uma vez verificada a situação objectiva referida na previsão da norma - isto é, 'se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário [...]' - deve ser declarada a suspensão do processo penal fiscal.

Assim, a declaração de suspensão do processo penal, nas circunstâncias previstas no artigo 47.º, n.º 1, do referido RGIT, não é uma faculdade e não depende de critérios de oportunidade, sendo antes o reconhecimento da verificação de uma situação objectiva à qual a lei atribui efeitos no processado.

Nesta consonância e ainda porque o estabelecido no RGIT, enquanto norma especial, prevalece sobre as normas do Código de Processo Penal, nomeadamente sobre o disposto no artigo 7.º, n.º 2, do CPP, invocado pelo requerente no seu requerimento, não faz sentido a exigência de que a declaração de suspensão do processo, nos termos em causa, tenha que ser feita por juiz numa fase não judicial do processo, como é o inquérito.

Só assim se compreende o teor dos artigos 40.º a 42.º do RGIT, donde manifestamente decorre que cabe ao titular do inquérito, o Ministério Público, a responsabilidade pela tramitação do processo até ao despacho de encerramento do inquérito.

Note-se que o efeito que o arguido pretende evitar - a paralisação do processo, normalmente por longo período de tempo - é uma consequência da verificação da situação objectiva que fundamenta e determina a suspensão do processo e ocorre independentemente da declaração ser feita por magistrado do Ministério Público ou por juiz.

Alega o arguido que já antes havia requerido o arquivamento dos autos e que '[O] Ministério Público porém, à revelia e contra os interesses do arguido, decidiu, por despacho de 22 de Outubro de 2004, suspender os presentes autos [...]'.

Não pode porém o arguido, com o requerimento apresentado, querer forçar o Ministério Público a proferir despacho de arquivamento, nem suscitar a apreciação judicial da existência ou não de indícios da prática do crime, porquanto esta é uma realidade diversa e sindicável noutro momento e por outros meios.

Entendemos pois que a magistrada do Ministério Público actuou dentro da mais estrita legalidade, ao proferir o despacho agora em causa, não padecendo o mesmo de qualquer vício processual.

Assim, por manifesta falta de fundamento legal indefiro o requerido.

[...]"

2 - Deste despacho recorreu António Nunes de Nóbrega para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 2 e seguintes), tendo na motivação respectiva formulado as seguintes conclusões:

"1.ª O despacho recorrido decidiu que, estando a correr impugnação judicial, ou oposição à execução, incumbe ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, determinar a suspensão do processo, até que transitem em julgado as respectivas sentenças, independentemente de quando isso vier a ocorrer, por entender não haver lugar à aplicação do disposto no artigo 7.º do CPP no processo penal tributário.

2.ª Tal entendimento incorre em erro de direito, uma vez que o CPP (artigo 7.º) é aplicável subsidiariamente ao RGIT nesta matéria, pois o citado n.º 1 do artigo 47.º é omisso quanto à entidade competente para determinar a suspensão do processo e o prazo concreto da mesma.

3.ª Além disso, aquela norma (n.º 1 do artigo 47.º do RGIT), interpretada, nos termos em que o fez o despacho recorrido, sem limite do período de suspensão, a não ser o do trânsito em julgado das sentenças a proferir na impugnação judicial, ou na execução - o que pode determinar a suspensão do processo por 10, 12, 15 ou mais anos - viola o direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, bem como o princípio do Estado de direito democrático e ainda a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e princípios de direito comunitário.

[...]"

O Ministério Público respondeu (fls. 75 e seguintes), sustentando que devia negar-se provimento ao recurso.

O despacho recorrido foi mantido, por despacho a fl. 81.

Notificado da resposta do Ministério Público, António Nunes de Nóbrega veio ainda dizer o seguinte (fls. 84 e seguintes):

"1 - Salvo o devido respeito, a tese sufragada pelo Exmo. Sr. Magistrado do Ministério Público é incompatível com as garantias constitucionais do processo criminal e do acesso ao direito e aos tribunais. Matéria que, aliás, o despacho recorrido e a resposta do Ministério Público à motivação do recurso do arguido omitiram por completo.

2 - Tal entendimento, na sua aplicação concreta, impossibilitaria ainda, em muitas situações, que fosse proferida no processo crime uma decisão jurisdicional em prazo razoável como impõe o artigo 20.º, n.º 1, da CRP e o artigo 6.º, § 1.º, da Convenção dos Direitos do Homem.

3 - Acresce que o não cumprimento desse preceito legal faz incorrer o Estado Português em responsabilidade civil extracontratual e levará também à sua condenação no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sendo ainda factor de descredibilização da justiça e do Estado Português.

4 - Mantém-se assim integralmente a motivação do recurso oportunamente apresentado, devendo o entendimento constante do parecer, aliás, douto, do Ministério Público, ser rejeitado por manifestamente ilegal."

3 - Por Acórdão de 30 de Junho de 2005 (fls. 89 e seguintes), o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos:

"[...]

2 - A questão a resolver nestes autos consiste em saber se, estando a correr impugnação judicial, ou oposição à execução, incumbe ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, determinar a suspensão do processo, até que transitem em julgado as respectivas sentenças, independentemente de quando isso vier a ocorrer, por não haver lugar à aplicação do disposto no artigo 7.º do CPP no processo penal tributário.

Segundo o recorrente, tal entendimento incorre em erro de direito, uma vez que o CPP (artigo 7.º) é aplicável subsidiariamente ao RGIT nesta matéria, pois o n.º 1 do artigo 47.º é omisso quanto à entidade competente para determinar a suspensão do processo e o prazo concreto da mesma.

Vejamos:

Na sequência de notificação efectuada ao arguido do teor do despacho do Ministério Público, titular do inquérito, que declarou a suspensão do processo, nos termos do artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, veio o arguido apresentar requerimento dirigido à Mma. JIC, no qual alegou que o referido despacho do Ministério Público é inexistente por usurpador de funções jurisdicionais, que mereceu o seguinte despacho:

[...]

E, é deste despacho que vem interposto o presente recurso, para conhecimento da questão já enunciada.

Diremos, desde já, ser manifestamente inglória a pretensão do recorrente, uma vez que o despacho recorrido não violou qualquer disposição legal.

Com efeito, os autos foram instaurados por haver suspeita da prática de crime p. e p. p. artigo 92.º, n.º 1, alínea d), do RGIT.

Porém, as sociedades arguidas impugnaram judicialmente os factos apurados pela fiscalização, e que constituem objecto dos autos.

Ora, encontrando-se os processos que tiveram origem nas referidas impugnações ainda pendentes no Tribunal Administrativo e Fiscal, o Ministério Público proferiu despacho que determinou a suspensão do processo penal fiscal ao abrigo do estatuído no artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, ficando os autos a aguardar a prolação e trânsito de decisões judiciais no âmbito das referida impugnações.

E, na verdade, se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças, tal como decorre do teor do artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, pelo que não vale aqui o princípio da suficiência da acção penal consagrado no artigo 7.º do Código de Processo Penal.

E decorre igualmente da citada disposição legal que a suspensão do processo penal fiscal prolonga-se até ao trânsito em julgado das decisões da impugnação judicial ou da oposição a execução, pelo que não valendo aqui o princípio da suficiência da acção penal consagrado no artigo 7.º do CPP, não é aplicável o disposto no n.º 3 do referido artigo 7.º, segundo o qual a suspensão só pode ser requerida ou ordenada após a acusação ou o requerimento para abertura de instrução, ou seja, a suspensão não pode ser requerida nem ordenada durante o inquérito e apenas pode ser ordenada pelo juiz que marca o prazo de suspensão, não sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do citado artigo, segundo o qual esgotado o prazo de suspensão fixado pelo tribunal sem que a questão prejudicial tenha sido resolvida, ou se a acção não tiver sido proposta no prazo máximo de um mês, a questão é decidida no processo criminal.

Assim, a suspensão prevista no artigo 47.º do RGIT é aplicável na fase de inquérito e determinada pelo Ministério Público, titular do inquérito e responsável pela tramitação do processo até ao despacho de encerramento do inquérito - artigos 40.º e 42.º do RGIT.

Decorre ainda da não aplicabilidade do artigo 7.º a não marcação pelo juiz do prazo de suspensão, sendo certo que, como bem se refere no despacho recorrido, a paralisação do processo até o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de impugnação judicial é uma consequência da verificação da situação objectiva que fundamenta e determina a suspensão do processo e ocorre independentemente da declaração ser feita por magistrado do Ministério Público ou por juiz.

Resulta pois, que, sendo o artigo 47.º do RGIT norma especial, prevalece e afasta a previsão contida no artigo 7.º do CPP.

[...]"

4 - António Nunes de Nóbrega arguiu a nulidade deste acórdão, por omissão de pronúncia quanto às questões de inconstitucionalidade invocadas na motivação do recurso que interpusera (fls. 103 e seguintes), tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 3 de Novembro de 2005 (fls. 108 e seguintes), julgado improcedente a pretensão do recorrente, nos seguintes termos:

"[...]

2 - Salvo o devido respeito, não se verifica qualquer nulidade, nomeadamente a invocada pelo recorrente.

Este Tribunal, identificando concretamente a questão [...] decidiu que [...]

Daqui decorre, necessariamente e sem necessidade de extenuante exercício de raciocínio, que o despacho recorrido, ao interpretar e aplicar, nos termos em que o fez, o n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, não viola o direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, bem como o princípio do Estado de direito democrático e ainda a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e princípios de direito comunitário.

Ou seja, tal interpretação não viola o artigo 2.º e o n.º 2 do artigo 32.º da CRP e o n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não se tendo aplicado portanto normas que infrinjam o disposto na Constituição e os princípios nela consignados.

Só uma leitura menos atenta pode produzir semelhante argumentação.

[...]"

5 - António Nunes de Nóbrega interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos (fl. 114):

"[...]

Para os devidos efeitos legais, declara-se que as normas constitucionais que se consideram violadas são o artigo 2.º e o n.º 2 do artigo 32.º da CRP.

As referidas inconstitucionalidades foram alegadas nos n.os 3, 4 e 7 do requerimento dirigido pelo recorrente ao Sr. Juiz de Instrução Criminal, nos n.os 1 e 3 e na conclusão 3.ª da motivação do recurso interposto para esse Tribunal, nos n.os 1 e 2 da resposta nesse recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 417.º do CPP, e, ainda, no requerimento de arguição de nulidade do acórdão proferido nos autos."

O recurso foi admitido por despacho de fl. 115.

Já no Tribunal Constitucional, foi o recorrente convidado a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, através do despacho de fl. 119, vindo subsequentemente dizer o seguinte (a fls. 121 e seguintes):

"[...]

A norma em causa, cuja inconstitucionalidade se pretende que esse venerando Tribunal aprecie, é o n.º 1 do artigo 47.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pelo n.º 1 do artigo 1.º da Lei 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que estipula que '[...] o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças' (que venham a ser proferidas nos processos de impugnação judicial ou oposição à execução, que estejam a correr), na interpretação dada pela decisão recorrida de que essa suspensão é '[...] até que transitem em julgado as respectivas sentenças, independentemente de quando isso vier a ocorrer, por não haver lugar à aplicação do disposto no artigo 7.º do CPP no processo penal tributário'.

Aquela norma na interpretação e aplicação que foi feita da mesma nos autos viola o artigo 2.º e o n.º 2 do artigo 32.º da CRP, ao impedir o julgamento do arguido no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, por permitir a suspensão do processo penal, em fase de inquérito, pelo Ministério Público, sem qualquer limite temporal.

As referidas inconstitucionalidades foram alegadas nos números:

3, 4 e 7 do requerimento, de fl. 493 a fl. 496, dirigido pelo arguido, ora recorrente, ao Sr. Juiz de Instrução Criminal;

1 e 3 e conclusão 3.ª da motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa;

1 e 2 da resposta, nos autos de recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal e ainda no requerimento de arguição de nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

[...]"

6 - Nas alegações que produziu perante o Tribunal Constitucional (a fls. 126 e seguintes), o recorrente formulou as seguintes conclusões:

"1.ª Segundo a decisão recorrida, estando a correr impugnação judicial, ou oposição à execução, incumbe ao Ministério Público, no decurso do inquérito, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, determinar a suspensão do processo, até que transitem em julgado as respectivas sentenças, independentemente de quando isso vier a ocorrer, por entender não haver lugar à aplicação do disposto no artigo 7.º do CPP no processo penal tributário.

2.ª Aquela norma (n.º 1 do artigo 47.º do RGIT), interpretada e aplicada, nos termos em que o fez o acórdão recorrido, sem limite do período de suspensão, a não ser o do trânsito em julgado das sentenças a proferir na impugnação judicial, ou na execução, viola o direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 2, da CRP).

3.ª A interpretação e aplicação efectuada pela decisão recorrida do n.º 1 do artigo 47.º do RGIT afecta o conteúdo daquele direito fundamental.

4.ª A suspensão do processo não se fundamenta, nem tem por escopo, o 'prazo compatível com as garantias de defesa' limite constitucionalmente imposto a qualquer suspensão, apresentando-se antes como claramente restritiva daquele direito.

5.ª Verifica-se também a violação do artigo 2.º da CRP, por violação da obrigação de garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e ainda pela manutenção de um cidadão como arguido com o processo penal suspenso indefinidamente.

[...]"

Nas contra-alegações (a fls. 141 e seguintes), concluiu assim o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional:

"1 - A norma constante do artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, interpretada em termos de impor a suspensão do processo penal, mesmo na fase de inquérito, sempre que esteja pendente impugnação deduzida pelo interessado contra o acto de liquidação tributária, enquanto esta não for apreciada pelo tribunal competente, não viola qualquer preceito ou princípio constitucional.

2 - Na verdade, tal regime legal - especial, relativamente ao prescrito, como regra, no artigo 7.º do Código de Processo Penal - concretiza a articulação entre tal princípio processual penal e a norma constitucional, constante do artigo 212.º, n.º 3, que comete à jurisdição administrativa e fiscal a dirimição dos litígios incidentes sobre relações jurídicas administrativas e fiscais - incluindo os casos em que estes se configuram como "prejudiciais" relativamente à matéria sobre que versa o processo criminal, necessariamente da competência dos tribunais judiciais.

3 - Termos em que deverá improceder o presente recurso."

Cumpre apreciar e decidir.

II - 7 - O objecto do presente recurso é constituído - conforme decorre da delimitação a que procedeu o recorrente - pela norma do artigo 47.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pelo n.º 1 do artigo 1.º da Lei 15/2001, de 5 de Junho, na interpretação segundo a qual o processo penal tributário se suspende até que transitem em julgado as sentenças que venham a ser proferidas nos processos de impugnação judicial ou oposição à execução que estejam a correr, independentemente do momento em que ocorra esse trânsito, por não haver lugar à aplicação do disposto no artigo 7.º do Código de Processo Penal no processo penal tributário.

Dispõe o artigo 47.º do RGIT o seguinte:

"Artigo 47.º

Suspensão do processo penal tributário

1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.

2 - Se o processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie."

Segundo o recorrente, e em síntese, a norma do artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, na interpretação que ficou assinalada, viola o artigo 2.º e o n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, na medida em que, permitindo a suspensão do processo penal tributário sem qualquer limite temporal definido, impede o julgamento do arguido no mais curto prazo compatível com as garantias da defesa.

Vejamos se o recorrente tem razão.

8 - O regime do processo penal comum relativo às questões prejudiciais é, na verdade, diverso daquele que o tribunal recorrido adoptou para o processo penal tributário.

No processo penal comum, a verificação da existência de uma questão prejudicial - e, portanto, também de uma questão prejudicial de natureza administrativa ou fiscal - não determina a suspensão obrigatória do processo - nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.

Também o regime do processo civil é diverso do processo penal tributário: de acordo com o artigo 97.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, perante uma questão prejudicial da competência dos tribunais administrativos, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.

A suspensão obrigatória do processo penal tributário, nos casos previstos no artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, coloca, assim, desde logo, o seguinte problema: qual a razão que justifica a disparidade entre este regime e os do processo penal comum e do processo civil?

Note-se, todavia, e antes de mais, que - como o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de por diversas vezes afirmar - a Constituição não impõe a unidade de regimes nos diversos ramos do direito processual.

A razão da diferença de regimes aqui em discussão não pode, como é evidente, residir na possibilidade de existência de questões prejudiciais de natureza administrativa ou fiscal no processo penal tributário - também no processo penal comum e no processo civil podem surgir questões prejudiciais que revistam tal natureza.

No entanto, é também manifesto que questões dessa natureza podem surgir com muito mais frequência no processo penal tributário do que no processo penal comum ou no processo civil - com efeito, o processo penal tributário destina-se ao conhecimento de crimes tributários (cf. artigos 35.º e seguintes do RGIT), pelo que nele importa, desde logo, esclarecer se houve infracção de certas normas de natureza tributária (cf. o artigo 1.º do RGIT), o que constitui questão fiscal.

Por outro lado, dir-se-ia que questões prejudiciais de natureza fiscal surgem, no processo penal tributário, com muito mais pertinência do que nos restantes processos. A questão prejudicial é, por definição, uma questão cuja resolução se revela necessária para a resolução da questão principal - mas é quase inconcebível que num processo penal tributário não seja imprescindível resolver questões de natureza fiscal a ponto de a distinção entre questão principal e questão prejudicial fiscal se chegar mesmo a esbater.

Dada essa frequência, e pertinência, é compreensível que, no processo penal tributário, se não tenha pretendido atribuir ao juiz a faculdade de opção pela suspensão do processo, nos casos a que alude o artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, assim se levando às últimas consequências a regra estabelecida no artigo 212.º, n.º 3, da Constituição, que comete aos tribunais administrativos e fiscais "o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais".

Dito de outro modo, não se afigura arbitrário estender esta regra de competência dos tribunais administrativos e fiscais, a título exclusivo, aos casos em que a questão administrativa ou fiscal é submetida à apreciação judicial a título prejudicial e não principal, quando - como sucede no processo penal tributário - seriam muitas as vezes em que o juiz teria de decidir acerca da suspensão ou não suspensão do processo, utilizando critérios de conveniência, nem sempre seguros, e enfrentando a dificuldade de delimitação entre questões principais e prejudiciais.

Assim sendo, justifica-se perfeitamente que, no processo penal tributário, quando surjam questões prejudiciais de natureza administrativa ou fiscal não valha o princípio da suficiência consagrado no artigo 7.º do Código de Processo Penal.

Pode agora perguntar-se o seguinte: a interpretação em análise, embora compreensível no plano dos princípios, não importará, na verdade, uma menor celeridade do processo penal tributário? Por outras palavras: não poderá tal interpretação ter como necessária consequência a indefinida suspensão do processo penal tributário - pois que a não aplicação do regime constante do artigo 7.º do Código de Processo Penal significa, no fundo, a inexistência de um prazo de suspensão (cf. o n.º 4 deste preceito) - e, como tal, uma demora excessiva desse processo?

A este propósito cumpre salientar, em primeiro lugar, que a decisão da questão prejudicial pelo tribunal administrativo ou fiscal não significa, em si mesma considerada, um necessário retardamento do processo principal: é que, não tendo o tribunal onde corre o processo principal competência especial - e, por isso, preparação especial - para o julgamento de questões administrativas e fiscais, a suspensão do processo principal até ao trânsito em julgado da decisão da questão prejudicial e o cometimento da decisão desta questão ao tribunal especialmente competente pode até significar o meio mais célere de resolver a questão prejudicial e, por esta via, o meio mais célere de resolver a questão principal.

Em segundo lugar, a lei prevê um mecanismo que, de algum modo, procura obstar a um indesejável protelamento da decisão da questão prejudicial: nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do RGIT - preceito já acima transcrito (supra n.º 7) - "se o processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie".

Ora, tendo o processo que deu causa à suspensão uma prioridade relativa, não pode afirmar-se que a decisão da questão prejudicial aí proferida ocorrerá, em regra, mais tardiamente do que uma correspondente decisão no processo principal.

É claro que tal prioridade não significa a existência de um prazo máximo de suspensão do processo principal. Mas também cumpre salientar que a existência de um prazo máximo de suspensão não garante, por si só, que a decisão sobre a questão prejudicial seja proferida em prazo razoável: basta pensar que, devolvida a questão prejudicial ao tribunal da causa principal, este tribunal pode eventualmente demorar a decidi-la.

Deste modo, não pode, da inexistência de um prazo de suspensão no processo penal tributário, nos casos previstos no artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, inferir-se a violação do direito ao julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias da defesa e, assim, a violação dos artigos 2.º e 32.º, n.º 2, da Constituição, como pretende o recorrente.

III - 9 - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento a recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

Lisboa, 17 de Maio de 2006. - Maria Helena Brito - Rui Manuel Moura Ramos - Maria João Antunes - Carlos Pamplona de Oliveira Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1510788.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-06-05 - Lei 15/2001 - Assembleia da República

    Reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo Regime Geral para as Infracções Tributárias (RGIT), publicado em anexo. Republicados em anexo a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro, e o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99 de 26 de Outubro.

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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