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Acórdão 223/2005, de 19 de Julho

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Texto do documento

Acórdão 223/2005

Processo 1106/2004

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - 1 - Nos presentes autos, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão 379/2004, de 1 de Junho, no qual se decidiu o seguinte (cf. fls. 396 e segs.):

"[...]

b) Julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quer na redacção anterior quer na posterior à que foi dada pelo Decreto-Lei 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quando interpretada no sentido de uma intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das conversações;

c) Julgar inconstitucional, por violação dos mesmos preceitos da Constituição da República Portuguesa, a citada norma, na interpretação segundo a qual a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas."

Consequentemente, concede-se provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido ser reformulado de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.

É a seguinte a fundamentação dos dois juízos de inconstitucionalidade (cf. fls. 422 e segs.):

"[...]

3 - As questões de constitucionalidade suscitadas não são novas para o Tribunal Constitucional que já teve ocasião para sobre elas se pronunciar nos Acórdãos n.os 407/97, de 21 de Maio, 347/2001, de 10 de Julho, e, mais recentemente, no 528/2003, de 31 de Outubro, que para aqueles dois primeiros remeteu (cf. www.tribunalconstitucional.pt).

No Acórdão 407/97, este Tribunal decidiu 'julgar inconstitucional, por violação do disposto no n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e, bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas'.

No Acórdão 347/2001, em que se trouxe também à colação a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a problemática das escutas telefónicas, escreveu-se que "'cobrir' situações como a de o auto de transcrição ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e gravação das comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do crime investigado e a necessidade daquele meio de obtenção de prova, restringe despropositadamente o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação privada e faculta uma ingerência neste meio para além do que se considera ser constitucionalmente admissível.

Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor das comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o controlo judiciais do modo como a escuta se desenvolve.

[...]

Por outro lado, autorizar novos períodos de escuta, a mero requerimento do Ministério Público, sem que a autorização seja precedida do conhecimento judicial do resultado da intercepção anterior, continua a significar a mesma ausência de acompanhamento e de controlo por parte do juiz."

No Acórdão 528/2003, salientando a evolução da jurisprudência mais recente do TEDH, o Tribunal Constitucional considerou 'inconstitucional a interpretação do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 320-C/2000, de 15 de Dezembro, que foi acolhida pela decisão recorrida. Com efeito, entender que situações como as que ocorreram no presente processo - em que os autos de intercepção e gravação de conversações telefónicas que tinham sido entretanto autorizadas só foram levados ao conhecimento do juiz que as ordenou 38 dias depois de elas terem tido início - são ainda abrangidas pela expressão imediatamente, colide frontalmente com os interesses que se pretendem acautelar com aquela exigência, na medida em que impede o seu acompanhamento próximo pelo juiz'.

Ora, verifica-se que esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, para cuja fundamentação se remete e se dá aqui por reproduzida, mantém inteira validade para o caso em apreço, o que leva a que se considere inconstitucional a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de a intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por dois novos períodos (de 30 dias cada um), sem que previamente o juiz de instrução controle e tome conhecimento do conteúdo das conversações, por violação dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição, bem como a mesma norma, na interpretação segundo a qual a primeira audição da gravação das escutas telefónicas pelo juiz de instrução pode ocorrer durante o aludido segundo período de prorrogação.

[...]"

2 - Na sequência do referido acórdão do Tribunal Constitucional, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra, que proferiu, em 3 de Novembro de 2004 o acórdão que segue (fls. 437 e seguintes):

"[...]

Daí que haja, por mera obediência, de reformular o já decidido, pois se continua a manter a posição anteriormente defendida.

[...]

Sendo as conclusões que delimitam o objecto do recurso e tomando-se em consideração o decidido pelo TC, vemos que o despacho que ordenou as escutas foi proferido em 23 de Outubro de 2000, deferindo tal diligência pelo prazo de 60 dias.

Ainda de acordo com as conclusões que o recorrente formula, o M.mº JIC ouviu, em 30 de Janeiro de 2001, todo o material interceptado e gravado (conclusão 3.ª), ordenando a transcrição do que lhe pareceu relevante em 18 de Fevereiro de 2001.

Todavia, anteriormente, em 21 de Dezembro de 2000 (fl. 53), o M.mº Juiz prorrogou as escutas telefónicas por 30 dias.

Ou seja, fê-lo sem que antes tivesse tomado conhecimento do conteúdo das anteriormente efectuadas.

Daí que as escutas efectuadas ao abrigo de tal despacho tenham que ser declaradas nulas.

Mas, na parte restante, afigura-se que nada é afectado pelo acórdão a que se obedece.

Acresce que se não descortina pelo exame dos autos quando se iniciou a intercepção e gravação das comunicações telefónicas, ordenada em 23 de Outubro de 2000 e cujo resultado foi constatado em 30 de Janeiro de 2001.

Termos em que acordam em declarar nulas as intercepções telefónicas efectuadas com base no despacho a fl. 53.

[...]"

3 - Deste acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra recorreu Rogério Rodrigues Martins para o Tribunal Constitucional (fls. 449 e seguintes), pretendendo, em síntese, o seguinte:

"[...]

Nestes termos, o ora recorrente pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com vista à apreciação de violação de caso julgado constitucional, violação essa efectuada pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004 em relação aos juízos de inconstitucionalidade (e subsequente ordem de reformulação) formulados pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 379/2004, de 1 de Junho, com referência à interpretação concreta que aquele primeiro acórdão havia dado à norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, juízos esses que implicavam a obrigatoriedade de serem declaradas nulas todas as escutas efectuadas entre a data da autorização (23 de Outubro de 2000) e a data em que o seu conteúdo foi apresentado ao juiz (30 de Janeiro de 2001), e não apenas aquelas que o Acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004 decidiu anular.

Na verdade, o Acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004, cuja reformulação foi determinada por aquele Acórdão 379/2004 do Tribunal Constitucional, ao desobedecer a tal determinação, violou o caso julgado constitucional e, consequentemente, interpretou e aplicou os artigos 2.º e 80.º, n.os 1 a 3, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações subsequentes), e também o artigo 188.º, n.º 1, do CPP de modo inconstitucional, fazendo que, nessa interpretação, tais preceitos padecessem de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da subsidiariedade e do controlo material, previstos nos artigos 210.º, n.º 1, 212.º, n.º 1, 221.º, 32.º, n.os 2 e 8, 34.º, n.os 1 e 3, 18.º, n.º 2, 205.º, n.os 2 e 3, e 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

Com o presente recurso, visa o recorrente obter decisão que decida sobre a violação de caso julgado constitucional alegada (na esteira da jurisprudência firmada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 340/2000, tirado pelo Plenário daquele Tribunal) e, consequentemente, ordene ao Tribunal da Relação de Coimbra o cumprimento da sua decisão mediante reformulação adequada do Acórdão daquela Relação de 3 de Novembro de 2004 ou, se assim não se entender, conheça das inconstitucionalidades atrás arguidas ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da Lei do Tribunal Constitucional, com as mesmas consequências legais.

[...]"

O recurso foi admitido por despacho a fl. 461.

4 - Notificado para produzir alegações, assim o fez o recorrente Rogério Rodrigues Martins (fls. 468 e seguintes), tendo-as concluído do seguinte modo:

"1.ª O douto Acórdão 379/2004 deste Tribunal Constitucional, proferido em 1 de Junho de 2004, que ordenou a reformulação do Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Janeiro de 2004 de acordo com o(s) juízo(s) de constitucionalidade proferidos, implica que a Relação declarasse a nulidade de todas as escutas telefónicas que, recolhidas ao abrigo do despacho de 23 de Outubro de 2000, por um período inicial de 60 dias, foram prorrogadas por duas vezes, em 23 de Dezembro de 2000 e 17 de Janeiro de 2001, respectivamente por novos períodos de 30 dias cada, sendo que todo o material assim recolhido só foi ouvido pelo JIC em 30 de Janeiro de 2001, isto é, mais de três meses após o seu início;

2.ª Tal douto acórdão transitou em julgado e passou a constituir caso julgado no processo (artigo 80.º, n.º 1, da LTC), de cumprimento obrigatório para o Tribunal da Relação (artigos 2.º e 80.º, n.os 1 a 3, do mesmo diploma legal e 205.º, n.os 2 e 3, e 221.º da CRP), mas aquele Tribunal, declarando que por dever de obediência iria reformular a decisão, mas que continuava 'na sua', acabou de facto por continuar nela, pois, ao contrário do que a decisão do Tribunal Constitucional implicava, recusou-se a declarar a nulidade de todas as escutas recolhidas nos termos constantes dos autos ao abrigo de interpretação inconstitucional censurada no Acórdão 379/2004, e escolheu, de modo arbitrário e incompreensível, as escutas recolhidas ao abrigo do despacho de fl. 53 para as declarar - a essas e só a essas - nulas;

3.ª Violou assim a Relação, no seu acórdão 'reformulado' de 3 de Novembro de 2004, a exigência de submissão à decisão do TC determinada pelo artigo 2.º da LTC e também o disposto no artigo 80.º, n.os 1 a 3, da mesma lei, pois se recusa a adoptar a interpretação da norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, tal como ela foi feita e exigida pelo Acórdão 379/2004 do TC e outrossim, continua a interpretá-la e a aplicá-la contra a Constituição e os princípios nela consagrados, designadamente os da legalidade, da proporcionalidade, da subsidiariedade e do controlo material, previstos nos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.os 2 e 8, 34.º, n.os 1 e 3, 205.º, n.os 2 e 3, 210.º, n.º 1, 212.º, n.º 1, 221.º e 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa;

4.ª Nos termos da orientação fixada pelo Acórdão 340/2000, de 4 de Julho, tirado pelo Plenário do Tribunal Constitucional (Diário da República, 2.ª série, de 9 de Novembro de 2000, a pp. 18 221 e segs.), este Venerando Tribunal pode conhecer directamente do objecto do presente recurso, por via do carácter oficioso do conhecimento da violação do caso julgado [artigos 494.º, n.º 1, alínea i), e 495.º do CPC] e do carácter definitivo da competência constitucional atribuída a este Tribunal pelos artigos 210.º, n.º 1, 212.º, n.º 1, e 221.º da CRP, independentemente de apurar se se verificaram ou não quaisquer dos pressupostos específicos previstos no artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pois que, conforme naquele douto aresto se frisou, é ele o tribunal competente para 'decidir definitivamente sobre a sua competência: desde logo é ele que diz (e di-lo definitivamente) se as questões que sobem até ele para serem julgadas são ou não questões de constitucionalidade ou de ilegalidade que se inscrevam no seu poder jurisdicional';

5.ª É, pois, esta faculdade que, com base nos preceitos legais atrás citados e no disposto nos artigos 2.º e 80.º, n.os 1 a 3, da LTC, se pede a este Venerando Tribunal que seja exercida, ou seja, se declare que o Acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004 não procedeu à reformulação do seu Acórdão de 7 de Janeiro de 2004 em conformidade com o juízo de constitucionalidade formulado no Acórdão 379/2004 do Tribunal Constitucional, o qual implicava, em reformulação adequada, que o tribunal a quo viesse a declarar a nulidade de todas as escutas impugnadas, ou seja, as que tiveram o seu início por despacho judicial de 23 de Outubro de 2000 e o seu término em 30 de Janeiro de 2001, data em que pela primeira vez foram ouvidas pelo JIC;

6.ª Mas, se porventura se entendesse apenas poder conhecer-se do presente recurso no caso de se encontrarem verificados os pressupostos do artigo 280.º, n.os 1, alínea b), e 5, da CRP e do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da LTC, então deve este Tribunal declarar a inconstitucionalidade material dos artigos 2.º e 80.º, n.os 1 a 3, daquela Lei 28/82, de 15 de Novembro, por referência aos artigos 494.º, alínea i), 495.º, 498.º, n.os 1 a 4, e 677.º do CPC, por violação dos mesmos princípios e preceitos constitucionais invocados na conclusão 3.ª, na interpretação que daqueles preceitos é feita pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004, segundo o qual a interpretação da norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP efectuada pelo TC no seu Acórdão 379/2004 é compatível com a declaração de nulidade apenas das escutas recolhidas ao abrigo do despacho a fl. 53 e já não de todas as outras recolhidas antes e posteriormente à data da prolação de tal despacho (e) ou seja declarada a inconstitucionalidade material do artigo 188.º, n.º 1, do CPP por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade, consagrados nos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, na interpretação concreta que dela faz agora o Acórdão da Relação de 3 de Novembro de 2004, ou seja, de que tal norma possa permitir fundamentar a validade das escutas telefónicas recolhidas com base no despacho de 23 de Outubro de 2000 e ouvidas pelo JIC em 30 de Janeiro de 2001, com excepção das que foram ordenadas pelo despacho daquela magistrada a fl. 53.

[...]"

5 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional produziu as contra-alegações a fls. 480 e segs., que concluiu assim:

"[...]

1.º Face ao anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional, a decisão recorrida deve ser reformulada no sentido da nulidade das escutas abranger as que foram realizadas ao abrigo do despacho judicial de 23 de Outubro de 2000, por 60 dias, sendo prorrogadas por novos períodos ainda que de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das conversações e, bem assim, as que entre o seu início e a primeira audição das gravações registem um intervalo temporal superior a três meses.

2.º Termos em que apenas parcialmente deverá o recurso proceder.

[...]"

Tendo sido determinada pelo Presidente do Tribunal Constitucional a intervenção do plenário, nos termos do artigo 79.º-A, n.os 1 e 2, primeira parte, da LTC, cumpre apreciar e decidir.

II - 6 - O presente recurso foi interposto ao abrigo dos artigos 2.º e 80.º, n.os 1 a 3, da Lei do Tribunal Constitucional, na parte em que o respectivo fundamento consiste na violação de caso julgado constitucional (aqui constituído pelo Acórdão 379/2004, proferido nestes autos).

Subsidiariamente, o recorrente interpôs o recurso ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pois que, em seu entender, o tribunal recorrido teria perfilhado uma interpretação inconstitucional do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, já censurada pelo Tribunal Constitucional (precisamente, no seu Acórdão 379/2004).

Não se vê obstáculo a que, na esteira do decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 340/2000, de 4 de Julho (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 259, de 9 de Setembro de 2000, a pp. 18 221 e segs.), o Tribunal Constitucional conheça do eventual incumprimento do seu Acórdão 379/2004, independentemente do preenchimento dos pressupostos específicos das invocadas alíneas b) ou g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional: na verdade, não só o Tribunal Constitucional é o tribunal competente para decidir definitivamente sobre a sua própria competência como é de conhecimento oficioso a violação de caso julgado.

7 - Relativamente ao primeiro juízo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 379/2004, verifica-se que o tribunal recorrido lhe deu acolhimento, pois que declarou nulas as escutas efectuadas ao abrigo do despacho de fl. 53, isto é, ao abrigo do despacho que prorrogou as escutas telefónicas por 30 dias, sem que o juiz tivesse tomado conhecimento prévio do conteúdo das escutas anteriormente efectuadas.

Recorde-se que o Tribunal Constitucional censurara a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de "uma intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das conversações".

Neste particular, portanto, nenhuma violação de caso julgado constitucional se regista.

Nem o recorrente, aliás, parece invocar a violação de caso julgado em relação a tal juízo de inconstitucionalidade, pois que se insurge apenas em relação à não declaração de nulidade "de todas as escutas impugnadas, ou seja, as que tiveram o seu início por despacho judicial de 23 de Outubro de 2000 e o seu término em 30 de Janeiro de 2001" (cf. conclusão 5.ª das alegações, supra, n.º 4).

8 - Já quanto ao segundo juízo de inconstitucionalidade, a conclusão terá de ser diferente.

No Acórdão 379/2004, o Tribunal Constitucional censurou a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual "a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas".

A execução de qualquer acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional implica o reexercício do poder jurisdicional pelo tribunal a quo em conformidade com o que, sobre a compatibilidade constitucional da norma aplicável, tenha sido definido no processo pelo próprio Tribunal Constitucional.

No caso concreto dos autos, a reformulação da decisão então recorrida, determinada pelo juízo de inconstitucionalidade constante do Acórdão 379/2004, exigiria antes de mais que o Tribunal da Relação de Coimbra verificasse se existem no processo escutas telefónicas abrangidas pela interpretação normativa censurada por este Tribunal, isto é, escutas telefónicas relativamente às quais a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal, tivesse ocorrido mais de três meses após o início da respectiva intercepção e gravação (ordenada pelo despacho de 23 de Novembro de 2000, que consta a fls. 48 e seguinte destes autos). E exigiria depois, quanto às eventuais escutas que correspondessem a tais circunstâncias, que a Relação de Coimbra definisse se, e em que termos, poderiam ser consideradas como meio de obtenção de prova no presente processo, tendo em conta o julgamento de inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional.

Ora, não decorre dos próprios termos do acórdão recorrido que o Tribunal da Relação de Coimbra tenha dado cumprimento, nesta parte, ao acórdão do Tribunal Constitucional.

Saber se existem ou não no processo escutas telefónicas que correspondam às circunstâncias censuradas nesse acórdão é algo - repete-se - que só ao tribunal recorrido compete decidir e que obviamente não cabe ao Tribunal Constitucional apurar.

O que não pode é o tribunal recorrido invocar a circunstância de não ser possível descortinar, "pelo exame dos autos, quando se iniciou a intercepção e gravação das comunicações telefónicas, ordenada em 23 de Outubro de 2000 e cujo resultado foi constatado em 30 de Janeiro de 2001", para, sem quaisquer outras considerações, concluir que a sua anterior decisão em nada é afectada pelo julgamento do Tribunal Constitucional.

Não resultando do acórdão recorrido que o Tribunal da Relação de Coimbra tenha cumprido integralmente o julgamento constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 379/2004, tem de proceder o presente recurso.

9 - Atingida esta conclusão, torna-se desnecessário apreciar o recurso interposto a título subsidiário pelo recorrente.

III - 10 - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, na parte impugnada.

Lisboa, 27 de Abril de 2005. - Maria Helena Brito - Paulo Mota Pinto - Maria João Antunes - Fernanda Palma - Mário Torres - Vítor Gomes - Benjamim Rodrigues - Rui Moura Ramos - Gil Galvão - Bravo Serra - Maria dos Prazeres Beleza - Pamplona de Oliveira (vencido, conforme declaração que junto) - Artur Maurício.

Declaração de voto

Discordo, em primeiro lugar, da decisão que fez vencimento por entender que é taxativa a enumeração (constante do n.º 1 do artigo 70.º da LTC) dos casos em que, nos processos de fiscalização concreta, é possível o recurso para o Tribunal Constitucional. É, portanto, totalmente inadmissível o recurso especial que, com fundamento nos artigos 2.º e 80.º, n.os 1 a 3, da mesma lei, foi apreciado pelo Tribunal. Aliás, os recursos previstos no aludido n.º 1 do artigo 70.º da LTC, designadamente os constantes nas alíneas b) e g) permitem ao Tribunal, na medida do desejável, apurar da conformidade da decisão reformada com o anterior julgamento de inconstitucionalidade.

Discordo, ainda, quanto ao mérito da decisão. Na verdade, a reforma da decisão recorrida não obriga, no presente caso - em meu entender não poderá mesmo obrigar em qualquer circunstância -, a Relação de Coimbra a verificar "se existem no processo escutas telefónicas [...] relativamente às quais a primeira audição pelo juiz de instrução criminal tivesse ocorrido mais de três meses após o início da respectiva intercepção e gravação". O que, também em meu entender, o julgamento do Tribunal Constitucional exige é, apenas, que se reforme a decisão recorrida na parte em que, com fundamento na norma julgada inconstitucional, validou provas obtidas daquelas escutas. O que é bem diferente - Pamplona de Oliveira.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1501523.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-15 - Decreto-Lei 320-C/2000 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Penal, estabelecendo medidas de simplificação e combate à morosidade processual.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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