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Acórdão 278/2006/T, de 7 de Junho

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Texto do documento

Acórdão 278/2006/T. Const. - Processo 236/2005. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Em 21 de Janeiro de 2002, MOTIVARTÉCNICA - Indústria & Representação de Equipamentos de Ar Comprimido, Lda., melhor identificada nos autos, deduziu, no Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto, impugnação judicial, nos termos do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, contra a liquidação adicional de sisa, no valor de 937 600$, resultante da avaliação - promovida ao abrigo do disposto no artigo 57.º do Código de Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISD) - de uma fracção de um prédio urbano sito na Avenida de Santos Graça, na Póvoa de Varzim, que adquirira em 26 de Outubro de 2000.

Por sentença de 23 de Setembro de 2003 do 2.º Juízo daquele Tribunal, veio a impugnação a ser julgada improcedente, escrevendo-se a propósito do artigo 19.º do CIMSISD:

"Quanto à inaplicabilidade deste preceito legal, por 'contrária aos mais elementares princípios constitucionais', apenas se pode dizer não bastar uma tão genérica invocação dos princípios constitucionais, constituindo ónus da parte a concreta indicação de qual a norma tida por inconstitucional e, se tal vício derivar de violação de princípios, também a concretização destes."

Inconformada, a impugnante levou recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, invocando, entre o mais, que:

"3 - A regra 19.ª, § 4.º, do artigo 19.º do CSISD colide com os princípios da igualdade, capacidade contributiva e tributação do rendimento real.

4 - Assim, a administração tributária violou os artigos 13.º, n.º 2, e 104.º, n.º 2, da CRP.

5 - Conclua-se, frisando que, ao ordenar uma avaliação correctiva do valor declarado pela ora recorrente na escritura em causa, sem que se encontrem preenchidos os pressupostos que a deviam determinar, a administração fiscal, violou o artigo 103.º, n.º 2, da CRP."

Por acórdão de 19 de Janeiro de 2005, aquele alto Tribunal negou provimento ao recurso, considerando, para o que ora importa, o seguinte:

"Conforme sustenta o EMMP, a recorrente não fundamenta as ditas afirmações de inconstitucionalidade.

O § 4.º do artigo 19.º do CSISD, impõe que, se for feita avaliação, o valor resultante prevalecerá sobre o valor declarado.

Não descortinamos nem a recorrente alega e muito menos demonstra de que forma tal norma conduz à violação do princípio da igualdade, da capacidade contributiva ou da tributação do contribuinte pelo rendimento real.

Na verdade, continua a ser aplicável às presentes conclusões das alegações a afirmação da recorrida de que não basta uma tão genérica invocação dos princípios constitucionais.

Com efeito, deveria a recorrente alegar e demonstrar em que se traduzia a violação daqueles princípios e nomeadamente quais as situações que mereciam tratamento legal diferente e de que forma se mostram violados os ditos princípios.

Com efeito, a norma em apreço apenas determina que nas circunstâncias em que a lei permite a avaliação deverá o imposto incidir não sobre o valor declarado mas antes sobre o valor resultante da avaliação.

Com tal disposição normativa até pretende o legislador tributar de acordo com a capacidade contributiva e fazer com que o imposto incida sobre o rendimento real, visando desta forma dar cumprimento aos mencionados princípios constitucionais.

Daí que não ocorra a violação de tais normas constitucionais."

2 - Ainda insatisfeita, a impugnante trouxe recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo "ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 19.º, § 4.º, do CIMSISD, porquanto viola os princípios constitucionais consagrados nos artigos 13.º, 103.º, n.º 2, e 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa."

O recurso foi admitido e a impugnante concluiu assim as suas alegações:

"1 - A CRP aponta inequivocamente no sentido da tributação da matéria colectável real.

2 - A regra prevista no § 4.º do artigo 19.º do CIMSISD viola o princípio da capacidade contributiva consagrado na CRP.

3 - As comissões da avaliação não se podem considerar como uma verdadeira prova pericial.

4 - O seu funcionamento, onde a administração fiscal está maioritariamente representada, possibilita-lhe determinar, conforme entenda conveniente, o valor dos imóveis avaliados.

5 - Desse modo, atendendo ao disposto no § 4.º do artigo 19.º do CIMSISD, permite-se que a administração fiscal "crie" verdadeiros impostos, contendendo com o determinado pelo princípio da legalidade previsto na CRP.

6 - Assim sendo, o § 4.º do artigo 19.º do CIMSISD viola os princípios constitucionais consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

7 - O § 4.º do artigo 19.º do CIMSISD, quando cotejado com o funcionamento das comissões de avaliação de imóveis, ofende o princípio da legalidade regulado pelo artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

8 - Assim, salvo o devido respeito, estamos perante uma evidente situação de inconstitucionalidade material.

9 - Deve, pois ser declarada a inconstitucionalidade da norma aqui suscitada, com as consequências legais daí decorrentes."

O director-geral das Contribuições e Impostos encerrou as suas contra-alegações deste modo:

"Conforme matéria de facto dada como provada nas instâncias, o chefe de repartição de finanças competente determinou que se procedesse a averiguações relativas ao preço do imóvel e, na posse de informações, solicitou autorização para a avaliação a que alude o parágrafo único do artigo 57.º do CIMSISD, a qual veio a ser concedida por se terem considerado suficientes os indícios colhidos de que o preço real não coincidia com o preço declarado.

Facto assente também que a recorrente, notificada dessa decisão, não reagiu nem, notificada do resultado da avaliação, requereu uma segunda avaliação.

Deste modo, a avaliação do bem teve por fundamento determinar qual o valor do imóvel transaccionado, o qual é a base de incidência do imposto.

Isto é, a avaliação visou, precisamente, apurar a capacidade contributiva do respectivo sujeito passivo, capacidade que o contribuinte, por sua vez, não veio pôr em causa ao não usar do meio legal de reacção ao seu dispor contra o resultado da avaliação.

Mostra-se cumprido o imperativo constitucional da tributação da matéria colectável real, na estrita observância também do princípio da legalidade.

O § 4.º do artigo 19.º do CIMSISD não ofende os princípios constitucionais da legalidade e da capacidade contributiva."

Cumpre agora apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - 3 - Era a seguinte a redacção do § 4.º do artigo 19.º do CIMSISD que está em causa:

"Se for feita avaliação, o valor resultante prevalece sobre qualquer dos valores indicados nos §§ 2.º e 3.º, excepto sobre o preço convencionado, quando este for superior."

Note-se, marginalmente, que tal § 4.º, ao contrário do § 3.º, não tinha "regras" (que não a referida), pelo que a menção à "regra 19.ª, § 4.º, do artigo 19.º CSISD" a que a recorrente fez referência no texto das suas alegações dirigidas ao Supremo Tribunal Administrativo e na sua conclusão 3.ª se deve explicar por lapso (houve uma regra 19.ª no § 3.º do artigo 19.º do CIMSISD, mas foi revogada pela Lei 39-B/94, de 27 de Dezembro - artigo 53.º, n.º 2).

Com alguma abstracção e síntese, os argumentos da recorrente para defender a inconstitucionalidade da norma acima transcrita podem reconduzir-se a três: um de concepção, outro de técnica e outro de método.

No plano de concepção, diríamos, porque entende a recorrente que, importando tributar a capacidade contributiva, "o § 4.º do artigo 19.º do CIMSISD ofende, manifestamente, este princípio constitucional, porquanto impede a recorrente de, mesmo provando a veracidade dos valores declarados na escritura, ser tributada pelo valor real do negócio realizado".

No plano da técnica, porque constituiria, no seu entender, uma relação idêntica a uma presunção inilidível de rendimento, o que o Tribunal Constitucional já censurou no Acórdão 348/97 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36.º vol., pp. 911-922).

No plano do método, porque a norma implica o recurso a comissões de avaliação em que "a administração fiscal tem sempre a maioria, cabendo-lhe a decisão final acerca do valor a atribuir ao bem."

Nenhum dos argumentos é, porém, procedente no sentido da inconstitucionalidade da norma em questão.

4 - Começando pelo último, dir-se-á que tem de ser liminarmente afastado: se a recorrente tinha algumas dúvidas quanto à conformidade constitucional da constituição, modo de intervenção ou funcionamento das comissões de avaliação, tinha o ónus de as ter suscitado a propósito das normas que as regem e não a propósito da norma que impugnou. Não o tendo feito, as reservas que formula em relação a elas não têm cabimento para o objecto do recurso que trouxe a este Tribunal.

5 - Não há, também, nenhuma similitude essencial entre a técnica das presunções inilidíveis de que o legislador fiscal lançou mão, em 1982, para tributar mútuos e aberturas de crédito efectuadas pelas sociedades a favor dos sócios, e a prevalência dos valores de avaliação sobre os declarados nas escrituras de compra e venda de imóveis. Nos mútuos e aberturas de créditos pelas sociedades aos seus sócios há transferências patrimoniais temporárias, como que "em circuito fechado", que podem ter diferentes significados económicos. O que o Tribunal Constitucional censurou não foi a presunção de uma certa implicação fiscal mas sim a impossibilidade de comprovar que essa implicação fiscal não devia ocorrer.

No caso dos autos, está-se apenas perante uma forma especial da regra geral formulada no § 2.º do artigo 19.º do CIMSISD:

"O valor dos bens será o preço convencionado pelos contratantes ou o valor patrimonial, se for maior."

Quando a recorrente insiste em querer fazer prevalecer o preço declarado sobre a avaliação esquece que, no sistema de tributação da transferência de propriedade de imóveis adoptado no Código da Sisa, o preço de venda, mesmo sendo real (não esteve em causa que não fosse), cedia perante outros índices quando estes fossem mais elevados, nos termos do referido no § 2.º e de diversas das regras do § 3.º e do § 4.º do referido artigo 19.º

Ora, no contexto de um princípio geral de prevalência do valor mais alto, é evidente que a aproximação da lógica da avaliação por uma comissão ad hoc a uma presunção inilidível não tem qualquer fundamento. Em tal lógica, a estar alguma coisa mal na norma do § 4.º do artigo 19.º do CIMSISD, não seria a previsão de o valor determinado pelas comissões de avaliação prevalecer sobre o preço convencionado quando este fosse inferior mas sim a própria regra da prevalência do maior valor - de que tal § 4.º era apenas um caso especial.

6 - O que se disse, em consequência, remete para o primeiro argumento da recorrente, esse de âmbito mais alargado: em todos os casos em que se dê prevalência a um valor mais alto, sendo inferior o preço pago - e, mais especificamente, no caso dos autos -, não se estaria o imposto a desviar da capacidade contributiva e da tributação pelo valor real?

É evidente, porém, que tal argumento assenta no pressuposto de uma equiparação do valor real ao que é pago, quando o legislador, para efeitos de tributação de transmissão de imóveis, preferiu equiparar o valor real ao mais alto dos índices que o permitissem revelar, fosse ele o preço ou outro qualquer.

Ora, não só não é demonstrável que o preço tenha de reflectir sempre melhor do que esses outros índices o valor real do bem que é transaccionado, como nem sequer a tributação (da transmissão) do património está sujeita aos princípios constitucionais da tributação do rendimento, que (e expressamente só prevista para o caso das empresas) incide fundamentalmente sobre o rendimento real. Naturalmente, não é pelo facto de a recorrente ser uma empresa que tal princípio se estende às suas aquisições de imóveis.

Conclui-se, portanto, que não colhe o argumento que pretende desqualificar como real a avaliação do imóvel (à margem das dúvidas que possam existir sobre a forma como tal avaliação é apurada, e que aqui não relevam), nem o que pretende que desse modo se desrespeitam os princípios constitucionais da tributação do património, já que o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição apenas vincula tal tributação a "contribuir para a igualdade entre os cidadãos."

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma do § 4.º do artigo 19.º do Código de Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações;

b) Por conseguinte, negar provimento ao recurso;

c) Condenar a recorrente em custas, fixando-se em 20 UC a taxa de justiça.

Lisboa, 2 de Maio de 2006. - Paulo Mota Pinto - Benjamim Rodrigues - Mário José de Araújo Torres - Maria Fernanda Palma - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1494124.dre.pdf .

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