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Acórdão 277/2006/T, de 7 de Junho

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Texto do documento

Acórdão 277/2006/T. Const. - Processo 122/2005. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Em 24 de Janeiro de 2002, Adriano de Azevedo Dias, melhor identificado nos autos, intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso, acção de divórcio litigioso contra sua mulher, Maria Cândida da Costa Oliveira, também melhor identificada nos autos, com fundamento em separação de facto há mais de três anos.

Contestou a demandada invocando que a separação de facto não era total nem irreversível.

Por sentença de 9 de Junho de 2003 do Tribunal do Círculo Judicial de Santo Tirso foi considerado que o "pedido de divórcio com base na separação por três anos consecutivos constitui um exercício potestativo, que não tem origem em qualquer facto ilícito praticado pela ré", pelo que, atentos os factos provados, julgou procedente a acção de divórcio litigioso, declarando dissolvido o casamento.

Recorreu a demandada para o Tribunal da Relação de Guimarães mas, porque nas suas alegações resumiu o fundamento do recurso "a uma questão de direito e de constitucionalidade" (a da inconstitucionalidade da Lei 47/98, de 10 de Agosto, "por violação do artigo 36.º da CRP"), veio o recurso, após vicissitudes que para agora não relevam, a ser remetido para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por acórdão de 9 de Dezembro de 2004, esse Alto Tribunal negou a revista, pronunciando-se pela não inconstitucionalidade do artigo 1781.º do Código Civil (embora entendendo que não teria sequer de apreciar a questão, por esta não ter sido suscitada perante o tribunal de 1.ª instância).

2 - Trouxe então a demandada recurso para o Tribunal Constitucional, tendo "por objecto a declaração de inconstitucionalidade da alteração introduzida no artigo 1781.º do Código Civil por força da Lei 47/98, por violação do disposto no artigo 36.º e 67.º da CRP".

Admitido o recurso, alegaram a recorrente e recorrido. Aquela concluiu assim as suas alegações:

"A) A Lei 47/98, ao alterar o artigo 1781.º do Código Civil, reduzindo o prazo de separação de facto de seis para três anos, atenta contra a protecção constitucional à família e constitui factor de desigualdade entre os cônjuges, atenta a desigual estrutura social do País, em especial nas populações envelhecidas e que vivem fora dos centros urbanos;

B) Tal lei, ao prosseguir fins hedonistas, viola o disposto nos artigos 36.º e 67.º da CRP;"

Por sua vez, o recorrido conclui deste modo as suas alegações:

"1 - Inexiste qualquer violação dos artigos 36.º e 67.º da Constituição, decorrente da Lei 47/98, que procedeu à alteração do artigo 1789.º do Código Civil;

2 - A matéria da inconstitucionalidade deve ser suscitada no tribunal a quo e não no de recurso."

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos:

3 - Porque o recorrido invocou o que podia constituir uma questão prévia - a não suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal de 1.ª instância (só neste sentido podendo ser interpretada a sua 2.ª conclusão) - começa-se por se tratar dela. E faz-se afastando-a. Na verdade, requisito do recurso de constitucionalidade intentado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º é que a impugnação da constitucionalidade de uma norma tenha lugar perante o tribunal que proferiu a decisão que é impugnada no recurso de constitucionalidade (cf. o artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional). Esse tribunal é quase sempre um tribunal de recurso, ainda que o tribunal de 1.ª instância também possa sê-lo. Não há, porém, nenhum ónus de suscitar a questão de constitucionalidade logo a partir da 1.ª instância - a menos que nela se esgote o poder jurisdicional, como ocorre nos casos em que não há recurso.

Formalmente, portanto, a questão de constitucionalidade colocada ao Supremo Tribunal de Justiça foi bem suscitada - e foi também decidida, pois, não obstante a proclamação de dispensabilidade, ponderaram-se os argumentos da recorrente e, de caso pensado, foram postos de lado.

4 - No remanescente - isto é, quanto à questão de fundo da inconstitucionalidade -, tem, porém, razão o recorrido: não há qualquer violação dos artigos 36.º e 67.º da Constituição pela actual redacção da alínea a) do artigo 1781.º do Código Civil.

Diz a recorrente, bem entendida, que a Lei 47/98, ao encurtar de seis para três anos consecutivos o prazo de duração da separação de facto que constitui fundamento de divórcio litigioso, atenta contra a protecção constitucional à família. Não se vê como.

Em primeiro lugar, como se depreende do n.º 1 do artigo 36.º da lei fundamental (e notam Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 351, anotação III ao artigo 67.º), "o conceito de família não pressupõe o vínculo matrimonial". No mesmo sentido, podem ver-se Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, pp. 394-395, anotação III ao artigo 36.º, e o Acórdão 690/98 deste Tribunal (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48.º vol., pp. 579-596), onde se escreveu, designadamente, o seguinte:

"A distinção constitucional entre família, por um lado, e matrimónio por outro, referida no artigo 37.º, n.º 1, e ainda entre aquela e os conceitos de paternidade e maternidade, operada nos artigos 67.º e 68.º, em nada dificulta, antes parece espelhar, um entendimento e reconhecimento da família como uma realidade mais ampla do que aquela que resulta do casamento, que pode ser denominada de família conjugal".

Logo se vê, pois, que a invocação das normas de protecção constitucional da família para opor à dissolução de um casamento não pode ser feita de modo directo e automático. A protecção da unidade familiar, constitucionalmente imposta ao legislador, não pode desconhecer, como se escreveu no referido acórdão, que "cada vez mais, na sociedade actual, por largas camadas da população, o casamento deixa de ser encarado como uma instituição acima dos próprios cônjuges".

Em segundo lugar, como referem os mesmos autores (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit.), "a família é feita de pessoas e existe para realização pessoal delas, não podendo a família ser considerada independentemente das pessoas que as constituem, muito menos contra elas" (anotação IV ao mesmo artigo 67.º).

Dando conta da introdução de "causas de natureza objectiva, que pura e simplesmente exprimem a 'ruptura da vida em comum', escreveu-se no Acórdão 105/90 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15.º vol., p. 365):

"Ou seja, tratou-se de abandonar uma exclusiva ideia de "divórcio-sanção" (como usualmente se diz, e sem curar agora do rigor da qualificação: cf. Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, I, Coimbra, 1965, p. 443), que fora perfilhada pelo Código Civil, na sua versão originária de 1966, e de retomar mais amplamente a ideia de "divórcio-remédio", alargando-a mesmo a uma concepção de "divórcio-consumação" ou "divórcio-falência" (cf. Antunes Varela, Direito da Família, Lisboa, 1987, p. 466) - ideia que justifica e propugna a dissolução jurídica do vínculo matrimonial, quando, independentemente da culpa de qualquer dos cônjuges, ele se haja já dissolvido de facto, por se haver perdido definitivamente, e sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum.

Desse modo, e como se sabe, voltou-se a uma visão das coisas que já fora perfilhada pelo nosso direito, na vigência da Lei do Divórcio de 1910 (embora sem "repristinar" exactamente as respectivas soluções); e, por outro lado, acompanhou o legislador português, nesse ponto, a tendência evolutiva mais recente (não só no plano jurídico, mas, desde logo, no plano sociológico), no sentido do que pode chamar-se um modelo "moderno" de casamento (por contraposição ao seu modelo "tradicional"), modelo esse que "desvaloriza o lado institucional e faz do sentimento dos cônjuges, ou seja, da sua real ligação afectiva, o verdadeiro fundamento do casamento", o qual passa a ser "tendencialmente" (ou no limite), antes que uma "instituição", "uma simples associação de duas pessoas, que buscam, através dela, uma e outra, a sua felicidade e a sua realização pessoal" [assim, e utilizando justamente os qualificativos mencionados, Pereira Coelho, "Casamento e família no direito português", em Temas de Direito da Família (ciclo de conferências na Ordem dos Advogados - Porto), Coimbra, 1986, pp. 10 e 14]".

Em terceiro lugar, ainda segundo os mesmos autores, a protecção da família é, em primeiro lugar, "protecção da unidade da família", ou seja, do "direito dos membros do agregado familiar e viveram juntos" (anotação V ao referido artigo) - ou seja, precisamente o inverso do que está em causa nos presentes autos.

Tendo o legislador de 1998 entendido que uma separação de facto por três anos consecutivos era ela própria suficientemente reveladora da inviabilidade da continuidade da relação matrimonial, nenhum dos parâmetros constitucionais da tutela da família é decisivamente posto em causa por essa opção, qualquer que tenha sido a anterior opção do legislador em tal matéria. Aliás, o confronto com o direito anterior é, em termos de análise da conformidade constitucional das normas infraconstitucionais, muito pouco elucidativo.

Diz também a recorrente que tal alteração legislativa constitui factor de desigualdade entre os cônjuges, invocando a estrutura social do País, mormente "nas populações envelhecidas e que vivem fora dos centros urbanos". Refere-se a recorrente a implicações do divórcio que não estão acauteladas em termos de segurança social: o marido é que trabalha (e desconta), a mulher fica em casa e beneficia de protecção social enquanto cônjuge. Desfeito o vínculo matrimonial, também isso se perde.

O que este Tribunal tem para apreciar não são, porém, as normas que prevêem a protecção social dos ex-cônjuges, anteriormente beneficiários da extensão da protecção social conferida ao outro ex-cônjuge, mas apenas uma norma que fixa o prazo de duração da separação de facto que constitui fundamento de divórcio litigioso. Ora, para esta norma, a argumentação a que se fez referência é alheia e desajustada, não tendo finalidades de segurança social de relevar decisivamente, por imposição constitucional, para o regime dos fundamentos do divórcio. Por outro lado, em termos de princípio de igualdade, é óbvio que uma tal norma se aplica, sem qualquer desvio, entre populações envelhecidas e jovens, dentro e fora dos centros urbanos, e em todos os estratos da estrutura social. Por outro lado, o facto de um prazo idêntico se aplicar em todos estes casos também não viola o princípio da igualdade: não há qualquer imposição de diferenciação expressa na Constituição e as diferenças que possam existir entre diversos tipos de casais, consoante o seu meio social, não impedem o legislador de poder considerar que, quando a separação de facto se prolonga já por um período de três anos, com o propósito de não restabelecer a vida em comum por parte de um dos cônjuges, tal afastamento constitua fundamento de divórcio (sem prejuízo da declaração da culpa de um ou de ambos os cônjuges - cf. o artigo 1782.º do Código Civil).

Finalmente, diz a recorrente que tal lei - a Lei 47/98, que operou a alteração ao artigo 1781.º do Código Civil -, "ao prosseguir fins hedonistas, viola o disposto nos artigos 36.º e 67.º da CRP". Mesmo que se pudesse dizer que tal lei prossegue fins hedonistas - e a decisão recorrida entendeu que não -, mesmo nesse caso, não se poderia dizer que, só por isso, violaria a Constituição. Não se vê como pretender que a prossecução de fins hedonistas, mesmo (ou até, numa certa perspectiva, sobretudo) por diplomas legais, seja inconstitucional. Aliás, o que o artigo 36.º, n.º 2, da Constituição estabelece é que a lei regula os efeitos da dissolução do matrimónio, entendendo-se (com Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., p. 141), que "[o] legislador dispõe, nos termos do artigo 36.º, n.º 2, de uma margem de liberdade não despicienda na regulamentação dos requisitos e dos efeitos do divórcio".

Não havendo, então, parâmetros constitucionais que essa opção do legislador possa ferir - como já o mencionado Acórdão 105/90 decidira, embora para a anterior versão do artigo 1781.º, alínea a), do Código Civil - não merece ela censura. E o presente recurso tem de improceder.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma da alínea a) do artigo 1781.º do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei 47/98, de 10 de Agosto, que alterou o prazo de duração da separação de facto necessário para constituir fundamento de divórcio litigioso;

b) Em consequência, negar provimento ao presente recurso e condenar a recorrente em custas, fixando em 20 UC a taxa de justiça.

Lisboa, 2 de Maio de 2006. - Paulo Mota Pinto (relator) - Benjamim Rodrigues - Mário José de Araújo Torres - Maria Fernanda Palma - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1494123.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-08-10 - Lei 47/98 - Assembleia da República

    Altera o Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1996, no que concerne ao regime do divórcio por mútuo consentimento e do divórcio litigioso.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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