Acórdão 232/2006/T. Const. - Processo 116/2006. - Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - António Joaquim Gonçalves, ora recorrente, inconformado com a decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Évora de 10 de Dezembro de 2004, na parte em que indeferiu a arguição de nulidade das escutas telefónicas efectuadas nos autos em que o mesmo intervém ou que a ele respeitem, recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, tendo, a concluir a sua alegação, formulado, para o que ora releva, as seguintes conclusões:
"15.ª Não tendo sido observados os requisitos e condições previstos nos artigos 187.º e 188.º do CPP estão feridas de nulidade insuprível as intercepções e gravações das conversas telefónicas dos autos relativas ao recorrente, a qual foi tempestivamente arguida e que está prevista no artigo 189.º daquele mesmo diploma legal.
16.ª Outra interpretação das acima mencionadas normas do CPP, que possibilite a não fiscalização por juiz do conteúdo das intercepções, é manifestamente inconstitucional por violadora designadamente dos artigos 18.º, 26.º, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição.
17.ª Decorre da conjugação das conclusões anteriores que deverão ser excluídas como meios válidos de obtenção de prova todas as intercepções, gravações e transcrições das conversações telefónicas dos autos em que o recorrente intervém ou que a este respeitem."
O recurso foi indeferido por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13 de Dezembro de 2005.
2 - Desta decisão foi interposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), recurso para o Tribunal Constitucional, através de um requerimento onde se afirma, nomeadamente, o seguinte:
"1.º Vem o presente recurso da aplicação de norma, ou melhor, da interpretação de norma, cuja inconstitucionalidade oportunamente se invocou [artigos 71.º, 72.º, n.os 1, alínea b), e 2, e 75.º da LTC], tanto na motivação quando se referiu que 'o Mmo. JIC fez uma interpretação errónea dos comandos legais previstos nos artigos 99.º, 187.º, 188.º e 189.º do CPP e dos atinentes preceitos constitucionais, designadamente dos artigos 18.º, 26.º, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.º 1, da CRP'; como nas conclusões de recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Évora, no qual se finalizou dizendo que:
'15.ª Não tendo sido observados os requisitos e condições previstos nos artigos 187.º e 188.º do CPP estão feridas de nulidade insuprível as intercepções e gravações das conversações telefónicas dos autos relativas aos recorrente, a qual foi tempestivamente arguida e que está prevista no artigo 189.º daquele mesmo diploma legal.
16.ª Outra interpretação das acima mencionadas normas do CPP, que possibilite a não fiscalização por juiz do conteúdo das intercepções, é manifestamente inconstitucional por violadora designadamente dos artigos 18.º, 26.º, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.º 1 e n.º 4, da Constituição.
17.ª Decorre da conjugação das conclusões anteriores que deverão ser excluídas como meios válidos de obtenção de prova todas as intercepções, gravações e transcrições das conversações telefónicas dos autos em que o recorrente intervém ou que a este respeitem.'
2.º Com efeito, no Acórdão proferido a 13 de Dezembro de 2005 no âmbito deste processo foram, em face da Constituição vigente e dos princípios fundamentais que a ela estão subjacentes, errada e viciadamente interpretadas as normas dos artigos 187.º, 188.º e 189.º do CPP, pelo que o presente recurso é interposto nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, pois que o aresto não atendeu a inconstitucionalidade invocada. E tal aresto não atendeu a inconstitucionalidade invocada, pois considerou conforme à lei fundamental uma interpretação dos artigos 187.º, 188.º e 189.º do CPP, que considera suficiente como forma de controlo das escutas telefónicas pelo juiz a mera conclusão dos autos ao JIC, decorridos 67 dias após o término daquelas intercepções, e a imediata ordenação da transcrição das mesmas, sem qualquer apreciação prévia do seu conteúdo.
3.º Em face da errónea interpretação legal e consequente errada aplicação, para além de não ter sido administrada a justiça foi, na prática, aplicado e interpretado normativo processual penal de modo violador da lei fundamental, restringindo-se o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (artigo 34.º, n.os 1 e 4, da CRP), violando as garantias do processo criminal relativamente às regras de obtenção de prova (artigo 32.º, n.º 8, da CRP) e, consequentemente, os artigos 18.º e 26.º da CRP.
[...]
4.º Em cumprimento do disposto no artigo 75.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a supracitada indicação das normas bem como os princípios constitucionais que se consideram violados constam do requerimento de interposição e motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Évora, ou melhor, das respectivas motivações e conclusões.
5.º Aí se referiu expressamente, designadamente, nas conclusões 1.ª e 2.ª que 'na douta decisão instrutória foi desatendida a arguição da nulidade das escutas relativamente ao recorrente por se ter entendido que as mesmas tinham sido devidamente acompanhadas e controladas pelo Mmo. JIC' e que, 'contudo, inexistem nos autos sinais desse acompanhamento e controlo judicial, antes se evidenciando a postura acrítica e passiva do Mmo. JIC relativamente às sugestões da PJ e do MP que são sempre por aquele acolhidas sem qualquer fiscalização pelo Mmo. JIC do conteúdo das intercepções'. E aí se referiu também e expressamente, designadamente nas conclusões 15.ª e 16.ª, que 'não tendo sido observados os requisitos e condições previstos nos artigos 187.º e 188.º do CPP estão feridas de nulidade insuprível as intercepções e gravações das conversações telefónicas dos autos relativas aos recorrente, a qual foi tempestivamente arguida e que está prevista no artigo 189.º daquele mesmo diploma legal' e que 'outra interpretação das acima mencionadas normas do CPP, que possibilite a não fiscalização por juiz do conteúdo das intercepções, é manifestamente inconstitucional por violadora designadamente dos artigos 18.º, 26.º, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição'.
Acresce que "fazer equivaler o inciso 'imediatamente' da norma impugnada (artigo 188.º, n.º 1, do CPP) ao 'tempo mais rápido possível' em termos de 'cobrir' situações como a de o auto de transcrição da escuta telefónica ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e gravação das escutas telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do crime investigado e a necessidade de meio de obtenção de prova, restringe desproporcionadamente o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação privada e faculta uma ingerência neste meio para além do que é constitucionalmente admissível", e, assim, 'ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor das comunicações interceptadas, significa a falta de acompanhamento próximo e de controlo judiciais do modo como a escuta se desenvolve, o que colide com os interesses acautelados pela exigência do imediato conhecimento do juiz. E impede a destruição, em tempo necessariamente breve, dos elementos recolhidos sem interesse relevante para a prova, a que, por si só, não obsta a fixação pelo juiz de um prazo para a intercepção, no termo da qual esta deve findar' 'as dificuldades práticas traduzidas na carência de meios técnicos e humanos, num quadro de exigências de repressão da criminalidade, constituem um ónus do Estado, que não pode estar a cargo do arguido, ainda que, no limite, signifique deixar impunes alguns criminosos. Não é admissível num Estado de direito democrático fazer reverter contra o arguido o ónus da escassez de meios e dificuldades na obtenção de prova para o condenar' - cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 347/2001, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Novembro de 2001, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.º vol., p. 803.
Termos em que tendo alegado o arguido a inconstitucionalidade das normas dos artigos 187.º, 188.º, n.º 4, e 189.º, todos do CPP, na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal de Instrução Criminal de Évora, e tendo agora sido notificado da confirmação pelo Tribunal da Relação de Évora da decisão recorrida que não acolheu e decidiu, indeferindo as invocadas inconstitucionalidades, deve o presente recurso ser admitido, com efeito suspensivo, e mandado subir ao Tribunal Constitucional, seguindo-se aí os demais termos até final."
3 - Já neste Tribunal foi, pelo relator, proferido o seguinte despacho:
"Tendo em atenção o teor do requerimento de interposição do recurso, convido o recorrente a dar integral cumprimento ao disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 75.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional).
Além disso, uma vez que o recorrente parece questionar uma determinada interpretação de preceitos do CPP, convido o recorrente a esclarecer, em termos concisos, claros e perceptíveis, qual (ou quais) a(s) exacta(s) interpretação(ões) normativa(s) da(s) norma(s) questionada(s) cuja constitucionalidade pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional - bem como o(s) preceito(s) de onde ela(s) se extrai(em), de tal modo que, se este Tribunal a(s) vier a julgar desconforme(s) com a Constituição, a(s) possa enunciar claramente na decisão que proferir. Na verdade, incumbindo ao recorrente a definição do objecto do recurso, deve o mesmo, quando pretenda questionar determinada interpretação normativa de um certo preceito, explicitar com precisão e clareza essa dimensão normativa, sob pena de, não o fazendo, transferir para o Tribunal Constitucional, de forma inaceitável, o ónus que sob ele impende, não sendo suficiente afirmar, como se faz no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, que 'vem o presente recurso da aplicação de norma, ou melhor, da interpretação de norma, cuja inconstitucionalidade oportunamente se invocou' ou que a interpretação alegadamente inconstitucional será a 'interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal de Instrução Criminal de Évora'."
4 - O recorrente respondeu identificando do seguinte modo as interpretações normativas que pretendia ver apreciadas:
"[r]equer que seja julgada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja de imediato lavrado e levado ao conhecimento do juiz de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos.
Requer, igualmente, que seja julgada a inconstitucionalidade por violação dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, quando interpretada em termos de não impor que a selecção do material recolhido na intercepção e gravação das conversações telefónicas, com ordem de destruição dos elementos considerados irrelevantes, não seja efectuada de imediato ou em tempo razoável."
5 - Na sequência, foi proferida pelo relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o seu teor:
"No requerimento de interposição do recurso, peça processual que delimita o respectivo objecto, afirmou o recorrente que, 'tendo alegado o arguido a inconstitucionalidade das normas dos artigos 187.º, 188.º, n.º 4, e 189.º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal de Instrução Criminal de Évora [...], deve o presente recurso ser admitido'. Posteriormente, na resposta ao convite que lhe foi formulado pelo relator, identificou do modo supra-referido no n.º 4 as questões de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas. São, portanto, duas as interpretações normativas alegadamente extraídas pela decisão recorrida do artigo 188.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal, cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada: i) a que não imponha que o auto de intercepção e gravação das escutas seja de imediato lavrado e levado ao conhecimento do juiz, ii) e a que permita que a selecção do material recolhido, com ordem de destruição dos elementos considerados irrelevantes, não seja efectuada de imediato ou em tempo razoável.
Importa, portanto, começar por averiguar se estão reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso que o recorrente pretendeu interpor, tanto mais que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cf. artigo 76.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional).
6 - O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, designadamente, que a questão colocada ao Tribunal Constitucional seja uma questão de constitucionalidade normativa, isto é, reportada ao confronto de uma determinada norma ou interpretação normativa com a Constituição e que, porque de recurso se trata, o recorrente tenha suscitado, de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, a inconstitucionalidade da norma jurídica - ou da exacta interpretação normativa que pretendem ver apreciada. Vejamos, então, se tal ocorreu.
6.1 - Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, como aquele que agora está para julgamento, o recorrente tem não só o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional, mas também o ónus de, do mesmo modo claro e perceptível, ter suscitado a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Como se disse, entre outros, no Acórdão 269/94 (Diário da República, 2.ª série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que 'ao suscitar-se a inconstitucionalidade de uma norma, se identifique a mesma com precisão e clareza', já que 'suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que - como já se disse - tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos'. Sendo certo que o cumprimento de tais ónus é, ainda, essencial para que, se o Tribunal Constitucional vier, em recurso de uma decisão sobre a constitucionalidade de uma norma ou de uma determinada interpretação normativa, a julgar essa mesma norma ou interpretação normativa desconforme com a Constituição, 'o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental' (cf. Acórdão 178/95, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p. 1118).
Ora, compulsados os autos, verifica-se que o recorrente, no recurso que apresentou perante o Tribunal da Relação de Évora, não suscitou, ao contrário do que afirmou no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal e reiterou na resposta ao convite do relator, de modo processualmente adequado, qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada às interpretações do artigo 188.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal, que, agora, questiona. Na verdade, na peça processual apresentada perante o Tribunal da Relação de Évora, única relevante para o que importa, o recorrente, após afirmar que 'não tendo sido observados os requisitos e condições previstos nos artigos 187.º e 188.º do CPP estão feridas de nulidade insuprível as intercepções e gravações das conversas telefónicas dos autos relativas ao recorrente', apenas se limita a acrescentar que 'outra interpretação das acima mencionadas normas do CPP, que possibilite a não fiscalização por juiz do conteúdo das intercepções, é manifestamente inconstitucional por violadora designadamente dos artigos 18.º, 26.º, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição', sem nunca identificar nem qual a interpretação correcta, nem qual a outra interpretação que seria manifestamente inconstitucional. Aliás, basta comparar a forma como são identificadas, na resposta ao convite do relator, as questões de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciadas com a forma como redigiu as alegações de recurso para se verificar que estamos perante situações inteiramente diversas.
Sendo assim - e não se vê como pudesse ser de outro modo, uma vez que não é exigível que os tribunais decidam questões sobre a constitucionalidade de interpretações normativas sem que lhes sejam indicadas, de forma clara e perceptível, quais as interpretações em causa - apenas resta concluir que afirmar que 'outra interpretação das acima mencionadas normas do CPP, que possibilite a não fiscalização por juiz do conteúdo das intercepções, é manifestamente inconstitucional', não é suscitar, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade 'da norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja de imediato lavrado e levado ao conhecimento do juiz de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos' ou 'da norma constante do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, quando interpretada em termos de não impor que a selecção do material recolhido na intercepção e gravação das conversações telefónicas, com ordem de destruição dos elementos considerados irrelevantes, não seja efectuada de imediato ou em tempo razoável'. E, em rigor, o próprio recorrente reconhece que não terá suscitado tais questões, já que, no requerimento de interposição do recurso, apenas refere que alegou 'a inconstitucionalidade das normas dos artigos 187.º, 188.º, n.º 4, e 189.º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal', enquanto na resposta ao convite do relator pretende ver apreciados os 'n.os 1 e 3 do artigo 188.º do Código de Processo Penal' [itálico aditado].
Não tendo sido, como manifestamente não foram, adequadamente suscitadas pelo recorrente as questões de constitucionalidade reportadas às interpretações normativas dos n.os 1 e 3 do artigo 188.º do Código de Processo Penal que agora pretende ver apreciadas, não está preenchido o pressuposto exigido pelo citado n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que há que concluir não poder este Tribunal conhecer do recurso interposto.
6.2 - Aliás, lida a motivação do recurso, verifica-se que o recorrente, embora refira anteriores decisões do Tribunal Constitucional sobre a matéria das escutas telefónicas, nunca enuncia uma interpretação normativa dos preceitos agora em causa que seja inconstitucional, visando com tal menção corroborar apenas a sua tese de que tais preceitos teriam sido violados, o que, por sua vez, implicaria a nulidade daquelas escutas. Ora, como se afirmou na decisão sumária n.º 163/2005, tirada no processo 299/2005, também 'tal modo de proceder - mera citação de acórdãos do Tribunal Constitucional para corroborar teses sobre a alegada violação, pela juíza de instrução criminal, de normas de direito infraconstitucional e para sustentar a nulidade de determinadas diligências processuais - não constitui, manifestamente, o cumprimento do ónus previsto no n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional, de suscitar a questão de inconstitucionalidade da norma que pretende ver apreciada, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer'.
Acresce, ainda, que o recorrente entende que o próprio preceito de direito infraconstitucional cuja constitucionalidade agora questiona - o artigo 188.º do Código de Processo Penal - terá sido ele mesmo violado. Ora, como se afirmou, nomeadamente, nos Acórdãos n.os 489/2004 e 710/2004 e, mais recentemente, no Acórdão 128/2005 (todos disponíveis na página da Internet do Tribunal Constitucional, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), 'se se utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico infraconstitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e [que] este é desconforme com o diploma básico. Efectivamente, se um preceito da lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que esgrimir com a violação desse preceito representa uma óptica de acordo com a qual ele se mostra consonante com a Constituição. Isto é, se se sustenta que determinada postura é, simultaneamente, violadora de preceitos do ordenamento jurídico infraconstitucional e de normas constitucionais, só se pode concluir que se está a questionar a própria decisão judicial e não a constitucionalidade dos preceitos ordinários'.
Mas, nesse caso, é jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, não estando em causa uma dimensão normativa do preceito legal aplicado na decisão, mas sim a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta do disposto no artigo 280.º da Constituição e no artigo 70.º da Lei 28/82, e assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Na verdade, ainda que se entenda que, suscitada uma concreta questão de inconstitucionalidade da decisão judicial recorrida, não poderão as instâncias deixar de se pronunciar sobre tal matéria, o facto é que uma tal suscitação, por não se tratar da suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, não abre via de recurso para o Tribunal Constitucional.
E a tese de que não foi suscitada pelo recorrente, de modo processualmente adequado, qualquer questão de constitucionalidade normativa, em termos de o Tribunal da Relação de Évora dela estar obrigado a conhecer, é ainda reforçada pelo facto de este, no acórdão recorrido, ter considerado que, perante as conclusões do recurso, 'as questões a decidir consistem em apurar se as escutas telefónicas [...] são nulas, por violarem o disposto nos artigos 187.º, n.º 1, e 188.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal' [itálico aditado]. Ou seja, não obstante o acórdão recorrido ter começado por fazer uma descrição do regime constitucional das intercepções de comunicações, para enquadrar o regime vigente, o facto é que entendeu não constituir objecto do recurso qualquer questão de constitucionalidade normativa imputada ao artigo 188.º do Código de Processo Penal, pelo que não decidiu nenhuma questão dessa natureza, sem que ao mesmo fosse imputada, pelo recorrente, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Tudo o que aqui se deixa dito contribui, assim, para corroborar a conclusão, a que se chegou no n.º 6.1 supra, de que não é possível ao Tribunal Constitucional conhecer do recurso interposto.
7 - Acresce, finalmente, que o recorrente afirma, na sua alegação de recurso para o Tribunal da Relação de Évora, ser inconstitucional outra interpretação das acima mencionadas normas do Código de Processo Penal - que, como se viu, nunca identifica - 'que possibilite a não fiscalização por juiz do conteúdo das intercepções'. Ora, lendo o acórdão recorrido, verifica-se que, do seu texto, não é possível retirar que o Tribunal entenda que seja possível interpretar desse modo as indicadas normas. Ao invés, o Tribunal da Relação de Évora considerou que, no caso concreto, 'a actividade dos investigadores policiais e as promoções do Ministério Público foi sempre sujeita ao controlo do juiz' [itálico aditado]. Ora, assim sendo, não é possível afirmar que aquele Tribunal interpretou as normas como possibilitando 'a não fiscalização por juiz do conteúdo das intercepções'. E, não tendo aplicado as normas com esse sentido, também por este motivo se não pode conhecer do objecto do recurso.
8 - Assim sendo, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor, uma vez que, manifestamente, não se encontram presentes os seus pressupostos de admissibilidade."
6 - Inconformado com esta decisão, o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, a reclamação para a conferência, em que, no essencial, como adiante mais detalhadamente se verá, entende que "o despacho ora reclamado padece de errada e precipitada interpretação quando refere estar ausente a verificação, in casu, dos pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 72.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro", uma vez que "o recorrente ora reclamante foi suficientemente esclarecedor na suscitação da inconstitucionalidade das normas jurídicas que pretendeu ver apreciadas perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida (o Tribunal da Relação de Évora). O recorrente fê-lo em termos tais que impunham ao Tribunal da Relação de Évora a obrigação de conhecer da invocada inconstitucionalidade, o qual se limitou no entanto a afastar aquela questão suscitada pelo recorrente, conhecendo-a e indeferindo a pretensão suscitada". Do seu ponto de vista, o Tribunal Constitucional "não ponderou correctamente o sentido e alcance do recurso interposto", já que teria vindo agora, "depois de admitido o recurso, invocar um argumento puramente formal para afastar o conhecimento do objecto do recurso, o qual não tem materialmente qualquer correspondência com os factos vertidos nos presentes autos".
7 - Notificado para responder, querendo, à reclamação do recorrente, disse o Ministério Público recorrido:
"1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 - Na verdade, a argumentação do reclamante não põe em causa os fundamentos da decisão reclamada no que toca à inverificação dos pressupostos do recurso, em consequência da não suscitação, em termos processualmente adequados, das questões de inconstitucionalidade que integram o objecto do recurso interposto."
II - Fundamentação. - 8 - Na decisão sumária reclamada concluiu-se no sentido da impossibilidade de conhecer do objecto do recurso que o recorrente pretendeu, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, interpor para este Tribunal. Para assim concluir considerou-se, por um lado, que não teria o mesmo suscitado, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, as exactas questões de constitucionalidade normativa que agora pretendia ver apreciadas e, por outro, que a decisão recorrida também não teria aplicado essas normas no exacto sentido normativo indicado pelo recorrente. Sendo certo que qualquer destas razões, por si só, seria suficiente para que se tivesse de concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso.
Com a presente reclamação o reclamante pretende contestar que assim seja. Fá-lo, porém, em termos que não só em nada abalam a fundamentação que sustenta a decisão reclamada mas são também reveladores de que não terá compreendido o sentido das exigências constantes das disposições da LTC citadas pela decisão sumária reclamada.
Vejamos, então.
9 - Para refutar a conclusão a que se chegou na decisão reclamada de que não teria suscitado de modo processualmente adequado perante o Tribunal da Relação de Évora as questões de constitucionalidade que pretende ver apreciadas, em recurso, pelo Tribunal Constitucional - identificando em termos concisos, claros e perceptíveis as exactas interpretações normativas em causa, bem como os preceitos de onde elas se extraem -, remete o reclamante para determinadas passagens da motivação e das conclusões da alegação de recurso apresentadas perante aquele Tribunal da Relação, que considera "suficientemente elucidativas" de que terá suscitado "com suficiente clareza a inconstitucionalidade da interpretação das normas jurídicas que pretendeu ver apreciada", terá definido "igualmente com total clareza a indicação da interpretação normativa que pretendeu ver apreciada" e terá elencado "com igual pertinência as questões da inconstitucionalidade invocada, [...] até nas próprias conclusões do recurso". Transcrevamos, então, essas passagens:
"Esta exigência do 'grande interesse' para o apuramento da verdade será aferida de acordo com um critério de proporcionalidade (traduzido no artigo 18.º da CRP), na forma da menor compressão possível dos direitos fundamentais dos cidadão. Assim, a lesão dos direitos em causa (já indicados, direito à palavra falada, inviolabilidade das comunicações, reserva de intimidade da vida privada, etc.) não será legítima e não pode ter lugar pela intercepção sempre que uma forma mais benigna permita, ainda assim, alcançar os objectivos da investigação [cf. p. 7 da motivação do recurso].
A respeito das prorrogações dos prazos das escutas importa referir que o douto despacho a fl. 6, proferido em 7 de Fevereiro de 2002, autorizou-as apenas por 60 dias. Ora, pelo despacho a fl. 47, de 8 de Abril de 2002, foram prorrogadas por mais 60 dias sem que dos autos conste que o Mmo. JIC tivesse procedido previamente à audição integral das conversações telefónicas interceptadas no decurso do período inicial. Também não se vê dos autos que tenha existido qualquer ponderação ou fundamentação acerca da necessidade de as prorrogar ou, pelo menos, nada foi registado nesse sentido. Ora o Acórdão 347/2001 - processo 299/2001 - do Tribunal Constitucional, 1.ª Secção - pronunciou-se contra aquele procedimento ao 'julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção anterior a que foi dada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz e que, autorizada a intercepção e gravação por determinado período, seja concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado da anterior [cf. p. 9, nota de rodapé n.º 3, da motivação do recurso].
No artigo 188.º do Código de Processo Penal, o nosso sistema institui um modo de controlo judicial e de acompanhamento das operações de intercepção.
A intervenção do juiz é vista como uma garantia que 'assegure a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica, assegurando que tal compreensão se situe nos apertados limites aceitáveis e que tal intervenção, para que de uma intervenção substancial se trate (e não de mero tabelionato), pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção telefónica. Com efeito, só acompanhando a recolha da prova, através desse método em curso, poderá o juiz ir apercebendo os problemas que possam ir surgindo, resolvendo-os e, assim, transformando, apenas, em aquisição probatória aquilo que efectivamente pode ser. Por outro lado, só esse acompanhamento coloca a escuta a coberto dos perigos - que sabemos consideráveis - de uso desviado' (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 407/97, de 21 de Maio, in Diário da República, 2.ª série, n.º 164, de 18 de Julho de 1997) [cf. pp. 13 e 14 da motivação do recurso].
Com efeito, nesta matéria nem um auto nem uma linha atestando o controlo por parte do JIC das conversas gravadas ou certificando que as mesmas foram ouvidas, como a lei quer e exige. E o que não está nos autos não está no mundo!
Na verdade, o que resulta dos doutos despachos é que o Mmo. JIC limitou-se a aderir às sugestões do MP e da PJ; sem ter procedido à audição prévia dos CD. E não o fez porque não consta dos autos que o tivesse feito. Como diz o antigo brocardo romano: o que não está na acta não está no mundo!
Contingências da nossa justiça, que não podem, seja como for, justificar a lesão de tão graves direitos do cidadão.
Vem assim violado o disposto no n.º 3 da citada norma (artigo 188.º do CPP), manifestando-se tal violação na ausência do controlo jurisdicional devido. Aliás, são vários os autos em que claramente se percebe que o controlo efectivo das operações de escuta é realizado pela própria PJ, sugerindo esta ou o MP, por exemplo, a desintercepção de certos telefones por a sua manutenção não ter interesse para os autos, por razões técnicas, ou a destruição de registos de intercepção por não serem úteis à investigação, confirmados também formalmente, depois, pelo Mmo. JIC. (cf. fls. 35, 43, 44, 45 e 47).
Não se compreende mesmo como, no âmbito de um efectivo controlo jurisdicional, é a PJ a solicitar e o MP a promover a desintercepção de certos postos telefónicos!
Mas esta ausência de controlo jurisdicional revela-se ainda noutro ponto! Vejam-se as informações da PJ.
Das mesmas resulta de forma inequívoca que ao conhecimento do JIC apenas foram levadas as conversas que a PJ considerou relevantes, sendo apenas estas as que foram transcritas das gravadas nos CD apresentados em juízo (cf. fls. 101, 118, 119 e seguintes).
Trata-se de gravíssima violação do controlo jurisdicional devido e da indicada norma legal, dado que a selecção das conversas relevantes foi feita a priori pela PJ.
Não vimos nos autos, após cuidadosa procura, que o JIC tenha efectivamente tomado conhecimento do conteúdo das intercepções, ou seja, não se vê o juiz.
Assim, não só não existe a efectiva audição dos mencionados suportes magnéticos como aqueles que terão sido presentes ao juiz continham apenas uma parte das conversas, previamente escolhidas pela PJ.
O artigo 189.º do CPP fere de nulidade as intercepções que não obedeçam ao disposto nos artigos 187.º e 188.º do CPP. Nos termos expostos, são as intercepções aos indicados alvos 14 387, 15 446 e 16 425 e números de sessões 1376, 1377, 1378, 1382, 1383, 1407, 1429, 1589, 1714, 1862, 1881, 1907 (cf. apenso I-A), 622, 662, 795, 796, 1022, 1378, 1409, 1456, 1528, 1523, 1596, 1623, 1628, 1649 (cf. apenso III-A), 86, 141, 159, 168, 256, 269, 270, 282, 296, 297, 354, 391, 553, 578, 753, 907, 908, 950, 983 e 995 (cf. apenso IV-A), obtidos a partir dos IMEI, nulas por conterem as violações supra-indicadas.
Outra interpretação das indicadas normas, que possibilite a não fiscalização por juiz do conteúdo das intercepções, é manifestamente inconstitucional por violadora pelo menos dos artigos 26.º, n.º 1, e 32.º, n.º 8, da CRP.
Aliás, a jurisprudência mais recente, designadamente a emanada do Tribunal Constitucional, vem realçando a necessidade do controlo e do acompanhamento judicial por parte do juiz a tal ponto que amiúde são invalidadas as escutas efectuadas em processos e são julgadas desconformes à Constituição um número crescentemente mais elevado de interpretações dos requisitos e condições previstos nos artigos 187.º e 188.º do CPP.
Destacam-se nesse âmbito as seguintes decisões:
Acórdão 379/2004/TC - processo 181/2004 - Diário da República, 2.ª série, n.º 170, de 21 de Julho de 2004;
Acórdão 528/2003/TC - processo 597/2003 - Diário da República, 2.ª série, n.º 290, de 17 de Dezembro de 2003;
Acórdão 347/2001/TC - 1.ª Secção - processo 299/2001;
Acórdão 407/97/TC - Diário da República, 2.ª série, de 18 de Julho de 1997; e
Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Julho de 2004 - processo 4332/2004 - 9.ª Secção.
Cf., por todos, a anotação aos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 407/97, 347/2001, 411/2002 e 528/2003 (sobre escutas telefónicas), de José Manuel Damião da Cunha, in Jurisprudência Constitucional, vol. I, pp. 50-56, na qual se conclui que 'tanto é nula a prova obtida por escutas sem autorização do juiz como é nula a prova utilizada sem o conhecimento (imediato) ou sem intervenção valorativa (imediata) daquele juiz' [cf. pp. 15, 16 e 17 da motivação do recurso].
9.ª A ausência de controlo jurisdicional relativamente às escutas resulta ainda do facto de ao conhecimento do Mmo. JIC apenas terem sido levadas as conversas que a PJ considerou relevantes, sendo que foram somente estas as transcritas das gravadas nos CD apresentados em juízo conforme se vê nomeadamente a fls. 101, 118, 119 e seguintes.
10.ª Mostram-se assim violados os normativos previstos nos n.os 1 e 3 do artigo 188.º do CPP.
11.ª Não se mostra fundamentada nos autos a opção pelo meio de obtenção da prova em causa (escutas telefónicas) como meio de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
12.ª Em matéria de escutas telefónicas a lei processual penal consagra o princípio da subsidiariedade, que, no entender do recorrente, não foi respeitado pelo Mmo. JIC nem aferido com o princípio da proporcionalidade previsto na lei fundamental.
15.ª Não tendo sido observados os requisitos e condições previstos nos artigos 187.º e 188.º do CPP estão feridas de nulidade insuprível as intercepções e gravações das conversações telefónicas dos autos relativas ao recorrente, a qual foi tempestivamente arguida e que está prevista no artigo 189.º daquele mesmo diploma legal.
16.ª Outra interpretação das acima mencionadas normas do CPP, que possibilite a não fiscalização por juiz do conteúdo das intercepções, é manifestamente inconstitucional por violadora designadamente dos artigos 18.º, 26.º, 32.º, n.º 8, e 34.º, n.os 1 e 4, da Constituição."
Estas passagens - obviamente ponderadas, ainda que, compreensivelmente, não integralmente transcritas na decisão sumária reclamada são, na verdade, "suficientemente elucidativas", embora do oposto daquilo que o reclamante pretende. Na verdade, basta ler os textos agora transcritos para se verificar que, ao contrário do que o reclamante erradamente parece persistir em entender, nenhuma questão de constitucionalidade normativa ali vem suscitada. De facto, como facilmente decorre da sua leitura, não vem ali questionada nenhuma interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito legal, limitando-se o então recorrente apenas a apontar vários vícios ao processo ou às condições em que terão sido realizadas as escutas e concluindo que as mesmas são nulas. Aduzindo, para o corroborar, vários acórdãos deste Tribunal e afirmando, de modo pretoriano, que outra interpretação dos preceitos em causa (que nunca formula qual seja), da qual decorra o contrário do que afirma quanto à invalidade do processo de intercepção de comunicações telefónicas, seria inconstitucional.
Ora, como este Tribunal tem afirmado e foi desenvolvidamente demonstrado na decisão sumária reclamada - em termos que, por merecerem a nossa inteira concordância, agora se reiteram -, tal modo de proceder não preenche os pressupostos de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade que se pretenda interpor ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nomeadamente nos casos em que o recorrente pretenda questionar uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito.
Tanto basta, então, para que se não possa conhecer do objecto do recurso e, consequentemente, para que improceda a presente reclamação.
10 - Acresce, ainda, que a decisão sumária reclamada fundamentou igualmente a decisão de não conhecer do recurso, na circunstância de não ser possível extrair do texto da decisão recorrida que a mesma tenha aplicado os preceitos cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada no exacto sentido por si indicado no requerimento de interposição do recurso (integrado pela resposta ao convite para o seu aperfeiçoamento). Como então se referiu, o Tribunal da Relação de Évora afirma expressamente no acórdão recorrido que, no caso concreto, "a actividade dos investigadores policiais e as promoções do Ministério Público foi sempre sujeita ao controlo do juiz" (itálico aditado), o que impede que se possa afirmar que terá interpretado os preceitos em causa como possibilitando "a não fiscalização por juiz do conteúdo das intercepções". Ora, também esta razão, cujos fundamentos em nada são abalados pela presente reclamação, é só por si suficiente para impedir que se possa conhecer do objecto do recurso.
11 - Em face do exposto, improcedem todas as alegações do reclamante, pelo que, pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantêm inteira validade e em nada são infirmadas pela presente reclamação, é efectivamente de não conhecer das questões objecto do recurso.
III - Decisão. - Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 28 de Março de 2006. - Gil Galvão Bravo Serra - Artur Maurício.