Acórdão 474/2005/T. Const. - Processo 46/2005. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A - Relatório. - 1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da sentença proferida naquele tribunal, onde se recusou, com fundamento em inconstitucionalidade formal, a aplicação das normas constantes do regulamento para utilização das redes de esgotos do concelho da Maia, editado em 27 de Junho de 1969 e homologado pelo Secretário de Estado das Obras Públicas, em consonância com o estipulado no Decreto-Lei 31 674, de 22 de Novembro de 1941.
2 - O teor da decisão recorrida é o seguinte:
"Elsa Margarida Teixeira Poças Falcão [...] vem deduzir a presente impugnação judicial contra a liquidação da taxa de saneamento efectuada pela Câmara Municipal da Maia.
Para tanto alega em suma que:
O regulamento com base no qual a Câmara Municipal da Maia alega ter procedido à liquidação padece de inconstitucionalidade formal por não indicar a lei habilitante;
Falta de fundamentação da liquidação;
Preterição do direito de audição.
Concluindo, pede que seja julgada procedente a impugnação e em consequência anulada a liquidação impugnada.
Notificada a Câmara Municipal da Maia para, querendo, contestar, veio esta fazê-lo, concluindo pela improcedência da acção.
Notificadas as partes para, querendo, alegarem, estas silenciaram.
Dada vista ao Digno Magistrado do Ministério Público para, querendo, se pronunciar, este absteve-se de o fazer por se encontrar esgotado o prazo para o efeito.
As questões que importa decidir nesta sede processual consistem em conhecer:
Da inconstitucionalidade formal do regulamento com base no qual foi liquidada a taxa impugnada;
Da falta de fundamentação da liquidação;
Da preterição do direito de audição.
Dos elementos existentes nos autos apurou-se a seguinte factualidade:
a) Em 27 de Junho de 1969 foram homologadas por S. Ex.ª o Subsecretário de Estado das Obras Públicas as normas regulamentares para utilização das redes de drenagem de esgotos do concelho da Maia, o qual consta de fl. 19 a fl. 25 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
b) Foi remetido à impugnante o bilhete postal, datado de 25 de Setembro de 2001, para proceder ao pagamento, até 31 de Dezembro daquele ano, da quantia de 33 878$00, tudo conforme documento a fl. 7, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Não se provaram outros factos para além dos indicados supra.
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos indicados os quais não foram impugnados.
Cumpre assim apreciar e decidir.
O Tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
Invoca a impugnante, com vista à anulação da liquidação impugnada, a inconstitucionalidade formal do regulamento com base no qual terá sido liquidada a taxa impugnada, por não indicar a lei habilitante.
Estabelece o artigo 115.º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa: 'Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.'
Na esteira da norma citada se pronunciou o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 63/88, de 9 de Março, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 375, a p. 163, o qual parcialmente se passa a citar:
''É, pois, claro, face a este simples cotejo normativo, que abrangidos pela regra bidireccional do n.º 7 do artigo 115.º da Constituição estão todos os regulamentos, nomeadamente os que provenham do Governo [...], dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas [...], e dos órgãos próprios das autarquias locais [...]. Todos esses regulamentos, de um ou de outro modo, estão umbilicalmente ligados a uma lei, à lei que necessariamente precede cada um deles, e que, por força do disposto no n.º 7 do artigo 115.º da Constituição, tem de ser obrigatoriamente citada no próprio regulamento.
[...]
Outras vezes, a lei a indicar é a que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.
[...]
Na verdade, e em correcta análise do texto constitucional, escrevem, a este propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 66:
'O princípio da primariedade ou precedência da lei é claramente afirmado no n.º 7 do artigo 115.º, onde se estabelece: a) a precedência da lei relativamente a toda a actividade regulamentar; b) o dever de citação da lei habilitante por parte de todos os regulamentos carecidos de habilitação legal, mas também os regulamentos que, embora com provável fundamento legal, não individualizam expressamente este fundamento. [fim de citação].''"
Ora, face ao texto do regulamento indicado nos autos como tendo sido aquele com base no qual foi efectuada a liquidação, verifica-se que do mesmo não consta a lei habilitante, pelo que é patente a inconstitucionalidade formal do mesmo.
Há quem sustente relativamente a esta questão que, sendo o regulamento anterior à Constituição da República, sendo esta inconstitucionalidade meramente formal, não se aplica ao caso a inconstitucionalidade superveniente.
Discordamos!
A este respeito ensina o Prof. Jorge Miranda em Manual de Direito Constitucional, vol. I, t. II, p. 637: 'Quando qualquer lei ordinária ab initio contradiz a lei fundamental, ela fica desde logo ferida de invalidade, juridicamente incapaz de produzir os efeitos específicos que deveria provocar e incapaz de regular as situações da vida sobre que versa - seja qual for a sanção ou o valor jurídico negativo que se configure (inexistência jurídica, nulidade, anulabilidade ou outro) e que depende de razões de ordem política e do funcionamento dos mecanismos de garantia. O mesmo já não acontece com a lei que fica sendo inconstitucional num momento subsequente ao da sua produção, por virtude de novo princípio ou norma da Constituição; mas no momento da entrada em vigor deste princípio ou norma, tal lei ordinária automaticamente cessa a sua subsistência, embora o evento tenha ou não de ser declarado pelo órgãos competentes.
II - É esta distinção que parece estar presente nos artigos 115.º e 293.º, n.º 1, da Constituição Portuguesa.
O artigo 293.º, n.º 1, dirige-se, assim se salientou, a normas - as normas de direito anterior que se mantêm em vigor desde que não contrariem a Constituição ou os princípios nela consignados; já o artigo 115.º se dirige a actos -, actos do Estado, das Regiões Autónomas e do poder local, nomeadamente leis - e a sua localização entre os princípios gerais de organização do poder político mostra bem que tem em vista apenas os actos praticados pelos órgãos instituídos pela Constituição. Enquanto o artigo 293.º cura a vigência, o artigo 115.º trata da validade: aquele permite que o direito anterior subsista, como que novado, quando conforme à Constituição; o segundo reconduz a validade a conformidade das leis com os princípios e normas constitucionais.'
O artigo 115.º da CRP (actualmente artigo 112.º, n.º 8) impõe que os regulamentos identifiquem a lei habilitante.
Ora, sendo embora uma questão formal, a necessidade de tornar o regulamento conforme com a Constituição em momento algum foi afastada, pelo que, após a entrada em vigor da Constituição, havia que 'validar' o regulamento em questão através da indicação da lei habilitante, o que não foi feito.
Destarte, tal como tem vindo a ser decidido pelo Venerando Tribunal Constitucional impõe-se concluir pela inconstitucionalidade formal das 'Normas regulamentares para utilização das redes de drenagem de esgotos do concelho da Maia'.
Da alegada falta de fundamentação do acto.
A impugnante recebeu apenas um bilhete postal, dado como reproduzido na alínea b) da factualidade apurada, o qual refere apenas 'Taxa de conservação de saneamento', data, valor, identificação da impugnante e outros dizeres sob a designação roteiro, utente e número imperceptíveis.
Ficamos sem saber se a taxa referida foi liquidada relativamente a algum imóvel, qual o seu fundamento legal, a matéria colectável sobre a qual incidiu, taxa e outros elementos que nos permitam aquilatar da sua legalidade.
É certo que o acto em questão pode ser qualificado com os vulgarmente designados 'actos de massa' ou 'massificados', relativamente aos quais, por se reportarem a questões do conhecimento comum, a sua fundamentação é reduzida ao mínimo.
Contudo, mesmo nesses casos, é necessário que tenha os elementos indispensáveis para que se possa saber do que se trata.
A dificuldade relativamente à identificação do imóvel, apontada na razão pela qual não se consideraram outros factos como provados, emerge desde logo do próprio título, que não identifica imóvel algum, pelo menos de uma forma perceptível a qualquer cidadão, assim como os demais elementos que estiveram na base da liquidação.
O próprio regulamento cuja constitucionalidade se apreciou apenas se sabe que esteve na base da liquidação por essa informação ter sido fornecida pelos serviços já em sede de impugnação.
Destarte, impõe-se concluir que o acto impugnado não cumpre o disposto no artigo 82.º do CPT, pelo que enferma do vício de forma por falta de fundamentação, o que implica a sua anulabilidade, ficando prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas.
Termos em que, pelos fundamentos expostos:
Considerando que enfermam de inconstitucionalidade formal as normas regulamentares para utilização das redes de drenagem de esgotos do concelho da Maia; e que
O acto impugnado enferma de vício de forma por falta de fundamentação;
julga-se procedente e provada a impugnação, anulando-se a liquidação impugnada, com as legais consequências."
3 - Neste Tribunal, em sede de alegações, o recorrente Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência do presente recurso, concluindo a sua argumentação dizendo que:
"1 - Não são aplicáveis as normas - legais ou constitucionais - que dispõem sobre a forma dos actos quando estes hajam sido editados antes da vigência da actual Constituição.
2 - As referências constantes do articulado do regulamento em causa ao Decreto-Lei 31 674 constituiriam, de qualquer modo, menção bastante da respectiva 'lei habilitante'."
Importa agora decidir.
B - Fundamentação. - 4 - Antes de mais, importa notar que a decisão recorrida se esteia em dois fundamentos normativos autónomos: de um lado, a inconstitucionalidade das normas do referido regulamento cuja aplicação recusou e, do outro, a ilegalidade do acto tributário por falta de fundamentação.
Estando-se, todavia, perante um recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º, não é, porém, de considerar como inútil o conhecimento do recurso, com base num argumento de que, mesmo procedendo o recurso, sempre a decisão se manteria por força do fundamento autónomo.
Na verdade, com a interposição do recurso da decisão que recusou a aplicação das normas do regulamento com fundamento na sua inconstitucionalidade ficaram interrompidos os prazos para a interposição de outros recursos que caibam da decisão, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 75.º da LTC.
Ora, a ser assim, constata-se que, a não proceder o presente recurso, ficará prejudicada a utilidade de interposição dos outros recursos susceptíveis ainda de serem interpostos, depois de finda a interrupção, da mesma decisão relativamente ao outro fundamento autónomo, e que, a proceder o recurso, poderão ainda ser interpostos outros recursos da mesma decisão relativamente a esse outro fundamento autónomo, mas ficará, todavia, definitivamente julgada a questão de constitucionalidade apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Pode, deste modo, concluir-se, sempre, pela utilidade do conhecimento do recurso, qualquer que venha a ser a sua decisão (cf., em sentido paralelo, o Acórdão 256/2004, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 12 de Novembro de 2004, disponível também em www.tribunalconstitucional.pt).
Deste modo, passar-se-á ao conhecimento do recurso.
5 - As normas do regulamento para utilização das redes de esgotos do concelho da Maia têm a seguinte redacção:
"Artigo 1.º Em todos os prédios de carácter habitacional, comercial ou industrial, construídos ou a construir, quer à margem quer afastados de vias públicas servidas por colectores municipais de esgotos, é obrigatório, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei 31 674, estabelecer as canalizações e dispositivos interiores necessários à recolha, isolamento e completa evacuação das suas águas residuais e pluviais e, ainda, ligar essas instalações à rede pública de esgotos.
§ 1.º Aquela obrigação impende sobre os proprietários ou usufrutuários dos prédios.
§ 2.º Logo que a ligação à rede geral entre em funcionamento, os proprietários ou usufrutuários dos prédios onde existem sumidouros, depósitos ou fossas de despejo de matérias fecais ou de águas residuais são obrigados a, dentro de 30 dias, entulhá-los, depois de esvaziados e desinfectados. As matérias retiradas serão enterradas. De futuro é proibido construir fossas ou sumidouros em toda a área urbanizada abrangida pela rede geral de esgotos.
Artigo 2.º As obras de saneamento a que se refere o artigo anterior compreendem:
a) Instalações interiores do prédio abrangendo aparelhos sanitários (bacias de retrete, urinóis, etc.), seus ramais de descarga, tubo ou tubos de queda e de ventilação e canalização até à via pública para condução das águas residuais e pluviais;
b) Instalações exteriores do prédio, compreendidas entre o seu limite e os colectores públicos de esgoto, abrangendo uma câmara de inspecção e os ramais de ligação àqueles colectores.
§ 1.º As instalações obrigatórias a que se refere a alínea a) compreenderão pelo menos uma pia de despejos ou banca de cozinha, uma retrete e casa de banho, quando o prédio tiver número de divisões ou espaço que permitam a sua instalação.
§ 2.º Nos prédios com rendimento colectável inferior a 1200$00, a casa de banho poderá ser de simples chuveiro.
§ 3.º Nas escolas, fábricas, oficinas, etc., onde houver aglomeração de pessoas deverá haver pelo menos uma retrete para cada 25 pessoas, além dos mictórios necessários.
§ 4.º Nos asilos, escolas com internato, hotéis, casas de hóspedes, etc., deverá haver pelo menos uma retrete e um quarto de banho para cada 15 pessoas que aí habitem normalmente.
Artigo 3.º Os encargos resultantes da execução das obras a que se refere o artigo 2.º serão inteiramente suportados pelos proprietários ou usufrutuários dos prédios.
§ 1.º A execução das obras será feita da forma seguinte:
a) As instalações interiores, pelos proprietários ou usufrutuários dos prédios;
b) Os ramais de ligação à rede geral, na via pública, pelos serviços municipalizados, que cobrarão dos proprietários ou usufrutuários a importância correspondente ao orçamento previamente elaborado de acordo com as tabelas em vigor, acrescido de 6% para administração.
§ 2.º A conservação, reparação e renovação das instalações sanitárias interiores competem aos proprietários ou usufrutuários dos prédios.
§ 3.º A reparação e a conservação correntes dos ramais de ligação competem aos Serviços Municipalizados da Maia, ficando, porém, os proprietários ou usufrutuários com a obrigação de substituir à sua custa os ramais existentes à data da entrada em vigor destas normas regulamentares sempre que estes não satisfaçam as necessárias condições técnicas de bom funcionamento.
Artigo 4.º É fixado o prazo máximo de seis meses a contar da data da entrada em vigor destas normas regulamentares para a execução das instalações interiores a que alude a alínea a) do § 1.º do artigo 3.º e para a sua ligação à rede geral de esgotos. Este prazo só poderá ser alterado por deliberação da entidade responsável pelo serviço de saneamento, a requerimento do interessado, por motivo de força maior ou outro devidamente justificado.
§ 1.º Os Serviços Municipalizados da Maia farão saber por edital os prazos dentro dos quais deverá ser dado cumprimento ao disposto no corpo deste artigo relativamente a cada localidade do concelho.
§ 2.º Quando os trabalhos a que se refere o corpo deste artigo não forem executados pelos proprietários ou usufrutuários dentro do prazo estabelecido, poderão os Serviços Municipalizados da Maia, após notificação escrita, executá-los directamente por conta dos proprietários ou usufrutuários.
§ 3.º A cobrança da respectiva despesa, acrescida de 6% para administração, será feita, após notificação escrita dos Serviços Municipalizados da Maia, nos primeiros 25 dias do mês seguinte ao da conclusão dos trabalhos, vencendo juros de mora as importâncias liquidadas depois do dia 10 de cada mês. Se o pagamento não for feito naquele prazo, os Serviços Municipalizados da Maia promoverão a cobrança coerciva da importância em dívida.
§ 4.º Em caso de comprovada debilidade económica dos proprietários ou usufrutuários dos prédios, os Serviços Municipalizados da Maia poderão autorizar, se lhes for requerido, que o pagamento do custo das obras de saneamento correspondentes às instalações exteriores executadas pelos Serviços Municipalizados da Maia seja efectuado no prazo de um ano em 12 prestações mensais iguais, seguidas e acrescidas de juros à taxa anual de 5%, devendo para o efeito ser apresentado termo de fiança prestada por estabelecimento de reconhecida idoneidade.
Artigo 5.º Sempre que os Serviços Municipalizados da Maia julguem conveniente, deverão os proprietários ou usufrutuários dos prédios, antes de executadas as instalações sanitárias a que se refere a alínea a) do artigo 2.º, submeter à sua aprovação um projecto em duplicado, que conterá as peças escritas e desenhadas necessárias à perfeita compreensão e execução das obras de saneamento interiores.
§ 1.º Depois de apreciado o projecto, será enviado um exemplar completo do que tiver sido aprovado ao proprietário ou usufrutuário; na falta de aprovação, será este notificado por escrito das alterações julgadas necessárias, a fim de as mandar introduzir no projecto ou de apresentar novo estudo.
§ 2.º O exemplar do projecto aprovado e devolvido ao proprietário ou usufrutuário do prédio deverá estar no local da obra durante a construção à disposição dos agentes de fiscalização municipal.
Artigo 6.º Não será aprovado pela Câmara Municipal qualquer projecto de nova construção, reconstrução ou ampliação de prédios situados na área abrangida pela rede pública de esgotos que não inclua as respectivas instalações sanitárias interiores.
§ único. A licença de habitação só poderá ser concedida pela Câmara Municipal depois de instalados os respectivos ramais de ligação.
Artigo 7.º Nos prédios já existentes à data da construção da rede de esgotos, poderão os Serviços Municipalizados da Maia consentir no aproveitamento total ou parcial das instalações sanitárias interiores porventura já existentes se, após vistoria requerida pelos seus proprietários ou usufrutuários, for verificado que elas se encontram construídas em conformidade com as disposições da Portaria 11 338, de 8 de Maio de 1946.
Artigo 8.º Para realização das obras de saneamento, sua inspecção e fiscalização, poderão os agentes ou adjudicatários dos Serviços Municipalizados da Maia entrar durante o dia livremente, mediante aviso prévio, nos prédios a beneficiar ou beneficiados, para o que requisitarão, se necessário, o auxílio da força pública ou das autoridades.
Artigo 9.º Nos termos dos artigos 10.º a 12.º do Decreto-Lei 31 674, os Serviços Municipalizados da Maia cobrarão do proprietário ou usufrutuário de cada prédio:
a) Uma taxa de ligação, que será de 5% para os prédios cujo rendimento colectável não seja superior a 18 000$00 e de 8% para os restantes;
b) Uma taxa de conservação, que será de 2% do mesmo rendimento colectável.
§ 1.º A taxa de ligação é paga de uma só vez por quem, pela primeira vez, inscrever o prédio na matriz predial.
§ 2.º A taxa de conservação é anual e paga em duas prestações semestrais iguais, vencíveis em Março e Setembro de cada ano, sendo facultado o pagamento da totalidade desta taxa na ocasião em que for paga voluntariamente a primeira prestação.
Artigo 10.º Ficam isentos do pagamento da taxa de conservação os prédios que estão isentos da obrigatoriedade da ligação domiciliária de água, ou seja, aqueles cujo rendimento colectável é inferior a 200$00, não sendo, porém, isentos do pagamento da taxa de ligação.
Artigo 11.º Serão aplicadas as seguintes multas:
a) De 300$00, ao proprietário ou usufrutuário que não der cumprimento, dentro dos prazos fixados, à execução das instalações sanitárias interiores e sua ligação à rede pública;
b) De 300$00, aos locatários dos prédios que introduzirem nas canalizações dos esgotos substâncias interditas, como lixo, sobejos de cozinha, cinzas, areias, peças de vestuário, animais mortos, matérias inflamáveis, como gasolina, óleos, etc., sendo solidários no pagamento da multa todos os locatários quando não seja possível averiguar quem praticou a infracção;
c) De 1000$00, aos proprietários, usufrutuários, arrendatários ou ainda técnicos que consentirem ou executarem a ligação de um sistema de distribuição de água potável dos prédios com canalizações de esgotos por forma diferente das admitidas nas Portarias n.os 10 367 e 11 339;
d) De 300$00, aos proprietários, usufrutuários ou ainda aos técnicos que consentirem na ligação, alteração ou modificação das canalizações dos prédios contra ou sem o traçado aprovado, quando este for exigido;
e) De 50$00, aos proprietários ou usufrutuários que não executarem no prazo indicado a limpeza, desinfecção e entulhamento das fossas ou sumidouros;
f) De 50$00, ao responsável pela execução das obras que não tiver no local das mesmas ou não mostrar à fiscalização o projecto de traçado das instalações interiores, nos casos em que esse projecto tenha sido exigido.
§ 1.º Além das penalidades fixadas neste artigo, o infractor ficará obrigado a executar os trabalhos que lhe forem indicados, dentro do prazo que lhe for fixado, e ao pagamento das despesas e prejuízos que a infracção cometida causar aos serviços municipalizados. No caso de recusa, os Serviços Municipalizados da Maia executarão os trabalhos e procederão à cobrança coerciva, excepto o que disser respeito a prejuízos causados aos Serviços Municipalizados da Maia, pois que esses deverão ser pagos imediata e integralmente, depois de apurado o seu quantitativo e notificado o transgressor, sem desistência de procedimento judicial, se se provar a má fé.
§ 2.º As multas cobradas não isentam o transgressor da responsabilidade civil por perdas e danos nem de procedimento criminal a que der motivo.
Artigo 12.º Todos os casos omissos ou todas as dúvidas de interpretação destas normas regulamentares serão resolvidos em conformidade com as disposições do Decreto-Lei 31 674 e da Portaria 11 338, respectivamente de 22 de Novembro de 1941 e de 8 de Maio de 1946.
Artigo 13.º Estas normas regulamentares entram em vigor oito dias após serem publicadas em edital afixado nos lugares públicos do costume.".
6 - A questão decidenda consiste, assim, em saber se as normas do regulamento para utilização das redes de esgotos do concelho da Maia são formalmente inconstitucionais por violação do disposto no vigente artigo 112.º, n.º 8, do texto constitucional.
7 - Ora, para dar resposta a tal questão, tendo em conta que está em causa um juízo de inconstitucionalidade reportado a direito ordinário anterior à vigência da actual norma constitucional, não pode deixar de relevar-se o quid especificum resultante de tal problema relativamente aos termos em que constitucionalmente está prefigurada, em geral, a vigência de tais normas, e os poderes de fiscalização reconhecidos ao Tribunal Constitucional a esse propósito.
É por isso decisivo para a solução do caso sub judicio a consideração do artigo 290.º da Constituição (na sua versão actual).
Ora, relativamente a ele, escreveu-se no Parecer 446 (processo 234/80) da Comissão Constitucional, de 6 de Maio de 1982 (publicado no apêndice ao Diário da República, de 20 de Maio de 1982):
"Sempre que ocorre um acto constituinte - ou seja, sempre que o poder constituinte se exerce -, o direito pré-vigente vê afastado o seu título de validade anterior e só subsiste na medida em que a nova Constituição o recebe o renova: esta passa a ser o único fundamento em que pode basear-se a eficácia de tal direito. Algumas constituições encaram expressamente o problema, providenciando sobre os termos, condições ou limites em que se verificará essa 'renovação' das normas ordinárias ou regulamentares precedentes; assim procedeu a Constituição Portuguesa de 1976 no seu artigo 293.º, em cujo n.º 1, designadamente, se dispõe que 'o direito anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se, desde que não seja contrário à Constituição ou aos princípios nela consignados'. Quer isto dizer que é à luz da directiva consignada neste preceito constitucional que cabe agora averiguar da constitucionalidade - da constitucionalidade 'actual' - desse direito.
Ora, pode afirmar-se que o entendimento desta directiva se vem mostrando pacífico, no sentido de que ela não exclui a continuação da vigência de todas e quaisquer normas anteriores que se revelem desconformes com a actual Constituição, mas antes só a daquelas relativamente às quais se manifesta uma discrepância material com a última. Quando, pelo contrário, a divergência for apenas formal - resultando de as normas em causa haverem sido emitidas por um órgão que agora seria para tanto incompetente, ou no exercício de um poder havido agora por inidóneo para esse efeito, ou de não ter obedecido à tramitação agora exigida ou a uma tramitação correspondente -, a divergência deve ter-se por irrelevante e insusceptível de gerar a inconstitucionalidade e a consequente caducidade delas (neste sentido, podem ver-se G. Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 524, e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. I, t. II, pp. 561 e segs.; e também já os Acórdãos n.os 221 [...] e 341, de 8 de Janeiro de 1981, desta Comissão, sem excluir o voto de vencido neles aposto, publicado o primeiro no apêndice ao Diário da República, de 16 de Abril de 1981, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 299, pp. 123 e segs., e o segundo ainda inédito).
E compreende-se que seja assim. Por um lado, e em primeiro lugar, o próprio artigo 293.º, n.º 1, denuncia claramente que não foi propósito do legislador constituinte estabelecer uma ruptura de princípio com o direito ordinário e regulamentar anterior; confrontado com a óbvia necessidade de evitar um hiato ou vazio global na regulamentação jurídica dos diferentes aspectos da vida social e a paralisia das instituições (com o cotejo de consequências caóticas que se lhes seguiriam), o propósito do legislador constituinte foi, ao invés, o de assegurar uma fundamental continuidade do ordenamento jurídico, e de excluir apenas dessa continuidade aqueles preceitos e complexos ordenativos que intoleravelmente brigassem com a nova ordem de valores constitucionais. Mas, por outro lado, e depois, sucede que não faria sentido aferir da regularidade formal (no sentido complexivo da palavra) da emissão de determinadas normas jurídicas por critérios e princípios constitucionais que só posteriormente a essa emissão vieram a ser consagrados - sejam eles os relativos ao quadro institucional de repartição do poder, à hierarquia normativa ou à tramitação do procedimento legislativo."
Tal linha jurisprudencial, estabilizada desde os tempos da Comissão Constitucional, encontra-se igualmente condensada em diversos arestos deste Tribunal nos quais se assumiu o critério de que, nestes casos, "o juízo a estabelecer é apenas o juízo de conformidade ou compatibilidade material com a Constituição vigente, e não já qualquer juízo sobre a formação do direito anterior à luz das novas normas de competência e forma, e muito menos qualquer juízo sobre a sua formação à luz das antigas normas constitucionais [...]. As normas de direito ordinário anterior mantêm-se, a menos que sejam materialmente contrárias às normas constitucionais e aos princípios gerais da Constituição, ressalvadas, portanto, as normas constitucionais relativas à forma e competência dos actos normativos, pois estas normas devem entender-se aplicáveis apenas para o futuro" (cf., entre outros, o Acórdão 313/85, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 6.º, 1985, pp. 563 e segs.).
No presente caso concreto, encontramo-nos precisamente perante uma daquelas situações em que o juízo de inconstitucionalidade lavrado no tribunal a quo se abona apenas em considerações atinentes ao procedimento formalmente condicionador e determinante da génese da norma regulamentar em causa.
Ora, sendo assim - e independentemente da questão de saber se, em face das referências constantes do articulado do regulamento em causa ao Decreto-Lei 31 674, de 22 de Novembro de 1941, não poderia ter-se por cumprida a exigência constitucional de indicação expressa pelos regulamentos das leis que os mesmos visam regulamentar, actualmente constante do n.º 8 do artigo 112.º da Constituição -, haverá sempre de concluir-se que, estando-se perante um regulamento pré-constitucional e sendo, como se viu, as regras constitucionais relativas à forma e à competência legiferante aferidas pela lei vigente à data da sua emanação, não pode proceder o juízo de inconstitucionalidade firmado na decisão recorrida.
C - Decisão. - 8 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional o regulamento para utilização das redes de esgotos do concelho da Maia, editado em 27 de Junho de 1969;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso; e c) Ordenar, na parte concernente com o presente juízo de constitucionalidade, a reforma da decisão recorrida.
Lisboa, 21 de Setembro de 2005. - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Mário José de Araújo Torres - Paulo Mota Pinto (vencido quanto à questão prévia, nos termos da declaração de voto que junto) - Rui Manuel Moura Ramos.
Declaração de voto. - Votei no sentido do não conhecimento do recurso por entender que existia na decisão do tribunal a quo outro fundamento só por si bastante para o resultado a que nela se chegou, pelo que, qualquer que fosse a decisão sobre a questão de constitucionalidade, ela nunca se repercutiria com utilidade na decisão recorrida. Dispensando-me de maiores considerações, remeto para as que expendi na declaração de voto que juntei ao Acórdão 256/2004 e para a decisão, em sentido diferente (de não conhecimento) da agora adoptada, que foi tomada, num caso idêntico ao presente, no Acórdão 420/2001, tirado em conferência nesta mesma secção do Tribunal Constitucional. Paulo Mota Pinto.