de 8 de Novembro
O inquestionável desenvolvimento da tecnologia digital, que assume relevância em diferentes domínios, repercute-se necessariamente na evolução dos serviços de televisão na forma como os conhecemos actualmente.Paralelamente, a digitalização tem ainda potenciado, em grande medida, o desenvolvimento dos serviços com sinal codificado.
Nesta medida, importa viabilizar a transição do analógico para o digital no âmbito dos serviços de radiodifusão televisiva e garantir a protecção jurídica, extensível a outros domínios, das entidades que prestam acesso condicional.
Procede-se, também, à transposição de disposições da Directiva n.º 95/47/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à utilização de normas para a transmissão de sinais de televisão, bem como da Directiva n.º 98/84/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Novembro de 1998, relativa à protecção jurídica dos serviços que se baseiem ou consistam num acesso condicional.
Quanto à prestação de acesso condicional aos serviços de televisão digital, independentemente dos meios de transmissão utilizados, consagram-se regras de normalização, mediante a imposição de requisitos básicos de interoperabilidade, e regras do tipo «acesso aberto» para os operadores que prestem sistemas de acesso condicional, por forma a promover a concorrência neste mercado, bem como garantir a satisfação dos interesses dos utilizadores.
Por outro lado, o recurso à codificação não se cinge ao âmbito televisivo, mas também à radiodifusão sonora e, mais recentemente, aos inúmeros serviços da sociedade da informação, independentemente da plataforma digital de suporte.
Neste contexto, reconhece-se o fornecimento do acesso condicional como uma prestação considerada em si mesma que carece da protecção jurídica adequada, ou seja, não ao nível da confidencialidade dos conteúdos veiculados mas sim quanto à remuneração devida ao operador do serviço.
Assim é que se consagra e sanciona a cadeia de actividades de posse para fins comerciais dos dispositivos que permitem um acesso não autorizado aos serviços codificados.
Assim:
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto e âmbito
1 - O presente diploma tem por objecto o regime aplicável à oferta de acesso condicional aos serviços de televisão, de radiodifusão e da sociedade de informação, à respectiva protecção jurídica, bem como aos equipamentos de utilizador que lhe estão associados.2 - O regime estabelecido pelo presente diploma é aplicável independentemente da utilização de transmissão por cabo, satélite ou meios terrestres, salvo disposição expressa em contrário.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do presente diploma entende-se por:a) «Televisão» o serviço de telecomunicações de difusão definido no n.º 2 do artigo 1.º da Lei 31-A/98, de 14 de Julho (Lei da Televisão);
b) «Radiodifusão» o serviço de telecomunicações de difusão definido na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 4/2001, de 23 de Fevereiro (Lei da Rádio);
c) «Serviços da sociedade da informação» os serviços definidos na alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei 58/2000, de 18 de Abril;
d) «Acesso condicional» qualquer medida ou mecanismo técnico mediante o qual o acesso, sob forma inteligível, a um serviço protegido é condicionado a uma autorização individual prévia;
e) «Serviço protegido» qualquer serviço de televisão, de radiodifusão sonora ou da sociedade da informação, desde que prestado mediante remuneração e com base em acesso condicional, ou o fornecimento de acesso condicional aos referidos serviços considerado como um serviço em si mesmo;
f) «Dispositivo de acesso condicional» um equipamento ou programa informático concebido ou adaptado com vista a permitir o acesso, sob forma inteligível, a um serviço protegido;
g) «Serviços conexos» a instalação, a manutenção ou a substituição de dispositivos de acesso condicional, bem como a prestação de serviços de comunicação comercial relacionados com estes ou com serviços protegidos;
h) «Dispositivo ilícito» um equipamento ou programa informático concebido ou adaptado com vista a permitir o acesso a um serviço protegido sob forma inteligível sem autorização do prestador do serviço.
CAPÍTULO II
Acesso condicional
Artigo 3.º
Prestação de acesso condicional
1 - Os operadores que produzem e comercializam serviços técnicos de acesso condicional aos serviços de televisão digital devem:a) Oferecer a todos os difusores de televisão digital, mediante condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias, serviços técnicos que permitam que os serviços transmitidos digitalmente sejam captados pelos utilizadores devidamente autorizados através de descodificadores geridos pelos próprios operadores que prestam acesso condicional;
b) Dispor de contabilidade separada relativa à actividade de fornecimento de acesso condicional.
2 - Tendo em conta o disposto na alínea a) do número anterior, as condições de oferta, incluindo preços, divulgadas pelos difusores de televisão digital devem especificar o fornecimento ou não de materiais associados ao acesso condicional.
3 - Os operadores referidos no n.º 1 devem comunicar ao ICP, no prazo de cinco dias úteis a contar da sua implementação, os procedimentos técnicos adoptados tendo em vista assegurar a interoperabilidade dos diferentes sistemas de acesso condicional.
4 - Para efeitos do número anterior, compete ao ICP publicar, por aviso na 3.ª série do Diário da República, bem como em formato digital na Internet, as referências das especificações técnicas aplicáveis, quando existentes.
Artigo 4.º
Interfaces de programas de aplicação e guias electrónicos de programas 1 - Em conformidade com o desenvolvimento tecnológico e de mercado, bem como com o direito comunitário, compete ao membro do Governo responsável pela área das comunicações aprovar, por portaria, o alargamento das obrigações de fornecimento mediante condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias, referidas no n.º 1 do artigo anterior, aos interfaces de programas de aplicação [application program interface (API)] e aos guias electrónicos de programas [electronic program guides (EPG)], bem como a adopção de normas técnicas abertas e interoperáveis nesses domínios.2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os operadores devem favorecer a utilização de API e de EPG abertos e interoperáveis, competindo ao ICP publicar, por aviso na 3.ª série do Diário da República, bem como em formato digital na Internet, as referências das especificações técnicas aplicáveis, quando existentes.
3 - Os operadores devem comunicar ao ICP as soluções técnicas adoptadas no domínio dos API e EPG que utilizam.
Artigo 5.º
Transferência de controlo
1 - Os operadores que prestam acesso condicional aos serviços de televisão digital devem adoptar sistemas com capacidade técnica adequada a uma transferência de controlo, eficiente em termos de custos, a acordar com os operadores de rede de suporte.2 - A transferência referida no número anterior permite o pleno controlo dos serviços que utilizam os sistemas de acesso condicional pelos operadores de rede, nos pontos de entrada da respectiva rede, ao nível local ou regional.
Artigo 6.º
Direitos de propriedade industrial
1 - Sem prejuízo da legislação aplicável, os titulares de direitos de propriedade industrial relativos a sistemas e produtos de acesso condicional devem licenciar os fabricantes de equipamentos de utilizador mediante condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias.2 - O licenciamento referido no número anterior, no qual são, também, considerados factores de ordem técnica e comercial, não pode ser submetido a condições que proíbam, dissuadam ou desencorajem a inclusão no mesmo produto:
a) Quer de um interface comum que permita a ligação de vários sistemas de acesso condicional que não o do titular do direito de propriedade industrial;
b) Quer de meios próprios a outro sistema de acesso condicional, na condição de que o beneficiário da licença observe as condições razoáveis e adequadas que garantam, no que lhe diz respeito, a segurança das transacções dos operadores de sistemas de acesso condicional.
Artigo 7.º
Resolução de litígios
1 - Sem prejuízo do recurso aos tribunais, judiciais ou arbitrais, nos termos da lei geral, compete ao ICP, a pedido das partes, resolver quaisquer litígios emergentes no âmbito da aplicação das disposições do presente capítulo.2 - A intervenção do ICP deve ser solicitada no prazo máximo de 60 dias a contar da data do conhecimento do facto que deu origem ao litígio.
3 - Compete ao ICP, sempre que o entender necessário, promover a consulta de outras entidades.
4 - A decisão do ICP deve ser proferida no prazo máximo de 60 dias a contar da formulação do pedido, devendo ser devidamente fundamentada e fixar um prazo para a sua execução.
5 - Das decisões do ICP proferidas no âmbito do processo de resolução de litígios cabe recurso para os tribunais judiciais, nos termos da lei geral.
6 - Em tudo o que não estiver expressamente previsto no presente artigo é aplicável a Lei 31/86, de 29 de Agosto.
CAPÍTULO III
Equipamentos de utilizador
Tomada de interface
1 - Os aparelhos de televisão analógica com um ecrã de diagonal visível superior a 42 cm que sejam colocados no mercado, para venda ou aluguer, devem estar equipados com, pelo menos, uma tomada de interface aberta por forma a permitir a ligação de periféricos, especialmente de descodificadores adicionais e de receptores digitais.2 - Os aparelhos de televisão digital com um ecrã de diagonal visível superior a 30 cm que sejam colocados no mercado, para venda ou aluguer, devem estar equipados com, pelo menos, uma tomada de interface aberta que permita a ligação de periféricos e esteja em condições de transmitir todos os elementos de um sinal de televisão digital.
3 - O sinal de televisão digital referido no número anterior inclui, para além dos sinais vídeo e áudio, as informações de acesso condicional, o conjunto de comandos de interface de programa de aplicação dos dispositivos conectados e as informações sobre o serviço, bem como informações sobre protecção contra cópias.
4 - As tomadas de interface referidas nos n.os 1 e 2 devem ser normalizadas por um organismo de normalização europeu reconhecido.
5 - Compete ao ICP publicar, por aviso na 3.ª série do Diário da República, bem como em formato digital na Internet, as referências das normas mencionadas no número anterior.
Artigo 9.º
Algoritmo de cifragem comum
1 - Os equipamentos com capacidade para decifrar sinais de televisão digital que sejam colocados no mercado, para venda e aluguer, ou postos à disposição de qualquer outro modo, devem permitir:a) A decifragem dos sinais de televisão digital de acordo com o algoritmo de cifragem europeu comum administrado por um organismo de normalização europeu reconhecido;
b) A reprodução de sinais de televisão digital que sejam recebidos sem cifragem, na condição de que, no caso de o equipamento ter sido alugado, o locatário cumpra o disposto no contrato de aluguer.
2 - Compete ao ICP publicar, por aviso na 3.ª série do Diário da República, bem como em formato digital na Internet, a referência da norma aplicável ao algoritmo de cifragem comum.
Artigo 10.º
Dispositivos ilícitos
São proibidas as seguintes actividades:a) Fabrico, importação, distribuição, venda, locação ou detenção para fins comerciais de dispositivos ilícitos;
b) Instalação, manutenção ou substituição, para fins comerciais, de um dispositivo ilícito;
c) Utilização de comunicações comerciais para a promoção de dispositivos ilícitos.
CAPÍTULO IV
Fiscalização e regime sancionatório
Artigo 11.º
Fiscalização
1 - Compete ao ICP fiscalizar o cumprimento do disposto no presente diploma, sem prejuízo das competências atribuídas a outras entidades, nomeadamente a Inspecção-Geral das Actividades Económicas (IGAE) e a Direcção-Geral das Alfândegas (DGA).2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o ICP poderá solicitar a colaboração da IGAE e da DGA, no âmbito de acções de fiscalização.
3 - A fiscalização do ICP é exercida através dos seus trabalhadores mandatados para o efeito ou outros mandatários devidamente credenciados pelo conselho de administração do ICP.
4 - As entidades fiscalizadas são obrigadas a facultar aos agentes do ICP ou às entidades por este mandatadas a verificação dos dispositivos e a fornecer a informação necessária à verificação e fiscalização das obrigações resultantes do presente diploma, facultando o acesso às respectivas instalações e documentação.
5 - Os trabalhadores e mandatários referidos no presente artigo ficam obrigados a não divulgar as informações e os dados de que ficarem conhecedores no exercício das suas funções e que constituam segredo comercial ou industrial.
Artigo 12.º
Contra-ordenações e coimas
1 - Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, constituem contra-ordenações:a) A violação das obrigações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 4.º;
b) A violação das obrigações previstas na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 3.º;
c) A violação das obrigações previstas no n.º 3 do artigo 3.º e no n.º 3 do artigo 4.º;
d) A violação da obrigação prevista no n.º 1 do artigo 5.º;
e) A violação do disposto no artigo 6.º;
f) A violação do disposto no artigo 8.º;
g) A violação do disposto no artigo 9.º;
h) A violação do disposto no artigo 10.º 2 - As contra-ordenações previstas no presente diploma são puníveis com coima de 50 000$00 ou (euro) 249,40 a 750 000$00 ou (euro) 3740,98 e de 100 000$00 ou (euro) 498,80 a 9 000 000$00 ou (euro) 44 891,81, consoante sejam praticadas por pessoa singular ou colectiva.
3 - A tentativa e a negligência são puníveis.
Artigo 13.º
Sanções acessórias
À contra-ordenação prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 12.º pode ser aplicada a sanção acessória de perda a favor do Estado dos dispositivos ilícitos.
Artigo 14.º
Instrução dos processos de contra-ordenação
1 - A instrução dos processos de contra-ordenação compete à entidade que procedeu à fiscalização.
2 - Nos processos de contra-ordenação que se insiram na competência do ICP compete ao conselho de administração determinar a sua instauração, sendo a instrução efectuada pelos respectivos serviços.
3 - A aplicação das coimas compete:
a) À Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica (CACME), nos processos instaurados pela IGAE;
b) Ao presidente do conselho de administração do ICP, nos restantes casos.
4 - O montante das coimas reverte para o Estado em 60% e para as entidades que as aplicam em 40%.
5 - O ICP ou a IGAE, consoante os casos, pode dar adequada publicidade à punição por contra-ordenação, bem como às sanções acessórias aplicadas nos termos do presente diploma.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 13 de Setembro de 2001. - António Manuel de Oliveira Guterres - Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues - Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita - Luís Garcia Braga da Cruz - Augusto Ernesto Santos Silva - António José Martins Seguro.
Promulgado em 18 de Outubro de 2001.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 28 de Outubro de 2001.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.