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Acórdão 651/2005/T, de 5 de Janeiro

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Texto do documento

Acórdão 651/2005/T. Const. - Processo 1066/2004. - Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Comarca de Espinho, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida Sandra Cristina do Couto Ribeiro de Sousa, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.os 1, alínea a), e 3, e 75.º, n.º 1, da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal de 10 de Novembro de 2004.

2 - Este Tribunal decidiu:

"I) Não aplicar o disposto no artigo 152.º, n.º 5, do Código da Estrada, por ser inconstitucional, violando as garantias de defesa do arguido em processo de contra-ordenação e o princípio da dignidade da pessoa humana, nos termos dos artigos 32.º, n.º 10, e 1.º da Constituição da República Portuguesa, ao impor, em processo judicial de impugnação de decisão administrativa por contra-ordenação, a condenação do arguido, mesmo restrita ao pagamento da coima, por uma infracção que não se provou tenha sido realmente por ele cometida e apesar de ter identificado em tempo o possuidor do veículo.

II) Julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão proferida pela Direcção Regional de Viação de Aveiro em relação à arguida Sandra Cristina do Couto Ribeiro."

Para o que agora releva, importa destacar da sentença o seguinte:

"Por isso, considera-se que a responsabilidade da arguida está afastada nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 2, do Código da Estrada.

Assente este ponto, e sendo ele plenamente aplicável quanto à sanção acessória de inibição de conduzir, já no que respeita à coima aplicada a mesma solução pode ser questionada tendo em conta o disposto no artigo 152.º, n.º 5, do Código da Estrada.

Nos termos dessa disposição, as pessoas referidas no n.º 1 respondem subsidiariamente pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas pelo autor da contra-ordenação, sem prejuízo do direito de regresso contra este.

Um efeito que daqui deve reconhecer-se validamente produzido é o seguinte: paga voluntariamente a coima pelo responsável nos termos do n.º 1, não haverá lugar a restituição, mesmo ocorrendo qualquer das situações dos n.os 2 e 3.

Face ao seu teor, porém, a norma do n.º 5 do artigo 152.º do Código da Estrada também consagra a responsabilidade objectiva das pessoas indicadas no n.º 1 do artigo 152.º, em matéria de pagamento da coima e das custas, independentemente de o processo respeitante a essas pessoas ser arquivado ou não, nos termos dos n.os 2 e 3 do mesmo preceito, e por isso independentemente da comunicação de ter sido outra pessoa a autora da contra-ordenação, nos termos do n.º 7.

Na verdade, a responsabilidade decorrente do artigo 152.º, n.º 5, do Código da Estrada apenas é ressalvada em caso de prova de utilização abusiva do veículo (n.º 6).

O que significa, em nosso entendimento, que a norma legal impõe a responsabilidade do agente (indicado no n.º 1), independentemente da sua real participação nos factos e da prova que sobre isso for feita, mesmo em processo judicial, quanto ao pagamento da coima e das custas.

Interpretação que, sendo forçosa face à redacção da norma, implicaria, em situação como a dos autos, se proferisse decisão condenatória quanto à coima, apesar da falta de prova sobre a autoria do facto.

Sem que isso se altere pelo facto de essa responsabilidade ser meramente subsidiária, nos casos em que, como nos autos, não se apurou o verdadeiro autor da contra-ordenação.

No entanto, essa interpretação não pode prevalecer, visto que determinaria a existência de responsabilidade objectiva, em matéria de direito sancionatório, que a Constituição implicitamente equipara à matéria penal (no sentido desta orientação, cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 265/01, in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 163, de 16 de Julho de 2001, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 59.º, n.º 3, e 63.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, interpretado no sentido de determinar a recusa do recurso, sem convite ao aperfeiçoamento, em impugnação judicial de decisão administrativa de contra-ordenação).

Violaria, dessa forma, o princípio da culpa, implícito na subordinação da lei à dignidade do ser humano, e o princípio das garantias de defesa consagradas na lei fundamental em processo de contra-ordenação (artigos 1.º e 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa).

Não haveria, em tal caso, qualquer fundamento material para a condenação, ao contrário do que sucede quando, apesar de devidamente notificado, o agente identificado nos termos do artigo 152.º, n.º 1, do CE nada diz, fazendo então a lei corresponder a tal inércia uma presunção de responsabilidade.

Por outro lado, face a esse tratamento equiparado pela Constituição da República entre as garantias de defesa no processo criminal e no processo contra-ordenacional, é forçoso dar à situação de dúvida sobre a prova o mesmo tratamento que naquele merece, não sendo admissível, face à Constituição, se profira nesse caso decisão condenatória.

Na verdade, o princípio in dubio pro reo é uma implicação da presunção de inocência do arguido, consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, a qual por sua vez decorre do princípio da dignidade do ser humano, princípio máximo a que o direito ordinário deve submeter-se.

Não é admissível, por isso, face à lei fundamental, proferir sentença condenatória, em processo judicial, consequente à impugnação da decisão administrativa, quando essa presunção não tenha sido ilidida pela prova produzida e não exista outro fundamento material que possa sustentar a condenação.

É nossa convicção, pois, que é inconstitucional o artigo 152.º, n.º 5, do Código da Estrada, quando interpretado no sentido de determinar, em processo judicial de impugnação de decisão administrativa, a condenação do arguido, mesmo restrita ao pagamento da coima, por uma contra-ordenação que não se provou tenha sido realmente por ele cometida."

3 - Desta decisão foi interposto recurso pelo Ministério Público junto daquele Tribunal, em virtude de este ter recusado a aplicação da norma prevista no artigo 152.º, n.º 5, do Código da Estrada por ser inconstitucional.

4 - Notificado para alegar, o Ministério Público junto deste Tribunal concluiu que:

"1 - Nos termos do n.º 3 do artigo 80.º da Lei do Tribunal Constitucional, deve este mandar aplicar a interpretação que entender conforme à Constituição relativamente a determinada norma, que havia sido desaplicada com fundamento em violação da lei fundamental, na sequência de interpretação inaceitável, face aos critérios estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil.

2 - Só há lugar à responsabilidade subsidiária pelo pagamento das coimas e das custas, nos termos do n.º 5 do artigo 152.º do Código de Estrada, relativamente às pessoas referidas no n.º 1, desde que mantenham as qualidades aí mencionadas à data da prática da contra-ordenação e uma vez apurada a responsabilidade do seu autor, com a sua efectiva condenação.

3 - Nestes termos, deverá ser julgado procedente o presente recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo de constitucionalidade da norma desaplicada com o sentido atrás referido."

5 - Notificada para alegar, a recorrida não apresentou quaisquer alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 1 - O Tribunal Judicial da Comarca de Espinho recusou a aplicação do n.º 5 do artigo 152.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, com fundamento em inconstitucionalidade.

É o seguinte o teor da norma em causa, na redacção dada pelo Decreto-Lei 265-A/2001, de 28 de Setembro:

"Artigo 152.º

Da responsabilidade

1 - Quando o agente da autoridade não puder identificar o autor da contra-ordenação, a responsabilidade recai sobre quem for proprietário, adquirente com reserva de propriedade, usufrutuário, locatário em regime de locação financeira, locatário por prazo superior a um ano ou sobre quem, em virtude de facto sujeito a registo, for possuidor do veículo, sendo instaurado contra ele o correspondente processo.

2 - ...

3 - ...

4 - ...

5 - As pessoas referidas no n.º 1 respondem subsidiariamente pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas pelo autor da contra-ordenação, sem prejuízo do direito de regresso contra este.

6 - ...

7 - ...

8 - ..."

Aquele Tribunal recusou a aplicação desta norma por impor, em processo judicial de impugnação de decisão administrativa por contra-ordenação, a condenação do arguido, mesmo restrita ao pagamento da coima, por uma infracção que não se provou tenha sido realmente por ele cometida e apesar de ter identificado em tempo o possuidor do veículo, violando assim as garantias de defesa do arguido em processo de contra-ordenação e o princípio da dignidade da pessoa humana, nos termos dos artigos 32.º, n.º 10, e 1.º da Constituição da República Portuguesa.

2 - Na verdade, uma interpretação do n.º 5 do artigo 152.º do Código da Estrada que implique uma forma de responsabilidade contra-ordenacional que permita uma "decisão condenatória quanto à coima apesar da falta de prova sobre a autoria do facto" não respeita exigências constitucionais em matéria de direito sancionatório de tipo contra-ordenacional, nomeadamente as decorrentes da protecção da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição), que supõem uma estruturação do direito sancionatório a partir do facto e não das qualidades do agente.

Porém, sobre o artigo 152.º, n.º 5, do Código da Estrada já não incidirá qualquer juízo de inconstitucionalidade se for interpretado no sentido de as pessoas referidas no n.º 1 do mesmo artigo responderem subsidiariamente pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas por aquele que for condenado como autor da contra-ordenação. Em causa estará apenas a responsabilidade subsidiária pelo pagamento das coimas e custas devidas por quem seja condenado pela prática de um facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.

Ora, como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 609/95 (Diário da República, 2.ª série, de 19 de Março de 1996):

"[e]ntre uma interpretação que é conforme à Constituição e outra que com ela é incompatível, o intérprete (juiz incluído) deve preferir sempre o sentido que o texto constitucional suporta. Se o não fizer e desaplicar a norma legal com fundamento em inconstitucionalidade, no recurso que subir ao Tribunal Constitucional, deve este fixar o sentido da norma que é compatível com a Constituição e mandar aplicar esta no processo com tal interpretação [cf., neste sentido, os Acórdãos n.os 163/95 e 198/95 (Diário da República, 2.ª série, de 8 e de 22 de Junho de 1995, respectivamente].

Dispõe, de facto, o artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional que 'no caso de o juízo de constitucionalidade ou legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação no processo em causa'."

Concluindo, o artigo 152.º, n.º 5, do Código da Estrada deve ser interpretado no sentido de que, provada a qualidade das pessoas referidas no n.º 1 do mesmo artigo, estas respondem subsidiariamente pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas por quem for condenado como autor da contra-ordenação.

III - Decisão. - Pelo exposto e em conclusão, decide-se:

a) Interpretar, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, o n.º 5 do artigo 152.º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei 265-A/2001, de 28 de Setembro, no sentido de que, provada a qualidade das pessoas referidas no n.º 1 do mesmo artigo, estas respondem subsidiariamente pelo pagamento das coimas e das custas que forem devidas por quem for condenado como autor da contra-ordenação;

b) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida para que seja reformada em termos de aplicar o n.º 5 do artigo 152.º do Código da Estrada, com a interpretação que se indicou na alínea a).

Lisboa, 16 de Novembro de 2005. - Maria João Antunes - Rui Manuel Moura Ramos - Maria Helena Brito - Carlos Pamplona de Oliveira - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1457702.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1994-05-03 - Decreto-Lei 114/94 - Ministério da Administração Interna

    Aprova o Código da Estrada, cujo texto se publica em anexo.

  • Tem documento Em vigor 2001-09-28 - Decreto-Lei 265-A/2001 - Ministério da Administração Interna

    Altera o Código da Estrada, aprovado pelo Dec Lei 114/94 de 3 de Maio. Republicado em anexo com as alterações ora introduzidas.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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