de 25 de Agosto
Estabelece normas sobre a cooperação entre Portugal e os tribunais
penais internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:
Artigo 1.º
Cooperação e auxílio judiciários
1 - Portugal coopera com o Tribunal Criminal Internacional para a ex-Jugoslávia e com o Tribunal Criminal Internacional para o Ruanda, criados pelas Resoluções n.os 827 e 955, do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, para investigar e julgar os responsáveis por violações graves do direito humanitário internacional cometidas no território da ex-Jugoslávia e no território do Ruanda e Estados vizinhos, adiante designados por Tribunal Internacional.2 - A cooperação observa o disposto nesta lei, nas Resoluções n.os 827 e 955 e nos estatutos respectivos, aplicando-se, subsidiariamente, a legislação sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal e demais legislação penal e processual penal.
3 - Aos mecanismos de cooperação previstos na presente lei é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 6.º a 8.º e 33.º da Lei 144/99, de 31 de Agosto.
Artigo 2.º
Competências concorrentes
1 - Nos termos do respectivo estatuto, o Tribunal Internacional pode solicitar às autoridades judiciárias portuguesas que renunciem, a seu favor, em qualquer fase do processo, à competência para investigação ou julgamento de um caso concreto.2 - O pedido de renúncia é dirigido ao Ministro da Justiça para decisão sobre a sua admissibilidade.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, o Ministro da Justiça solicita parecer, a apresentar no prazo de 10 dias, à Procuradoria-Geral da República.
4 - Admitido o pedido, este é transmitido à autoridade judiciária competente, através da Procuradoria-Geral da República.
5 - Em respeito da primazia da jurisdição do Tribunal Internacional sobre as jurisdições nacionais, o pedido de renúncia só não será atendido:
a) Se disser respeito a factos que não são objecto do processo pendente no tribunal português;
b) Se disser respeito a factos que não cabem na competência territorial ou temporal do Tribunal, tal como vem definida no respectivo estatuto.
Artigo 3.º
Arquivamento do processo
1 - Se não ocorrer motivo de rejeição, nos termos do n.º 5 do artigo anterior, a autoridade judiciária satisfaz o pedido de renúncia e determina o arquivamento do processo.2 - A decisão especifica os fundamentos de facto e de direito e é transmitida, através da Procuradoria-Geral da República, ao Ministro da Justiça, acompanhada, em caso de deferimento, dos documentos solicitados pelo Tribunal Internacional.
3 - A decisão de arquivamento determina a suspensão da prescrição e do processo até decisão definitiva do Tribunal Internacional sobre a competência para conhecer dos factos que constituem objecto do processo.
4 - A autoridade judiciária pode solicitar ao Tribunal Internacional os elementos que considere necessários à decisão.
5 - O pedido é transmitido através do Ministro da Justiça.
6 - A autoridade judiciária não pode, em caso algum, suscitar conflito positivo de competência com o Tribunal Internacional.
Artigo 4.º
Reabertura do processo
1 - O processo arquivado nos termos do artigo anterior é reaberto:a) Se o Procurador junto do Tribunal Internacional não deduzir acusação;
b) Se a acusação não for confirmada judicialmente nos termos do estatuto;
c) Se o Tribunal Internacional se considerar incompetente.
2 - A prescrição volta a correr a partir da decisão de reabertura do
processo.
Artigo 5.º
Diligências de investigação
1 - O Procurador junto do Tribunal Internacional pode proceder directamente a diligências de investigação em território português.2 - A necessidade de realizar as diligências é comunicada com antecedência ao Ministro da Justiça, o qual, inexistindo razões para as proibir, transmite o pedido, acompanhado dos elementos disponíveis, à autoridade judiciária competente.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, o Ministro da Justiça solicita parecer, a apresentar no prazo de 10 dias, à Procuradoria-Geral da República.
4 - O Procurador junto do Tribunal Internacional pode, através da Procuradoria-Geral da República, solicitar a coadjuvação dos órgãos de polícia criminal, nos termos da lei processual penal.
5 - A Procuradoria-Geral da República acompanha a realização das diligências e providencia os meios necessários à prossecução dos objectivos que o Procurador junto do Tribunal Internacional se proponha.
6 - Não são permitidas quaisquer diligências que:
a) Representem a prática de acto proibido pela lei portuguesa; ou b) Atentem contra a soberania ou a segurança do Estado Português.
Artigo 6.º
Detenção e transferência
1 - Os mandados de detenção emanados do Tribunal Internacional contra pessoa residente em território português são remetidos ao Ministro da Justiça.2 - Não havendo motivos de devolução para regularização formal, os mandados são transmitidos, através da Procuradoria-Geral da República, ao Ministério Público junto do tribunal da relação da área de residência ou do último paradeiro da pessoa a deter, a fim de providenciar o respectivo cumprimento e promover a abertura do processo de transferência para o Tribunal Internacional.
Artigo 7.º
Audição da pessoa detida
A pessoa detida é apresentada ao Ministério Público junto do tribunal da relação em cuja área a detenção for efectuada, para aí promover a audição judicial daquela, no prazo máximo de quarenta e oito horas a contar da detenção.1 - No final da audiência, o juiz profere decisão e, se confirmar a detenção, ordena a transferência e entrega da pessoa detida ao Tribunal Internacional requerente.
2 - Da decisão cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a interpor no prazo de oito dias.
3 - São reduzidos a metade os prazos relativos a recursos previstos na lei processual penal.
Artigo 9.º
Transferência da pessoa detida
A transferência da pessoa detida é organizada pelo Ministério da Justiça, conjuntamente com o secretário do respectivo Tribunal Internacional.
Artigo 10.º
Motivos de recusa
A detenção, transferência e entrega de pessoa solicitada só pode serrecusada se:
a) Os mandados de detenção não estiverem devidamente autenticados e assinados por um juiz do Tribunal Internacional;b) O Tribunal Internacional for temporal ou territorialmente incompetente para julgar o acusado pelos factos que lhe são imputados, nos termos do estatuto;
c) O juiz que proceder à audição concluir que a pessoa detida não é a pessoa a quem são imputados os factos constantes do pedido.
Artigo 11.º
Execução de sentença condenatória
1 - A força executiva em Portugal de sentença condenatória do Tribunal Internacional depende de prévia revisão e confirmação, nos termos do Código de Processo Penal.2 - A execução de sentença condenatória proferida pelo Tribunal Internacional rege-se pela legislação portuguesa, salvo quando for caso de concessão de liberdade condicional, a qual é da competência do Tribunal Internacional.
3 - Caso venha a fazer declaração com vista à admissão do cumprimento de penas no seu território, Portugal especificará que esse cumprimento nunca excederá o máximo de pena de prisão que à data for admitido pela lei penal portuguesa.
Artigo 12.º
Amnistia e perdão
A amnistia ou perdão de que possa beneficiar o recluso são comunicados pelo tribunal competente para a execução da sentença ao Tribunal Internacional, competindo a este decidir se o recluso deve ou não beneficiar daquela amnistia ou perdão, nos termos do respectivo estatuto.
Artigo 13.º
Formalismo
O Procurador e os juízes do Tribunal Internacional podem, a seu pedido, estar presentes nas diligências que tenham solicitado, caso em que são antecipadamente avisados da data e local em que essas diligências irão ter lugar.
Artigo 14.º
Detenção para diligência
1 - A pedido do Tribunal Internacional a autoridade judiciária competente pode ordenar a detenção e condução, perante aquele, pelo tempo indispensável à realização da diligência, de qualquer pessoa não acusada, se estiverem preenchidos os seguintes requisitos:a) Ter a pessoa sido notificada para comparecer perante o Tribunal Internacional e ter faltado sem apresentar qualquer justificação;
b) Ter o Tribunal Internacional feito acompanhar o seu pedido de uma exposição sumária dos motivos pelos quais considera essenciais quer o contributo dessa pessoa para a prova a produzir quer a sua presença física;
c) Responsabilizar-se o Tribunal Internacional pelas despesas de deslocação da pessoa, incluindo as de regresso a Portugal, bem como de alojamento no local da sede do Tribunal.
2 - A pessoa detida nos termos previstos no n.º 1 não pode, por esse facto, ser prejudicada em qualquer direito pessoal ou patrimonial.
3 - Às pessoas detidas nos termos do n.º 1 é aplicável o disposto no
artigo 9.º
Artigo 15.º
Falsidade de depoimento
1 - O crime previsto no artigo 360.º do Código Penal cometido em Portugal no decurso de diligência solicitada pelo Tribunal Internacional é, para todos os efeitos, considerado como cometido perante tribunal português.2 - O procedimento criminal depende, porém, da participação do Tribunal Internacional, que, para o efeito, fornecerá todos os meios de prova de que disponha.
Aprovada em 17 de Julho de 2001.
O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
Promulgada em 11 de Agosto de 2001.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 16 de Agosto de 2001.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.