Proc. n.º 574/08
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A - Relatório
1 - O Ministério Público recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.º 3, 75.º-A, n.º 1, alínea a), e 78.º, n.º 2 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da sentença proferida, no processo comum, com intervenção do tribunal singular, em que é arguido Paulo Jorge da Silva Santos, pelo Juiz do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende que recusou, com fundamento na sua inconstitucionalidade, a aplicação do artigo 86.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.
2 - O juízo de inconstitucionalidade da sentença recorrida abonou-se nas seguintes considerações:
«A subsunção jurídico-penal por que se conclui implica o sancionamento da conduta do arguido com uma moldura penal de 2 a 8 anos de prisão, o que sem qualquer hesitação qualificaremos como chocantemente desproporcional em face da gravidade dos factos.
Com a redacção actual da norma em questão são ainda possíveis enquadramentos ainda mais desproporcionais, pois a mera detenção de uma "bomba de Carnaval", que num passado não muito longínquo era vendida a crianças em tabacarias, implica o sancionamento pela mesma moldura penal.
É claro que não é qualquer reparo aos excessos, falta de prudência, ou mesmo pura incompetência do legislador ordinário que permite a afirmação de uma desconformidade constitucional. É preciso ir mais longe.
Qualquer restrição a direitos fundamentais constante em legislação ordinária deve respeitar o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Ora a liberdade ambulatória que é restringida por qualquer pena de prisão é indiscutivelmente a primacial liberdade fundamental, como resulta do artigo 27.º, da CRP, que pode ser limitada pelas condenações criminais, como resulta também do n.º 2 de tal norma constitucional.
No entanto, o princípio da proporcionalidade em sentido restrito "significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos" 1.
É claro que a criminalização de uma mera detenção de explosivos tem justificação nomeadamente na salvaguarda da vida e integridade física de terceiros que a capacidade agressiva de tais objectos coloca em risco.
No entanto, no conceito jurídico usado pela lei de engenho explosivo cabem sem dúvida engenhos extremamente perigosos e com capacidade agressiva muito elevada, que justificariam a moldura penal em questão e o seu limite mínimo, mas cabem também engenhos de capacidade agressiva baixa ou insignificante.
O não estabelecimento de limites de perigosidade ou de potência para enquadrar a relevância penal do engenho explosivo sujeito a uma moldura de 2 a 8 anos de prisão abre a porta a sancionamentos em frontal violação do princípio da proporcionalidade, como seria o presente.
Basta recordar os crimes com moldura equivalente: exposição ao abandono agravada, nos termos do artigo 138.º, n.º 3, alínea a), do CP, violência doméstica agravada, nos termos do artigo 152.º, n.º s 1 e 3, alínea a), do CP, maus tratos agravados, nos termos do artigo 152.º-A, n.º s 1 e 2, alínea a), do CP, rapto, nos termos do artigo 161.º, n.º 1, do CP, abusos sexuais de pessoas indefesas, internadas, ou de menores, nos termos dos artigos 165.º, 166.º, e 171.º, do CP, roubo, nos termos do artigo 210.º, n.º 1, do CP, e outros, para já não falar aqui dos crimes com sancionamento inferior.
Acrescenta-se ainda que a explosão do artefacto nas mãos do arguido levou a resultado lesionais apenas enquadráveis no artigo 143.º, n.º 1, do CP, punível com prisão até três anos ou multa, no caso de terem sido causados intencionalmente em terceiros. Ou seja, a concretização do dano que inspira esta tutela penal ao nível do mero perigo, de uma forma apta a maximizar as consequências das capacidades lesionais do engenho em questão, leva a um sancionamento consideravelmente inferior ao que é aplicável à mera detenção do engenho.
A desproporção atinge níveis tão manifestos, que a conclusão pela inconstitucionalidade é forçosa.
Assim sendo, o tribunal recusará a aplicação desta norma penal por inconstitucionalidade, por não limitar a subsunção a tão grave moldura penal em função da potência ou perigosidade do engenho explosivo em causa, por violação do princípio da proporcionalidade».
3 - Alegando, no Tribunal Constitucional, o recorrente defendeu o provimento do recurso, concluindo do seguinte jeito a sua argumentação:
«1.º
A norma do artigo 86º, n.º 1, alínea a) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro na parte em que fixa uma pena de prisão de 2 a 8 anos, não viola o princípio de proporcionalidade constante do artigo 18º, n.º 2, da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional.
2º
Termos em que deverá proceder o presente recurso».
4 - O recorrido não contra-alegou.
B - Fundamentação
5 - Como resulta do relatado, a decisão recorrida recusou a aplicação do artigo 86.º, n.º 1, alínea a), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro (Regime Jurídico das Armas e Munições), com o fundamento de que a pena cominada para o ilícito penal, nele tipificado, violava o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, dada a diminuta perigosidade do material explosivo que havia sido apreendido ao arguido, no tocante à restrição nele imposta ao direito da liberdade pessoal, garantida no artigo 27.º do diploma fundamental.
Antes de mais, cumpre anotar que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a correcção do juízo interpretativo levado a cabo, pela decisão recorrida, sobre a norma penal considerada aplicável ao caso, ou seja, sobre a determinação dos elementos constitutivos do crime que foi imputado ao arguido e qual o seu significado normativo, bem como da subsunção dos factos dados como provados ao quadro normativo pré-determinado.
A única questão que lhe cumpre apreciar e decidir é a de saber se a norma, cuja aplicação se recusou, padece ou não do invocado (ou de outro) vício de inconstitucionalidade que a torne inválida como critério de decisão jurídica.
A norma em causa - o artigo 86.º, n.º 1, alínea a), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, diploma este que aprovou o Regime Jurídico das Armas e Munições - dispõe do seguinte jeito:
"Artigo 86.º
Detenção de arma proibida
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, engenho explosivo civil, ou engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) ...
c) ...
d) ...
2 - ...
A definição de crimes, penas e medidas de segurança acarreta, inelutavelmente, uma restrição ao direito à liberdade, reconhecido como direito fundamental, pessoal, no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição.
Por isso, o Tribunal Constitucional tem, reiteradamente, reconhecido que a regulação dessa matéria deve obediência estrita aos pressupostos materiais, que legitimam, constitucionalmente, as restrições de direitos, liberdades e garantias fundamentais, constantes do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição: exigência de previsão constitucional expressa da respectiva restrição; vinculação da restrição à necessidade de salvaguardar um outro direito, liberdade e garantia fundamental; subordinação das leis restritivas a um princípio da proporcionalidade, o qual postula, num sentido estrito, que os meios legais restritivos devem situar-se numa justa medida e não poderão ser desproporcionados ou excessivos em relação aos fins que se pretende obter (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, 4.ª edição, págs. 391-393).
Discorrendo sobre esta temática, em termos que correspondem a uma leitura, constantemente repetida pelo Tribunal, dos parâmetros constitucionais e que aqui se renova (cf., a título de exemplo os Acórdãos abaixo identificados e, muito recentemente, o Acórdão 165/2008, sobre questão algo semelhante com a dos autos, por respeitar a um crime de perigo relacionado com a detenção de material de guerra), diz-se lapidarmente no Acórdão 108/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt:
«4.4.3.1. O direito penal, enquanto direito de protecção, cumpre uma função de ultima ratio. Só se justifica, por isso, que intervenha para proteger bens jurídicos - e se não for possível o recurso a outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos violentas do que as sanções criminais. É, assim, um direito enformado pelo princípio da fragmentariedade, pois que há-de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à protecção das condições sociais indispensáveis ao viver comunitário. E enformado, bem assim, pelo princípio da subsidariedade, já que, dentro da panóplia de medidas legislativas para protecção e defesa dos bens jurídicos, as sanções penais hão-de constituir sempre o último recurso.
A necessidade social apresenta-se, deste modo, como critério decisivo da intervenção do direito penal. No dizer de SAX (citado por Eduardo Correia, loc. cit.), a necessidade da pena surge "como o caminho mais humano para proteger certos bens jurídicos". (Para maiores desenvolvimentos sobre esta questão, cf. o citado acórdão 83/95, publicado Diário da República 2.ª série, de 16 de Junho de 1995).
Este princípio da necessidade - que, no dizer de Eduardo Correia ("Estudos sobre a reforma do direito penal depois de 1974, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119.º, página 6), marca o "limite do âmbito do direito penal" - decorre do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Neste preceito constitucional dispõe-se, com efeito, que "a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".
Mas então, como adverte Figueiredo Dias ("O sistema sancionatório no direito penal português", in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, I, Boletim da Faculdade de Direito, número especial, Coimbra, 1984, página 823), há-de observar-se "uma estrita analogia entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídico-penais", ficando toda a intervenção penal subordinada "a um estrito princípio de necessidade". "Só por razões de prevenção geral, nomeadamente de prevenção geral de integração - sublinha-se - pode justificar a aplicação de reacções criminais".
Idêntico é o pensamento de José de Sousa e Brito ("A lei penal na Constituição", in Estudos sobre a Constituição, volume 2.º, Lisboa, 1978, página 218), que escreve: "Entende-se que as sanções penais só se justificam quando forem necessárias, isto é, indispensáveis, tanto na sua existência, como na sua medida, à conservação e à paz da sociedade civil".
Simplesmente, o juízo sobre a necessidade de lançar mão desta ou daquela reacção penal cabe, obviamente, em primeira linha, ao legislador, em cuja sabedoria tem de confiar-se, reconhecendo-se-lhe uma larga margem de discricionariedade.
A limitação da liberdade de conformação legislativa, neste domínio, só pode ocorrer, quando a sanção se apresente como manifestamente excessiva (cf. o citado acórdão 83/95 e, bem assim, os acórdãos n.º s 634/93 e 480/98, o primeiro, publicado no Diário da República 2.ª série, de 31 de Março de 1994, e o segundo, por publicar em que, tocantemente à decisão criminalização de certas condutas, se afirmou idêntica doutrina).
Quando, pois, se não se esteja em presença de uma situação de excesso - ou, pelo menos, não seja manifesto que tal aconteça - a norma incriminadora não pode ser censurada sub specie constitutionis, em nome do princípio da proporcionalidade.».
Poucas foram as vezes em que o Tribunal Constitucional censurou o juízo de mérito feito pelo legislador acerca da definição de crimes, de penas ou de medidas de segurança.
Mas, quando o fez, o certo é que associou, geralmente, a violação do princípio da proporcionalidade ao desrespeito de outros princípios constitucionais.
Assim, nos casos julgados nos Acórdãos n.º s 634/93, 650/93, 141/95 e 527/95, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, sendo o último de generalização do julgamento levado a cabo pelos demais, o juízo de inconstitucionalidade - relativo ao "artigo 132.º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante, aprovado pelo Decreto-Lei 38 252, de 20 de Novembro de 1943, na parte em que estabelece a punição daquele que, sendo tripulante de um navio e sem motivo justificado, o deixe partir para o mar sem embarcar, quando tal tripulante não desempenhe funções directamente relacionadas com a manutenção, segurança e equipagem do mesmo navio" - fundamentou-se em a norma, "ao não respeitar o princípio da subsidiariedade do direito penal e da necessidade da pena, viola[r] os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade decorrentes da ideia de Estado de direito democrático (artigos 18.º, n.º 2, e 2.º da Constituição)".
Também o Acórdão 211/95, disponível no mesmo sítio, julgou "inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 132.º e 133.º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante, aprovado pelo Decreto-Lei 33.252 de 20 de Novembro de 1943, na parte em que dela resulta a punição como desertor daquele que, sendo tripulante de um navio (e não desempenhando funções directamente relacionadas com a manutenção, segurança e equipagem do mesmo navio) e sem motivo justificado, o deixe partir para o mar sem embarcar, por violação dos princípios da subsidiariedade do direito penal e da necessidade da pena (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da Constituição)".
Por seu lado, os Acórdãos n.º s 370/94, 958/96, 329/97 e 201/98, disponíveis, igualmente, em www.tribunalconstitucional.pt, chegaram a um juízo de inconstitucionalidade sobre as normas, respectivamente, dos artigos 204.º, alínea c) (burla), 203.º, alínea a) (abuso de confiança), 193.º, n.º 1, alínea c) e 193.º, n.º 1, alínea b) (peculato), todos do Código de Justiça Militar, com base numa articulação do princípio da proporcionalidade com o princípio da igualdade, constituindo o referente as penas previstas para os mesmos tipos de crime no Código Penal.
Não vem posta em dúvida pela sentença recorrida, nem a mesma se afigura pertinente, a ponderação levada a cabo pelo legislador sobre a necessidade de criminalização de "uma mera detenção de explosivos", pois ela tem justificação, segundo a linguagem da própria decisão, "nomeadamente na salvaguarda da vida e integridade física de terceiros que a capacidade agressiva de tais objectos coloca em risco", sendo que, ainda, se pode convocar a necessidade de tutela de outros bens jurídicos, como sejam a segurança das pessoas e da comunidade em geral e até do direito de propriedade, todos com indiscutível relevo e tutela constitucional (cf. artigos 24.º, 25.º, 27.º e 61.º).
É claro que o tipo legal de crime, aqui em causa, se configura como um crime de perigo comum (abstracto) e não como um crime de dano. O desvalor da acção respeita ao perigo, representado como uma adequada possibilidade de poder sobrevir, associada à acção, a lesão dos referidos bens jurídicos.
A propósito do artigo 275.º do Código Penal, que acautelava, anteriormente, os bens jurídico-criminais, cuja protecção é agora levada a cabo pelo artigo 86.º da Lei 5/2006, escreve Paula Ribeiro de Faria (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, p.891):
"Com este tipo legal o legislador pretendeu evitar toda a actividade idónea a perturbar a convivência social pacífica e garantir através da punição destes comportamentos potencialmente perigosos, a defesa da ordem e segurança pública contra o cometimento de crimes, em particular contra a vida e a integridade física (cf. Trabucchi, Comentario breve al Códice Penale 695; Antolisei 112; Carlo Mosca, EncG, Armi II Armi e Munizione - Dir. Pen. 1). O bem jurídico protegido é por conseguinte a segurança da comunidade face aos riscos (em última instância para bens jurídicos individuais), da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas. Aprofundadas investigações sobre a matéria elaboradas com base em dados estatísticos têm comprovado que existe uma relação directa entre as manifestações de violência criminal (política ou comum), e a detenção incontrolada de armas e explosivos, enquanto que a intervenção legislativa, administrativa, e penal, respeitando embora os direitos e garantias constitucionalmente consagrados, se revelou de particular eficácia na contenção deste fenómeno".
É evidente que, estando-se perante um tipo de crime de perigo comum, não se apresenta como sendo de solução fácil, para o legislador, a determinação do ponto de equilíbrio entre o desvalor ou gravidade da acção a se e a pena, pois aquele, desligado do valor do resultado, pode apresentar-se como sendo, "em geral, de pequena monta" (Manuel Lopes Rocha, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, p. 371).
Foi, aliás, a visão da questão, por este ângulo, que justificou a leitura feita pela decisão recorrida, quando nota que "no conceito jurídico usado pela lei de engenho explosivo cabem, sem dúvida, engenhos extremamente perigosos e com capacidade agressiva muito elevada, que justificariam a moldura penal em questão e o seu limite mínimo, mas cabem, também, engenhos de capacidade agressiva baixa ou insignificante" e que "a concretização do dano que inspira esta tutela penal ao nível do mero perigo, de uma forma apta a maximizar as consequência das capacidades lesionais do engenho em questão, leva a um sancionamento consideravelmente inferior ao que é aplicável à mera detenção do engenho".
Todavia, já o desvalor do resultado, adequadamente associado ao perigo corporizado nas acções consideradas ilícitas, pode atingir dimensões, verdadeiramente, catastróficas e a reclamar, por isso, a previsão de uma pena que cumpra, eficazmente, a função de prevenção geral, de dissuasão de tais condutas.
É, de resto, essa dificuldade que explica a revogação daquele artigo 275.º do Código Penal, que foi levada a cabo pelo artigo 118.º, alínea o), da referida Lei 5/2006.
Na verdade, tal preceito era objecto de forte crítica social, por a pena nele prevista ser considerada como branda, até em face da crescente gravidade e da frequência que as condutas tipificadas tinham vindo a adquirir, tendo o legislador acabado por encontrar o ponto de convergência dentro de uma moldura penal mais dura.
Pese, embora, a dificuldade, ela poderá, todavia, ser resolvida, quer através da amplitude dada à moldura penal, quer através da previsão de instrumentos legais de adequação da pena às específicas circunstâncias do caso concreto de que o juiz possa lançar mão.
Ora, na situação em apreço, essa moldura é suficientemente elástica para permitir a adequação da pena em face das específicas circunstâncias do caso, pois varia entre 2 e 8 anos de prisão.
Por outro lado, ainda, mesmo relativamente a este limite mínimo de pena, pode ocorrer a aplicação dos mecanismos previstos no Código Penal, no que respeita à atenuação especial da pena (artigo 72.º), à suspensão de pena (artigo 50.º) e à substituição da pena de prisão por multa ou por outra pena não privativa da liberdade (art. 43.º) etc., havendo, assim, a possibilidade de, através desses modos, ser a pena ajustada, entre o mais, à concreta gravidade do ilícito penal imputado ao arguido e ao grau da sua culpa.
Assim sendo, não pode considerar-se, manifestamente, desproporcionada a restrição ao direito fundamental da liberdade a cominação da pena estabelecida na norma criminal aqui impugnada, em termos de o Tribunal Constitucional a poder censurar.
A haver, porém, algumas dúvidas sobre a bondade do ponto de equilíbrio achado pela lei, elas não poderão deixar de ser resolvidas em favor do critério seguido pelo legislador.
Temos, portanto, de concluir que o recurso merece provimento.
C - Decisão
6 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 86.º, n.º 1, alínea a), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão recorrida, em função do precedente juízo efectuado sobre a questão de constitucionalidade.
Sem custas.
1 J.J Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, p. 393.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2008. - Benjamim Rodrigues - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.