de 21 de agosto
A Lei 12/93, de 22 de abril, alterada pelas Leis 22/2007, de 29 de junho e 36/2013, de 12 de junho, que estabelece o regime dos atos que tenham por objeto a dádiva ou colheita de órgãos, tecidos e células de origem humana, para fins terapêuticos ou de transplante, bem como às próprias intervenções de transplante, prevê o direito do dador a ser indemnizado pelos danos sofridos no decurso do processo de dádiva e colheita, independentemente de culpa.
A Lei 36/2013, de 12 de junho, alterada pela Lei 2/2015, de 8 de janeiro, que aprovou o regime de garantia de qualidade e segurança dos órgãos de origem humana destinados a transplantação no corpo humano, prevê no n.º 4 do artigo 4.º que o dador vivo tem sempre direito a ser indemnizado pelos danos decorrentes do processo de dádiva e colheita, independentemente de culpa, nos termos do artigo 9.º da referida Lei 12/93, de 22 de abril.
De acordo com o n.º 3 do artigo 9.º da Lei 12/93, de 22 de abril, alterada pelas Leis 22/2007, de 29 de junho e 36/2013, de 12 de junho, cabe aos estabelecimentos onde se realizam atos de dádiva e colheita em vida assegurar este direito.
A dádiva e a colheita de órgãos em vida para fins de transplante é um procedimento comum, cuja seleção de dadores vivos obedece a regras rigorosas de avaliação. Existem, no entanto, riscos associados à dádiva e colheita de órgãos em vida, os quais justificam um regime de proteção do dador vivo que permita, aos dadores vivos e às unidades de colheita e transplantação, dispor da garantia de que os danos relacionados com a dádiva e colheita de um órgão são compensados.
O presente decreto-lei estabelece por isso o regime de proteção do dador vivo de órgãos, em caso de morte, de invalidez definitiva, independentemente do grau, ou internamento decorrente de complicações do processo de dádiva e colheita.
Assim, entendeu-se que a forma mais adequada de assegurar a proteção do dador vivo seria garantir-lhe um conjunto de prestações em caso de morte, invalidez definitiva ou de internamento hospitalar decorrente de complicações do processo de dádiva e colheita, sem prejuízo das demais prestações a que tenha direito nos termos da legislação aplicável. De igual modo, é criado o seguro de vida obrigatório do dador vivo de órgãos, que os estabelecimentos hospitalares responsáveis pelas referidas prestações devem celebrar para garantia das mesmas.
De forma a evitar a duplicação da obrigação de seguros que decorreria da previsão, em simultâneo, da obrigatoriedade de um seguro de responsabilidade civil e de um seguro de vida, procede-se à revogação do n.º 4 do artigo 9.º da Lei 12/93, de 22 de abril, alterada pelas Leis 22/2007, de 29 de junho e 36/2013, de 12 de junho.
Foram ouvidas a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e a Associação Portuguesa de Seguradores.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei estabelece o regime de proteção do dador vivo de órgãos, em caso de morte, de invalidez definitiva, independentemente do grau, ou internamento decorrente de complicações do processo de dádiva e colheita, sem prejuízo das demais prestações em espécie e outras a que o dador vivo tenha direito nos termos da legislação aplicável.
Artigo 2.º
Âmbito
O regime de proteção do dador vivo de órgãos aplica-se a dádivas e colheitas ocorridas no território nacional.
Artigo 3.º
Definições
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
a) «Beneficiários», as pessoas a favor de quem revertem as prestações garantidas pelo presente decreto-lei, correspondendo, em caso de invalidez definitiva ou internamento decorrente de complicações do processo de dádiva e colheita, ao próprio dador e, em caso de morte, aos seus herdeiros legais, ou outras pessoas que tenham sido especificamente designadas no contrato de seguro, quando aplicável;
b) «Colheita», o processo por meio do qual os órgãos doados são disponibilizados;
c) «Complicações do processo de dádiva e colheita», toda a reação e evento adverso com relação temporal e causal com o processo de dádiva e colheita de órgãos;
d) «Dádiva», a doação de órgãos para transplantação;
e) «Invalidez definitiva», a situação física irreversível, que determine perda ou redução da capacidade de exercício da atividade habitual do dador vivo, aferida e declarada pela junta médica a que se refere o artigo 11.º, de acordo com a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23 de outubro;
f) «Órgão», uma parte diferenciada do corpo humano, constituída por vários tecidos, que mantém, de modo significativamente autónomo, a sua estrutura, vascularização e capacidade de desenvolver funções fisiológicas, incluindo as partes de órgãos que tenham como função ser utilizadas para servir o mesmo objetivo que o órgão inteiro no corpo humano, mantendo as condições de estrutura e vascularização;
g) «Estabelecimento hospitalar», o estabelecimento devidamente autorizado onde é realizada a atividade de dádiva e colheita de órgãos de origem humana para fins de transplantação.
Artigo 4.º
Prestações garantidas
1 - Ao dador de um órgão são garantidas, nas condições, no período e nos montantes constantes do presente decreto-lei, as seguintes prestações:
a) Um subsídio diário por internamento, em caso de complicações do processo de dádiva e colheita;
b) Um capital, em caso de invalidez definitiva ou morte decorrente do processo de dádiva e colheita.
2 - O direito às prestações previstas no número anterior adquire-se com a ocorrência dos eventos em causa, quando sejam declarados como consequência direta do processo de dádiva e colheita pela junta médica a que se refere o artigo 11.º
Artigo 5.º
Exclusão do direito às prestações
As prestações garantidas não são devidas quando:
a) A morte, a invalidez ou as complicações resultem de:
i) Prestação de informações falsas pelo dador no âmbito da respetiva avaliação;
ii) Taxa de alcoolemia superior a 0,5 g/l ou influência de estupefacientes e medicamentos fora da prescrição médica, substâncias psicotrópicas ou produtos de efeito análogo por parte do dador;
iii) Ações ou omissões cometidas dolosamente pelo dador sobre si próprio ou cometidas, por este, em violação das regras e prescrições da equipa médica da unidade de colheita;
iv) Acidente que deva ser garantido por seguro obrigatório, designadamente de acidentes de trabalho ou de responsabilidade civil automóvel;
v) Perturbações exclusivamente do foro psíquico;
b) A morte resulte de ações praticadas pelo beneficiário das prestações sobre o dador.
Artigo 6.º
Internamento hospitalar
Em caso de internamento hospitalar decorrente de complicações do processo de dádiva e colheita, e caso o dador não beneficie do sistema de proteção na doença da segurança social, tem direito a um subsídio diário de (euro) 25,00, com o limite máximo de (euro) 1 500,00.
Artigo 7.º
Invalidez definitiva ou morte
1 - O capital devido em caso de invalidez definitiva ou morte do dador é de (euro) 200 000,00.
2 - Em caso de invalidez definitiva parcial, o dador tem direito à percentagem do capital referido no número anterior correspondente ao respetivo grau de invalidez.
3 - O grau de invalidez atribuído ao dador em virtude da própria doação do órgão não é considerado para efeitos de cálculo da invalidez definitiva.
4 - Em caso de morte ou revisão do grau de invalidez, ocorridas no período referido no artigo seguinte e subsequentes a uma declaração de invalidez, ao capital devido são deduzidas as prestações já pagas ao dador.
Artigo 8.º
Início e duração da garantia
1 - A garantia das prestações inicia-se no dia do internamento do dador para realização da colheita e termina cinco anos após a colheita.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o potencial dador tem ainda direito às prestações garantidas caso os eventos previstos ocorram durante ou na sequência direta da realização dos meios de diagnóstico invasivos necessários à sua avaliação como dador.
Artigo 9.º
Garantia das prestações
1 - As prestações garantidas são da responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares onde se realizam os atos de dádiva e colheita de órgãos em vida.
2 - Para garantia das prestações é obrigatória a celebração e manutenção em vigor pelos estabelecimentos referidos no número anterior de um contrato de seguro de vida, com as coberturas, condições e montantes previstos no presente decreto-lei, que cubra os respetivos riscos no mínimo até um ano após a realização da colheita.
3 - Os estabelecimentos hospitalares enviam ao Instituto Português do Sangue e da Transplantação, I. P., o comprovativo da realização do seguro referido no número anterior.
Artigo 10.º
Participação do evento
1 - A participação dos eventos suscetíveis de determinar a atribuição das prestações garantidas deve ser feita no prazo máximo de oito dias úteis após a sua ocorrência, salvo nas situações em que justificadamente o dador ou os seus beneficiários se encontrem impossibilitados de o fazer, caso em que o referido prazo se conta a partir do momento em que cessar a causa que determinou a impossibilidade.
2 - A participação é apresentada ao respetivo estabelecimento hospitalar, que a remete à empresa de seguros no prazo máximo de oito dias úteis, ou diretamente à empresa de seguros pelo próprio dador ou pelos seus beneficiários.
Artigo 11.º
Junta médica
1 - A verificação dos eventos suscetíveis de acionar a garantia das prestações fica sujeita a declaração de uma junta médica constituída por:
a) Um representante médico, a designar pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P.;
b) Um representante médico, a designar pelo estabelecimento hospitalar onde for realizado o ato de dádiva e colheita;
c) Um representante médico, a designar pela empresa de seguros, caso a prestação seja garantida por contrato de seguro;
d) Um representante médico do beneficiário, se este o entender designar.
2 - Para efeitos de determinação do grau de invalidez é aplicável a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23 de outubro.
3 - A organização e o funcionamento da junta médica são definidos em regulamento a aprovar pelo conselho diretivo do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, I. P..
Artigo 12.º
Regime transitório
1 - Os dadores que tenham concluído o processo de dádiva e colheita antes da entrada em vigor do presente decreto-lei beneficiam das prestações garantidas até ao termo do prazo referido no n.º 1 do artigo 8.º, o qual se conta desde a data da realização da colheita.
2 - Os estabelecimentos hospitalares onde se realizou o ato de dádiva e colheita asseguram as prestações garantidas.
Artigo 13.º
Norma revogatória
É revogado o n.º 4 do artigo 9.º da Lei 12/93, de 22 de abril, alterada pelas Leis 22/2007, de 29 de junho e 36/2013, de 12 de junho.
Artigo 14.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no prazo de 120 dias após a data da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 30 de julho de 2015. - Pedro Passos Coelho - Maria Luís Casanova Morgado Dias de Albuquerque - António Manuel Coelho da Costa Moura - Paulo José de Ribeiro Moita de Macedo.
Promulgado em 12 de agosto de 2015.
Publique-se.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 17 de agosto de 2015.
Pelo Primeiro-Ministro, Paulo Sacadura Cabral Portas, Vice-Primeiro-Ministro.