Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/98
Se é certo que a história de inúmeros povos e até parte da sua prosperidade, em diversos momentos, aparece ligada às actividades marítimas, não sendo a menor delas a que se prende com o exercício da pesca - e Portugal não foi excepção -, com não menos verdade se observa que, ao longo do tempo, a classe piscatória foi, com frequência, classificada entre os escalões inferiores da estrutura social.
As comunidades de pescadores, ou de gentes que ocupavam parte do seu tempo na exploração dos recursos do mar, estiveram na origem das antigas póvoas marítimas, que gradualmente se foram estendendo por todo o litoral, assegurando, quantas vezes, os primeiros passos na ocupação de novas terras.
Apesar de protagonistas que foram e ainda são, por inteiro, de uma das actividades mais duras e perigosas desenvolvidas no decurso da longa história da humanidade, os pescadores raramente viram devidamente reconhecidos os seus direitos e importância na sociedade, direitos e estatuto que, com toda a legitimidade, sempre poderiam reivindicar.
Se no passado e por largo tempo o pescador teve de ultrapassar as maiores dificuldades, por insuficiência de conhecimento e da tecnologia disponível, para assegurar a sua sobrevivência e garantir o ganho indispensável para si e sua família, também muitos dos profissionais dos dias de hoje, ainda que com melhores meios à sua disposição na maior parte dos casos, não deixam de se confrontar no dia-a-dia com os problemas que uma actividade de risco tem forçosamente de implicar, motivos estes mais do que suficientes para que, justificadamente, mereçam o reconhecimento público da importância desta profissão na sociedade portuguesa a todos os níveis e em todas as épocas.
O XIII Governo Constitucional, plenamente consciente da complexa situação que hoje se vive a todos os níveis - mundial, comunitário e nacional -, que prefigura crescentes dificuldades tanto no acesso a pesqueiros como em quebras de captura global, com problemas agravados para quem faz da pesca o seu modus vivendi, assumiu no seu Programa a disposição de tudo fazer para que o sector conheça um novo fôlego, encarando o futuro com mais esperança e um sentimento de maior estabilidade.
Com a publicação da Lei 15/97, de 31 de Maio, deu-se um primeiro passo histórico ao romper com os estrangulamentos de uma tradição cruel que se perde num passado longínquo avançando-se com o enquadramento do trabalho a bordo das embarcações de pesca num regime jurídico reconhecedor de direitos, e não só deveres, regime este que, tendo em conta a heterogeneidade e as especificidades do sector, permitirá no futuro abranger, pouco a pouco, todos os trabalhadores afectos à actividade piscatória.
Reconheceu-se, deste modo, algo que, no direito interno de muitos Estados costeiros, será ainda inusitado neste domínio, ou seja, a paridade que deve existir com os demais trabalhadores, buscando-se, em todas as circunstâncias, atingir um equilíbrio mais justo entre os vários sectores do trabalho subordinado - razão suficiente para que o Comité Paritário (DG V) da União Europeia tivesse entendido considerar aquela lei suficientemente importante para servir de base de discussão no Grupo de Trabalho de Harmonização Social.
Deste modo, os pescadores portugueses e os seus sindicatos acabaram por encontrar eco nas reivindicações que há muito eram alimentadas pelos elementos mais esclarecidos das suas comunidades, reivindicações que, mesmo que elementares, nunca tinham sido reconhecidas, tais como o direito a um descanso mínimo diário (indispensável numa profissão com um grau de risco como a pesca), o estabelecimento legal de um dia de descanso semanal, o direito ao gozo de um período de férias de 22 dias úteis e de feriados, medidas especiais destinadas aos mais jovens e outras nunca antes obtidas.
Subsequentemente, em 4 de Fevereiro do corrente ano, através do Decreto Regulamentar 2/98, que alterou o artigo 10.º do Decreto Regulamentar 40/86, de 12 de Setembro, reconheceu-se que «os titulares de pensões de velhice calculadas ou recalculadas ao abrigo deste diploma perdem o direito às referidas prestações nos casos em que mantenham o exercício de actividade no mar a bordo de embarcações de pesca como inscritos marítimos e enquanto durar a mesma actividade», sublinhando mais uma vez que o direito da pensão antecipada dos pescadores se funda na penosidade e no desgaste prematuro provocados pelo exercício a bordo de embarcações de pesca, sendo estas as condicionantes que justificam a adopção de medidas mais favoráveis do que as que vigoram no regime geral da segurança social.
Recentemente, o Governo pediu à Assembleia da República autorização para lhe permitir alterar o regime de contra-ordenações em matéria de pesca marítima e culturas marinhas, por forma a modificar todo o quadro legal do exercício da pesca e salvaguardar entre outros aspectos a recuperação dos recursos piscatórios, sem os quais não é possível assegurar a perenidade e continuidade do sector nem garantir que a actividade desenvolvida pelos pescadores de hoje não comprometará o futuro dos pescadores de amanhã.
No futuro diploma serão enquadradas as perspectivas e filosofias que vêm sendo explanadas, quer na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, de Dezembro de 1982, quer ainda, na sequência do relatório da Comissão Brundtland e das Conferências de Cancún e do Rio de Janeiro, no Código de Conduta para Uma Pesca Responsável, aprovado na sequência de todo um trabalho desenvolvido no âmbito da Comissão das Pescas da FAO.
A situação que, desde há cerca de três décadas, se vive um pouco por todo o mundo obriga a que as gerações de hoje sintam preocupações acrescidas no que ao futuro da pesca e dos pescadores diz respeito, implicando isso uma séria responsabilidade para todos quantos sejam intervenientes ou beneficiários no sector, não se perdendo de vista que há sempre que ter em devida conta o muito difícil equilíbrio entre os interesses legítimos das populações ou comunidades piscatórias, tanto das gerações actuais como vindouras, com relevo para as mais dependentes, que vivem em regiões onde as alternativas são escassas, e sabendo-se quanto é indispensável salvaguardar a continuidade num sector primordial da actividade económica.
É neste contexto que, por iniciativa de Portugal, o ano de 1998 foi declarado, pelas Nações Unidas, Ano Internacional dos Oceanos, tendo por objectivo principal consciencializar a opinião pública quanto à importância dos oceanos para o futuro da humanidade.
É ainda neste contexto, em que também se coloca a necessidade de, colectivamente, empreendermos um esforço no sentido de uma abertura a novas perspectivas no nosso relacionamento com os mares e o seu enorme potencial para o futuro, que urge reconhecer a inequívoca importância do papel desempenhado pelos pescadores portugueses e o contributo decisivo que eles souberam dar para a evolução do nosso país.
Em diversas cidades e vilas do litoral português, é de tradição homenagear, localmente, os pescadores e as suas comunidades, não havendo coincidência, por via de regra, nessas celebrações, por elas coincidirem com festejos de carácter religioso.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu:
Instituir o Dia do Pescador no dia 31 de Maio.
Presidência do Conselho de Ministros, 23 de Julho de 1998. - O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.