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Acórdão 3/98, de 12 de Maio

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Sumário

A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a inteção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do nº 1 do artigo 323º do Código Civil. (Processo nº 519/97 - 1ª secção)

Texto do documento

Acórdão 3/98
Processo 519/97 - 1.ª Secção. - Acordam no plenário das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

I - 1 - Alberto Pancrácio Lopes intentou a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra STEER - Shipmanegement Services, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 11908528$00, acrescida de juros de mora desde 24 de Novembro de 1993, como indemnização dos danos resultantes de abalroação do navio do autor.

A ré invocou na contestação a excepção de prescrição do direito de indemnização.

No despacho saneador julgou-se procedente a excepção de prescrição, absolvendo-se a ré do pedido, com o fundamento de a notificação judicial avulsa carecer de idoneidade para interromper a prescrição.

2 - O autor apelou. A Relação de Lisboa, por Acórdão de 20 de Fevereiro de 1997, deu provimento ao recurso, julgando improcedente a excepção da prescrição e ordenando o prosseguimento da acção, por atribuir à notificação judicial avulsa efeito interruptivo da prescrição.

3 - A ré pede revista - revogação do acórdão recorrido e procedência da excepção de prescrição - com base, em resumo, nas seguintes conclusões:

A acção foi intentada em 24 de Novembro de 1993, no próprio dia em que expirava o prazo prescricional aplicável, tendo a recorrente sido citada já depois de ocorrida a prescrição;

Está em causa a norma de um tratado internacional de que Portugal é parte contratante;

A notificação judicial avulsa não constitui processo judicial, pelo que, em consequência, nela não se pode encontrar suporte para fundamentar o exercício de direitos, esse que só pode fazer-se através de acções judiciais;

Foi violado o disposto nos artigos 323.º do Código Civil, 7.º da Convenção de Bruxelas de 23 de Setembro de 1910, 8.º, n.º 2, da Constituição e 84.º, 261.º e 262.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

4 - O autor/recorrido não apresentou contra-alegações.
5 - Por sugestão do Exmo. Colega Dr. Martins da Costa, relator então, o Exmo. Presidente deste Supremo Tribunal determinou o julgamento ampliado da revista, nos termos do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, para uniformização de jurisprudência quanto ao efeito da notificação judicial avulsa na interrupção da prescrição.

6 - O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser uniformizada a seguinte jurisprudência:

«A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um determinado direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito.»

II - Elementos a tomar em conta:
1) O abalroamento em causa ocorreu em 24 de Janeiro de 1991, no posto de Lisboa, entre os navios Cidade do Funchal e Vilma;

2) O navio Vilma, pertencente ao autor, tem bandeira da República de Cabo Verde;

3) A presente acção foi proposta em 29 de Setembro de 1994;
4) Em 24 de Novembro de 1993, o autor havia demandado a mesma ré e em acção onde esta foi citada em 22 de Fevereiro 1994 e que findou com a sua absolvição da instância;

5) O autor requereu a notificação judicial avulsa da lei em 29 de Novembro de 1993, tendo esta sido notificada no dia 24 do mesmo mês;

6) No requerimento para essa notificação o autor descreveu os factos e requereu a notificação judicial avulsa da ré para pagar ao autor a quantia total de 11900248$00, acrescida dos correspondentes juros de mora, assim «acautelando a eventual prescrição do direito à indemnização que [...] pretende fazer valer, pela via judicial», tendo a notificação sido feita nos termos requeridos.

III - 1 - Questão a apreciar e a decidir no presente é a de saber se a notificação judicial avulsa da ré (em que formula pedido idêntico ao da acção e se manifesta a intenção de o fazer valer por via judicial) releva como causa interruptiva do prazo de prescrição que é de dois anos a contar do evento, por aplicação do artigo 7.º da Convenção de Bruxelas de 23 de Setembro de 1990, conforme decidido no processo, sem impugnação.

Abordemos tal questão.
IV - 2 - A questão encontrará a sua solução no alcance das normas ínsitas no artigo 323.º do Código Civil, que prescreve:

«1 - A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

...
4 - É equiparado à citação ou notificação para efeitos deste artigo qualquer meio judicial pelo qual se dá conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.»

3 - A doutrina que se conhece é no sentido de a notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito ser meio adequado à interrupção da prescrição desse direito (Dias Marques, Código Civil ..., 2.ª ed., 1968, p. 88; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª ed., pp. 258 e segs.), sendo certo que a mesma se apresenta sem demonstração da afirmação, salvo Castro Mendes, que, apoiando-se no elemento histórico de interpretação do artigo 323.º (anteprojecto inicial do Prof. Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 107, pp. 294 e 295, e primeira revisão ministerial, Código Civil, livro I, «Parte geral», Lisboa, 1961, artigo 284., p. 127), sustenta que, «com a segunda revisão ministerial, quebra-se o tipo de redacção dividido em alíneas e inicia-se aquele que consta agora do artigo 323.º do actual Código Civil. Aliás, o texto do artigo 323.º na segunda revisão ministerial, é ipsis verbis igual ao do artigo 323.º no 'projecto do Código Civil' e no Código em vigor. A expressão 'seja qual for o processo a que o acto pertence' tem de novo intenção expansiva e não restritiva: não se trata de limitar o domínio do processo em sentido restrito, mas de marcar bem que, tratando-se de notificação judicial, ele é relevante omnibus casis» (ob cit., pp. 261 e 262).

4 - A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça encontra-se dividida em torno do problema de saber se o artigo 323.º do Código Civil admite ou não a notificação judicial avulsa como meio de interromper o prazo prescricional.

Uma (a minoritária, a constante do Acórdão de 12 de Março de 1996, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 455, p. 441) entende que a notificação judicial avulsa não é meio adequado à interrupção da prescrição com base na seguinte argumentação:

São requisitos cumulativos do meio de interrupção da prescrição do n.º 1 do artigo 323.º a prática de «acto», num processo de qualquer natureza; ser esse acto adequado a exprimir a intenção de exercício do direito pelo seu titular; e a comunicação ao devedor do mesmo acto por citação ou notificação judicial;

O n.º 4 do artigo 323.º apenas tem de especial, no confronto com o seu n.º 1, a substituição da «citação ou notificação judicial» por «qualquer outro meio judicial», subsistindo os demais requisitos do n.º 1, com a prática de acto num processo e a intenção, por ele revelada, de exercício do direito;

Ora, a notificação judicial avulsa não dá lugar à organização de qualquer processo, em sentido próprio, pois «toda a actividade que se exerce é conducente à notificação», a qual consiste num «simples aviso», e se se emprega a forma judicial é porque dá mais garantias de certeza (A. Reis, Comentário..., vols. I, p. 238, e II, p. 589) pelo que esse meio através do qual se comunica ao devedor a intenção de exercer o direito não se traduz na prática de um acto judicial com algum processo, mas naquela simples comunicação com valor idêntico à que poderia ser feita por via extrajudicial;

A notificação judicial avulsa corresponderia ao protesto judicial previsto no Código Civil de 1867 e a nova lei não contém qualquer preceito que lhe possa corresponder, pelo que é de presumir que o legislador não quis manter tal solução, para além desta ser afastada pela letra do citado artigo 323.º;

Confrontando-se os trabalhos preparatórios (Vaz Serra, Boletim, n.º 106, p. 213, e 107, p. 295) com o que a lei veio estabelecer, verifica-se, além do mais, não se ter aceitado a relevância do acto praticado fora de algum processo, como seria o caso da notificação judicial avulsa, o que mostra não ter sido esta admitida pelo legislador como meio de interrupção da prescrição.

Outra (a maioritária, a constante dos Acórdãos de 2 de Abril de 1992, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 416, p. 558, de 20 de Abril de 1994, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 436, p. 299, e de 24 de Novembro de 1994, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, t. III, p. 160) entende que a notificação judicial avulsa é meio adequado à interrupção da prescrição com base na seguinte argumentação:

Embora a letra do n.º 1 do artigo 323.º possa legitimar o entendimento de que a citação, como a notificação, têm de ser realizadas num processo pendente em juízo (não emergindo a notificação judicial - como a própria designação indica de qualquer processo judicial), a verdade é que o n.º 4 do mesmo preceito equipara a citação ou notificação, para efeitos deste artigo, a «qualquer outro meio judicial» pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido;

Assim, ainda que o n.º 1 daquele preceito, artigo 323.º, exclua a notificação avulsa, este «meio judicial» encontra-se abrangido no seu n.º 4;

O efeito interruptivo de uma citação ou notificação baseia-se em que, a partir dela, o devedor fica a ter conhecimento do exercício judicial do direito pelo respectivo titular;

Mas sendo assim, justifica-se que se atribua o mesmo efeito a uma notificação avulsa ou a qualquer outro meio judicial pelo qual se dá conhecimento do exercício judicial do direito.

5 - Entre as duas correntes deste Supremo Tribunal de Justiça, temos a maioritária como a mais conforme com o resultado da interpretação do artigo 323.º, n.os 1 e 4, do Código Civil.

6 - Para se desvendar o verdadeiro sentido e o alcance da lei, o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil acentua a distinção entre o «texto» ou «a letra da lei» e os elementos não textuais da interpretação, nomeadamente o enquadramento sistemático resultante da consideração da «unidade do sistema jurídico», «as circunstâncias em que a lei foi elaborada» e ainda «as condições específicas do tempo em que é aplicada» (Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, p. 275).

A reconstituição do pensamento legislativo em função da «unidade do sistema jurídico» leva a que se tomem em conta diversos elementos, que a doutrina tradicional indica como sendo três: o racional, o sistemático e o histórico.

Para interpretar as normas transcritas parece-nos bastante socorrermo-nos do elemento histórico: os textos que directamente ou indirectamente serviram de modelo ao legislador (fontes de lei) e as publicações onde se documenta a elaboração da lei (trabalhos preparatórios).

6.a) Vaz Serra, ao analisar as causas interruptivas por acto do titular do direito no Código de Seabra - artigo 552.º, n.os 2 e 3 -, com vista à elaboração do respectivo articulado (artigo 24.º do anteprojecto Boletim do Ministério da Justiça, n.º 107, p. 294), fez reparos e acrescentos que se sintetizam:

a) Não parece de exigir, para que a citação judicial interrompa a prescrição, que a acção seja uma acção de condenação, pois, ainda que se trate de acção de declaração ou apreciação, de conservação ou executiva, a razão é a mesma;

b) Os pedidos feitos no curso de um processo parece deverem ter também efeito interruptivo, embora não haja citação, propriamente dita, da outra parte. Trata-se de actos de exercício do direito, realizados judicialmente, e de que à parte contrária é dado conhecimento: o efeito interruptivo teria lugar quando essa outra parte tem ou deve ter conhecimento oficial do exercício do direito. Tais são, por exemplo, o pedido reconvencional, o pedido de intervenção na causa, o chamamento de garantes ao processo, a reclamação de créditos na execução, na falência ou na insolvência e o exercício de compensação no processo;

c) Não parece de exigir que o arresto ou outra medida cautelar sejam seguidos de uma acção, uma vez que o simples acto de constituição do devedor em mora interrompe a prescrição;

d) No caso de protesto judicial (Código Civil, artigo 552.º, n.º 3; Código de Processo Civil, artigos 455.º e 261.º), o efeito interruptivo produz-se quando à outra parte se dá conhecimento do protesto (notificação) («Prescrição extintiva e caducidade», Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, pp. 189, 205, 206 e 207).

6.b) Com base na análise do artigo 552.º, n.os 2 e 3, do Código de Seabra, dos reparos e acrescentos referidos, Vaz Serra formulou o artigo 24.º do seu anteprojecto, que, na parte em causa, se transcreve:

«1.º A prescrição interrompe-se:
1) Pela citação ou notificação judicial do acto com que se inicia em processo de condenação, de apreciação, conservatório, executivo ou de conciliação, que traduza exercício do direito;

2) Pela notificação judicial, ou circunstância equiparada, dos actos de exercício do direito praticados no decurso de um dos processos mencionados no número anterior.»

6.b) Enquanto o n.º 2 do artigo 24.º abarcava os casos constantes dos reparos de Vaz Serra referidos na alínea b), o n.º 1 abarcava os demais casos referidos nos reparos e acrescentos feitos por Vaz Serra ao artigo 552.º, n.os 2 e 3, do Código de Seabra: os casos de citação ou notificação judicial em qualquer acção, no arresto e noutros processos cautelares e no protesto.

O n.º 1 do artigo 24.º não podia deixar de ter a abrangência indicada, na medida em que não afastava como causa interruptiva quer o protesto - previsto, então, no artigo 455.º do Código de Processo Civil - quer o arresto e outros processos cautelares, sendo justificativo de tal abrangência o carácter exemplificativo do reparo referido na alínea a): «não parece de exigir, para que a citação judicial interrompa a prescrição, que a acção seja uma acção de condenação, pois, ainda que se trate de acção de declaração ou de apreciação, de conservação ou executiva, a razão é a mesma»; «a exigência da citação judicial da outra parte destina-se a dar-lhe conhecimento do exercício judicial do direito pelo titular, por não ser razoável que essa outra parte que acaso contava com a prescrição, tenha de se sujeitar à interrupção, sem seu reconhecimento» (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, p. 189).

6.c) A abrangência dada ao n.º 1 do artigo 24.º do anteprojecto de Vaz Serra passou para a primeira revisão ministerial (o artigo 284.º diz que a prescrição se interrompe com a citação ou notificação judicial do acto em qualquer processo), sendo certo que essa abrangência se tornou mais expressiva com a substituição do termo «processo» pela expressão «qualquer processo».

6.d) A segunda revisão ministerial (a corresponder à redacção definitiva do artigo 323.º) reforça esta abrangência ao substituir a expressão «qualquer processo» por «seja qual for o processo».

6.e) A substituição da palavra «processo» pelas expressões «qualquer processo» no decurso dos trabalhos preparatórios e a «adopção» desta última expressão no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil vem a significar que o legislador adoptou um conceito amplo de «processo» (uma «intenção expansiva», no dizer correcto de Castro Mendes, ob. cit., pp. 261 e 262), a abarcar as acções classificadas no artigo 4.º do Código de Processo Civil de 1961 e os procedimentos definidos no artigo 2.º do mesmo Código (disposições em vigor à entrada em vigor do Código Civil de 1966).

O Código de Processo Civil conhecia como procedimentos os procedimentos cautelares (artigos 381.º a 427.º), as cauções (artigos 428.º a 443.º), os depósitos (artigos 444.º e 445.º), os protestos (artigo 446.º) e as notificações judiciais avulsas (artigos 261.º e 262.º).

7 - A notificação judicial avulsa é um procedimento, tal como estava definido no artigo 2.º do Código de Processo Civil de 1961 (e continua ainda a estar artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil de 1995); é integrada por uma sucessão de actos jurídicos praticados em juízo, para realização desse negócio jurídico unilateral que é a interrupção da prescrição.

7.a) A notificação judicial avulsa inicia-se com um acto da parte, o respectivo requerimento. Segue-se o acto da secretaria de apresentação do requerimento ao juiz. A seguir, por um acto judicial, um despacho, defere ou indefere o requerido, devendo a decisão, em especial a de indeferimento, ser fundamentada. No caso de deferir a notificação, não há oposição, mas o notificado pode arguir a nulidade da notificação - v., neste sentido, A. dos Reis, que expressivamente diz: «Isso (a oposição à notificação) é que o notificado não pode fazer no processo [sublinhado nosso] de notificação; mas pode reclamar contra qualquer nulidade, se porventura a notificação foi feita com inobservância das formalidades legais.» (Comentário ..., vol. II, p. 743.)

7.b) No caso de indeferimento, cabe recurso para a relação, limitado a um grau, sendo certo que o acórdão da relação pode ser, como qualquer acórdão, objecto de pedido de aclaração ou alvo de arguição de nulidades (artigos 262.º, n.º 2, e 716.º do Código de Processo Civil).

Com a decisão definitiva que ordena a notificação requerida encerra-se a fase declarativa do procedimento, seguindo-se a fase executiva, que é a notificação propriamente dita, submetida a determinado ritualismo, incluindo a entrega de duplicado do requerimento e dos documentos que para o efeito o acompanham.

Depois da notificação, segue-se prazo para o notificado arguir nulidades, conforme ensinavam A. Reis, ob. cit., e Rodrigues Bastos, Notas ..., vol. I, p. 485.

Necessariamente, a notificação judicial avulsa encontra-se abrangida pela expressão «seja qual for o processo a que o acto pertence», empregue no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.

V - Pelo exposto, decide-se, para o efeito de uniformização da jurisprudência:
«A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.»

Em consequência, nega-se a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 26 de Março de 1998. - Miranda Gusmão - Cardona Ferreira - Fernando Fabião - Sousa Inês - Pereira da Graça - Joaquim de Matos - Ribeiro Coelho - Garcia Marques - Lemos Triunfante - Silva Paixão - Lúcio Teixeira (com declaração de voto que junta) - Tomé de Carvalho - Fernandes de Magalhães - Machado Soares - Aragão Seia - Sampaio da Nóvoa - Ferreira Ramos - César Marques - Mário Cancela - Lopes Pinto - Costa Marques - Matos Namora - Roger Lopes (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Colega Martins da Costa) - Costa Soares - Figueiredo de Sousa - Almeida e Silva - Martins da Costa (vencido, nos termos da declaração que junto e que corresponde, no essencial, à fundamentação do projecto que elaborei como relator inicial) - Nascimento Costa - Pais de Sousa (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Martins da Costa).


Declaração de voto
A questão essencial que foi objecto do acórdão recorrido, bem como da sentença da 1.ª instância, e que cabe agora reapreciar, respeita à relevância da notificação judicial avulsa da ré (em que se formula pedido idêntico ao da acção e se manifesta a intenção de o fazer valer por via judicial) como causa de interrupção do prazo de prescrição.

A jurisprudência das relações tem-se pronunciado em sentidos divergentes: entre outros, pela relevância, Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Março de 1974, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 235, p. 337, e Acórdão da Relação do Porto de 19 de Setembro de 1994, na Colectânea de Jurisprudência, XIX, 4.º, p. 245, e, pela irrelevância, Acórdão da Relação de Coimbra de 29 de Abril de 1970, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 196, p. 303, e Acórdão da Relação de Évora de 12 de Janeiro de 1995, na Colectânea de Jurisprudência, XX, 1.º, p. 271.

Neste Tribunal tem prevalecido a solução da suficiência daquela notificação (Acórdãos de 9 de Abril de 1992, de 20 de Abril de 1994 e de 3 de Junho de 1997, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 416, p. 558, e 436, p. 299, e na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, V, 2.º, p. 114, respectivamente), tendo-se decidido em sentido contrário no Acórdão de 12 de Março de 1996, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 455, p. 441.

A posição maioritária, tal como o acórdão recorrido e o parecer do Ministério Público, baseiam-se essencialmente nos elementos fornecidos pela doutrina, no conceito amplo de «processo», no fundamento do efeito interruptivo da citação e no confronto entre os n.os 1 e 4 do artigo 323.º do Código Civil, mas entende-se não ser essa a solução mais rigorosa.

Pelo n.º 1 do citado artigo 323.º, «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente».

São, assim, requisitos cumulativos desse meio de interrupção da prescrição: a prática de «acto», num processo de qualquer natureza; ser esse acto adequado a exprimir a intenção de exercício do direito pelo seu titular, e a comunicação ao devedor do mesmo acto por citação ou notificação judicial.

O meio normal de expressão directa da intenção de exercício do direito é a propositura de acção em que se pede a condenação do devedor no pagamento da prestação ou no reconhecimento do direito ou a formulação do pedido por via reconvencional, e, como meios indirectos, têm sido indicados os de pedido de intervenção do devedor na causa, de chamamento de garantes, de reclamação de créditos em execução ou falência, de exercício da compensação no processo, de dedução de acusação em processo criminal ou de intervenção nesse processo como assistente, pois esses actos «são praticados também com a intenção de exercer» o respectivo direito (cf. Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 103.º, p. 415, e 112.º, p. 290).

Sempre esses actos têm de ser praticados num processo, não bastando o exercício extrajudicial do direito, como a interpelação feita directamente ao devedor, ponto que não tem sido objecto de discussão e não teria sequer um mínimo de correspondência na letra da lei. De resto, não deixa de ser oportuno salientar-se que a interrupção da prescrição não se confunde com a constituição do devedor em mora, a qual pode ter lugar por qualquer meio, designadamente por interpelação extrajudicial (artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil).

Por outro lado, o n.º 4 do citado artigo 323.º, onde se estabelece que «é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido», apenas tem de especial, no confronto com o seu n.º 1, a substituição da «citação ou notificação judicial» por «qualquer outro meio judicial», subsistindo os demais requisitos do n.º 1, como a prática de «acto» num processo e a intenção por ele revelada de exercício do direito.

Em regra, a comunicação dos actos judiciais é feita por citação ou notificação e apenas se pretendeu salientar a equivalência de «qualquer outro meio judicial» ou de «acto equiparado» (artigo 327.º, n.º 1, do citado Código), até porque é à lei processual que cabe definir as formas dessa comunicação.

Assim, a não se admitir a suficiência da notificação judicial avulsa, perante o n.º 1 do artigo 323.º, também ela não poderá admitir-se com base no seu n.º 4.

Ora, essa notificação avulsa não dá lugar à organização de qualquer processo, em sentido próprio, pois «toda a actividade que se exerce é conducente à notificação», a qual consiste num «simples aviso», e, «se se emprega a forma judicial, é porque dá mais garantias de certeza» (A. Reis, Comentário ..., vols. I, p. 238, e II, p. 589), pelo que esse meio através do qual se comunica ao devedor a intenção de exercer o direito não se traduz na prática de acto judicial em algum processo, mas naquela simples comunicação, com valor idêntico à que poderia ser feita por via extrajudicial.

Acresce que, como geralmente se sustenta e se refere mesmo no citado Acórdão deste Tribunal de 20 de Abril de 1994, «o efeito interruptivo da citação baseia-se em que, a partir dela, o devedor fica a ter conhecimento do exercício judicial do direito, pelo credor», mas daqui não pode concluir-se, como por vezes se tem concluído, pela relevância da notificação judicial avulsa da intenção de se pretender exercer o direito por via judicial, uma vez que o devedor, com essa notificação, não fica a ter aquele conhecimento do exercício judicial do direito, mas só da intenção do credor quanto a esse exercício no futuro.

Tal notificação não é, pois, suficiente para o efeito em causa, por não respeitar à prática de um acto, num processo, revelador da intenção de exercício do direito pelo seu titular, mas se traduzir na simples comunicação ao devedor dessa intenção.

A doutrina não assume o relevo que lhe é apontado pelo Ministério Público no sentido da suficiência desta notificação como meio interruptivo da prescrição.

J. Dias Marques (Código Civil «com nótulas [...]», 2.ª ed., de 1968, p. 88) diz apenas, em anotação ao artigo 323.º, que «parece bastar como acto interruptivo a simples notificação judicial avulsa em que o titular do direito manifeste a intenção de o exercer». Trata-se de mero parecer, sem qualquer fundamentação.

M. J. Almeida Costa (Direito das Obrigações, 6.ª ed., p. 992), em simples nota, refere o parecer de Dias Marques e acrescenta que «nesse sentido militam, na verdade, fortes razões práticas, embora a letra e a história do artigo 323.º [...] talvez pudessem inculcar a solução oposta». Afigura-se haver aqui uma certa contradição, na medida em que «a letra e a história» se devem sobrepor às «razões práticas».

Mário de Brito (Código Civil Anotado, I, p. 418) não se pronuncia sobre a questão e aponta como fundamento da interrupção o conhecimento pelo devedor do «exercício judicial do direito pelo respectivo titular». Em conformidade com esse fundamento, não é relevante aquela notificação, uma vez que ela não respeita ao exercício do direito, mas só à intenção do seu futuro exercício.

P. Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, 4.ª ed., I, p. 290) não tomam posição, pelo menos expressa, apenas citando dois acórdãos das relações em sentido divergente.

A Revista dos Tribunais (ano 94.º, p. 28) faz distinção entre os n.os 1 e 4 do artigo 323.º, sustentando que o primeiro «legitima o entendimento de que a citação, como a notificação, têm de ser operadas num processo pendente em juízo [...]», enquanto o segundo «equipara à citação ou notificação, para efeitos desse artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto [...]», e, «nestas condições, ainda que o n.º 1 excluísse a notificação avulsa, ela surtiria efeito ex vi do n.º 4».

Porém, essa distinção, com o alcance que lhe é atribuído, não tem qualquer correspondência na letra da lei; como já se notou, os requisitos da interrupção da prescrição são os previstos no n.º 1 do artigo 323.º, limitando-se o n.º 4 a estabelecer equiparação entre a «citação ou notificação» e «qualquer outro meio judicial [...]».

Castro Mendes (Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pp. 258 e segs.) baseia-se em que a expressão legal «seja qual for o processo» tem «intenção expansiva» e nela se inclui «a sequência processual destinada à notificação judicial avulsa como um processo, num sentido lato ou amplo do termo».

Ora, como já se concluiu, não há aqui «processo» nem «acto», nele praticado, através do qual se exprima a intenção de exercício do direito, mas só a comunicação da intenção de o direito vir a ser exercido, ou seja, de prática do acto num futuro processo judicial.

De resto, a tese de Castro Mendes é defendida na sequência da impossibilidade de «repetição da acção pelo vencedor para interromper o prazo prescricional», de tal modo que, «não se admitindo a interrupção da prescrição por promoção do titular de crédito mediante notificação judicial avulsa, ela teria de ser feita por citação para a acção executiva [...]» e não teria sido este «o pensamento legislativo». Em rigor, esta posição parte do falso pressuposto de o credor dever ter sempre à sua disposição um meio fácil de obter a interrupção da prescrição, além do próprio exercício de direito, o que se não justifica e está em conflito com as razões de interesse e ordem pública que estão na base do instituto da prescrição, como a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico.

Finalmente, Vaz Serra, no lugar salientado pelo Ministério Público (Revista de Legislação e de Jurisprudência, 109.º, p. 248, em nota), limita-se a transcrever o exposto na Revista dos Tribunais e no Código Civil Anotado de P. Lima e A. Varela, não emitindo qualquer opinião sobre o tema em apreciação. Acresce que esse autor, nas anotações acima citadas, exige a prática de «actos de exercício do direito, realizados judicialmente [...]», o que exclui a relevância desta notificação avulsa.

Concorrem no mesmo sentido o confronto com a lei anterior e os trabalhos preparatórios do Código Civil.

Pelo Código Civil de 1867, a prescrição interrompia-se, além do mais, por protesto judicial, mas esse efeito dependia de a acção ser proposta no prazo de um mês (artigo 552.º, n.º 3) e tal protesto efectuava-se «por meio de notificação avulsa» (artigo 446.º do Código do Processo Civil de 1961).

A notificação judicial avulsa em apreciação equivaleria a esse protesto judicial e a nova lei não contém qualquer preceito que lhe possa corresponder, pelo que é de presumir que o legislador não quis manter tal solução, para além de esta ser afastada pela letra do citado artigo 323.º

Por outro lado, naqueles trabalhos preparatórios defendia-se que o acto extrajudicial «pelo qual o credor exige ao devedor a prestação deve ser suficiente para a interrupção da prescrição, desde que feito por escrito», porque este acto, além de constituir o devedor em mora, «afigura-se suficientemente forte para traduzir um exercício do direito [...]», e, no respectivo articulado, propunha-se a interrupção da prescrição «pela citação ou notificação judicial [...] do acto com que se inicia um processo [...] que traduza exercício do direito», «pela notificação judicial, ou circunstância equiparada, dos actos de exercício do direito praticados no decurso de um» desses processos, «pelo acto escrito pelo qual se dá conhecimento à outra parte do exercício do direito perante um tribunal ou uma autoridade, ainda que incompetentes», e «pelo acto escrito em que o credor constitui em mora o devedor» (Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, p. 213, e 107, p. 295).

Confrontando-se esses trabalhos com a lei que veio a ser estabelecida, verifica-se que, além do mais, não se aceitou a relevância de acto praticado fora de algum processo, como seria o caso da notificação judicial avulsa, o que mostra não ter sido esta admitida pelo legislador como meio de interrupção da prescrição.

A solução defendida apresenta-se ainda como a mais razoável, em face dos interesses visados pelo instituto da prescrição: a regra geral é a prescrição dos direitos, destinada a evitar o seu exercício depois de decorrido certo período de tempo; a sua interrupção reveste carácter excepcional e só é, por isso, admitida em circunstâncias especiais; a lei não deve, pois, ser interpretada no sentido de tornar mais fácil essa interrupção; a solução que obteve vencimento está assim, em meu entender e salvo o devido respeito, não só contra a letra mas também contra o espírito da lei.

Apenas se admite, em termos de razoabilidade, que se justificaria a atribuição à notificação judicial avulsa de efeito interruptivo limitado, idêntico ao previsto na anterior lei civil, mas isso está aqui fora de causa.

Pelo exposto, deveria decidir-se, para efeito de uniformização de jurisprudência:

«A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito não é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos dos n.os 1 e 4 do artigo 323.º do Código Civil.»

José Martins da Costa.
Em tempo. - Nota-se ainda que a atribuição de efeito interruptivo à notificação judicial avulsa é incompatível com o disposto no artigo 327.º do Código Civil sobre a «duração da interrupção»: nessa notificação não há qualquer decisão a pôr termo ao processo, pois não se configura algum litígio que tenha de ser objecto de decisão, a qual se limita a deferir ou não o pedido de notificação; não é também possível aí a desistência ou a absolvição da instância. - José Martins da Costa.


Declaração de voto
Ainda que se admita que a notificação judicial avulsa integra uma noção primária de «processo», isto é, o sentido mais amplo de organização judicial de papéis virada à produção de um objectivo jurídico, ela não se tipifica como o «processo» de que fala o artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil.

A noção de «processo» aqui consignada implica uma organização judicial polémica de papéis e actos em que, entre estes, se inscreva a citação, notificação, acto ou meio judiciais destinados a despoletar ou a possibilitar despoletar uma reacção e definição no seu interior.

Em suma: o processo referido no artigo 323.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe o contraditório.

Ora, como se sabe, a notificação judicial avulsa não satisfaz este princípio e até o proíbe (artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1997 e do Código de Processo Civil de 1961).

A própria evolução histórica e legislativa do instituto da interrupção da prescrição impõe que a noção legal de «processo» que a serve seja só a que permite o funcionamento do contraditório no seu interior.

O legislador do tempo conhecia e usava com precisão a linguagem técnico-jurídica e, se quisesse com a expressão «processo» referir-se apenas, por contraposição a acto extrajudicial, a chamamento, comunicação ou manifestação oficiais judiciais, não precisava de dizer que aqueles actos se têm de integrar num «processo», como o disse.

A lei já denominou aqueles actos idóneos como de citação ou notificação judicial e, como tal, só possíveis em processos.

Ou haveria tautologia acrescendo-lhe o adentro de «processo», o que não é admissível naquele legislador, ou, ao fazê-lo, quis dizer algo mais, e é o caso. Aponta-se aí para acto ou notificação judiciais com contraditório possível no processo em que ocorre.

Por outro lado, para se interpretar sistemática, legislativa e historicamente esse elemento do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil não se deve tomar isoladamente a expressão «processo».

O puzzle dessa construção legal é o de «seja qual for o processo a que o acto pertence».

Este elemento assim completo, adentro do contexto, não se esgota na afirmação simplista de qualquer processo. Ele inculca, na sua economia de pensamento e expressão legislativos, uma profundidade hermenêutica que só se alcança entendendo-a como um espaço processual no sentido específico em que, a par de outros, esse acto idóneo à interrupção da prescrição se inscreve também.

A certeza do direito não se basta com a mera comunicação. Ela exige a sua definição e esta só pode alcançar-se num processo que admita minimamente a sua impugnação, ou seja, o contraditório.

A tal objectivo não satisfaz a notificação judicial avulsa e, por isso, esta não é meio próprio para se atingir a interrupção da prescrição nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil.

Nesta óptica, votamos contra o ora decidido. - Lúcio Teixeira.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/92816.dre.pdf .

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2000-09-14 - Declaração de Rectificação 10/2000 - Tribunal de Contas

    Por ter sido indevidamnete publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 179, de 4 de Agosto de 2000, procede-se a nova publicação do Acórdão de fixação da jurisprudência do Tribunal de Contas n.º 1/00-FJ.JUN/PG.

Aviso

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