de 30 de Dezembro
1. Embora com algumas aflorações anteriores, pouco significativas, foi a navegação a vapor que deu sentido e expressão ao contrato de reboque. Daí o silêncio que quanto a ele faz o Código de Comércio francês. O mesmo aconteceria com o Código Comercial português de 1888 se não fosse a ocasional referência do n.º 3 e do § 2.º do artigo 492.º Paredes meias com o reboque está o instituto da assistência marítima.Fundamentalmente, o elemento diferenciador estará na excepcionalidade dos serviços no âmbito desta prestados. Na prática, no entanto, a caracterização é, por vezes, difícil e controversa; o navio que dá a sua força motriz estará sempre interessado em que a sua actuação seja configurada como assistência, porque muito melhor remunerada; como observaram Dor e Villeneau, «o reboque é o parente pobre da rica assistência».
Problema que não encontra tratamento idêntico nas várias legislações é o que diz respeito à direcção do trem de reboque. Advém o seu relevo de a solução nele alcançada poder determinar, decisivamente, o regime da responsabilidade.
No sistema francês (Lei 69-8, de 3 de Janeiro de 1969) distingue-se entre as operações de reboque portuário e as operações de reboque no alto mar. A direcção das primeiras pertence ao capitão do navio rebocado; daí que os danos de qualquer natureza que durante elas ocorram sejam da responsabilidade do navio rebocado, a menos que este (rectius, o respectivo armador) faça a prova da culpa do rebocador (artigo 26.º). Exactamente o inverso se passa no reboque de alto mar, em que a direcção das operações cabe ao capitão do rebocador (artigo 28.º). Em qualquer dos casos pode, no entanto, ser o regime legal modificado por convenção expressa das partes (artigos 27.º e 29.º).
Optou-se no presente diploma por uma solução mais flexível e, sobretudo, mais conforme à realidade.
2. O sistema de responsabilidade assenta na direcção do trem. Parece, com efeito, ser o critério mais claro e natural.
O critério da «unidade do trem de reboque», que ficciona o conjunto rebocador-rebocado como um só navio, seria, como é óbvio, mais favorável à tutela dos interesses de terceiros, que beneficiariam da responsabilidade solidária de todos os elementos do trem. Mas não tem consistência jurídica aceitável, como na doutrina largamente se demonstrou. É de salientar que a solidariedade prevista no artigo 104.º do Código da Navegação italiano não desponta desse critério. Os armadores do rebocador e do rebocado são solidariamente responsáveis perante terceiros, se não fizerem a prova que os danos lhes não são imputáveis. Trata-se, apenas, de uma presunção de responsabilidade, ilidível nos termos gerais de direito.
3. No artigo 14.º faz-se referência à «execução do reboque» e ao seu «começo» (n.º 2). Mas quando ocorre esse «começo de execução»? Por contraposição com o previsto no n.º 3 do artigo 11.º poderia, simplificadamente, estabelecer-se que a execução do reboque se inicia com a passagem do cabo (ou cabos) de reboque. Só que poderá acontecer que o reboque propriamente dito seja precedido de manobras necessárias à sua execução e que no âmbito desta já devam ser compreendidas. Daí o critério acolhido no n.º 3 daquele artigo 14.º Quanto à clássica distinção entre o reboque-manobra e o reboque-transporte pareceu suficiente a remissão feita no artigo 3.º Na verdade esta segunda modalidade é, caracterizadamente, tributária das duas figuras contratuais. É evidente que a direcção do trem de reboque caberá sempre, em tal hipótese, ao rebocador. As situações híbridas, em que de algum modo a direcção do trem pertença ao rebocador e ao rebocado, numa actividade de cooperação, terão de ser casuisticamente avaliadas. Não é adequado que a lei as tipifique, sob pena de dificultar a sua própria aplicação.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Noção
1 - Contrato de reboque é aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a proporcionar a força motriz de um navio, embarcação ou outro engenho análogo, designado «rebocador», a navio, embarcação ou objecto flutuante diverso, designado «rebocado», a fim de auxiliar a manobra deste ou de o deslocar de um local para local diferente.2 - A parte que se obriga a proporcionar a força motriz de um navio, embarcação ou outro engenho designa-se «contratante-rebocador» e a contraparte «contratante-rebocado».
Artigo 2.º
Regime
1 - O contrato de reboque é disciplinado pelas disposições do presente diploma, salvo se as partes acordarem, por forma escrita, na aplicação de regime diverso.2 - Incluem-se no âmbito da forma escrita, designadamente cartas, telegramas, telex, telefax e outros meios equivalentes criados pela tecnologia moderna.
Artigo 3.º
Reboque-transporte
1 - Quando o rebocado é entregue em depósito ao contratante-rebocador, o contrato de reboque é disciplinado, também, pelas disposições do contrato de transporte de mercadorias por mar, com as necessárias adaptações.2 - O contratante-rebocador é responsável pela mercadoria carregada em batelão de carga, tenha este ou não tripulantes ou guardas, salvo acordo expresso em contrário, para que se exige a forma escrita prevista no n.º 2 do artigo anterior.
Artigo 4.º
Assistência ou salvação ao rebocado
A operação de reboque só pode dar lugar a remuneração por assistência ou salvação quando, durante a sua execução, forem prestados serviços excepcionais não enquadráveis no âmbito do contrato de reboque.
Artigo 5.º
Retribuição do reboque
1 - O contrato de reboque presume-se retribuído, salvo acordo expresso em contrário.2 - Não havendo ajuste entre as partes, a retribuição é determinada pelas tarifas em vigor; na falta destas, pelos usos e, na falta de umas e de outros, por juízos de equidade.
Artigo 6.º
Duração e forma
1 - O reboque pode ser contratado para uma ou várias operações ou para certo período de tempo.2 - O contrato de reboque para várias operações ou para certo período de tempo é nulo quando não revista forma escrita, com observância do disposto no n.º 2 do artigo 2.º
Artigo 7.º
Trem de reboque
Designa-se «trem de reboque» o conjunto formado por rebocador e rebocado durante a execução do contrato de reboque.
Artigo 8.º
Direcção do trem de reboque
1 - A direcção do trem de reboque pertence ao contratante-rebocado e é exercida pelo capitão, mestre ou arrais do rebocado.2 - Não é aplicável o disposto no número anterior quando:
a) O rebocado não tenha tripulação adequada;
b) O rebocado tenha tripulação adequada, mas não disponha de meios de propulsão operacionais, salvo tratando-se de manobra em porto;
c) Pela própria natureza do reboque ou do rebocado, a direcção do trem de reboque pertença, exclusivamente, ao contratante-rebocador.
3 - Nas situações do número anterior e sendo o reboque executado por mais de um rebocador, a direcção do trem de reboque pertence ao de maior potência; em caso de rebocadores de igual potência, ao comandado pelo capitão mais antigo, salvo acordo das partes em contrário.
Artigo 9.º
Obrigações das partes
1 - A parte a quem pertencer a direcção do trem de reboque é obrigada:a) A obter as necessárias licenças, autorizações e certificados relativos ao seu navio ou embarcação e ao sistema de reboque;
b) A examinar o sistema e o cabo de reboque antes do início da execução do reboque;
c) A assegurar a passagem do cabo de reboque;
d) A assegurar um sistema de comunicações entre o rebocador e o rebocado;
e) A providenciar quanto às condições de segurança das pessoas e coisas embarcadas no trem de reboque;
f) A assegurar o governo e a navegação do trem de reboque;
g) A sinalizar as manobras e a navegação do trem de reboque.
2 - A outra parte é obrigada:
a) A obter as necessárias licenças, autorizações e certificados relativos ao seu navio, embarcação ou objecto flutuante;
b) A avisar imediatamente quem exercer a direcção do trem de reboque quando saiba que algum perigo ameaça as pessoas ou coisas embarcadas.
Artigo 10.º
Responsabilidade
1 - A parte a quem pertencer a direcção do trem de reboque responde pelos danos ocorridos durante a execução do contrato, salvo se provar que os mesmos não resultam de facto que lhe seja imputável.2 - Presume-se ordenada pela parte a quem pertence a direcção do trem de reboque a manobra efectuada pelo rebocador e pelo rebocado.
Artigo 11.º
Cumprimento do contrato
1 - O reboque deve ser efectuado pela rota nas condições estipuladas e, na falta dessa estipulação, pelo percurso mais curto e seguro.2 - O contratante-rebocador é responsável pelos danos sofridos pelo contratante-rebocado resultantes de atraso imputável ao primeiro.
3 - O contrato de reboque considera-se cumprido logo que o rebocado se encontre no local de destino e desligados o cabo ou cabos de reboque.
Artigo 12.º
Substituição de rebocador
1 - Na execução do reboque, o rebocador pode ser substituído por outro, com características adequadas, mesmo que pertença a terceiro.2 - A substituição prevista no número anterior deve ser comunicada, logo que possível, à outra parte.
Artigo 13.º
Impossibilidade culposa
1 - Tornando-se o reboque impossível, na data ou época prevista, por causa imputável ao contratante-rebocador, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento.2 - Independentemente do direito à indemnização, o contratante-rebocado pode resolver o contrato.
Artigo 14.º
Impossibilidade não culposa
1 - Se a execução do reboque se tornar impossível por causa não imputável a qualquer das partes, são aplicáveis as disposições da lei civil respeitantes à impossibilidade objectiva da prestação.2 - Tendo, porém, havido começo da execução do reboque, o contratante-rebocado é obrigado a indemnizar o contratante-rebocador pelo trabalho executado e pelas despesas realizadas.
3 - Entende-se que há começo de execução do reboque quando se verifique a passagem do cabo de reboque; o contratante-rebocador pode, no entanto, fazer a prova de que realizou, antes desse momento, manobras necessárias à execução do contrato.
Artigo 15.º
Regime da responsabilidade
O direito de indemnização decorrente da violação do contrato de reboque deve ser exercido no prazo de dois anos, a partir da data da conclusão ou da interrupção do reboque.
Artigo 16.º
Tribunal competente
1 - Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o julgamento das acções emergentes do contrato de reboque, em qualquer dos casos seguintes:a) Se o local de início ou de destino do reboque se situar em território português;
b) Se o contrato de reboque tiver sido celebrado em Portugal;
c) Se o rebocador ou o rebocado forem de nacionalidade portuguesa;
d) Se a sede, sucursal, filial ou delegação de qualquer das partes se localizar em território português.
2 - Nas situações não previstas no número anterior, a determinação da competência internacional dos tribunais para julgamento das acções emergentes do contrato de reboque é feita de acordo com as regras gerais.
Artigo 17.º
Vigência
O presente diploma entra em vigor 30 dias após a sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 30 de Outubro de 1986. - Aníbal António Cavaco Silva - Mário Ferreira Bastos Raposo - João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Promulgado em 4 de Dezembro de 1986.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 10 de Dezembro de 1986.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.