Lei 75/97
de 18 de Julho
Autoriza o Governo a estabelecer medidas que viabilizam a aplicação e a execução das penas de prestação de trabalho a favor da comunidade
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea e), 168.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Fica o Governo autorizado a aprovar as disposições legislativas necessárias ao estabelecimento de procedimentos e regras técnicas destinadas a facilitar e promover a organização das condições práticas de execução da prestação de trabalho a favor da comunidade, regulando as operações de execução, nas quais estão envolvidos vários órgãos, serviços e entidades.
Artigo 2.º
O sentido da autorização é o desenvolver à luz dos princípios de política criminal consagrados no Código Penal as potencialidades daquele instituto penal, com o objectivo de:
a) Precisar o papel de cada um dos órgãos, entidades e serviços envolvidos na sua execução e as respectivas modalidades de articulação;
b) Garantir os meios necessários à organização prática das condições necessárias à sua execução.
Artigo 3.º
De harmonia com o sentido a que se refere o artigo anterior, a extensão da autorização legislativa revela-se no seguinte elenco de soluções:
A) Ao nível das disposições legais introdutórias:
1) Estabelecer uma norma que esclareça sobre o carácter experimental da legislação adoptada, chamando a atenção para a importância da experiência que venha a decorrer nos próximos anos, a qual pode contribuir para o aperfeiçoamento do futuro diploma;
B) Ao nível da organização da oferta de postos de trabalho:
2) Atribuir aos serviços de reinserção social a competência para organizarem uma bolsa de entidades beneficiárias interessadas em colaborar, no âmbito local, com os tribunais;
3) Definir um conjunto de requisitos que permitam aos interessados em cooperar com os tribunais aderir à referida bolsa de entidades beneficiárias, estabelecendo-se um procedimento transparente, simples e desburocratizado;
4) Estabelecer critérios de selecção dos postos de trabalho disponibilizados, em função da utilidade comunitária e do carácter formativo das tarefas a executar;
C) Ao nível das condições de aplicação e execução das sanções:
5) Garantir aos tribunais informação e apoio adequados aos procedimentos de individualização da sanção, prevendo-se no relatório a elaborar pelos serviços de reinserção social que estes forneçam ao tribunal todos os elementos que lhe permitam ajuizar do interesse, para a comunidade, do trabalho proposto e da respectiva adequação ao arguido;
6) Prever que o tempo despendido nas deslocações para o e do local de trabalho não seja contado como duração do trabalho efectivamente prestado e que a interrupção para tomar refeições não superior a meia hora seja reconhecida como duração do trabalho prestado, desde que a prestação de trabalho ocorra em períodos abrangidos pela tomada de refeições;
7) Prever expressamente, em norma relativa às obrigações e deveres do prestador de trabalho, que este deve:
a) Responder às convocações do tribunal competente para execução da pena e dos serviços de reinserção social;
b) Informar os serviços de reinserção social sobre quaisquer alterações de emprego, de local de trabalho ou de residência, bem como sobre outros factos relevantes para o cumprimento da pena;
c) Obter autorização prévia do tribunal competente para interrupções da prestação de trabalho por tempo superior a dois dias de trabalho consecutivos;
d) Justificar as faltas ao trabalho nos termos previstos na legislação laboral aplicável à entidade beneficiária;
e) Não consumir bebidas alcoólicas, estupefacientes, psicotrópicos ou produtos com efeito análogo no local de trabalho, e não se apresentar sob a influência daquelas substâncias durante a execução das tarefas que lhe sejam distribuídas;
8) Estabelecer que as entidades beneficiárias devem acolher o condenado, fornecendo-lhe os instrumentos de trabalho necessários, e garantir que a execução deste se processará de acordo com as normas relativas ao trabalho nocturno, à higiene, à saúde e segurança no trabalho, bem como ao trabalho das mulheres e dos jovens.
Deve, ainda, estabelecer-se que às entidades beneficiárias compete:
a) Realizar o controlo técnico da prestação de trabalho através de supervisor, cuja identidade deve ser comunicada aos serviços de reinserção social;
b) Registar a duração do trabalho prestado em documento fornecido pelos serviços de reinserção social;
c) Informar, periodicamente, o prestador de trabalho, designadamente a meio e aos dois terços da pena, do número de horas de trabalho efectivamente prestado;
d) Informar os serviços de reinserção social, nas vinte e quatro horas subsequentes, da ocorrência de acidente de trabalho que atinja o prestador de trabalho;
e) Informar os serviços de reinserção social sobre qualquer dano voluntário ou involuntário causado pelo prestador de trabalho durante a prestação de trabalho e no exercício das tarefas inerentes àquela;
f) Suspender a prestação de trabalho em caso de perigo imediato para o prestador de trabalho ou para outrem e em caso de falta grave cometida por aquele, informando os serviços de reinserção social, nas vinte e quatro horas subsequentes, da suspensão e seus fundamentos;
g) Receber as declarações médicas apresentadas pelo prestador de trabalho em caso de doença e remetê-las de imediato aos serviços de reinserção social;
h) Comunicar imediatamente aos serviços de reinserção social qualquer interrupção da prestação de trabalho;
i) Avaliar a prestação de trabalho, em documento fornecido pelos serviços de reinserção social, no final da execução das penas e também em penas não inferiores a setenta e duas horas, uma vez cumpridos dois terços da pena;
9) Especificar que a intervenção dos serviços de reinserção social na execução da prestação de trabalho a favor da comunidade se consubstancia numa dupla vertente de apoio e vigilância que, por sua vez, integram um conceito operacional de supervisão;
10) Prever, no âmbito dessas funções, um mecanismo formal de advertência ao condenado, efectuado pelo técnico de reinserção social responsável, sempre que ocorram factos anómalos ou incumprimentos de deveres indicadores de eventual aumento de gravidade que justifiquem a sua comunicação posterior ao tribunal;
11) Garantir ao prestador de trabalho o direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais, nos mesmos termos e para os mesmos efeitos estabelecidos na lei que regula os acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores por conta de outrem. Estes riscos serão assumidos pelas entidades beneficiárias ou pelo Estado, através dos serviços de reinserção social, que assegurará a sua cobertura mediante a celebração de contratos de seguro;
12) Garantir que em caso de dano causado pelo prestador de trabalho à entidade beneficiária ou a outrem, durante a prestação de trabalho e no exercício das tarefas inerentes àquela, o Estado responderá nos termos da legislação aplicável em matéria de responsabilidade civil extracontratual do Estado no domínio dos actos de gestão pública;
13) Prever um mecanismo judicial de alterações à modalidade concreta da prestação de trabalho determinada na sentença, sempre que se verificarem circunstâncias ou anomalias que não aconselhem à suspensão provisória, à revogação, à extinção e substituição da pena de trabalho a favor da comunidade;
14) Enunciar, exemplificativamente, utilizando um critério de crescente grau de gravidade, os factos anómalos graves a que se refere o n.º 2 do artigo 498.º do Código de Processo Penal, susceptíveis de originarem a suspensão provisória, a revogação, a extinção e a substituição da pena de trabalho a favor da comunidade.
Deve ainda estabelecer-se que, para aqueles efeitos, integram conceito de anomalias graves os seguintes factos:
a) Recusa ou interrupção da prestação de trabalho;
b) Falta de assiduidade;
c) Desrespeito grosseiro e repetido pelas orientações do superior;
d) Desrespeito grosseiro e repetido da obrigação de não consumir bebidas alcoólicas, estupefacientes, psicotrópicos ou produtos com efeito análogo no local de trabalho e de não se apresentar sob influência dessas substâncias durante a execução das tarefas atribuídas;
e) Distúrbios no local de trabalho;
f) Problemas de saúde, profissionais ou familiares que comprometem a execução nos termos fixados;
g) Graves dificuldades suscitadas pela entidade beneficiária;
h) Prisão preventiva;
15) Prever um mecanismo de audição prévia dos pais, tutores ou pessoas que detenham a guarda de menor imputável sempre que haja lugar à aplicação de uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade a arguidos maiores de 16 anos;
16) Prever que as normas do futuro diploma se apliquem correspondentemente à substituição de multa por trabalho, regulada nos artigos 48.º do Código Penal e 490.º do Código de Processo Penal e nos casos de substituição da prisão até um ano previstos nos artigos 99.º, n.os 3 e 4, e 105.º, n.º 3, do Código Penal, regulados no artigo 507.º do Código de Processo Penal.
Artigo 4.º
A presente autorização caduca no prazo de 120 dias.
Aprovada em 5 de Junho de 1997.
O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
Promulgada em 26 de Junho de 1997.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 30 de Junho de 1997.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.