Decreto-Lei 96/97
de 24 de Abril
O incremento que se tem verificado na actividade náutica relativamente à utilização de embarcações para fins desportivos e recreativos tem sido acompanhado pelo crescimento da oferta de diversos tipos de embarcações de recreio.
A utilização das embarcações de recreio envolve riscos em matéria de saúde e segurança de pessoas e de segurança de bens embarcados, podendo ainda ter impacte sobre o ambiente na medida em que seja causa de poluição das águas navegáveis.
Torna-se assim necessário, com vista à prevenção de acidentes associados aos riscos indicados, estabelecer os requisitos essenciais a que devem satisfazer as embarcações de recreio e componentes, bem como os procedimentos de avaliação da respectiva conformidade com esses requisitos.
Tais requisitos essenciais e procedimentos constam da Directiva n.º 94/25/CE , do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Junho, relativa às embarcações de recreio, que este diploma transpõe para o direito interno.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma estabelece as regras a que deve obedecer a colocação no mercado e entrada em serviço das embarcações de recreio, das embarcações de recreio semiacabadas e dos componentes nelas instalados, ou destinados a ser instalados, com vista à prevenção dos riscos inerentes à sua utilização, quer para a saúde e segurança das pessoas, quer para os bens e o ambiente, quando utilizados para os fins a que se destinam e correctamente construídos e mantidos.
Artigo 2.º
Âmbito
1 - Para os efeitos deste diploma, entende-se por embarcação de recreio qualquer embarcação, de qualquer tipo, independentemente do meio de propulsão, com comprimento do casco compreendido entre 2,5 m e 24 m, medido de acordo com as normas harmonizadas aplicáveis, destinada a ser utilizada para fins desportivos e recreativos.
2 - É também considerada embarcação de recreio qualquer embarcação com as características referidas no número anterior que seja utilizada para aluguer ou para o ensino de desportos náuticos, desde que tenha sido colocada no mercado para fins recreativos.
3 - Os componentes a que se refere o artigo 1.º são os seguintes:
a) Equipamento ignífugo dos motores interiores;
b) Dispositivos de protecção do sistema de arranque dos motores fora de borda;
c) Rodas de leme, mecanismos de governo e cabos;
d) Reservatórios e tubagens de combustível;
e) Elementos prefabricados para vigias, janelas, albóis, portas e escotilhas.
4 - Excluem-se do âmbito de aplicação do presente diploma:
a) Embarcações projectadas exclusivamente para competição, incluindo os barcos a remos e os barcos destinados ao ensino do remo, classificadas nessa qualidade pelo construtor;
b) Canoas, caiaques, gôndolas e gaivotas;
c) Pranchas à vela;
d) Pranchas motorizadas, embarcações individuais e outros engenhos a motor semelhantes;
e) Originais e réplicas únicas de embarcações antigas concebidas antes de 1950, reconstruídas predominantemente com materiais originais e classificadas nessa qualidade pelo construtor;
f) Embarcações experimentais, desde que não sejam posteriormente colocadas no mercado;
g) Embarcações construídas pelo seu futuro utilizador, desde que não sejam posteriormente colocadas no mercado durante um período de cinco anos;
h) Embarcações especificamente destinadas a ter tripulação e a transportar passageiros para fins comerciais, sem prejuízo dos n.os 1 e 2, nomeadamente as embarcações de tonelagem de arqueação bruta igual ou superior a 15 t ou cujo deslocamento seja igual ou superior a 15 m3, independentemente do número de passageiros;
i) Submersíveis;
j) Veículos que se deslocam sobre almofadas de ar;
l) Embarcações que se deslocam sobre patins hidrodinâmicos.
Artigo 3.º
Requisitos essenciais
Os requisitos essenciais de segurança, saúde, protecção do ambiente e defesa do consumidor no âmbito do projecto e do fabrico dos produtos a que se refere o presente diploma serão objecto de portaria conjunta dos Ministros da Economia, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e do Ambiente.
Artigo 4.º
Colocação no mercado e entrada em serviço
1 - As embarcações de recreio só podem ser colocadas no mercado e entrar em serviço desde que satisfaçam os requisitos essenciais que lhes sejam aplicáveis, verificados de acordo com os correspondentes procedimentos de avaliação da conformidade, ostentando, por esse motivo, a marcação CE.
2 - As embarcações de recreio semiacabadas só podem ser colocadas no mercado quando o construtor, o seu mandatário ou o responsável pela colocação no mercado declarem que essas embarcações se destinam a ser completadas por terceiros, nos termos da alínea a) do anexo I.
3 - Os componentes, quando se destinem a ser incorporados nas embarcações de recreio, só podem ser colocados no mercado e entrar em serviço desde que satisfaçam os requisitos essenciais aplicáveis, verificados de acordo com os correspondentes procedimentos de avaliação da conformidade, ostentando, por esse motivo, a marcação CE, conforme declaração do fabricante, do seu mandatário ou do responsável pela colocação no mercado feita nos termos da alínea b) do anexo I.
4 - Podem, todavia, ser apresentados em feiras, exposições e demonstrações os produtos referidos no artigo 1.º que não estejam em conformidade com este diploma, desde que seja clara e visivelmente indicado que a sua colocação no mercado e entrada em serviço só podem ser efectuadas depois de alcançada essa conformidade.
Artigo 5.º
Presunção da conformidade
As embarcações de recreio e os componentes presumem-se conformes com os requisitos essenciais referidos no artigo 3.º quando cumpram o disposto nas normas portuguesas que adoptam as normas harmonizadas aplicáveis cujas referências tenham sido publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.
Artigo 6.º
Avaliação da conformidade
1 - Os procedimentos de avaliação da conformidade mencionados no artigo 4.º serão definidos pela portaria referida no artigo 3.º, devendo começar a ser aplicados pelo fabricante ou pelo seu mandatário antes do fabrico das embarcações de recreio e dos componentes, de acordo com as categorias de projecto aplicáveis.
2 - Para os efeitos do presente diploma, as embarcações de recreio são classificadas por categorias de projecto de acordo com o anexo II.
Artigo 7.º
Organismos notificados
1 - Os organismos que intervêm nos procedimentos de avaliação da conformidade referidos no artigo 6.º são avaliados pelo Instituto Português da Qualidade com base nas normas NP EN 45 000, no âmbito do Sistema Português da Qualidade, e com observância dos critérios mínimos previstos para o efeito no anexo III.
2 - A Direcção-Geral da Indústria (DGI), após consulta prévia à Direcção-Geral de Portos, Navegação e Transportes Marítimos (DGPNTM), designará os organismos nacionais com competência para intervir nos procedimentos de avaliação da conformidade, indicando as respectivas funções específicas.
Artigo 8.º
Marcação CE
1 - As embarcações de recreio e os componentes considerados conformes com os requisitos essenciais aplicáveis referidos no artigo 3.º devem ostentar a marcação CE quando colocados no mercado.
2 - A marcação CE deve obedecer ao grafismo que constará da portaria mencionada no artigo 3.º e deve ser aposta, de modo visível, legível e indelével, na chapa do construtor das embarcações de recreio e nos componentes e ou na respectiva embalagem.
3 - É interdita a aposição de marcas ou inscrições que possam induzir terceiros em erro no que se refere ao significado e grafismo da marcação CE ou que reduzam a visibilidade e a legibilidade dessa marcação.
4 - Sempre que as embarcações de recreio e os componentes sejam objecto de outros diplomas relativos a outros aspectos e que prevejam igualmente a aposição da marcação CE, esta indicará que eles cumprem igualmente o disposto nesses diplomas.
5 - Se um ou mais dos diplomas mencionados no número anterior deixarem ao fabricante a escolha do regime a aplicar, durante um período transitório, a marcação CE indicará apenas a conformidade com as disposições dos diplomas aplicados pelo fabricante, devendo, nesse caso, as referências dos mesmos ser inscritas nos documentos, manuais ou instruções por eles exigidos e que acompanham os produtos.
6 - A aposição indevida da marcação CE implica a obrigação, por parte do fabricante ou do seu mandatário, de repor o produto em conformidade com as disposições relativas à marcação CE e de fazer cessar a infracção, sob pena de ser limitada ou proibida a colocação do produto no mercado, ou assegurada a sua retirada do mesmo, no caso de a não conformidade persistir.
Artigo 9.º
Reconhecimento mútuo
Os procedimentos de avaliação da conformidade referidos no artigo 6.º efectuados em qualquer Estado membro da União Europeia de harmonia com a Directiva n.º
94/25/CE
transposta pelo presente diploma são considerados equivalentes aos procedimentos nacionais correspondentes.
Artigo 10.º
Cláusula de salvaguarda
Quando se verifique que as embarcações de recreio ou os componentes, ostentando a marcação CE, podem pôr em perigo a segurança e a saúde das pessoas, os bens, ou o ambiente, apesar de correctamente construídos, instalados e mantidos, e utilizados de acordo com os fins a que se destinam, será proibida ou restringida a sua colocação no mercado ou entrada em serviço, ou efectuada a sua retirada do mercado, mediante despacho conjunto dos Ministros da Economia, do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, do Ambiente e da Saúde.
Artigo 11.º
Código do construtor
1 - O código do construtor, constante do número de identificação do casco, que constitui um dos requisitos essenciais referidos na portaria mencionada no artigo 3.º, será atribuído pela DGI ou por organismo por ela designado.
2 - Cada construtor a quem for atribuído o código a que se refere o número anterior deve fornecer à DGI e à DGPNTM informação sobre as embarcações de recreio e as embarcações de recreio semiacabadas por ele construídas, nos termos a definir na portaria mencionada no artigo 3.º
Artigo 12.º
Fiscalização
1 - A fiscalização do cumprimento do disposto no presente diploma compete a Inspecção-Geral das Actividades Económicas (IGAE), à DGPNTM e às delegações regionais de economia (DRE), sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades.
2 - Das infracções verificadas será levantado auto de notícia, nos termos das disposições legais aplicáveis, que será enviado à entidade a quem compete a aplicação das coimas, para efeitos de instauração e instrução do respectivo processo.
3 - As entidades fiscalizadoras podem solicitar o auxílio de quaisquer autoridades sempre que o julguem necessário ao exercício das suas funções.
Artigo 13.º
Contra-ordenações
1 - O incumprimento do disposto no artigo 4.º constitui contra-ordenação, punível com coima de 75000$00 a 750000$00, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal do mesmo decorrente, podendo ainda ser determinada, simultaneamente com a coima, a perda do produto em causa sempre que a sua utilização em condições normais represente perigo que o justifique.
2 - Se o infractor for uma pessoa colectiva, o montante máximo da coima será de 9000000$00.
3 - A negligência e a tentativa são puníveis.
4 - A aplicação das coimas compete ao director da DRE em cuja área de actuação tenha sido detectada a infracção.
5 - As DRE darão conhecimento à DGI da aplicação das coimas a que se refere o número anterior.
6 - A receita das coimas previstas nos n.os 1 e 2 terá a seguinte distribuição:
a) 60% para o Orçamento do Estado;
b) 20% para a entidade que levantou o auto;
c) 10% para a entidade que aplicou a coima;
d) 10% para a DGI.
Artigo 14.º
Acompanhamento da aplicação do diploma
1 - O acompanhamento da aplicação do presente diploma, bem como as propostas das medidas necessárias à prossecução dos seus objectivos e das que se destinam assegurar a ligação com a Comissão Europeia e os outros Estados membros serão promovidos pela DGI, em colaboração com a DGPNTM.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, compete à DGI, designadamente:
a) Diligenciar no sentido de manter a Comissão Europeia e os Estados membros permanentemente informados dos organismos designados, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º, para intervir nos procedimentos de avaliação da conformidade previstos no artigo 6.º e dos números de identificação previamente atribuídos pela Comissão Europeia;
b) Diligenciar no sentido de que a Comissão Europeia seja imediatamente informada das medidas tomadas ao abrigo do artigo 10.º, indicando os seus fundamentos e, em especial, se a situação em causa resultou de não observância dos requisitos essenciais aplicáveis, de má aplicação das normas harmonizadas, ou de lacuna nas próprias normas harmonizadas;
c) Diligenciar no sentido de que a Comissão Europeia e os Estados membros sejam informados das medidas tomadas relativamente a quem tiver aposto indevidamente a marcação CE em qualquer embarcação de recreio ou componente não conforme com o disposto no artigo 4.º;
d) Fazer publicitar as referências das normas nacionais que adoptam as normas harmonizadas pertinentes no âmbito do presente diploma.
Artigo 15.º
Disposições transitórias
Podem, até 16 Junho de 1998, ser colocados no mercado e em serviço as embarcações de recreio e os componentes que sejam conformes com as regras técnicas em vigor em 16 de Junho de 1994.
Artigo 16.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 9 de Janeiro de 1997. - António Manuel de Oliveira Guterres - António Luciano Pacheco de Sousa Franco - João Cardona Gomes Cravinho - Augusto Carlos Serra Ventura Mateus - Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina - Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira.
Promulgado em 14 de Fevereiro de 1997.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 20 de Fevereiro de 1997.
O Primeiro-Ministro, em exercício, António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino.
ANEXO I
Declaração do construtor, do seu mandatário ou do responsável pela colocação no mercado dos produtos referidos no artigo 1.º (n.os 2 e 3 do artigo 4.º)
a) A declaração referida no n.º 2 do artigo 4.º do construtor, do seu mandatário ou do responsável pela colocação no mercado das embarcações semiacabadas deve conter os seguintes elementos:
Nome e endereço do construtor;
Nome e endereço do mandatário do construtor ou, se necessário, do responsável pela colocação no mercado;
Descrição da embarcação semiacabada, mencionando, nomeadamente, a respectiva categoria de projecto;
Declaração nos termos da qual a embarcação semiacabada se destina a ser completada por terceiros e preenche os requisitos essenciais aplicáveis na fase de construção em que se encontra.
b) A declaração referida no n.º 3 do artigo 4.º do fabricante, do seu mandatário ou do responsável pela colocação no mercado dos componentes mencionados no n.º 3 do artigo 2.º deve incluir os seguintes elementos:
Nome e endereço do fabricante;
Nome e endereço do mandatário do fabricante ou, se necessário, do responsável pela colocação no mercado;
Descrição dos componentes;
Declaração nos termos da qual os componentes preenchem os requisitos essenciais pertinentes.
ANEXO II
Categorias de projecto das embarcações de recreio
(ver documento original)
Definições
A - Oceânica - categoria das embarcações projectadas para viagens longas durante as quais o vento pode exceder a intensidade 8 (escala de Beaufort) e as vagas podem exceder a altura de 4 m, sendo as embarcações amplamente auto-suficientes.
B - Ao largo - categoria das embarcações concebidas para viagens ao largo em que o vento pode atingir a intensidade 8 (escala de Beaufort) e as vagas uma altura até 4 m, inclusive.
C - Costeira - categoria das embarcações projectadas para viagens em águas costeiras, baías, estuários, lagos e rios em que o vento pode atingir a intensidade 6 (escala de Beaufort) e as vagas uma altura até 2 m, inclusive.
D - Em águas abrigadas - categoria das embarcações projectadas para viagens em pequenos lagos, rios e canais em que o vento pode atingir a intensidade de 4 (escala de Beaufort) e as vagas uma altura até 0,5 m, inclusive.
As embarcações de cada categoria devem ser projectadas e construídas para suportar estes parâmetros no que respeita à estabilidade, flutuabilidade e aos outros requisitos essenciais pertinentes indicados na portaria referida no artigo 3.º e devem ter boas características de manobrabilidade.
ANEXO III
Critérios mínimos a que devem satisfazer os organismos notificados
1 - O organismo, o seu director e o pessoal encarregado de executar as operações de verificação não podem ser o projectista, o fabricante, o fornecedor ou o instalador da embarcação ou do componente que verificam, nem o mandatário de uma dessas pessoas. Não podem intervir, quer directamente, quer como mandatários, no projecto, fabrico, comercialização ou manutenção dos produtos referidos. Isto não exclui a possibilidade de uma troca de informações técnicas entre o fabricante e o organismo.
2 - O organismo e o pessoal encarregado do controlo devem executar as operações de verificação com a maior integridade profissional e a maior competência técnica e devem estar livres de quaisquer pressões e incitamentos, nomeadamente de ordem financeira, que possam influenciar o seu julgamento ou os resultados da sua verificação, em especial dos provenientes de pessoas interessadas nos resultados das verificações.
3 - O organismo deve dispor de pessoal e possuir os meios necessários para cumprir de modo adequado as tarefas técnicas e administrativas ligadas à execução das verificações; deve igualmente ter acesso ao material necessário para as verificações excepcionais.
4 - O pessoal encarregado das inspecções deve possuir:
Uma boa formação técnica e profissional;
Um conhecimento satisfatório dos requisitos dos ensaios que efectua e uma prática adequada desses ensaios;
A aptidão requerida para redigir os certificados, os registos e os relatórios necessários para autenticarem os resultados dos ensaios.
5 - Deve ser garantida a independência do pessoal encarregado das inspecções. A remuneração de cada agente não deve ser em função do número de ensaios que efectuar, nem dos resultados desses ensaios.
6 - O organismo deve fazer um seguro de responsabilidade civil, a não ser que essa responsabilidade seja, nos termos da legislação em vigor, coberta pelo Estado ou que o próprio Estado seja directamente responsável pelos ensaios.
7 - O pessoal do organismo está sujeito a sigilo profissional em relação a todas as informações que obtiver no exercício das suas funções (excepto em relação às autoridades administrativas competentes) no âmbito do presente diploma ou de qualquer disposição legal que lhe dê efeito.