de 21 de Junho
A Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.° 1/90, de 13 de Janeiro) determina a elaboração de um diploma regulador das sociedades com fins desportivos [alínea f) do n.° 1 do artigo 41.°], estabelecendo, por outro lado, alguns dos princípios a considerar nessa disciplina.Sem prejuízo do respeito e estímulo sempre devidos ao desporto amador e ao património de utilidade social por ele construído ao longo de gerações, o desporto profissional e as suas competições reclamam soluções inovadoras que, a partir de um novo regime para as entidades que servem de suporte jurídico à actividade desportiva, distinga, sem discriminar, as duas realidades existentes, que devem coexistir de forma adequadamente regulada.
A Lei de Bases comete aos clubes desportivos a competência para promover a constituição das sociedades desportivas (designação mais simples do que a utilizada pela Lei de Bases do Sistema Desportivo). Os clubes ficam, deste modo, em condições de recorrer a estruturas dotadas de acrescido dinamismo económico-financeiro para as suas actividades profissionais, que se esperam capazes de corresponder a exigências de gestão e economia para as quais não bastam os modelos tradicionais.
Não se pretendendo uma separação absoluta nem se desejando uma estrutura estanque para o desporto profissional, reconhece-se e preserva-se o modelo e espírito do clube como entidade geradora da mística associativa, que tem profundas raízes nas comunidades locais e regionais e na nossa tradição associativa, mística insubstituível no fomento e irradiação da actividade desportiva.
Este princípio da prevalência do clube, tal como ele se afirmou entre nós sobre qualquer outra ideia ou modelo, é, de resto, garantido pela atribuição, em exclusivo, a essa entidade da faculdade de promover a constituição das sociedades desportivas.
Princípio que se reforça na própria Lei de Bases, quando esta impõe, no n.° 4 do artigo 20.°, que «o produto das sociedades ou das participações societárias reverta para benefício da actividade desportiva do clube e que o património desportivo edificado não possa ser oferecido livremente como garantia imobiliária ou concurso de capital». Compreende-se que não possa servir de fonte de lucro privado de alguns o que em grande medida foi construído com o contributo de associados e simpatizantes dos clubes e a comparticipação de dinheiros do Estado ou de autarquias locais.
O objectivo é o de que o desporto profissional - sempre através dos clubes, mas com suporte na solução inovadora das sociedades desportivas - encontre processos gestionários mais sólidos e responsáveis, bem como o rigor financeiro que seja susceptível de garantir a sua estabilidade e desenvolvimento.
A disciplina agora aprovada intenta, ao dar cumprimento à referida determinação da Lei de Bases, acolher os ensinamentos de diversas experiências estrangeiras, procurando oferecer um quadro adoptado ao circunstancialismo específico da realidade desportiva portuguesa.
Admite-se que possam ser accionistas das sociedades desportivas, além do clube fundador, outras pessoas singulares ou colectivas.
Restringe-se a participação de estrangeiros na constituição de sociedades desportivas, para impedir a descaracterização das entidades desportivas com tradições que importa preservar.
De outra parte, optou-se por dar o maior espaço possível ao exercício da autonomia privada, limitando as imposições e exigências imperativas. Na verdade, e neste momento de arranque de uma nova figura jurídica, importa ter presente que só a vida das instituições que venham a ser criadas permitirá acumular o capital de experiência indispensável para uma regulação completa e mais definitiva desta realidade inovadora.
Assim:
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.° 1/90, de 13 de Janeiro, e nos termos das alíneas a) e c) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.°
Objecto
O presente diploma estabelece o regime jurídico das sociedades desportivas.
Artigo 2.°
Sociedades desportivas
1 - Sociedade desportiva é uma pessoa colectiva de direito privado, criada por um clube desportivo, que tem por objecto a participação em actividades e competições desportivas de carácter profissional de uma determinada modalidade, a promoção e organização de espectáculos desportivos, bem como o fomento e desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva dessa modalidade;2 - A sociedade desportiva pode gerir actividades desportivas do clube desportivo fundador em que participem praticantes profissionais da mesma modalidade, designadamente manifestações desportivas com entradas pagas.
Artigo 3.°
Regras aplicáveis
Às sociedades desportivas é aplicável o disposto neste diploma e, subsidiariamente, as normas que regulam as sociedades anónimas.
Artigo 4.°
Partes do contrato
1 - A sociedade desportiva pode ser constituída apenas pelo clube fundador ou por este e por pessoas singulares de nacionalidade portuguesa ou outras pessoas colectivas com sede em Portugal.2 - Caso a sociedade desportiva seja constituída com apelo a subscrição pública, os associados do clube fundador têm direito de preferência, em condições de igualdade.
Artigo 5.°
Denominação
A denominação das sociedades desportivas tem de incluir menção que a relacione com o clube fundador e indicação da respectiva modalidade desportiva, concluindo pela abreviatura «SD».
Artigo 6.°
Capital
O valor mínimo do capital social é de 50 000 000$ e deve ser totalmente realizado em dinheiro.
Artigo 7.°
Acções
As acções são sempre nominativas.
Artigo 8.°
Clube fundador
1 - A participação do clube fundador no capital social tem de corresponder, no mínimo, a 20% do respectivo montante.2 - As acções tituladas pelo clube fundador conferem sempre:
a) O direito de veto das deliberações da assembleia geral que tenham por objecto a fusão, cisão, transformação ou dissolução da sociedade e alteração dos seus estatutos, o aumento e a redução do capital social e a mudança da localização da sede;
b) O poder de designar pelo menos um dos membros do conselho da administração, que disporá de direito de veto das deliberações do conselho que tenham idêntico objecto;
3 - Para além do disposto no número anterior, os estatutos da sociedade desportiva poderão subordinar à anuência do clube fundador as deliberações da assembleia geral em matérias neles especificadas.
Artigo 9.°
Destino dos lucros do exercício
1 - Os lucros do exercício devem reverter para benefício da actividade desportiva geral do clube.2 - Uma percentagem não inferior à vigésima parte dos lucros da sociedade é destinada à constituição da reserva legal e, sendo caso disso, à sua reintegração, até que o montante da reserva corresponda a metade da média das despesas realizadas nos três últimos exercícios.
3 - Os estatutos podem prever a constituição de reservas especiais, nos termos gerais.
Artigo 10.°
Registo e publicação
O notário deve, oficiosamente e a expensas da sociedade desportiva, comunicar a constituição desta e os respectivos estatutos e suas alterações ao Instituto do Desporto e ao Ministério Público, bem como remeter ao jornal oficial um extracto para publicação.
Artigo 11.°
Início da actividade
1 - As sociedades desportivas adquirem capacidade de exercício com o depósito dos seus estatutos no Instituto do Desporto.2 - A eficácia dos actos de alteração dos estatutos das sociedades desportivas depende de depósito nos termos do número anterior.
Artigo 12.° Relações com a federação desportiva 1 - Nas relações com a federação que, relativamente à modalidade desportiva em causa, beneficie do estatuto de utilidade pública desportiva, e no âmbito da competição profissional, a sociedade desportiva representa o respectivo clube fundador.
2 - Nos 30 dias subsequentes à sua aprovação pelos órgãos sociais competentes, a sociedade desportiva deve remeter as suas contas à federação referida no número anterior.
3 - As relações da sociedade desportiva com a federação referida no n.° 1 processam-se através do respectivo organismo autónomo.
Artigo 13.°
Relações entre o clube fundador e a sociedade desportiva
1 - O clube fundador transfere para a sociedade desportiva, no acto de constituição desta, a totalidade dos direitos e obrigações integrantes do respectivo património que se encontrem afectos à participação nas competições profissionais da modalidade que integra o objecto da sociedade, com excepção dos relativos ao património desportivo edificado.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o clube fundador deve elaborar um inventário dos direitos e obrigações referidos no número anterior, o qual deve constar de documento escrito, que figurará em anexo à escritura pública de constituição da sociedade.
3 - A utilização das instalações do clube desportivo pela sociedade desportiva sua participada deve ser titulada por contrato escrito, onde se estabeleça remuneração justa.
Artigo 14.°
Proibição de aquisição de participações
1 - A sociedade desportiva não pode participar em sociedade com idêntica natureza.
2 - Nenhum accionista de uma sociedade desportiva pode deter, directa ou indirectamente, acções representativas de mais de 1% do capital de outra sociedade que participe na mesma competição.
3 - Para efeitos do número anterior, entende-se que se verifica detenção indirecta de acções por um accionista quando as mesmas estejam emitidas em nome do cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2.° grau da linha colateral, ou de qualquer pessoa com quem viva em economia comum, ou de sociedades relativamente às quais se encontre em posição de domínio ou de grupo.
4 - Quando seja violado o disposto no n.° 2, e enquanto a infracção se mantiver, o accionista não pode exercer nenhum dos seus direitos em ambas as sociedades, salvo o de alienar as acções a terceiro.
Artigo 15.°
Limites à transmissão de acções
1 - O contrato de sociedade não pode limitar a transmissão de acções, para além do disposto no artigo anterior.2 - Quando a morte ou a extinção de um accionista possa determinar o desrespeito pelo disposto no n.° 2 do artigo anterior, deve a sociedade amortizar as acções em causa, adquiri-las ou fazê-las adquirir por accionista ou terceiro, nos 90 dias subsequentes ao conhecimento da morte ou da extinção por algum dos administradores.
3 - Os sucessores do falecido ou extinto têm direito a uma contrapartida, calculada nos termos do artigo 1021.° do Código Civil, com referência ao momento da morte ou da extinção, por um revisor oficial de contas designado por mútuo acordo ou, na sua falta, pelo tribunal.
Artigo 16.°
Suprimentos
Aos empréstimos concedidos à sociedade desportiva por qualquer accionista ou administrador é aplicável o disposto nos artigos 243.° a 245.° do Código das Sociedades Comerciais.
Artigo 17.°
Administração
1 - A gestão e representação da sociedade compete a um conselho de administração, composto por um número ímpar de membros fixado nos estatutos.2 - Não podem ser administradores de sociedades desportivas:
a) Os que, nos três anos anteriores, tenham ocupado cargos sociais em outra sociedade desportiva constituída para a mesma modalidade;
b) Os titulares de órgãos sociais de federações ou associações desportivas de clubes da mesma modalidade;
c) Os praticantes profissionais, os treinadores e árbitros, em exercício, da respectiva modalidade.
Artigo 18.°
Autorizações especiais
1 - A alienação ou oneração, a qualquer título, de bens que integrem o património imobiliário da sociedade tem de ser autorizada por deliberação da assembleia geral.2 - Carecem igualmente de autorização da assembleia geral os actos que excedam as previsões inscritas no orçamento relativamente às despesas com o quadro de praticantes profissionais.
3 - Para que a assembleia geral possa deliberar sobre as matérias referidas nos números anteriores em primeira convocação, devem estar presentes ou representados accionistas com, pelo menos, dois terços do total dos votos.
4 - Em segunda convocação, a assembleia pode deliberar seja qual for o número de accionistas presentes ou representados.
5 - A assembleia geral delibera sobre tal alienação ou oneração por maioria de dois terços dos votos emitidos, quer a assembleia reúna em primeira quer em segunda convocação.
Artigo 19.°
Aumento de capital
Quando tenha lugar o aumento de capital e salvo disposição estatutária em contrário, apenas beneficiam de direito de preferência na subscrição das acções a emitir os associados do clube fundador.
Artigo 20.°
Destino do património em caso de extinção
1 - Quando tenha lugar a extinção da sociedade desportiva, e sem prejuízo dos direitos dos credores, os edifícios desportivos são atribuídos ao clube desportivo fundador.
2 - O remanescente do património da sociedade extinta tem o destino que for fixado pelos estatutos ou por deliberação dos accionistas, devendo permanecer, na medida do possível, afectado a fins desportivos análogos aos da sociedade extinta.
Artigo 21.°
Garantias dos credores do clube
1 - Relativamente às obrigações constituídas depois de 1 de Janeiro de 1989, a sociedade desportiva é responsável perante os credores do clube pela diminuição da garantia patrimonial que vier a resultar da transferência a favor da sociedade da posição contratual do clube em quaisquer contratos.2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as receitas da sociedade desportiva provenientes da venda de ingressos no espectáculo desportivo, da publicidade no recinto desportivo ou de direitos de transmissão do espectáculo respondem perante os credores do clube relativamente às obrigações contraídas por este depois de 1 de Janeiro de 1989 e até ao momento da constituição da sociedade.
Artigo 22.°
Balanço e contas
Enquanto não for aprovado um plano oficial de contabilidade específico para os clubes desportivos e as sociedades desportivas, o balanço, a demonstração dos resultados e o anexo deverão ser elaborados segundo as disposições e os modelos menos desenvolvidos indicados pelo Plano Oficial de Contabilidade para as empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 410/89, de 21 de Novembro, com as necessárias adaptações.
Artigo 23.°
O exercício económico das sociedades desportivas corresponde ao que for definido pela federação que, na modalidade respectiva, beneficie do estatuto de utilidade pública desportiva.
Artigo 24.°
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 30 de Março de 1995. - Aníbal António Cavaco Silva - Eduardo de Almeida Catroga - Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio - Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Promulgado em 16 de Maio de 1995.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 18 de Maio de 1995.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva