O Programa do XXIV Governo Constitucional reafirma o compromisso de colocar a promoção dos direitos e a proteção das crianças e jovens no centro das políticas públicas, tendo como prioridade o seu bem-estar, desenvolvimento integral e segurança. Deste modo, coloca-se o investimento no futuro das crianças e jovens no topo da agenda política, e salienta-se a necessidade de adotar uma visão holística e multissetorial em todas as matérias da área da infância e juventude.
A União Europeia e as Nações Unidas têm vindo a emitir Recomendações e a adotar Convenções, no sentido de robustecer o desenvolvimento de políticas públicas e mecanismos que respondam às vulnerabilidades das crianças e jovens e respetivas famílias.
Na sequência da Recomendação (UE) 2021/1004, de 14 de junho 2021, do Conselho Europeu, Portugal definiu o Plano de Ação da Garantia para a Infância 2022-2030. Este Plano tem como objetivos prevenir e combater a exclusão social, garantir o acesso das crianças mais vulneráveis a um conjunto de serviços essenciais e contribuir para defender os seus direitos, combatendo a pobreza infantil e promovendo a igualdade de oportunidades.
Mais recentemente, a Recomendação (UE) 2024/1238 da Comissão Europeia, de 23 de abril de 2024, sobre o desenvolvimento e o reforço de sistemas integrados de proteção das crianças, convida os Estados-Membros a adotar medidas eficazes, adequadas e proporcionais para continuar a desenvolver sistemas integrados de proteção. Estes sistemas de proteção devem permitir, nomeadamente, a participação e a expressão das opiniões das crianças e jovens, a proteção da sua saúde mental e a sua inclusão.
A evolução social e económica, e a evolução tecnológica, colocam-nos hoje novas questões associadas às tecnologias de informação e à Internet, sendo fundamental promover reflexões sobre a matéria, tal como preconizado na Recomendação adotada pelo Conselho da Europa, em 4 de julho de 2018.
Procurando responder a todos estes desafios, o Governo pretende reconhecer e valorizar os serviços e os profissionais que acompanham diretamente as crianças e os jovens nos seus contextos de vida, investindo na prevenção e na dimensão protetiva das respostas.
Pretende, igualmente, incentivar uma abordagem centrada na criança com o objetivo primordial de garantir que todas as crianças e jovens têm acesso a serviços de qualidade em matéria de saúde, educação, formação, ação social, segurança e habitação.
O Governo tem ainda como objetivo assegurar que as crianças e jovens privados de cuidados parentais vejam garantido o direito a crescer num ambiente familiar que responda às suas necessidades e expectativas. Transversalmente, a promoção da cidadania ativa e da participação, a inclusão, a segurança digital e a cultura da não violência, assumem-se como dimensões estruturantes a ser incorporadas nas políticas de proteção da infância.
Tendo em conta o exposto, atento o caminho que Portugal tem percorrido para a efetiva promoção dos direitos das crianças, considera-se relevante avaliar os instrumentos estratégicos existentes, identificando as matérias da infância e juventude num quadro único que, de forma articulada e abrangente, preveja medidas e ações que respondam ao bem-estar de todas as crianças e jovens.
É, para este efeito, apresentada a Estratégia Única dos Direitos das Crianças e Jovens 2025-2035 (EUDCJ 2025-2035).
A EUDCJ 2025-2035 estabelece as prioridades de intervenção que visam melhorar a qualidade de vida das crianças e jovens e integra as áreas prioritárias e as linhas de ação que asseguram a continuidade das medidas implementadas no âmbito Estratégia Nacional para os Direitos das Crianças 2021-2024, a integração do Plano de Ação da Garantia para a Infância 2022-2030 (PAGPI) e a articulação com o Eixo Estratégico 1 da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 (ENCP).
Nesta circunstância, a EUDCJ 2025-2035 constitui um instrumento que visa a efetiva articulação entre as referidas estratégias e a PAGPI, de forma a tornar as políticas públicas mais eficazes e enquadradas numa visão mais integradora e coerente.
Alinhada com o compromisso internacional para o desenvolvimento sustentável, subscrito por Portugal, a Estratégia visa contribuir para a prossecução de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conforme preconizados na Agenda 2030 das Nações Unidas, nomeadamente: Erradicar a pobreza (ODS 1); Educação de qualidade (ODS 4); Saúde de qualidade (ODS 3); Reduzir as desigualdades (ODS 10); Cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11); e Paz, justiça e instituições eficazes (ODS 16).
A presente EUDCJ 2025-2035 resulta da avaliação efetuada pelo grupo de trabalho constituído pelo Despacho 8972/2024, de 8 de agosto, tendo nesta sede sido recolhidos contributos dos Ministérios da Justiça, da Educação, Ciência e Inovação e da Juventude e Modernização.
Foram ouvidos representantes da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, da Casa Pia de Lisboa, I. P., da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, da Garantia para a Infância, da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza e das Organizações do Setor Social e Solidário, assim como de personalidades e académicos com percursos relevantes no domínio da infância e juventude.
Foi ainda promovida a audição do Conselho Nacional de Crianças e Jovens, com idades compreendidas entre os 8 e os 16 anos.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar a Estratégia Única dos Direitos das Crianças e Jovens 2025-2035 (EUDCJ 2025-2035), constante do anexo à presente resolução e da qual faz parte integrante.
2 - Determinar que a EUDCJ 2025-2035 se organiza em torno das seguintes áreas estratégicas:
a) Desenvolvimento integral e bem-estar de todas as crianças e jovens;
b) Direito a crescer em ambiente familiar;
c) Cidadania ativa das crianças e dos jovens como investimento para uma sociedade democrática;
d) Política de tolerância zero à pobreza e exclusão social das crianças e jovens;
e) Sociedade inclusiva para todas as crianças e jovens;
f) Cultura de não violência;
g) Segurança na Era digital;
h) Conhecimento científico e formação.
3 - Determinar que as áreas estratégicas identificadas no número anterior dão origem a planos de ação específicos que incluem as linhas de ação a desenvolver, as medidas, os indicadores, as metas a atingir, as entidades envolvidas, a entidade responsável e a fonte de financiamento.
4 - Determinar que os respetivos planos de ação têm como âmbito temporal os períodos de 2025-2030 e de 2031-2035.
5 - Estipular que a continuidade das medidas definidas na Estratégia para os Direitos das Crianças 2021-2024, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 112/2020, de 18 de dezembro, a execução do Plano de Ação da Garantia para a Infância 2022-2030, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2023, de 17 de janeiro, e a articulação com o Eixo Estratégico 1 da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 184/2021, de 29 de dezembro, se processa de forma integrada através da implementação da presente Estratégia Única dos Direitos das Crianças e Jovens 2025-2035, de forma a assegurar a necessária integração e articulação de todas as políticas públicas de apoio à promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens.
6 - Implementar um modelo de governança multinível, centrado na criança ou jovem, baseado nos princípios e diretrizes nacionais, coordenando a ação a nível local e garantindo os recursos necessários para a execução da EUDCJ 2025-2035, que inclui:
a) A Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), que coordena em articulação com o membro do governo responsável pela área governativa da ação social e da inclusão;
b) Um representante de cada uma das áreas governativas envolvidas na execução e acompanhamento das políticas abrangidas pela presente Estratégia, a quem compete:
i) Acompanhar e dinamizar a implementação das medidas previstas nas áreas estratégicas da EUDCJ;
ii) Apoiar as entidades locais que intervêm junto das crianças e jovens;
iii) Apresentar propostas concretas de ação no domínio da promoção dos direitos das crianças;
iv) Assegurar uma abordagem colaborativa e um alinhamento efetivo entre os intervenientes envolvidos na execução das medidas;
v) Propor ações de melhoria no âmbito da intervenção direta com as crianças e jovens e suas famílias;
vi) Acompanhar as medidas desenvolvidas em cada território;
vii) Referenciar as necessidades de alteração ao quadro normativo em vigor, elaborando propostas e recomendações;
viii) Facilitar e preparar, em cada território, a operacionalização das medidas da EUDCJ, consoante a respetiva área setorial.
7 - Promover a participação e a audição das crianças e jovens em todas as matérias que lhes digam diretamente respeito, através dos conselhos nacionais consultivos constituídos ao abrigo da legislação específica.
8 - Determinar que compete à CNPDPCJ, como entidade coordenadora:
a) Apresentar o Plano de Ação 2025-2030, no prazo de 120 dias após a entrada em vigor da presente resolução, e o Plano de Ação 2031-2035, até ao final do primeiro trimestre de 2031;
b) Executar, monitorizar e avaliar a implementação da Estratégia, em colaboração com as entidades envolvidas;
c) Proceder a avaliações intermédias sobre a execução da EUDCJ e apresentar e divulgar os respetivos relatórios de monitorização referentes ao Plano de Ação 2025 -2030 e ao Plano de Ação 2031-2035;
d) Facilitar a articulação entre os diversos intervenientes e a colaboração com todas as entidades que possam ser relevantes para a implementação da EUDCJ;
e) Propor a eventual revisão das medidas da EUDCJ para responder a necessidades emergentes;
f) Elaborar e divulgar o relatório final de execução da EUDCJ até ao final do primeiro trimestre de 2036.
9 - Determinar que compete a cada área governativa envolvida na execução das ações e atividades que integram a EUDCJ assegurar a sua implementação e os encargos de acordo com as respetivas dotações e disponibilidades orçamentais.
10 - Determinar que os membros da CNPDPCJ e das áreas governativas envolvidas na implementação da Estratégia, não auferem qualquer remuneração adicional, incluindo senhas de presença e ajudas de custo, pela participação em reuniões ou trabalhos, sendo as suas funções exercidas a título gratuito.
11 - Estabelecer que as verbas a alocar à execução da EUDCJ estão no enquadramento orçamental dos serviços e dos organismos responsáveis, e que é salvaguardada, quando aplicável, a sua execução pelos fundos europeus.
12 - Determinar que a presente resolução produz efeitos a 1 de janeiro de 2025.
Presidência do Conselho de Ministros, 20 de fevereiro de 2025. - Pelo Primeiro-Ministro, Joaquim Miranda Sarmento, Ministro de Estado e das Finanças.
ANEXO
(a que se refere o n.º 1)
Estratégia Única dos Direitos das Crianças e Jovens 2025-2035
I - Missão
O Estado, em articulação com as famílias e todas as entidades com competências e responsabilidades em matéria de infância e juventude, compromete-se a assegurar o efetivo exercício dos direitos das crianças e jovens, promovendo o seu bem-estar, desenvolvimento integral e segurança.
II - Visão
Todas as crianças e jovens têm direito ao seu desenvolvimento integral em condições de igualdade e sem discriminações, num ambiente familiar saudável, inclusivo e seguro, e ao pleno exercício dos seus direitos.
III - Enquadramento
A presente EUDCJ tem por base uma perspetiva holística e uma abordagem integrada das políticas públicas, definindo oito áreas estratégicas prioritárias.
Esta Estratégia decorre da avaliação efetuada aos instrumentos estratégicos existentes e preconiza uma maior articulação entre todos os intervenientes com responsabilidade em matéria da infância e juventude na prossecução das medidas e ações consideradas essenciais ao desenvolvimento integral das crianças e jovens.
IV - Áreas estratégicas e linhas de ação
Para a implementação da EUDCJ foram definidas as seguintes áreas estratégicas e linhas de ação que orientam a elaboração e a execução dos planos de ação:
Área estratégica | Linhas de ação |
---|---|
1 - Desenvolvimento integral e bem-estar de todas as crianças e jovens | Valorizar e apoiar o período pré-natal |
Promover o acesso a serviços essenciais de qualidade | |
Promover a saúde e prevenir a doença | |
Promover cuidados e uma educação de infância de qualidade | |
Promover um ambiente saudável e habitação digna | |
Promover a saúde mental e garantir intervenção terapêutica | |
Criar espaços, nos territórios, de resposta integrada à criança e à família | |
2 - Direito a crescer em ambiente familiar | Apoiar o exercício da parentalidade |
Promover o direito à preservação dos laços familiares | |
Promover o acolhimento familiar | |
Reconfigurar e qualificar o acolhimento residencial | |
Promover respostas de autonomia de vida dos jovens | |
3 - Cidadania ativa das crianças e jovens como investimento para uma sociedade democrática | Valorizar o exercício e a participação para a cidadania no âmbito do sistema educativo |
Promover uma cultura de informação, audição e participação das crianças e jovens | |
Apostar no desenvolvimento de metodologias de transmissão de valores de cidadania e humanos, nos contextos onde as crianças ou jovens se inserem, capacitando os mesmos a serem veículo de mudança | |
4 - Política de tolerância zero à pobreza e exclusão social das crianças e jovens | Integrar, no âmbito da política de tolerância zero à pobreza e exclusão social das crianças, o Plano de Ação Nacional da Garantia para a Infância 2022-2030 |
Articular com o Eixo Estratégico 1 da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 | |
Garantir equidade no acesso das crianças e jovens aos serviços essenciais | |
Reforçar a ação social escolar | |
Reforçar a proteção social das famílias monoparentais e alargadas | |
Reforçar o apoio social local, designadamente ao nível da emergência social | |
5 - Sociedade inclusiva para todas as crianças e jovens | Desenvolver programas específicos de acordo com as condições de vulnerabilidade de grupos de crianças e jovens |
Promover políticas de acessibilidade universal | |
Reforçar programas de promoção/educação da língua portuguesa | |
Reforçar o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI) | |
Prosseguir o combate à falta de qualificações em Portugal | |
6 - Cultura de não violência | Promover ambientes seguros de socialização |
Assegurar a intervenção especializada e multidisciplinar para crianças e jovens vítimas de violência e abusos | |
Promover a formação sobre violência para agentes educativos | |
Prevenir a delinquência | |
Promover políticas de educação e capacitação dos jovens com processo tutelar educativo, nos temas sobre direitos e deveres da vida em sociedade, com caráter reparador e de integração | |
Incrementar mecanismos de articulação eficazes entre o Sistema de Promoção e Proteção e o Sistema Tutelar Educativo | |
Implementar o modelo Barnahus na violência contra a criança, na área da recolha de elementos de informação, em investigações e processos de apoio à vítima | |
7 - Segurança na Era digital | Promover a literacia digital de crianças e jovens |
Promover a segurança e o uso responsável das tecnologias digitais | |
Assegurar a utilização da inteligência artificial de forma responsável | |
Promover o acesso a serviços públicos digitais a crianças e jovens | |
8 - Conhecimento científico e formação | Criar mecanismos para monitorizar e avaliar a implementação da Estratégia |
Promover a produção de conhecimento e organização de dados qualitativos e quantitativos sobre a situação das crianças e jovens | |
Investir no desenvolvimento de competências dos profissionais que lidam com crianças e jovens orientadas para a relação empática | |
Criar uma plataforma digital que permita a recolha, consulta e monitorização da implementação da EUDCJ |
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