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Acórdão 148/94, de 3 de Maio

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Sumário

DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORCA OBRIGATORIA GERAL, DA NORMA DO ARTIGO 6, NUMERO 2, DA LEI 20/92, DE 14 DE AGOSTO, - - ESTABELECE NORMAS RELATIVAS AO SISTEMA DE PROPINAS-, NA PARTE EM QUE, CONJUGADO COM O ARTIGO 16, NUMERO 2, DA MESMA LEI, PERMITE QUE, PARA OS ANOS LECTIVOS DE 1993-1994, 1994-1995 E SEGUINTES, A PERCENTAGEM PARA A DETERMINACAO DO MONTANTE DAS PROPINAS SEJA FIXADA ACIMA DE 25%, POR VIOLACAO DO ARTIGO 74, NUMERO 3, ALINEA E), DA CONSTITUICAO. DECLARA TAMBEM A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORCA OBRIGATORIA GERAL, DA NORMA CONSTANTE DO ARTIGO 11, NUMERO 1, DA MENCIONADA LEI, NA PARTE EM QUE NAO FIXA UM LIMITE MAXIMO DA PERCENTAGEM PARA A DETERMINACAO DA TAXA DE MATRICULA, POR VIOLACAO DO ARTIGO 74, NUMERO 3, ALINEA E), DA CONSTITUICAO. NAO DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS CONSTANTES DOS ARTIGOS 6, NUMERO 2, E 11, NUMEROS 1 E 2, NAS PARTES NAO ABRANGIDAS PELAS DECLARACOES DE INCONSTITUCIONALIDADE NEM A INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 12, NUMERO 2, ALINEA A, 13, NUMERO 2, E 16, NUMERO

Texto do documento

Acórdão n.° 148/94 - Processo n.° 530/92

Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:

I

1 - O Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional, em 28 de Setembro de 1992, nos termos da alínea a) do n.° 2 do artigo 281.° da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP, e dos artigos 51.°, n.° 1, e 62.°, n.° 1, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.os 1 e 2, 12.°, n.° 2, alínea a), 13.°, n.° 2, e 16.°, n.° 2, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, que estabelece normas relativas ao sistema de propinas.

O requerimento foi assim fundamentado:

1 - A Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, procedeu à revisão do sistema de propinas devidas pela matrícula e pela inscrição anual nos cursos das instituições de ensino superior público, constante do Decreto-Lei n.° 31 658, de 21 de Novembro de 1941. Pretendeu-se estabelecer «um sistema que correlacione o valor das propinas com a natureza e a organização das instituições e os seus custos de funcionamento» (cf. exposição de motivos da proposta de lei n.° 26/VI, in Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.° 39, de 23 de Maio de 1992) e prosseguir dois objectivos fundamentais:

«assegurar a justiça social no respeito pelo princípio constitucional da garantia de igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior;

contribuir para a moralização do sistema» (cf. intervenção do Sr. Ministro da Educação, in Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.° 69, de 29 de Maio de 1992).

O sistema de propinas por esta lei instituído, muito especialmente no que respeita à sua fórmula de cálculo, tem vindo, porém, a suscitar dúvidas de constitucionalidade.

2 - O artigo 6.°, n.° 2, daquela lei prescreve, com efeito, que o valor das propinas se situará entre um montante mínimo, correspondente a uma percentagem - determinada nos termos do n.° 2 do artigo 16.° - do resultado da divisão das despesas de funcionamento e de capital do ano imediatamente anterior pelo número total de alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo, e um montante máximo cuja expressão percentual não poderá ser superior ao dobro da correspondente ao montante mínimo.

Nos termos do artigo 16.°, n.° 2, a referida percentagem é fixada em 12 % no ano lectivo de 1992-1993, em 20 % no ano lectivo de 1993-1994 e em 25 % nos anos lectivos de 1994-1995 e seguintes.

A estas propinas acresce, de acordo com o disposto no artigo 11.°, n.os 1 e 2, uma «taxa de matrícula» - propina de matrícula, na expressão do diploma de 1941 - pelo ingresso ou reingresso, após interrupção por período superior a um ano, do aluno numa instituição. O seu valor mínimo não será inferior a 10 % do montante calculado nos termos do n.° 2 do artigo 6.°, não sendo estabelecido qualquer limite para a fixação do seu valor máximo.

Assim sendo, caso se conclua que, ao abrigo destas disposições da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, se permite que o valor das propinas (de matrícula e de inscrição anual dos cursos) possa vir a ser fixado, pelos órgãos competentes das universidades ou pelo Conselho Técnico dos Institutos Politécnicos, em montantes que ultrapassem os limites de uma simples actualização face ao crescimento geral dos preços, especialmente nos segmentos em que é permitida a fixação dos montantes máximos, poderá estar a ser violado o disposto no artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da Constituição.

Mais do que um exercício de natureza contabilística, coloca-se a questão de saber em que medida é compatível com a obrigação estadual de estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino, a caracterização das propinas como «taxas de cobertura de custos» - porque baseadas apenas numa relação entre os custos de funcionamento e de capital e o número de alunos -, sem qualquer «cláusula travão» que contenha permanentemente os seus aumentos, pelo menos nos limites do crescimento geral dos preços.

3 - Por outro lado, sendo o direito ao ensino, na sua dimensão de «direito negativo à escola» (artigo 74.°, n.° 1, primeira parte, da Constituição), um direito de liberdade de natureza análoga aos «direitos, liberdades e garantias», suscitam-se dúvidas sobre se as normas contidas nos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.os 1 e 2, 12.°, n.° 2, alínea a), 13.°, n.° 2, e 16.°, n.° 2, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, respeitam os pressupostos materiais de legitimidade constitucional das leis restritivas do seu exercício, na medida em que:

3.1 - Constituindo os montantes provenientes do pagamento de propinas e da taxa de matrícula receita própria das instituições (artigos 1.°, n.° 3, e 11.°, n.° 3, da lei em apreço), não deverá deixar de ser ponderado, face ao princípio da proporcionalidade, o efeito multiplicador desse aumento de receita - máxime, se prioritariamente afecto «à prossecução de uma política de acção social e às acções que visem promover o sucesso educativo» - nos custos de funcionamento e de capital das instituições e sua repercussão na fixação do valor do montante das propinas e da taxa de matrícula nos anos seguintes;

3.2 - Englobando a fórmula de cálculo do montante das propinas todas as despesas de funcionamento e de capital das instituições, com exclusão apenas das despesas de investimento, sem distinguir custos com o ensino e custos com a investigação, o disposto no artigo 6.°, n.° 2, da lei em apreciação poderá entrar em conflito com o princípio da proporcionalidade, tendo, designadamente, em conta as responsabilidades acrescidas das universidades públicas com as actividades de investigação, decorrentes da extinção do Instituto Nacional de Investigação Científica e dos investimentos do programa «Ciência», bem como a tendência para, em ligação com as instituições, fazer participar entidades privadas no incremento da investigação, com partilha de custos e de resultados;

3.3 - Da simples aplicação das percentagens previstas no artigo 16.°, n.° 2, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, resulta uma progressão do aumento do valor do montante mínimo das propinas na ordem dos 108 %, escalonada por dois anos lectivos - 66 % no ano de 1993-1994 e 25 % no ano de 1994-1995 -, isto para além dos aumentos resultantes do incremento dos custos de funcionamento e de capital, como consequência dos investimentos e da inflação;

3.4 - Podem ainda suscitar-se dúvidas sobre a razoabilidade e a proporcionalidade das normas contidas nos artigos 12.°, n.° 2, alínea a), e 13.°, n.° 2, da referida lei, ao preverem a possibilidade de aplicação, a título de sanções acessórias, de medidas que parecem afectar o núcleo essencial do direito ao ensino, consagrado no artigo 74.°, n.° 1, primeira parte, da Constituição.

4 - Finalmente, a fórmula de cálculo do valor do montante das propinas, constante do artigo 6.°, n.° 2, da lei em apreciação, poderá ser geradora de diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes, o que, a verificar-se, configurará violação do princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição).

Tais diferenciações de tratamento poderão decorrer, designadamente, do facto de os custos de funcionamento e de capital serem sensivelmente superiores nas instituições com maior incidência de licenciaturas em áreas tecnológicas ou de saúde e do agravamento que, por razões estranhas à natureza e à qualidade dos serviços prestados aos alunos pelas instituições, os chamados «custos da interioridade e da insularidade» e as assimetrias regionais, inelutavelmente acarretam nos custos de funcionamento e de capital;

2 - Ouvido nos termos e para os efeitos dos artigos 54.° e 55.°, n.° 3, da citada Lei n.° 28/82, o Presidente da Assembleia da República limitou-se a oferecer o merecimento dos autos, remetendo os exemplares do «Diário da Assembleia da República relativos à discussão e aprovação do diploma» em causa.

3 - Foram depois apensados três pareceres académicos subscritos pelos Profs. Jorge Miranda e Pinto Barbosa e pelo Dr. Esteves de Oliveira, todos remetidos pelo Gabinete do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, e também um parecer igualmente remetido pelo mesmo Gabinete, assinado por Victor João de Vasconcelos Raposo Ribeiro Calvete (também foi junto aos autos o exemplar do jornal Ervilha, ano I, n.° 2, Março de 1993, órgão oficial da Associação de Estudantes da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa).

4 - Foi elaborado memorando pelo relator no qual se enunciaram as questões a resolver e se propôs a solução para elas e, na sequência da discussão desse memorando, foi colhida a decisão e registada no livro de lembranças na sessão de 16 de Dezembro de 1993.

II

5 - Como se lê no sumário que consta do Diário da República em que vem inserida, a Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, estabelece normas relativas ao sistema de propinas e doravante irá chamar-se-lhe Lei das Propinas.

No artigo 1.° fixa-se o princípio de que «são devidas propinas pela inscrição anual dos cursos das instituições de ensino superior público» (n.° 1), cujos montantes «constituem receita própria das instituições, a afectar, prioritariamente, à prossecução de uma política de acção social e às acções que visem promover o sucesso educativo» (n.° 3).

Para além das propinas, estabelece o artigo 11.° uma «taxa de matrícula pelo ingresso do aluno numa instituição», a pagar, em princípio, «no acto da primeira matrícula na instituição e de uma só vez».

Nos artigos 2.° a 4.°, 7.° e 9.° definem-se, porém, os regimes de isenção e redução de propinas.

O artigo 5.° manda abater ao rendimento colectável para efeito de IRS o montante despendido com o pagamento das propinas.

Nos artigos 6.°, 8.° e 16.°, n.° 2, contêm-se regras sobre o cálculo do montante das propinas e, bem assim, sobre formas e prazos do respectivo pagamento.

Os artigos 12.° e 13.° caracterizam como contra-ordenações a «prestação de falsas declarações ou a omissão de dados que resultem na violação do disposto nos artigos 2.°, 3.° e 4.° no respeitante ao preenchimento dos requisitos para a isenção ou para a redução no pagamento de propinas» (artigo 12.°) e o não pagamento pontual das propinas (artigo 13.°).

Feita esta abreviada resenha do conteúdo do diploma, transcrevem-se as normas cuja constitucionalidade é posta em causa no requerimento do Presidente da República:

Art. 6.°.................................................................................................................

2 - O valor referido no número anterior [isto é, o montante das propinas, a fixar anualmente pelo órgão competente das universidades ou pelo Conselho Geral dos Institutos Politécnicos] é fixado entre o montante mínimo, correspondente a uma percentagem determinada nos termos do n.° 2 do artigo 16.°, do resultado da divisão das despesas de funcionamento e de capital do ano imediatamente anterior pelo número total dos alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo e o máximo a determinar pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas ou pelo Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos, consoante os casos, cuja expressão percentual não poderá ser superior ao dobro da correspondente ao montante mínimo.

Art. 16.°...............................................................................................................

2 - No ano lectivo de 1992-1993 a percentagem a que se refere o n.° 2 do artigo 6.° é fixada em 12 %, sendo no ano lectivo de 1993-1994 fixada em 20 % e no ano lectivo de 1994-1995 e seguintes fixada em 25 %.

Art. 11.° - 1 - É devida uma taxa de matrícula pelo ingresso do aluno numa instituição, de valor a fixar pelo órgão competente das universidades ou pelo Conselho Geral dos Institutos Politécnicos, mas não inferior a 10 % do montante mínimo calculado nos termos do n.° 2 do artigo 6.° 2 - A taxa referida no número anterior é paga no acto da primeira matrícula na instituição e de uma só vez, excepto quando o aluno interrompa os seus estudos por período superior a um ano, caso em que há lugar ao pagamento de nova taxa.

Art. 12.°...............................................................................................................

2 - Juntamente com a coima prevista no número anterior [coima de 200 000$ a 500 000$, pela prestação de falsas declarações ou omissão de dados que resultem na violação do disposto nos artigos 2.°, 3.° e 4.° no respeitante ao preenchimento dos requisitos para a isenção ou para a redução no pagamento de propinas] podem ainda ser aplicadas as seguintes sanções:

a) Anulação da matrícula e da inscrição anual e privação do direito de efectuar nova matrícula na mesma ou em outra instituição por prazo não superior a dois anos.

............................................................................................................................

Art. 13.°...............................................................................................................

2 - A contra-ordenação prevista no número anterior [isto é, o não pagamento pontual das propinas] pode dar ainda lugar, a título de sanção acessória, à anulação da inscrição anual respectiva;

6 - Em matéria de propinas no ensino superior, à data da publicação da Lei das Propinas, estava ainda em vigor, pelo menos, em parte, o Decreto-Lei n.° 31 658, de 21 de Novembro de 1941, cujo preâmbulo anunciava o propósito de «fazer-se agora não propriamente a actualização, mas um aumento que marque a tendência para aproximar o sistema das propinas do ensino superior do sistema geral de taxas a pagar pelos outros serviços públicos» (também se referem à matéria das propinas o Decreto n.° 39 001, de 20 de Novembro de 1952, que promulgou o Regulamento dos Serviços Administrativos das Universidades de Coimbra, Lisboa e Porto, o Decreto-Lei n.° 418/73, de 21 de Agosto, e a Portaria n.° 320/74, de 24 de Abril).

No artigo 20.° estabelecia aquele Decreto-Lei n.° 31 658 a obrigatoriedade de pagamento de «propinas», «indemnizações» e «emolumentos» pela «matrícula nas universidades», pelas «inscrições e trabalhos práticos» e pelos «actos de secretaria». E no artigo 21.° previa-se o «pagamento da propina de matrícula [...] feito por uma só vez, no acto da assinatura do respectivo termo».

Essas propinas e indemnizações eram fixadas na tabela anexa nos seguintes valores: matrícula (propina de matrícula), 100$; inscrição (por ano), 1200$; trabalhos práticos em laboratórios e oficinas, 100$ por cadeira anual e 50$ por cadeira semestral (valores mantidos com o Decreto-Lei n.° 418/73, de 26 de Agosto, apenas deixando de exigir indemnizações por trabalhos práticos em laboratórios e oficinas, e que tacitamente derrogou os artigos 20.° e 21.° do citado Decreto-Lei n.° 31 658).

Finalmente, instituiu-se nesse decreto-lei a faculdade para as escolas de concederem três benefícios:

a) Isenção de propinas, indemnizações e emolumentos (artigos 23.° e 24.°);

b) Redução de propinas e indemnizações (artigo 25.°);

c) Bolsas, da importância de 3000$ anuais, que importavam a isenção de propinas, indemnizações e emolumentos de secretaria (artigo 22.°).

O novo sistema, isto é, o sistema criado pela Lei das Propinas, foi assim justificado na exposição de motivos que antecede a proposta de lei aprovada em Conselho de Ministros de 14 de Maio de 1992 (proposta de lei n.° 26/VI, publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, de 23 de Maio de 1992, p. 756):

Nos últimos cinco anos assistiu-se a um significativo crescimento da população estudantil a nível do ensino superior, o que, por um lado, reflecte importantes alterações a nível económico e social na sociedade portuguesa e, por outro, exige uma análise profunda do funcionamento deste sistema de ensino.

Esta realidade exige maior eficiência do sistema, melhoria na qualidade do ensino e maior apoio aos alunos através da acção social.

A revisão do sistema de propinas está ligada à exequibilidade destes princípios. Esta revisão torna-se urgente, considerando que nesta matéria a situação que, presentemente, se verifica em Portugal é profundamente inequitativa, na medida em que introduz uma discriminação negativa nas despesas das famílias portuguesas com a educação, resultando num maior benefício para as famílias de mais altos rendimentos, e contraria, por essa forma, a justiça distributiva visada pelo sistema fiscal.

Acresce, ainda, que se trata de um valor igual para todos os alunos, independentemente da sua situação económica, o que introduz um outro factor de injustiça, uma vez que no ensino superior os benefícios revertem em parte para os próprios alunos.

Por outro lado, o valor das actuais propinas no ensino superior foi fixado há mais de 50 anos, nunca tendo sido actualizado, pelo que se sobrevalorizou até ao valor simbólico actual.

Note-se que, a ter ocorrido uma actualização, o valor actual das propinas se situaria na ordem da centena de contos.

Assim, torna-se imperativo proceder à revisão do actual sistema de propinas, de molde a corrigir a injustiça resultante da circunstância de os portugueses de menores recursos estarem a contribuir para que os alunos com rendimentos familiares elevados tenham também uma comparticipação do Estado que ronda um valor próximo dos 500 contos por ano.

O modelo agora proposto estabelece relações de justiça e solidariedade, através da determinação do pagamento de propinas, em função do rendimento familiar, e fazendo reverter as receitas daí resultantes para a Acção Social Escolar e para a promoção do sucesso no ensino superior.

Assim, o pagamento integral de propinas só será exigido aos alunos cujos rendimentos familiares sejam bastante elevados, que se situem acima de um valor actualizável por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Educação.

Os alunos cujos rendimentos familiares sejam de nível médio ou mesmo superiores à média beneficiarão de uma redução no pagamento de propinas e os alunos cujos rendimentos familiares sejam de valores inferiores à média ficarão isentos.

O aumento das receitas próprias das instituições de ensino superior decorrente da actualização do valor das propinas será prioritariamente afecto ao desenvolvimento da política de acção social, à melhoria das condições de apoio pedagógico ao estudante e à promoção do sucesso escolar.

A fixação do valor das propinas é cometida ao órgão competente das universidades e ao Conselho Geral dos Institutos Politécnicos, em respeito pelo princípio da autonomia universitária.

Aquele valor situar-se-á entre um montante mínimo, decorrente de um princípio legalmente fixado, e será indexado ao número de alunos da instituição e às respectivas despesas de funcionamento, e um montante máximo a determinar, consoante os casos, pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas ou pelo Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos.

Pretende-se, deste modo, estabelecer um sistema que correlacione o valor das propinas com a natureza e a organização da instituição e os seus custos de funcionamento.

O acesso aos benefícios de isenção ou redução de propinas será exemplarmente simplificado, de molde a não condicionar negativamente o bom funcionamento do sistema, e será facilitada a forma de pagamento das propinas, que poderá efectuar-se em prestações mensais ou trimestrais, sendo também facultada aos alunos a possibilidade de realizar o seu pagamento por transferência bancária, criando-se, assim, um mecanismo mais célere com o objectivo de desburocratizar o sistema.

Finalmente, são introduzidos na presente lei mecanismos através dos quais se pretende assegurar a transparência e a veracidade do sistema, bem como a responsabilização dos alunos pelas declarações prestadas, instrumentos que permitem conferir uma eficácia acrescida ao novo regime.

Na mesma ordem de ideias, o Ministro da Educação, na apresentação que fez dessa proposta de lei na Assembleia da República (no Diário da Assembleia da República, 1.ª série, de 29 de Maio de 1992, p. 2240), chamou a atenção precisamente para o facto de que «há famílias de fracos recursos económicos cujos filhos não frequentam o ensino superior mas que estão a contribuir para que os filhos de famílias com recursos económicos mais elevados recebam do Estado uma "bolsa' de cerca de 500 contos/ano, valor este que corresponde, hoje, ao custo médio por aluno».

7 - O enquadramento do pedido passa por dois blocos de normas da Lei das Propinas:

Bloco Y) O dos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.os 1 e 2, e 16.°, n.° 2, relativamente às propinas e à taxa de matrícula, conjugados entre si e no segmento apenas da fórmula do cálculo a utilizar, com incidência nos montantes mínimos e máximos do valor das propinas e no limite mínimo da taxa de matrícula;

Bloco X) O dos artigos 12.°, n.° 2, alínea a), e 13.°, n.° 2, quanto às medidas que, a título de «sanções acessórias», podem ser aplicadas aos infractores, nomeadamente os alunos inadimplentes.

Registe-se ainda, sem prejuízo da regra prescrita no n.° 5 do artigo 51.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, que a fundamentação de que se serve o Presidente da República apoia-se na invocação das «normas dos artigos 13.°, 18.°, n.os 2 e 3, e 74.°, n.os 1 e 3, alínea e), da Constituição da República», com as quais estariam em confronto os preceitos indicados da Lei das Propinas, e podendo, para maior comodidade, sintetizar-se assim essa fundamentação:

O valor das propinas e da taxa de matrícula, fixado nos termos conjugados dos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.os 1 e 2, e 16.°, n.° 2, envolvendo «montantes que ultrapassem os limites de uma simples actualização face ao crescimento geral dos preços, especialmente nos segmentos em que é permitida a fixação dos montantes máximos», colide com o disposto no artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da Constituição [«poderá estar a ser violado o disposto no artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da Constituição» - é como se lê no requerimento], pois «coloca-se a questão de saber em que medida é compatível com a obrigação estadual de estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino, a caracterização das propinas como "taxas de cobertura de custos'»;

«O seu valor mínimo [o valor da taxa de matrícula] não será inferior a 10 % do montante calculado nos termos do n.° 2 do artigo 6.°, não sendo estabelecido qualquer limite para a fixação do seu valor máximo»;

«A fórmula de cálculo do montante das propinas», ao englobar «todas as despesas de funcionamento e de capital das instituições, com exclusão apenas das despesas de investimento, sem distinguir custos com o ensino e custos com a investigação, poderá entrar em conflito com o princípio da proporcionalidade, tendo designadamente em conta as responsabilidades acrescidas das universidades públicas com as actividades de investigação, decorrentes da extinção do Instituto Nacional de Investigação Científica e dos investimentos do programa "Ciência', bem como a tendência para, em ligação com as instituições, fazer participar entidades privadas no incremento da investigação, com partilha de custos e de resultados», e ainda «poderá ser geradora de diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes, o que, a verificar-se, configurará violação do princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição)»;

«Da simples aplicação das percentagens previstas no artigo 16.°, n.° 2, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, resulta uma progressão do aumento do valor do montante mínimo das propinas na ordem dos 108 %, escalonada por dois anos lectivos - 66 % no ano de 1993-1994 e 25 % no ano de 1994-1995 - isto para além dos aumentos resultantes do incremento dos custos de funcionamento e de capital, como consequência dos investimentos e da inflação».

A previsão da «possibilidade de aplicação, a título de sanções acessórias, de medidas que parecem afectar o núcleo essencial do direito ao ensino, consagrado no artigo 74.°, n.° 1, primeira parte, da Constituição», faz suscitar «dúvidas sobre a razoabilidade e a proporcionalidade das respectivas normas».

8 - Em jeito de esclarecimento preliminar, e para facilitar o desenvolvimento do discurso, diga-se desde já que, não estando abrangido no pedido o artigo 1.° da Lei das Propinas, não vem discutida, no plano da constitucionalidade material, a exigência do pagamento das propinas, irrelevando qualquer consideração que se possa fazer a tal propósito (o mesmo se diga da taxa de matrícula prevista no n.° 1 do artigo 11.°, pois, quanto ao segmento da norma de que «é devida uma taxa de matrícula pelo ingresso do aluno numa instituição», ele não vem questionado no pedido).

As propinas, aliás, estão previstas entre as receitas das instituições do ensino superior público [cf. artigos 10.°, n.° 2, alínea c), e 25.°, alínea j), da Lei n.° 108/88, de 24 de Setembro, e o artigo 14.°, n.° 2, alínea e), da Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro, que aqui não vêm questionados].

Assente, pois, que os alunos dos «cursos das instituições de ensino superior público» têm de pagar «propinas pela inscrição anual» e uma taxa de matrícula «no acto da primeira matrícula na instituição e de uma só vez», pagamento que, por motivos de ordem social, é amortecido com os mecanismos que a própria Lei das Propinas prevê, e que também escapam ao pedido do Presidente da República, o eixo central da discussão radica na fórmula a que o legislador aderiu, e na via da expressão percentual encontrada para se apurarem os montantes mínimo e máximo das propinas, e correlativamente da taxa de matrícula, nos anos lectivos de 1992-1993 e seguintes, sendo quase marginal a abordagem da questão das medidas estabelecidas, a título de sanções acessórias, para os infractores e alunos inadimplentes.

Daí que a apreciação da constitucionalidade das normas condensadas no bloco Y) seja diferente da apreciação relativamente ao bloco X), desde logo porque é muito mais restrita e concretizada quanto a este último (saber apenas se procedem ou não as «dúvidas sobre a razoabilidade e a proporcionalidade» das normas que prevêem as citadas medidas).

III

9 - Subjacente à exposição de motivos da proposta de lei que desembocou na Lei das Propinas e ao preâmbulo do diploma de 1941 está a ideia de que o ensino superior público deve também ser pago, em parte, pelos utentes desse ensino.

A verdade é que a gratuitidade do ensino superior público é uma afirmação de constituições de vários países, com sistemas políticos bem diferenciados, e sem necessidade mesmo de trazer à colação constituições de matriz soviética.

É o que se passa com as Constituições do México (artigo 3.°: «VII - Toda a educação ministrada pelo Estado será gratuita»), de Cuba [artigo 38.°, alínea ch): «La enseãnanza es gratuita»), do Brasil (artigo 206.°: «O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] IV - Gratuitidade do ensino público em estabelecimentos oficiais») e da Grécia (artigo 16.°, n.° 4:

«Tous les Hellènes ont droit à l'instruction gratuite à tous ses degrés dans les établissements de l'État»).

Também o preâmbulo da Constituição francesa de 1946, recebido na Constituição seguinte de 1958, proclama como dever do Estado a «organização do ensino público, gratuito e laico, em todos os graus», quando enuncia, «como particularmente necessários no nosso tempo os princípios políticos, económicos e sociais», e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 16 de Dezembro de 1966, aprovado, entre nós, para ratificação, sem reservas, pela Lei n.° 45/78, de 11 de Julho, consagra no artigo 13.°, n.° 2, alínea c), que o «ensino superior deve ser tornado acessível a todos em plena igualdade, em função das capacidades de cada um, por todos os meios apropriados e nomeadamente pela instauração progressiva da educação gratuita». Na Alemanha, no estado de Hesse, vigora também o princípio constitucional da gratuitidade do ensino superior.

10 - O ponto de partida, para se apurar da conformidade das normas questionadas da Lei das Propinas com a CRP, na versão revista de 1989, é a Constituição cultural, nas vertentes da educação e do ensino superior, e entendida ela como conjunto de princípios e normas que fixam no seu horizonte os direitos e deveres culturais atinentes àquele ramo de ensino.

Assim, temos que:

O artigo 73.°, n.° 1, consagra que todos «têm direito à educação e à cultura», competindo ao Estado promover «a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para o desenvolvimento da personalidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva» (n.° 2);

O artigo 74.°, n.° 1, consagra que todos «têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar», devendo o ensino «contribuir para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais, habilitar os cidadãos a participar democraticamente numa sociedade livre e promover a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade» (n.° 2);

O mesmo artigo 74.°, n.° 3, estabelece, de entre as incumbências do Estado na «realização da política de ensino», as de garantir «a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística» [alínea d)], e de estabelecer «progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino» [alínea e)];

O artigo 75.°, n.° 1, determina que o «Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população»;

O artigo 76.° reporta-se à universidade nos seguintes termos:

1 - O regime de acesso à universidade e às demais instituições de ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País.

2 - As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira.

Todo este complexo normativo, que não é meramente programático e contém antes uma vinculação para o legislador ordinário, não pode desprender-se de princípios fundamentais consagrados na CRP como seja o empenhamento da República «na construção de uma sociedade livre, justa e solidária» (artigo 1.°), o objectivo da «realização da democracia económica, social e cultural» (artigo 2.°), as tarefas fundamentais do Estado de promover «a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais» e assegurar «o ensino e a valorização permanente» [artigo 9.°, alíneas d) e f)]. E de direitos fundamentais, como o da «liberdade de aprender» (artigo 43.°, n.° 1), e o da «protecção especial», a que os jovens, «sobretudo aos jovens trabalhadores», gozam «para efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais», entre estes o ensino [artigo 70.°, n.° 1, alínea a)].

«A normativização expressa de direitos sociais, económicos e culturais na Constituição de 1976 significa o reconhecimento do princípio da democracia económica, social e cultural não apenas como princípio objectivo, conformador de medidas estaduais, mas também como princípio fundamentador de pretensões subjectivas.» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª ed., 1992, p. 555.) E, igualmente, não pode perder-se de vista o horizonte económico, pois está em jogo um pagamento da parte do consumidor do ensino superior como contrapartida da prestação desse ensino, que é um bem misto, proporcionando simultaneamente dois tipos de benefícios: o privado, a favor do consumidor, o público, favorecendo a comunidade em geral, atenta a afirmação constitucional do «desenvolvimento da personalidade», do «progresso social», das «necessidades em quadros qualificados» e da «elevação do nível educativo, cultural e científico do País» (na linguagem do deputado Adriano Moreira, «a concepção de universidade que temos na Constituição actual é uma concepção republicana que caminha para a gratuitidade, presta serviço à sociedade» - Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.° 69, de 29 de Maio de 1992, p. 2253).

Saber como deve assentar o financiamento correcto do ensino superior, nomeadamente se ele deve fazer-se só através do Orçamento do Estado, com a cobrança de impostos, envolvendo as perspectivas da eficiência e da equidade, é enveredar por vias que o âmbito do pedido em causa não obriga.

«O sistema público de ensino é, portanto, universal (pois tem de englobar todos os tipos e áreas necessários do ensino) e geral (pois tem de responder às necessidades de toda gente). Toda a necessidade de ensino há-de ter uma resposta no ensino público.» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 3.ª ed., p. 370.) Ensina Gomes Canotilho:

À medida que o Estado vai concretizando as suas responsabilidades no sentido de assegurar prestações existenciais dos cidadãos (é o fenómeno que a doutrina alemã designa por Daseinsvorsorge), resulta, de forma imediata, para os cidadãos:

O direito de igual acesso, obtenção e utilização de todas as instituições públicas criadas pelos poderes públicos (ex.: igual acesso às instituições de ensino, igual acesso aos serviços de saúde, igual acesso à utilização das vias e transportes públicos);

Direito de igual quota-parte (participação) nas prestações que estes serviços ou instituições prestam à comunidade (ex.: direito de quota-parte às prestações de saúde, às prestações escolares, às prestações de reforma e invalidez, etc.). [Loc. cit., p. 553.] 11 - Em lugares paralelos, e a propósito do direito à saúde ou direito à protecção da saúde [a realizar através de um serviço nacional de saúde «universal, geral e gratuito», na versão originária da CRP, e agora «universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito», na versão revista de 1989 - artigo 64.°, n.° 2, alínea a)], teve já o Tribunal Constitucional oportunidade de se expressar nestes termos:

Ora, a verdade é que o conceito de «gratuitidade», ao ser assumido pela Constituição, ganha uma conotação «normativa» (lato sensu) e com isso perde a «determinação» absoluta de que aparentemente se revestia. De facto, se nesse contexto não seria impensável continuar a entender esse conceito no seu sentido puramente etimológico assim excluindo radicalmente a possibilidade de exigir um qualquer pagamento aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, como condição correspectiva ou consequência do recurso que façam às respectivas prestações «ou a algumas delas», não é menos pensável entendê-lo, em termos menos estritos, como visando, essencial e fundamentalmente, garantir aos mesmos utentes que não terão eles de suportar individualmente os custos daquelas prestações, pelo que, isso sim, não lhes há-de poder ser exigida por cada uma de tais prestações uma contraprestação destinada directamente a transferir (ainda que só parcialmente) para eles o custo da prestação em causa - uma contraprestação, isto é, que tenha como objectivo «o pagamento» (o pagamento do «preço») do serviço prestado - ou então tal que (designadamente por força do seu montante) venha a ter, praticamente, um efeito equivalente (e subverta, desse modo, o que poderá qualificar-se como conteúdo essencial mínimo de qualquer ideia de «gratuitidade»).

[Acórdão n.° 330/89, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 141, de 22 de Junho de 1989.] E no Acórdão n.° 497/89, relativamente à questão da obrigatoriedade do pagamento de quotas fixadas pela Ordem dos Advogados, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de que, «em matéria de encargos e contribuições pecuniárias, de carácter público, a que os cidadãos podem ser adstritos, a Constituição deixa ao legislador uma muito larga "liberdade constitutiva' - e esta comporta, certamente, a possibilidade de instituir, prever ou admitir figuras contributivas como a que agora está em discussão.

Ponto é apenas que não se ultrapassem, também aí, certos princípios constitucionais de incidência genérica - como os da igualdade ou da proibição do excesso (proporcionalidade): estes princípios, porém, logo se mostra não serem afectados pela simples afirmação legal de uma regra de quotização obrigatória (recorde-se que é esse o único aspecto que agora estamos a considerar) para certa associação pública, extensível a todos os respectivos membros» (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.° vol., pp. 243-244).

IV

12 - Entrando directamente na discussão temática, o que ressalta à evidência, por comodidade de raciocínio, é a análise do confronto das normas dos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.os 1 e 2, e 16.°, n.° 2, da Lei das Propinas, o bloco Y) atrás identificado, com o artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da CRP, quando se põe em crise a expressão percentual encontrada para se apurarem os montantes mínimo e máximo das propinas, e correlativamente da taxa de matrícula, nos anos lectivos de 1992-1993, 1993-1994, 1994-1995 e seguintes.

Recordar-se-á que, para o Presidente da República, «caso se conclua que, ao abrigo destas disposições da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, se permite que o valor das propinas (de matrícula e de inscrição anual dos cursos) possa vir a ser fixado, pelos órgãos competentes das universidades ou pelo Conselho Técnico dos Institutos Politécnicos, em montantes que ultrapassem os limites de uma simples actualização face ao crescimento geral dos preços, especialmente nos segmentos em que é permitida a fixação dos montantes máximos, poderá estar a ser violado o disposto no artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da Constituição».

Mais do que um exercício de natureza contabilística, coloca-se a questão de saber em que medida é compatível com a obrigação estadual de estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino, a caracterização das propinas como «taxas de cobertura de custos» - porque baseadas apenas numa relação entre os custos de funcionamento e de capital e o número de alunos -, sem qualquer «cláusula travão» que contenha permanentemente os seus aumentos, pelo menos nos limites do crescimento geral dos preços.

Por esse bloco Y), consequentemente, se começa.

Tem-se, pois, como certo que, ao fixar-se o montante das propinas «entre o montante mínimo, correspondente a uma percentagem [...] do resultado da divisão das despesas de funcionamento e de capital (das instituições do ensino superior público) do ano imediatamente anterior pelo número total dos alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo e o máximo a determinar pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas ou pelo Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos, consoante os casos, cuja expressão percentual não poderá ser superior ao dobro do correspondente montante mínimo» - percentagem que no ano lectivo de 1992-1993 é de 12 %, no ano lectivo 1993-1994 de 20 % e no ano lectivo de 1994-1995 e seguintes de 25 %, podendo sempre ser elevada ao dobro: 24 %, 40 % e 50 %, respectivamente -, e ao fixar-se também o montante da taxa de matrícula num valor não inferior a 10 % do montante mínimo calculado nos termos ditos, mas sem fixar-se um limite máximo, os preceitos em causa da Lei das Propinas hão-de ser confrontados com a norma indicada da CRP, atento o quadro normativo sistemático em que se inscreve o ensino superior público.

Qual a dimensão desse confronto é o que se segue apurar.

Tudo passa pelo entendimento da incumbência do Estado em estabelecer «progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino» [n.° 3, alínea e)], inserida no direito fundamental ao ensino «com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar» (n.° 2 do mesmo artigo 74.°) e perfilada com a universidade que a CRP retrata. Incumbência que é instrumental relativamente à garantia prevista na alínea d) do n.° 3:

Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística.

Seja qual for o exacto sentido e alcance do princípio da progressiva gratuitidade do ensino superior público, o que ele, seguramente, não impede ou proíbe é que o valor das propinas, fixado em 1941 e mantido em 1973, seja actualizado em termos que adiante se dirão. Ou seja: a CRP não impede ou proíbe que o legislador ordinário ponha termo ao congelamento dos valores das propinas; proíbe-lhe apenas que, desse modo, subverta o funcionamento de um sistema de ensino público, claramente definido na mesma CRP.

Ora, a expressão percentual a que aderiu o legislador parte de 12 % para o ano lectivo de 1992-1993, que, aliás, já passou, e sobe para 20 % no ano lectivo seguinte e depois para 25 % nos anos lectivos de 1994-1995 e seguintes, podendo ser aquelas percentagens elevadas para o dobro nos respectivos anos lectivos.

O que, então, importa é analisar se tais valores se mostram constitucionalmente admissíveis ou adequados a uma actualização do montante actual das propinas, actualização que, como ficou já dito, não é proibida pela Constituição cultural.

Com efeito, o conceito constitucional de «progressivamente gratuito» comporta, afinal, «um certo halo de indeterminação» (para empregar a linguagem do citado Acórdão n.° 330/89), dispondo o legislador de legitimidade para o preencher. Ponto é que a actualização, no quadro dessa legitimidade, não atinja aumentos drásticos.

Há, então, que encontrar o critério de oneração que caiba na tal legitimidade de que deve estar investido o legislador ordinário para ditar uma actualização do montante das propinas ainda fixado no montante actual de 1200$.

Ora, o Tribunal Constitucional entende que, estando em causa um critério de actualização da componente de participação dos utentes no custo de um bem misto, correspondente a uma percentagem do resultado da divisão das despesas de funcionamento e de capital das instituições do ensino superior público do ano imediatamente anterior pelo número total dos alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo, e fazendo apelo ao parecer do Prof. Pinto Barbosa, apenso aos autos, um tal critério constitucionalmente adequado pode consistir no índice de preços no consumidor, apurado pelo Instituto Nacional de Estatística.

Com efeito, este índice mostra-se, em termos da sua concreta aplicação à actualização das propinas, como fundado quanto aos pressupostos e razoável quanto aos resultados, quando visto na perspectiva do controlo de limites daquela actualização que o Tribunal é chamado a levar a cabo nesta sede, pois que, na base desse índice, e segundo aquele autor, «é fácil determinar o valor nominal que, em fins de 1991 (montante anual de 1200$), corresponderia ao mesmo valor real da propina seria de 109 128$».

É o seguinte o índice de preços no consumidor que está anexo ao parecer:

Índice de preços no consumidor

(base 100:1976) Série A - Continente geral

Total sem habitação

(Ver tabela no documento original)

Índice de preços no consumidor

(base 100:1983) Série A - Continente geral

Total sem habitação

(Ver tabela no documento original) «Isto é, a simples correcção do efeito da inflação levaria a um valor nominal cerca de 91 vezes superior» - diz ainda o Prof. Pinto Barbosa, acrescentando depois:

Por outro lado, dados da Direcção-Geral do Ensino Superior para o ano de 1991 indicam que o custo por aluno do ensino superior público, para o continente, terá rondado em média os 456 contos anuais. A percentagem mínima de 12 % sobre este valor a ser financiada no ano lectivo de 1992-1993 pelas propinas, de acordo com a Lei n.° 20/92, corresponderá pois à verba de 54 720$. Por seu turno, à percentagem máxima, que os senados poderiam eventualmente querer fixar, e que seria de 24 %, corresponderia a verba de 109 440$, isto é, praticamente o valor que resultaria da actualização da propina de 1941.

Ora, se se atentar no valor das «propinas por universidade do continente (ano lectivo de 1992-1993)» revelado pela imprensa diária (cf., por exemplo, o jornal Público, do dia 7 de Dezembro de 1993), a média desse valor situa-se nos 56 000$ anuais, significando isto que no valor atrás encontrado de 109 440$, correspondendo à percentagem máxima de 24 % para aquele ano lectivo de 1992-1993, cabe adequadamente aquela média (aliás elevada para o dobro, em correspondência com a percentagem máxima de 24 %, resultaria em 113 000$).

Donde a conclusão de que uma actualização do montante das propinas que corresponda a «uma simples actualização face ao crescimento geral dos preços» é constitucionalmente admissível, sendo que a expressão percentual máxima de 25 % do quociente operado nos termos combinados dos artigos 6.°, n.° 2, e 16.°, n.° 2, da Lei das Propinas se contém dentro de uma ordem de grandeza que respeita aqueles limites (o quociente da divisão das despesas de funcionamento e de capital das instituições do ensino superior público do ano imediatamente anterior pelo número total dos alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo).

Noutra perspectiva das coisas, poderia ainda dizer-se que a percentagem assim encontrada representa o limite razoável dentro do qual se poderá falar da lógica constitucional da possível gratuitidade do ensino superior e não da lógica do pagamento parcial dos custos do ensino superior pelos respectivos utentes.

Mas, se isto é assim, e para o ano lectivo de 1992-1993 não traduz colisão com a norma constitucional em causa, já há colisão para os anos lectivos de 1993-1994, 1994-1995 e seguintes, mas apenas no ponto em que a percentagem para a determinação do montante das propinas pode ser fixada acima de 25 %. É o que acontece no ano lectivo de 1993-1994, em que a variação vai de 20 % a 40 %, e nos anos lectivos de 1994-1995 e seguintes, em que a variação vai de 25 % a 50 %.

Em tal segmento, e concluindo, a norma do artigo 6.°, n.° 2, conjugado com o artigo 16.°, n.° 2, da Lei das Propinas, viola a norma do artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da CRP.

V

13 - Passando agora, e numa perspectiva autónoma, à análise da norma do artigo 11.°, n.os 1 e 2, da Lei das Propinas, em sede da taxa de matrícula, evidencia logo a sua leitura que no n.° 1 apenas se fixa para aquela taxa um valor mínimo, «a fixar pelo órgão competente das universidades ou pelo Conselho Geral dos Institutos Politécnicos», «não inferior a 10 % do montante mínimo calculado nos termos do n.° 2 do artigo 6.°», que é já conhecido (o n.° 2 do artigo 11.°, prevendo só o condicionalismo do pagamento da taxa de matrícula, é irrelevante no âmbito do pedido do Presidente da República e, por isso, não interessa considerar essa norma na análise que se vai fazer, pois em parte alguma do pedido vem minimamente questionado esse condicionalismo do pagamento).

Daí o Presidente da República afirmar, no tocante ao valor da taxa de matrícula, que não é «estabelecido qualquer limite para a fixação do seu valor máximo».

Haverá também colisão dessa norma do n.° 1 do artigo 11.° com o artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da CRP, na parte em que não fixa um limite máximo da percentagem para a determinação da taxa de matrícula? Desde logo, não pode desligar-se o n.° 1 do artigo 11.° da fórmula de cálculo do montante das propinas estabelecida no n.° 2 do artigo 6.° da mesma Lei das Propinas, conjugado este, como se viu já, com o n.° 2 do artigo 16.°, decorrendo daí que o valor a fixar para a taxa de matrícula, na falta de fixação de um limite máximo, pode, em tese, atingir um valor - os 100 % - coincidente totalmente com o montante mínimo fixado para as propinas: a percentagem dos 12 %, dos 20 % e dos 25 %, para os anos lectivos de 1992-1993, 1993-1994 e 1994-1995 e seguintes, respectivamente, incidindo no «resultado da divisão das despesas de funcionamento e de capital do ano imediatamente anterior pelo número total dos alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo» (n.° 2 do artigo 6.°).

É, pois, um facto futuro e incerto, mas que a norma não proíbe ou impede, exactamente porque não está fixado um limite máximo da percentagem, ficando no poder discricionário do «órgão competente das universidades» ou do «Conselho Geral dos Institutos Politécnicos» estabelecer para cada ano lectivo, e relativamente à taxa de matrícula, um valor superior aos 10 % e atingir até um valor coincidente com o montante mínimo das propinas, «calculado nos termos do n.° 2 do artigo 6.°».

Ora, uma previsão desse tipo não se inscreve na imposição constitucional do artigo 74.°, n.° 3, alínea e), pois a taxa de matrícula pode acabar por ser progressivamente mais onerosa, na medida em que pode sempre atingir os tais 100 %, no seu limite máximo, porque este não se contém na previsão legal.

«Trata-se de uma imposição constitucional permanente, de realização progressiva, de acordo com as disponibilidades públicas» (opinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., p. 367).

Já se acolheu o entendimento da incumbência do Estado em estabelecer «progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino» [n.° 3, alínea e)], e o quadro normativo em que se situa, tendo-se dito atrás que tal não impede o legislador de promover a actualização, nos termos que ficaram indicados, das propinas a pagar pelos alunos. Mas, como se disse já também, o princípio da progressiva gratuitidade do ensino superior público proíbe ao legislador que introduza distorções no modelo que a CRP prevê, em termos de subverter o funcionamento do sistema. Ora, é isso que acontece quando se permite que a taxa de matrícula possa ser fixada em montante igual ao das propinas: existe aí, de facto, uma distorção que contraria a ideia da gratuitidade progressiva do ensino superior público.

Tanto basta para concluir que a norma do artigo 11.°, n.° 1, da Lei das Propinas, na parte em que não fixa um limite máximo da percentagem para a determinação da taxa de matrícula, viola também a norma do artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da CRP.

VI

14 - Apurado, até aqui, o fundamento da inconstitucionalidade material do conjunto combinado dos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.° 1, e 16.°, n.° 2, da Lei das Propinas, nos segmentos apontados (o n.° 2 do artigo 11.° já se viu que é irrelevante no âmbito do pedido do Presidente da República - v. p. 40), refira-se ele às propinas ou à taxa da matrícula, pondo-se, assim, em crise a expressão percentual encontrada e aplicada para se apurar o montante máximo das propinas, nos anos lectivos de 1993-1994, 1994-1995 e seguintes, e também o valor da taxa de matrícula, não interessará prosseguir com a apreciação da «fórmula de cálculo do montante das propinas», no ponto em que, na tese do Presidente da República, ela, e no essencial, «poderá entrar em conflito com o princípio da proporcionalidade» (a fórmula de cálculo do montante das propinas, ao englobar «todas as despesas de funcionamento e de capital das instituições, com exclusão apenas das despesas de investimento, sem distinguir custos com o ensino e custos com a investigação, poderá entrar em conflito com o princípio da proporcionalidade, tendo designadamente em conta as responsabilidades acrescidas das universidades públicas com as actividades de investigação, decorrentes da extinção do Instituto Nacional de Investigação Científica e dos investimentos do programa "Ciência', bem como a tendência para, em ligação com as instituições, fazer participar entidades privadas no incremento da investigação, com partilha de custos e de resultados» - é o que se colhe dos fundamentos do pedido). O que, aliás, se coaduna com a jurisprudência seguida em vários acórdãos do Tribunal Constitucional, como sejam, por exemplo, os Acórdãos n.os 31/84 e 15/88, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.° vol., p. 123, e 11.° vol., p. 153, respectivamente.

Até porque tal fórmula, passando pelo quociente da divisão das despesas de funcionamento e de capital das instituições do ensino superior público do ano imediatamente anterior pelo número total dos alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo, inscreve-se no campo da discricionariedade legislativa, que foge em termos restritos à fiscalização da constitucionalidade do Tribunal Constitucional, salvo no tocante aos resultados práticos que se apurem da sua aplicação. Só que este aspecto dos resultados, correspondendo à expressão percentual fixada na Lei das Propinas, foi já apreciado, com a conclusão da inconstitucionalidade material.

Saber, portanto, se no dividendo - as despesas de funcionamento e de capital das instituições - deveria entrar-se em linha de conta com «custos com o ensino e custos com a investigação» é invadir a opção discricionária do legislador, como tal não competindo ao Tribunal Constitucional fazer o controlo dessa opção (função do «princípio da não controlabilidade do âmbito de prognose legislativa» a que se refere Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 1123, nestes termos:

Este princípio radica no facto de o espaço de prognose legislativa ser um espaço de livre conformação do legislador, incompatível com qualquer controlo jurídico-constitucional. O princípio é aceitável se com ele se quer significar que ao legislador ou órgãos de direcção política compete conformar a vida económica e social, movendo-se esta conformação num plano de incerteza, conducente, por vezes, a soluções legislativas inadequadas ou erradas, mas cujo mérito não é susceptível de fiscalização jurisdicional.

Os limites funcionais da jurisdição constitucional são aqui claros: os tribunais não podem controlar judicialmente, por exemplo, a apreciação da evolução económica global, a delimitação das quotas de importação para certos produtos, etc.).

Com o que, e neste plano estrito, não pode falar-se em inconstitucionalidade material das normas citadas da Lei das Propinas.

15 - Falta apenas apreciar a «violação do princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição)», de que também se serve o Presidente da República, ao sustentar que a mesma «fórmula de cálculo do montante das propinas» poderá «ser geradora de diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor constitucionalmente relevantes».

Mas não vinga este fundamento de inconstitucionalidade material do mesmo conjunto combinado dos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.° 1, e 16.°, n.° 2, da Lei das Propinas, pois as discriminações derivadas da aplicação desses artigos, em função das várias instituições de ensino superior público, e que são um dado adquirido, não atingem aquele grau de desproporção ou inadequação que permita falar em arbítrio na liberdade de conformação do legislador (cf. o quadro publicado no já citado jornal Público, de 7 de Dezembro de 1993):

Propinas por universidade do continente

(ano lectivo de 1992-1993)

(Ver tabela no documento original) É sabido, na verdade, à luz do artigo 13.° da CRP, que a protecção material conferida pelo princípio da igualdade assume, em especial, o carácter de uma proibição de arbítrio, isto é, uma proibição de medidas manifestamente desproporcionadas ou inadequadas, em relação à situação fáctica que se pretende regular. Se é certo que há liberdade de conformação legislativa, funcionando a proibição do arbítrio como limite externo dessa liberdade, a verdade é que as medidas legislativas têm de ter um «adequado suporte material» (na linguagem de Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., p. 122:

«O princípio geral da igualdade reclama, não que todos sejam tratados, em quaisquer circunstâncias, por forma idêntica, mas sim que recebam tratamento semelhante os que se acham em condições semelhantes» - n.° VII do sumário do Acórdão n.° 191/88, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12.° vol. p. 239).

Ora, esse tratamento dissemelhante, no quadro das propinas, para os alunos que se encontram em condições semelhantes - as condições de ingresso e frequência das instituições do ensino superior público -, encontra um «adequado suporte material» para a fórmula de cálculo escolhida pelo legislador ordinário, justamente na ideia da autonomia das universidades, que é capaz de explicar que os montantes apurados variem de instituição para instituição.

Na expressão de Maria da Glória Ferreira Pinto, «o princípio da igualdade não dá uma qualquer orientação, concreta e material, sobre a escolha de critérios de qualificação de igualdade. Basta que em tais critérios se encontrem justificados pelo fim a atingir com o tratamento jurídico em causa, para que sejam válidos no âmbito do princípio da igualdade» (Boletim do Ministério da Justiça, n.° 358, p. 46).

Com o que tem de concluir-se pela não violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da CRP.

VII

16 - Resta, por último, ainda que muito mais restrita e concretizada, a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 12.°, n.° 2, alínea a) e 13.°, n.° 2, da Lei das Propinas, que se reportam às medidas que, a título de «sanções acessórias», podem ser aplicadas aos infractores, nomeadamente os alunos inadimplentes, o que, na tese do Presidente da República, faz suscitar «dúvidas sobre a razoabilidade e a proporcionalidade das respectivas normas».

Tais medidas inscrevem-se no direito de contra-ordenações contemplado nas citadas normas, aí se prevendo a aplicação de coimas em dois tipos de situações:

Prestação de falsas declarações ou omissão de dados «no respeitante ao preenchimento dos requisitos para a isenção ou para a redução no pagamento de propinas», em conjugação com os artigos 2.°, 3.° e 4.°;

Não cumprimento pontual do pagamento das propinas.

Neste último caso, a medida consiste na possibilidade de ser determinada a «anulação da inscrição anual respectiva», para o aluno inadimplente, e, no primeiro, consiste na possibilidade de ser determinada a anulação da matrícula «e da inscrição anual e privação do direito de efectuar nova matrícula na mesma ou em outra instituição por prazo não superior a dois anos», para o aluno infractor.

Antes de prosseguir, impõem-se umas breves e adequadas considerações sobre o conceito e regime das contra-ordenações.

Como se diz no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, que instituiu o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, «o aparecimento do direito das contra-ordenações ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora aos domínios da economia, saúde, educação, cultura, equilíbrio ecológico, etc., [...]. A necessidade de dar consistência prática às injunções normativas decorrentes deste novo e crescente intervencionismo do Estado, convertendo-as em regras efectivas de conduta, postula naturalmente o recurso a um quadro específico de sanções. Só que tal não pode fazer-se [...] alargando a intervenção do direito penal».

E no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 356/89, de 17 de Outubro, que alterou a redacção de algumas disposições do Decreto-Lei n.° 433/82:

Conferiu-se assim ao direito de ordenação social a tutela de uma área em que as condutas, sem constituírem ofensas graves aos bens essenciais da vida em comunidade, são, apesar disso, merecedoras de sanção.

Com a implantação do direito contra-ordenacional, com imposição das respectivas sanções (coimas) aos infractores, em campo cada vez mais amplo, pretendeu o Estado, como atrás se disse, «dar maior consistência prática às injunções normativas», «convertendo-as em regras efectivas de conduta».

A coima, sanção exclusivamente patrimonial aplicável a quem não observe tais regras de conduta, «representa, pois, um mal que de modo algum se liga à personalidade ética do agente e à sua atitude interna antes serve como mera "admonição', como mandato ou especial advertência conducente à inobservância de certas proibições ou imposições».

O Decreto-Lei n.° 433/82, adoptando um critério formal, define contra-ordenação, no n.° 1 do seu artigo 1.°, como «todo o facto ilícito e censurável que preenche, um tipo legal no qual se comine uma coima», acrescentando, no n.° 2, que «a lei determinará os casos em que uma contra-ordenação pode ser imputada independentemente do carácter censurável do facto».

O montante mínimo da coima às pessoas singulares, «se o contrário não resultar da lei», será de 500$ e o máximo de 500 000$ (artigo 17.°, n.° 1, na redacção do Decreto-Lei n.° 356/89, de 17 de Outubro), sendo a determinação da medida da coima feita em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa e da situação económica do agente, excedendo, sempre que possível, o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação (artigo 18.°, n.os 1 e 2).

Assinale-se, por fim, que o artigo 21.°, n.° 1, na redacção do Decreto-Lei n.° 356/89, estipula que «a lei pode, simultaneamente com a coima, determinar as seguintes sanções acessórias: [...] b) Interdição de exercer uma profissão ou uma actividade; c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos; d) Privação do direito de participar em feiras, mercados, competições desportivas, ou da entrada em recintos ou áreas de acesso reservado; [...]».

Nenhum preceito do diploma em causa prevê aplicação de quaisquer outras medidas ou a aplicação daquelas sanções acessórias a título cautelar ou preventivo.

Considerando as normas dos referidos artigos 12.°, n.° 2, alínea a), e 13.°, n.° 2, da Lei das Propinas, à luz do exposto, deverá concluir-se que o legislador de 1992 pretendeu dar mais relevância e «consistência prática às injunções normativas» relativas ao pagamento das propinas, passando o seu «não pagamento pontual» a integrar um ilícito contra-ordenacional, o mesmo acontecendo com as situações de falsas declarações ou omissão de dados.

Tal ilícito surge, aqui, como resulta do n.° 1 do referido artigo 13.°, com «o não cumprimento pontual do estabelecido no n.° 2 do artigo 8.°», isto é, imediatamente com o «não pagamento pontual» das diversas prestações em que podem ser pagas as propinas pela inscrição anual nos cursos em causa. Ou, como resulta do n.° 2 do referido artigo 12.°, surge com a prestação de falsas declarações ou a omissão de dados, para se conseguir uma isenção ou uma redução no pagamento de propinas.

Decorrido o prazo do pagamento, os alunos constituem-se - de imediato - autores de uma contra-ordenação punível com coima de 5000$ a 50 000$, podendo ainda haver lugar, a título de sanção acessória, à anulação da inscrição anual respectiva.

Tratando-se de sanção acessória, e não de medida cautelar, a anulação da inscrição anual só poderá ser aplicada aquando da imposição da coima em processo instruído pela entidade fiscalizadora e decidida pelo reitor ou instituição (n.os 1 e 2 do artigo 14.°).

Isto é, a anulação da inscrição anual só poderá ser decretada e tornar-se exequível certo tempo depois de decorrido o prazo imposto para o pagamento de cada uma das prestações devidas, podendo haver recurso até à Relação.

O mesmo se pode dizer relativamente às sanções acessórias conexionadas com o artigo 12.° E sempre poderá também dizer-se que a aplicação das ditas sanções é remetida pela própria lei para o critério da autoridade decidente.

O princípio da proporcionalidade é, com efeito, um princípio geral em direito constitucional. Entre nós, está implícito, v. g., no artigo 18.°, n.° 2, segunda parte, da CRP, e explícito, como princípio a que está submetida a Administração Pública, no artigo 266.°, n.° 2: os limites aos direitos, liberdades e garantias só são admissíveis quando sejam necessários, adequados e proporcionados. Nesse sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. IV, 1988, n.° 58, III, b); e Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., capítulo 27, Bõ, II, 2, (1). Por isso, como diz expressamente este último autor, ob. cit. e cap. cit. Bõ, IV, 4.2, (b), «é admissível a fundamentação de uma decisão de inconstitucionalidade com base no princípio da proporcionalidade, o que acaba, em geral, num juízo sobre a adequação e inadequação dos meios e fins (cf. artigo 18.°, n.° 2).

Ora, as sanções previstas nos preceitos em apreciação, isto é, «anulação da matrícula e da inscrição anual e privação do direito de efectuar nova matrícula na mesma ou em outra instituição por prazo não superior a dois anos» [artigo 12.°, n.° 2, alínea a)] e «anulação da inscrição anual respectiva» (artigo 13.°, n.° 2), não podem deixar de considerar-se proporcionadas face ao grau de gravidade das infracções (contra-ordenações) a que são aplicáveis.

Com efeito, a ilicitude que se liga à prestação de falsas declarações ou à omissão de dados, como via fraudulenta para se obter uma isenção ou uma redução no pagamento das propinas, conseguindo-se uma clara vantagem em relação aos que não podem eximir-se a esse pagamento, é de elevado teor, merecendo um alto juízo de censura.

Quanto ao incumprimento da obrigação de pagar as propinas, acresce ainda uma razão de ordem prática: o receio de ver a inscrição anulada poderá ser incentivo bastante para os alunos, sem perda de ensino, virem, embora tardiamente, a pagar as propinas, beneficiando, em princípio, da ponderação, por parte das competentes autoridades académicas, que poderão, eventualmente, não decretar a anulação da inscrição, face ao pagamento, embora tardio.

É que os alunos inadimplentes têm direito à frequência das aulas e demais actividades escolares enquanto não houver decisão transitada que anule a inscrição e a sanção acessória acaba por ter um efeito de prevenção geral sobre o pagamento das propinas.

Deve, assim, ser formulado um juízo de adequação dos meios e fins, com relação às tais «sanções acessórias», mostrando-se elas ajustadas ao ilícito contra-ordenacional previsto nos artigos 12.°, n.° 2, alínea a), e 13.°, n.° 2, da Lei das Propinas.

Com o que, e em conclusão, não estão feridos de inconstitucionalidade material os mencionados artigos da Lei das Propinas.

VIII

17 - Termos em que decide este Tribunal Constitucional:

a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 6.°, n.° 2, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, na parte em que, conjugado com o artigo 16.°, n.° 2, da mesma lei, permite que, para os anos lectivos de 1993-1994, 1994-1995 e seguintes, a percentagem para a determinação do montante das propinas seja fixada acima de 25 %, por violação do artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 11.°, n.° 1, da mencionada lei, na parte em que não fixa um limite máximo da percentagem para a determinação da taxa de matrícula, por violação do artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da Constituição;

c) Não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 6.°, n.° 2, e 11.°, n.os 1 e 2, nas partes não abrangidas pelas declarações de inconstitucionalidade constantes das antecedentes alíneas a) e b), e dos artigos 12.°, n.° 2, alínea a), 13.°, n.° 2, e 16.°, n.° 2, todas da mesma Lei n.° 20/92.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 1994. - Guilherme da Fonseca [vencido, em parte, quanto à alínea c), nos termos da declaração de voto junta] - Antero Alves Monteiro Dinis - António Vitorino - Alberto Tavares da Costa - Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Maria da Assunção Esteves [vencida quanto às alíneas a) e b)] - Fernando Alves Correia [vencido, quanto às alíneas a) e b), nos termos da declaração de voto junta] - José de Sousa e Brito [vencido, em parte, quanto à alínea c)] - Victor Nunes de Almeida [vencido, quanto à decisão constante das alíneas a) e b), nos termos da declaração conjunta que se apresenta] - Armindo Ribeiro Mendes [vencido, em parte, quanto à alínea c), nos termos da declaração de voto junta] - Luís Nunes de Almeida [vencido, em parte, quanto à alínea c), nos termos da declaração de voto junta] - Messias Bento [vencido, quanto às alíneas a) e b), nos termos da declaração de voto junta] - José Manuel Cardoso da Costa [vencido, quanto às alíneas a) e b) da decisão, pelo essencial das razões constantes das declarações de voto juntas pelos Ex.mos Conselheiros Messias Bento e outros e Assunção Esteves, ou seja:

por entender que a indicação constitucional da progressiva gratuitidade de todos os graus de ensino carece de densidade vinculativa suficiente para obstar à renovada fixação dos valores das propinas e da taxa de matrícula no ensino superior nos termos em que o fizeram as disposições indicadas.

Isto, de resto (gostaria de acrescentar), qualquer que fosse o destino dessas acrescidas receitas, quer dizer: ainda que o produto delas não estivesse prioritariamente afecto à prossecução dos objectivos referidos no n.° 3 do artigo 1.° da lei em apreço, e o seu destino continuasse a ser de financiar, indiferenciadamente, os custos do ensino superior].

Declaração de voto

Vencido, em parte, quanto à alínea c), do n.° 17 (VIII) da decisão do acórdão, porque entendi que deveria ser mais extensa e intensa a declaração de inconstitucionalidade, no que toca às normas integrantes do bloco Y), o dos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.os 1 e 2, e 16.°, n.° 2, relativamente às propinas e à taxa de matrícula, conjugados entre si e no segmento apenas da fórmula do cálculo a utilizar, com incidência nos montantes mínimos e máximos do valor das propinas e no limite mínimo da taxa de matrícula.

I

É que, detectada, como foi, no acórdão, uma inconstitucionalidade material no segmento normativo que se reporta ao montante máximo das propinas nos anos lectivos de 1993-1994, 1994-1995 e seguintes, pergunta-se: a inconstitucionalidade vale para o ano lectivo já passado de 1992-1993, aquele em que se verificou, pela primeira vez, um aumento, com aplicação da percentagem de 12 %? Parece que sim, também quanto a este segmento normativo, mas fazendo intervir outro tipo de argumentação, com reflexos directos e imediatos, na vertente da taxa de matrícula.

Já se disse que da leitura das normas constitucionais que se referem ao ensino superior não resulta a proibição para o legislador de actualização, no sentido de aumentar o montante das propinas, já que não é questionado pelo requerente o pagamento delas, com os mesmos valores de 1941 e mantidos em 1973.

Ponto é que, ao optar pela actualização, o legislador não venha subverter o conteúdo mínimo da imposição constitucional, nomeadamente através da fixação de montantes, mínimo e máximo, demasiadamente elevados e excessivos (cf. o mencionado Acórdão n.° 330/89).

Ora, é essa a situação que resulta da aplicação da Lei das Propinas, porquanto em 1941, conforme decorre do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 31 658, ao aumento correspondeu o factor multiplicador 4 - e assim se manteve em 1973 com o Decreto-Lei n.° 418/73 - e agora corresponde o factor multiplicador 40, no mínimo. Sendo que é este o valor que não pode deixar de se considerar para apreciar o aumento ora verificado.

Tais números revelam que os alunos das instituições de ensino superior público viram-se confrontados no ano lectivo de 1992-1993 com um pagamento de propinas claramente elevado ou excessivo - e nem é preciso demonstrá-lo -, se comparado com o valor que se vinha praticando e que o Estado não sentiu necessidade de alterar em 1973.

Há, por consequência, uma violação do princípio da confiança ínsito na ideia do Estado de direito democrático e que flui dos artigos 1.° e 2.° da CRP, como subprincípio concretizador daquele, na medida em que os destinatários da norma depararam com uma revisão do sistema de propinas com efeitos multiplicadores desajustados ao sistema então conhecido e praticado ao longo de mais de 50 anos.

Um tal princípio, a que se tem socorrido em diferentes hipóteses a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. o primeiro Acórdão n.° 4/83, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 1.°, p. 11), garante um mínimo de certeza nos direitos e nas expectativas juridicamente tuteladas dos cidadãos e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica que os rege. E escapa a essa garantia uma situação em que sejam afectados de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, in casu, o universo dos alunos das instituições de ensino superior público.

Tal afectação está no acréscimo tão elevado ou excessivo, e até repentino, do valor das propinas para o ano lectivo de 1992-1993, de modo que, independentemente da condição sócio-económica de cada um dos alunos, o ingresso e a frequência das instituições do ensino superior público ficaram eventualmente atingidos, pois o encargo individual ou familiar do novo pagamento sempre teria de ser considerado na concretização do ingresso e da frequência. Quando é a CRP a garantir um sistema de ensino público universal e geral, passando pelo direito à educação (artigo 73.°, n.° 1), pelo direito à igualdade de oportunidades (artigo 74.°, n.° 1), pelo direito de acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística [artigo 74.°, n.° 3, alínea d)] e pela garantia de igualdade de oportunidades (artigo 76.°, n.° 1), tudo isto cabendo no quadro da concepção republicana da universidade, nada tendo a ver com um modelo empresarial dirigido por critérios economicistas e contabilistas (tal-qualmente invoca o Presidente da República, ultrapassam-se «os limites de uma simples actualização face ao crescimento geral dos preços», envolvendo a caracterização das propinas como «taxas de cobertura de custos»).

Nem se diga que intervém aqui a separação entre os alunos que podem pagar e os que não podem pagar - distinção que era logo acentuada no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 31 658 -, pois, sendo o sistema de ensino público universal e geral, sobre todos recai a obrigação do pagamento, num primeiro momento, só intervindo mecanismos amortecedores do pagamento num segundo momento, percorrido um procedimento administrativo cujo resultado não é assegurado e passa por produção de prova documental (basta pensar que a isenção prevista no artigo 2.° da Lei das Propinas depende de acto normativo do Governo a fixar anualmente os valores a considerar).

Com o que tem de concluir-se, nesta parte, pela violação do princípio da confiança ínsito na ideia do Estado de direito democrático e que flui dos artigos 1.° e 2.° da CRP.

II

Mas há mais, relativamente ao mesmo bloco Y), quanto à «violação do princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição)», de que também se serve o Presidente da República, ao sustentar que a mesma «fórmula de cálculo do montante das propinas» poderá «ser geradora de diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor constitucionalmente relevantes». Tese que não foi acolhida no acórdão.

E, contrariamente ao entendimento do acórdão, parece vingar aquele fundamento de inconstitucionalidade material do mesmo conjunto combinado dos artigos 6.°, n.° 2, 11.°, n.os 1 e 2, e 16.°, n.° 2, da Lei das Propinas, pois as discriminações derivadas da aplicação desses artigos, em função das várias instituições de ensino superior público, são um dado adquirido, e nem sequer é necessário fazer contas (cf. nota 10).

Com efeito, o valor do montante das propinas vai depender de uma operação aritmética de divisão, em que o dividendo é preenchido pelas despesas de funcionamento e de capital do ano imediatamente anterior da respectiva instituição universitária e o divisor é preenchido pelo número total dos alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo.

Só que esses termos da divisão são em absoluto aleatórios e é do conhecimento comum que em áreas tecnológicas e de saúde as ditas despesas da instituição universitária assumem um grau de grandeza superior e até muito superior ao que se pode apurar em áreas humanísticas (não está nessa diferença a explicação da inexistência de universidades privadas em áreas de saúde?). Daí que o dividendo possa apontar para números bem díspares, com incidência imediata no quociente. Dizer-se que este quociente pode aumentar com o aumento das despesas, mas também pode diminuir com o aumento do número de alunos ou com ganhos de eficiência (aumento das taxas de sucesso, por exemplo), é a comprovação do carácter aleatório dos termos da divisão.

O mesmo pode acontecer se o divisor, o número total de alunos, for diferenciado - e é a realidade conhecida - de instituição para instituição, o que também vai incidir imediatamente no quociente.

E daí que possa haver alunos de instituições universitárias a pagar montantes de propinas bem diferentes, só porque a área do ensino superior é distinta e muitas vezes nem mesmo é a área escolhida pelo aluno, mas que lhe é imposta pelo sistema do numerus clausus. Quando, como foi já dito, é a CRP a garantir um sistema de ensino público universal ou geral, com as implicações que isso acarreta.

É sabido, na verdade, à luz do artigo 13.° da CRP, que a protecção material conferida pelo princípio da igualdade assume, em especial, o carácter de uma proibição de arbítrio, isto é, uma proibição de medidas manifestamente desproporcionadas ou inadequadas, em relação à situação fáctica que se pretende regular. Se é certo que há liberdade de conformação legislativa, funcionando a proibição do arbítrio como limite externo dessa liberdade, a verdade é que as medidas legislativas têm de ter um «adequado suporte material» (na linguagem de Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., p. 122; «o princípio geral da igualdade reclama, não que todos sejam tratados, em quaisquer circunstâncias, por forma idêntica, mas sim que recebam tratamento semelhante os que se acham em condições semelhantes» - n.° VII do sumário do Acórdão n.° 191/88, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12.° vol., p. 239).

Ora, é esse tratamento semelhante, no quadro das propinas, para os alunos que se encontram em condições semelhantes - as condições de ingresso e frequência das instituições do ensino superior público -, que aqui falha, não se encontrando um «adequado suporte material» para uma fórmula de cálculo que necessariamente provoca discriminação entre alunos que devem beneficiar do direito à educação e do direito à igualdade de oportunidades (artigos 73.°, n.° 1, 74.°, n.° 1, e 76.°, n.° 1, da CRP).

Com o que tem de concluir-se pela violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da CRP, indo ao encontro da tese sustentada pelo Presidente da República. - Guilherme da Fonseca.

Declaração de voto

1 - Dissentimos da decisão do Tribunal no ponto em que nela se declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos segmentos finais dos artigos 6.°, n.° 2, e 11.°, n.° 1, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto (Lei das Propinas).

Entendemos, com efeito, que a Constituição não proíbe que as propinas (devidas pela inscrição anual nos cursos das instituições de ensino superior público) pudessem ser fixadas em percentagem superior a 25 % do custo anual de cada aluno em despesas de funcionamento e de capital - recte, em 50 % desse valor, tal como permitia o artigo 6.°, n.° 2 (parte final). E entendemos, bem assim, que a lei fundamental também não proíbe que a taxa de matrícula (devida pelo ingresso naqueles estabelecimentos) pudesse vir a ser fixada em quantia igual ao montante mínimo da propina a pagar em cada ano (100 % do respectivo valor), como permitia o n.° 1 (parte final) do artigo 11.° 2 - As propinas representam apenas uma parte de parte do custo do ensino que os alunos recebem, pois que o seu valor corresponde a uma percentagem «do resultado da divisão das despesas de funcionamento e de capital do ano imediatamente anterior pelo número total de alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo» (cf. artigo 6.°, n.° 2). A outra parte do custo do ensino - ou seja o resto das despesas de funcionamento e de capital e, bem assim, a totalidade das despesas de investimento - é suportada pelas demais receitas das universidades e dos estabelecimentos de ensino superior politécnico - receitas em que avultam as dotações concedidas pelo Estado [cf. artigos 10.°, n.° 2, alínea a), e 11.° da Lei n.° 108/88, de 24 de Setembro (autonomia das universidades), e 14.°, n.° 2, alínea a), da Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro (estatuto e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico)].

Bem se compreende, aliás, que assim seja, pois, tratando-se de um bem misto (o ensino aproveita, de facto, simultaneamente, ao estudante e à comunidade), razoável é que esta financie uma parte (uma parte substancial, de resto) do respectivo custo.

Ao legislar sobre o modo de calcular o montante das propinas que os alunos têm que pagar pela frequência dos cursos universitários e dos que são ministrados nos institutos superiores politécnicos, o legislador tem de observar vários princípios que estruturam a Constituição da educação.

Desses princípios, são de destacar:

a) O princípio da gratuitidade progressiva do ensino superior [cf. a alínea e) do n.° 3 do artigo 74.°];

b) O princípio de que o ensino superior há-de contribuir para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais (cf. o artigo 74.°, n.° 2);

c) O princípio de que o Estado tem de garantir o acesso ao ensino superior a todos os cidadãos que revelem possuir capacidade para tirar um curso superior, não podendo a insuficiência de meios económicos constituir impedimento a esse acesso [cf. artigo 74.°, n.° 3, alínea d)];

d) O princípio de que o regime de acesso ao ensino superior há-de garantir a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino (sistema de ensino em que também se incluem as escolas de ensino superior particular e cooperativo), tal como deve ter em conta as necessidades do país em quadros qualificados (cf. artigo 76.°, n.° 1; cf. também o artigo 74.°, n.° 1).

A gratuitidade do ensino - que há-de ser progressiva quanto ao ensino superior, mas é obrigatória quanto ao ensino básico [cf. a alínea a) do n.° 3 do citado artigo 74.°]- não se traduz apenas, nem sequer essencialmente, na dispensa do pagamento de propinas, pois a isenção de propinas não é, por si só, instrumento idóneo para assegurar aos economicamente carenciados com capacidade para tirar um curso superior a possibilidade de o fazerem.

Para o efeito, necessário é que haja cantinas e residências universitárias e que se concedam bolsas de estudo.

Só desse modo, com efeito, poderão os mais pobres (muito principalmente quando as suas famílias vivam afastadas dos centros universitários) tirar um curso superior. Ou seja: só desse modo o Estado garantirá a igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior, assegurando a todos quantos revelem capacidade para tirar um curso a possibilidade de o fazerem; e só assim também ele porá o ensino superior a contribuir para a superação de desigualdades.

3 - Como, para se desincumbir de uma tal tarefa, o Estado dispõe de recursos financeiros limitados, a gratuitidade do ensino superior há-de ir sendo progressivamente conseguida, na medida em que o permitam as condições económicas do País - e, assim, a dos estudantes: aos que precisam deve ser concedida isenção de propinas e paga bolsa de estudo; e daqueles que puderem pagar propinas haverá que exigir o seu pagamento, para, desse modo, se poder conceder um número cada vez maior de bolsas de estudo, montar cantinas em número crescente e instalar cada vez mais residências universitárias. Impõe-no a ideia de justiça que perpassa e insufla o princípio do Estado de direito democrático (cf. artigos 1.° e 2.° da Constituição) - um Estado que há-de ser animado pela ideia de igualdade e de solidariedade entre os cidadãos: de uma igualdade, atenta às diferenças; de uma solidariedade, que exige dos que podem para os que precisam.

É aqui de lembrar uma passagem do «Relatório preliminar do Livro Branco sobre o Financiamento Público ao Sistema de Ensino Superior», datado de Novembro de 1990 (da autoria de Afonso de Barros, Daniel Bessa, José Gomes Canotilho, António Almeida Costa, Manuel Porto e José Tribolet), que reza assim:

A gratuitidade do ensino superior, com a actual composição social da população universitária, traduz-se numa distribuição socialmente injusta de rendimentos, motivo pelo qual se entende que a melhor forma de garantir a igualdade de oportunidades é a de fazer recair sobre os utentes e beneficiários das prestações de ensino uma parte não despiciente dos custos, desde que acompanhada por uma política compensatória de bolsas (cf. p. 39).

De interesse são também as seguintes passagens da autoria de J. J.

Gomes Canotilho e Vital Moreira:

Constitucionalmente, o objectivo é, pelo menos, a gratuitidade integral de todos os graus de ensino para todos os desprovidos de meios para suportar os encargos escolares. Com efeito, havendo que estabelecer prioridades, elas devem ser conformes à Constituição, devendo portanto privilegiar os alunos oriundos de famílias pobres e os primeiros graus de ensino [note-se que o ensino básico é obrigatoriamente gratuito: n.° 3, alínea a)]. Estas prioridades justificarão uma concordância prática entre um sistema social de isenção de propinas e bolsas de estudo e a actualização de propinas nos estabelecimentos de ensino superior. [Cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3.ª ed., 1993, p. 367.] Dependendo a realização de muitos deles da disponibilidade de recursos económicos e financeiros e sendo certo que esta é condicionada, não apenas pelo seu nível absoluto, mas também pela repartição social da riqueza e dos rendimentos, então os direitos sociais impõem a acção do Estado contra a desigualdade económica [artigos 9.° e 81.°, alínea b)] [sublinhou-se]. [Cf. Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, p. 133.] O direito à escola superior pública gratuita é, assim, um direito colocado sob reserva do possível - um direito, por isso mesmo, de realização gradual, uma meta que se quer atingir.

A este propósito, J. C. Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, Coimbra, 1983), depois de afirmar que «certos direitos, como, por exemplo, os direitos à habitação, à saúde, assistência, cultura, etc., dependem, na sua actualização, de determinadas condições de facto», e que «para que o Estado possa satisfazer as prestações a que os cidadãos têm direito é preciso que existam recursos materiais suficientes e é preciso ainda que o Estado possa dispor desses recursos» (p. 200), acrescenta:

É assim que se entende por toda a parte que os direitos a prestações materiais do Estado correspondem a fins políticos de realização gradual ou que são direitos sob reserva do possível. A Constituição não pode dizer qual o conteúdo exacto da prestação, como há-de processar-se a respectiva atribuição e sob que condições ou pressupostos.

As opções que permitirão definir o conteúdo dos direitos dos cidadãos a prestações do Estado têm que caber, portanto, a um poder constituído. Não certamente ao juiz, na sua função aplicadora, sob a cobertura de uma interpretação [...] O conteúdo dos direitos a prestação é, portanto, em última análise, determinado pelas disposições do legislador ordinário, actuando por delegação constitucional. A ele se dirigem as directivas constitucionais a propósito de cada um dos direitos a prestações. [Pp.

201-202.] Com este direito passa-se, pois, algo de semelhante ao que acontece com o direito de acesso ao Serviço Nacional de Saúde, pois que também a gratuitidade deste último - não obstante se tratar (diferentemente do que acontece com o direito de acesso ao ensino superior: cf. supra, n.° 2) de um serviço universal e geral (isto é, dirigido à generalidade dos cidadãos e abrangendo todos os serviços públicos de saúde e todos os domínios dos cuidados médicos)- é de realização progressiva [ou seja: «tendencialmente gratuito», «tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos»: cf. artigo 64.°, n.° 2, alínea a)].

4 - Num quadro constitucional como o português (enformado, em matéria de ensino superior, pelos princípios que atrás se apontaram), a exigência do pagamento de propinas aos alunos que as podem pagar só seria constitucionalmente ilegítima se estas fossem de montante tal que daí resultasse a subversão da incumbência constitucional de o acesso ao ensino superior garantir a igualdade de oportunidades e a democratização do ensino. Tal sucederia se, por exemplo, se exigisse o pagamento do custo integral do ensino ou de um montante próximo deste valor, ou se a exigência do pagamento de propinas daqueles que têm capacidade económica para o suportar não fosse acompanhada da possibilidade de haver um número significativo de alunos com isenção de propinas ou, pelo menos, com direito a redução nas mesmas.

Ora, mesmo que as propinas atingissem 50% do custo anual por aluno em despesas de funcionamento e de capital e que a taxa de matrícula (paga uma única vez, na altura do ingresso no ensino superior: cf. artigo 11.°, n.° 1) atingisse 100% do montante mínimo da propina (ou seja, 25% daquele custo), mesmo então não se dificultaria de modo particular o acesso ao ensino superior. Depois, «os montantes provenientes do pagamento de propinas constituem receita própria» dos respectivos estabelecimentos de ensino e têm de ser afectados, «prioritariamente, à prossecução de uma política de acção social e às acções que visem promover o sucesso educativo» (cf. artigo 1.°, n.° 3). E, finalmente - para além dos casos de redução no pagamento de propinas (cf. artigos 2.°, n.° 3, e 3.°)-, estão isentos do seu pagamento «os alunos cujo rendimento familiar anual ilíquido per capita, rendimento familiar anual ilíquido ou nível de riqueza bruta não sejam superiores aos valores a fixar anualmente por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Educação» (cf. artigo 2.°, n.° 1), sendo que, pela Portaria n.° 698/93, de 28 de Julho, foi fixado, para o efeito, em 760 contos o rendimento familiar anual ilíquido per capita, em 2350 contos o rendimento familiar anual ilíquido, e em 270 000 contos o nível de riqueza bruta.

Eis por que dissentimos da decisão do Tribunal no ponto em que nela se declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos segmentos finais dos artigos 6.°, n.° 2, e 11.°, n.° 1, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto. - Messias Bento - Fernando Alves Correia - Bravo Serra - Vítor Nunes de Almeida.

Declaração de voto

1 - Uma outra interpretação da estrutura dogmática das normas do artigo 74.° da Constituição, e da sua relação de sentido, faz que eu não subscreva a decisão do acórdão que se contém nas alíneas a) e b) nem, assim, a tese que a sustenta.

A Constituição afirma o direito ao ensino como direito cultural de carácter fundamental, em articulação com uma imposição concreta de efectivação da igualdade de oportunidades [«Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar» (artigo 74.°, n.° 1), «o ensino deve contribuir para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais» (artigo 74.°, n.° 2)].

As normas do artigo 74.°, n.os 1 e 2, são normas de prestações subjectivas, com incidência qualificada do princípio da igualdade. Porque fundam um direito originário a prestações, nelas se evidencia aquilo que Gomes Canotilho designa por «aporia da Constituição dirigente»: a um máximo de desejabilidade constitucional do direito corresponde uma «relativização» do mesmo direito, pois que a sua efectividade está sob «reserva do possível» (unter dem Vorbehalt des Mglichen). Esta aporia é demonstrada por Bckenfrde (Staat, Verfassung, Demokratie, Suhrkamp, 1991, pp. 155 e segs.), que chama a atenção para uma possível não coincidência entre o âmbito normativo do direito fundamental (de natureza prestacional) e o dever de prestação do Estado que lhe «corresponde».

Isso, porém, não ilude uma irredutível dimensão subjectiva do direito a fundar pretensões jurídicas de prestação, e insusceptível de se diluir numa pretensa dimensão única, objectiva, da imposição legiferante. O direito ao ensino não existe num programa constitucional à mercê do legislador. A Constituição garante-o em normas de intensidade mais forte do que as normas programáticas, se bem que longe ainda da afirmação «preceptiva» da trilogia dos direitos, liberdades e garantias. Ali, com efeito, não é da realização óptima da liberdade negativa que se trata, mas da ordenação de bens (escassos) a um princípio de distribuição.

Perante este nível de vinculatividade intermédia das normas que afirmam o direito ao ensino, o legislador não pode remeter-se a um silêncio improdutivo. A imposição constitucional que daquelas normas se deriva é uma imposição de actuação legiferante, justiciável por via do mecanismo da inconstitucionalidade por omissão. Mas é também uma imposição que deixa ao legislador espaços concretos de liberdade para decisões politicamente motivadas, que como tal devem ser reconhecidos pela instância de controlo.

2 - As normas do artigo 74.°, n.os 1 e 2, não afirmam apenas a fundamentalidade do direito ao ensino. Afirmam também que a concretização do direito deve entranhar os meios de efectivação da igualdade de oportunidades. A imposição constitucional é bifronte: é uma exigência de realização do direito e uma exigência de realização da igualdade. Os níveis de concretização normativa não podem abstrair desta conexão.

Aí, com efeito, o legislador não está apenas negativamente vinculado pela proibição do arbítrio. A Constituição comete-lhe a tarefa concreta de eliminação das desigualdades sociais, pelo que a actuação legiferante deve ser a um tempo procedimento de concretização e tarefa de redistribuição.

Esta imposição de actuação legiferante que se liga à fundamentalidade do direito e às coordenadas positivas de igualdade que a Constituição determina que ordenem a mesma actuação (artigo 74.°, n.os 1 e 2) é a que mostra maior intensidade no quadro da regulação heterogénea do direito ao ensino (sobre esta regulação heterogénea dos direitos sociais, cf. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Suhrkamp, 1986, que diz a pp. 455-456: «As normas que se incluem nas disposições fundamentais sob a designação "direitos sociais fundamentais' são de tipos muito diferentes.»).

3 - De um diferente tipo é o itinerário que, na norma do artigo 74.°, n.° 1, alínea d), a Constituição descreve ao legislador: «Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino» é tarefa constitucional de prazo não vinculado (unbefriestete Verfassungsauftrag).

Esta tarefa está depois da operatividade do direito e da eliminação das desigualdades fácticas. A operatividade do direito e a eliminação das desigualdades fácticas constituem o marco do que aqui pelo Estado é definitivamente devido («definitiv Gesollten») (sobre os deveres definitivos do Estado, os deveres prima facie e os enunciados programáticos na concretização dos direitos sociais, cf. Alexy, ob. cit., p. 456).

O método de controlo tem, assim, de contextualizar as normas sobre propinas e taxa de matrícula que estão em apreço. No plano intra-sistemático da Lei n.° 20/92, essas normas convivem com soluções de redução e isenção (artigos 2.°, 3.° e 4.°) e de afectação prioritária dos montantes recebidos à prossecução de uma política de acção social e de promoção do sucesso educativo (artigo 1.°, n.° 3) e ordenam-se, assim, à afirmação constitucional do direito e ao princípio de distribuição equitativa que o fundamenta.

Mas já no itinerário da gratuitidade progressiva do ensino não toma forma definitiva a vinculação jurídica do legislador. E não tomando a vinculação jurídica do legislador uma forma definitiva, não se afigura aí possível um controlo jurisdicional de constitucionalidade. De facto, como diz Alexy (cf., ob.

cit., p. 472), sublinhando a equiparação vinculação jurídica - controlo judicial, «a competência do tribunal termina nos limites do definitivamente devido».

Aqui, regressamos à diferente intensidade das normas constitucionais em causa e à «aporia da Constituição dirigente». - Maria da Assunção Esteves.

Declaração de voto

Votei vencido, em parte, a alínea c) da conclusão por entender que tem fundamento a dúvida formulada pelo Presidente da República de que «a fórmula de cálculo do montante das propinas, constante do artigo 6.°, n.° 2, da lei em apreciação, poderá ser geradora de diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes». Considero, por consequência, violado o princípio de igualdade (artigo 13.° da Constituição), embora tal princípio integre sistematicamente o conteúdo do direito ao ensino, que inclui o direito ao ensino superior progressivamente gratuito [alínea e) do n.° 3 do artigo 74.°], pelo que a violação deste último direito consome a anterior.

O direito ao ensino, no que toca ao ensino superior, tem, em primeiro lugar, uma vertente objectiva: o Estado tem a incumbência constitucional, na realização da política de ensino, de «garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino», isto é, ao ensino superior [alínea d) do n.° 3 do artigo 74.°] e de «estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino», incluindo o superior [alínea e) do n.° 3 do artigo 74.°].

Daqui decorre que a política legislativa da Assembleia da República e do Governo em matéria de ensino superior não é deixada aos programas e à acção do Governo e dos partidos políticos, mas é predeterminada pela Constituição em certos aspectos fundamentais. As incumbências constitucionais traduzem-se nos princípios da política do ensino especificados nas várias alíneas do n.° 3 do artigo 74.° Estes princípios são vinculantes (artigo 18.°, n.° 1), e no caso das alíneas d) e e) são verdadeiros «comandos de optimização» (cf. Alexy, Theorie der Grundrechte, 1986, p. 75), quer dizer, em toda a medida do que é fáctica e juridicamente possível deve o direito de acesso ao ensino superior ser garantido a todos os cidadãos segundo as suas capacidades e deve estabelecer-se progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino, incluindo a do ensino superior.

Ambos os princípios estão conexos, na medida em que a garantia de acesso ao ensino superior se deve entender como garantia de que o único critério relevante na selecção daqueles que pretendem aceder será a respectiva capacidade, com exclusão, por consequência, de condicionalismos económicos. Não é simples garantia formal de que a selecção se fará em função dos conhecimentos actuais e da capacidade intelectual do candidato, mas é o comando de uma política de acessibilidade objectiva do ensino superior a todos os que têm potencialidades intelectuais para tal.

Por outro lado, é certo que a obrigação de gratuitidade do ensino superior é programática, a Constituição não estabelece a gratuitidade, comanda ao legislador que progrida no sentido do seu estabelecimento. A alínea e) pressupõe que os primeiros graus do ensino são já gratuitos: os abrangidos pelo ensino básico, assegurados a todos pela alínea a). Os graus seguintes deverão passar a sê-lo, sem excepção, pelo que o Estado desde já está proibido de realizar uma política de sinal contrário, como será, por exemplo, uma política de participação nos custos variáveis de cada instituição de ensino.

O Estado legislador e o Estado Administração só estão, porém, obrigados a agirem para o objectivo da gratuitidade do ensino superior na medida do possível. Esta «reserva do possível» [cf. Murswiek e Denninger, em Isensee/Kirchhof, Handbuch des Staatsrechts, V, 1992, pp. 267 e segs. e 315 e segs., respectivamente, que se apoiam na bem firmada jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão sobre o numerus clausus e a organização do ensino superior - BVerfGE 33, 303 (333) e 35, 79 (115)] tem duas dimensões: fáctica e jurídica (assim, Alexy, loc. cit.). Por um lado, os recursos disponíveis e, especialmente, os meios orçamentais são de facto limitados. Por outro, os custos do ensino superior concorrem com os de outras políticas do Estado, algumas delas impostas por semelhantes comandos de optimização correspondentes a incumbências constitucionais: é o caso, desde logo, dos custos dos restantes graus do ensino, mas também do Serviço Nacional de Saúde [artigo 64.°, n.° 2, alínea a)] e do sistema de segurança social (artigo 63.°), das redes nacionais de assistência materno-infantil e de creches e de infra-estruturas de apoio à família [artigo 67.°, n.° 2, alínea b)], da eliminação do analfabetismo [artigo 74.°, n.° 3, alínea c)], etc. A Constituição não só não estabelece prioridades entre estas e outras incumbências constitucionais como não as estabelece entre tais políticas constitucionalmente obrigatórias e outras políticas que são deixadas à livre escolha dos eleitores e dos partidos políticos e que se definem vinculativamente no Programa do Governo (artigos 191.° e 192.°), nas grandes opções dos planos e no Orçamento do Estado [artigo 164.°, alínea h)] e nas leis. O estabelecimento da própria ordem das prioridades políticas conjunturais deve mesmo considerar-se uma função irrenunciável do legislador democrático e tem expressão emblemática no Programa do Governo e no Orçamento do Estado, que são por isso especialmente aprovados, e cuja execução é especialmente fiscalizada pela Assembleia da República. Além de que, last but not least, a divisão constitucional de poderes impede o juiz de se arvorar em legislador, nomeadamente em matéria de direitos sociais e prestações, através da organização de meios públicos para as proporcionar. A maior ou menor concretização ou exequibilidade dos preceitos constitucionais pode ser um indício de imposição constitucional de uma linha divisória de poderes, mas nem sempre, porque o juiz também pode ser chamado a preencher lacunas de regulamentação, tudo dependendo do alcance de cada preceito. De tudo isto resultam limitações jurídicas à «possibilidade» do ensino superior gratuito.

A reserva do possível é, portanto, uma exigência «racional» (Murswiek), imposta pela natureza das coisas através dos elementos lógico e sistemático de interpretação dos preceitos constitucionais. Não se trata apenas de uma restrição eventualmente admissível, quiçá numa conjuntura de incapacidade financeira do Estado, como parecem sugerir Gomes Canotilho e Vital Moreira (Fundamentos da Constituição, 1991, p. 131), mas de uma restrição necessária, que nem por isso deixa de ficar sujeita, como acentuam estes autores, «na parte aplicável, às regras constitucionalmente estabelecidas para as restrições dos "direitos, liberdades e garantias', normalmente a necessidade e a proporcionalidade (cf. artigo 18.°, n.os 2 e 3), devendo salvaguardar sempre o conteúdo mínimo necessário de satisfação desse direito». O que pode diferir neste ponto são apenas «as garantias do cumprimento da obrigação constitucional do Estado» (ibid., p. 129).

Mas se os critérios da possibilidade de se tornar gratuito o ensino superior dependem do arbítrio do legislador, garantido pela Constituição, não será então que «obrigatoriamente gratuito, na medida do possível» quer, afinal, dizer, aplicado ao ensino superior, que pode ser gratuito, mas nunca tem de o ser? A conclusão não é mais paradoxal do que o próprio comando de progressiva gratuitidade de todos os graus de ensino. Tal comando pressupõe uma situação em que os graus mais elevados do ensino não são gratuitos.

Quando o comando for inteiramente implementado, por todos os graus do ensino, do básico ao superior, serem gratuitos, deixa de ter sentido a sua formulação.

O que importa é saber como pode a incumbência constitucional da alínea e) do n.° 3 do artigo 74.° vincular as entidades públicas e privadas, nos termos do n.° 1 do artigo 18.° da Constituição. Com efeito, só nessa medida constituirá uma dimensão do direito subjectivo fundamental ao ensino. Ora, como já se disse, também aos direitos fundamentais de carácter social cabe reconhecer um conteúdo mínimo, que corresponde à extensão e ao alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais e que não pode ser diminuído (n.° 3 do artigo 18.°). Não só o legislador ou a Administração estão imediatamente obrigados a garantir esse conteúdo mínimo como não poderão suprimir completamente sem contrapartida as disposições legais e administrativas que conferem aos indivíduos as pretensões correspondentes.

É por esta razão que, como diz Bckenfrde, «os direitos fundamentais sociais, quando com base neles se criaram pretensões determinadas, quer através do legislador, quer de uma prática administrativa continuada, defendem constitucionalmente essas pretensões e protegem o cidadão contra a sua eliminação (embora não contra uma modificação ou uma redução ainda compatível com a incumbência da sua constituição social)» («Die sozialen Grundrechte im Verfassungsgefge», 1975, em, do mesmo, Staat, Verfassung, Demokratie, 1991, p. 146). Não é preciso esperar por uma «consciência jurídica geral», isto é, por «um consenso profundo e alargado que demora o seu tempo a formar-se» (como pretende Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 1983, reimpressão, 1987, p. 309). É que se trata aqui do mínimo, já imediatamente aplicável e garantido pela Constituição, e de uma eficácia que não é agora mais nem menos intensa, mas simplesmente a do regime geral dos direitos, liberdades e garantias.

Qual é então o conteúdo essencial do preceito que atribui um direito ao ensino superior progressivamente gratuito? A questão só tem que ser dilucidada aqui relativamente às perguntas do Presidente da República.

Desde logo está garantido o direito à manutenção da isenção de propinas para aqueles que já a tinham por incapacidade económica. Tal isenção deve, obviamente, ser estendida àqueles que pelo mesmo motivo não podem pagar as novas propinas. Nesta medida as exposições da nova lei não mereceram justamente reparos ao Presidente da República. Só que estas consequências não derivam da alínea e) do n.° 3 do artigo 74.°, mas do direito de todos os cidadãos ao acesso, segundo as suas capacidades, aos graus mais elevados do ensino, garantido pela alínea d).

Do exposto já resulta também que não se admite uma proibição de todo e qualquer retrocesso, mas apenas daquele retrocesso que ofende o conteúdo essencial do preceito. Pode, portanto, haver retrocesso, quer relativamente aos custos nominais, quer reais, por referência quer a 1941, data da anterior lei das propinas (Decreto-Lei n.° 31 658, de 21 de Novembro de 1941), quer a 1973, data da disposição do Decreto-Lei n.° 418/73, de 21 de Agosto, que manteve o valor delas, quer a 1976, data da entrada em vigor da Constituição (25 de Abril de 1976). A Constituição não é como o rei Midas, não transforma em ouro constitucional o direito ordinário. Os preceitos legais que constituem direitos fundamentais continuam a ser derrogáveis segundo as regras gerais, sem prejuízo de as posteriores derrogações não poderem restringir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais já consagrado na lei. Solução contrária violaria a autonomia da função legislativa (assim Vieira de Andrade, ob. cit., p. 308) e a divisão de poderes. Esta interpretação não retira toda a força à palavra «progressivamente». Mas «estabelecer progressivamente» não quer dizer coisa substancialmente diferente de «promover gradualmente, de acordo com as possibilidades», que era a redacção da Comissão de Direitos e Deveres Fundamentais da Assembleia Constituinte (cf. Diário da Assembleia Constituinte, n.° 63, de 10 de Setembro de 1975, pp. 1212 e segs.). O carácter progressivo proíbe desde logo que se adopte outra política que não seja a de gratuitidade possível do ensino superior: a gratuitidade é obrigatoriamente o fim para que tende essa política. Não vale, pois, doutrina diferente do que a firmada pelo Tribunal no seu Acórdão n.° 330/89 (Diário da República, 2.ª série, pp. 6131 e segs.) sobre as taxas moderadoras do Serviço Nacional de Saúde, segundo a qual a expressão «tendencialmente gratuita» da alínea a) do n.° 2 do artigo 64.° foi interpretada «como visando, essencial e fundamentalmente, garantir aos mesmos utentes que não terão eles de suportar individualmente os custos daquelas prestações, pelo que, isso sim, não lhes há-de poder ser exigida por cada uma de tais prestações uma contraprestação destinada directamente a transferir (ainda que só parcialmente) para eles o custo da prestação em causa - uma contraprestação, isto é, que tenham como objectivo o «pagamento» (o pagamento do «preço», do serviço prestado)- ou então tal que (designadamente por força do seu montante) venha a ter praticamente um efeito equivalente (e subvertem, desse modo, o que poderá qualificar-se como conteúdo essencial mínimo de qualquer ideia de «gratuitidade») (p.

6133). A doutrina referida no acórdão, de que o ensino superior «é um bem misto, proporcionando simultaneamente dois tipos de benefícios: o privado, a favor do consumidor, o público, favorecendo a comunidade em geral», que a Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, aplicou salomonicamente dividindo os custos de funcionamento e de capital por aluno numa metade destinada a ser paga pelo aluno e noutra metade destinada a ser paga pelo Estado, é claramente uma política de sinal contrário, proibida pela Constituição. Cabe aqui referir o que se disse a princípio acerca da incumbência constitucional de promover a gratuitidade do ensino, citando agora de novo Bckenfrde: «a efectiva vinculação jurídica, que se alcança com tais incumbências constitucionais» implica nomeadamente que «o objectivo ou programa como tal é retirado à livre escolha do objectivo ou do fim pelos órgãos políticos, que noutros casos existe, e é-lhes prefixado como obrigatório» (estudo cit., p. 156).

Resta-nos, portanto, invocando os já citados princípios da necessidade e da proporcionalidade da restrição, fixar «um limite razoável dentro do qual se poderá falar da lógica constitucional da possível gratuitidade do ensino superior e não da lógica do pagamento parcial dos custos do ensino superior pelos respectivos utentes», para citar a fórmula que foi também expressa no acórdão. Pareceu-me razoável aceitar um limite de 25% dos custos de funcionamento e capital.

É legítimo perguntar se não há uma evidente violação do princípio da necessidade da restrição, quando se considera bastante no primeiro ano de aplicação da lei um valor entre 12% e 24% e, sem qualquer previsão de deterioração conjuntural da situação financeira, se aumentam para 25% e 50% aquelas percentagens nos dois anos seguintes. Não contrariará isto uma política de progressiva gratuitidade? Não tomei este caminho por me parecer que a política proposta na lei é desde o princípio alcançar os níveis do terceiro ano, tratando-se nos anteriores de atender a uma necessidade de adaptação dos visados pelo novo regime.

Já o entendimento de que se trata aqui de traçar os limites de um direito subjectivo público igual para todos, segundo o espírito da Constituição, me leva a considerar violado o princípio da igualdade, ao fazer variar o valor das propinas com os custos diversificados, e possivelmente muito díspares, de cada instituição de ensino. É que a lógica desta variação é precisamente a de participação do utente em custos, portanto, participação variável em custos variáveis. Não é esta a lógica de um direito à gratuitidade na medida do possível para todos. Só que esta violação do princípio da igualdade é desde logo uma violação do conteúdo essencial do preceito, pelo que não tem autonomia face à violação da alínea e) do n.° 3 do artigo 74.° - José de Sousa e Brito.

Declaração de voto

1 - O signatário votou, com a maioria do Tribunal Constitucional, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 6.°, n.° 2, da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, na parte em que, conjugado com o artigo 16.°, n.° 2, da mesma lei, permite que, para os anos lectivos de 1993-1994, 1994-1995 e seguintes, a percentagem para a determinação do montante das propinas seja fixada acima de 25%, por violação do artigo 74.°, n.° 3, alínea e), da Constituição.

Diferentemente da tese que fez vencimento, o signatário considerou que tal norma, conjugada com a do citado artigo 16.°, n.° 2, era ainda inconstitucional num segmento mais extenso: a inconstitucionalidade abrangeria toda e qualquer actualização das propinas que excedesse a decorrente das flutuações do valor da moeda, traduzida na variação dos índices de preços, considerada tal variação a partir da entrada em vigor da Constituição de 1976 ou, eventualmente, a partir da última opção do legislador de manutenção das propinas anteriormente fixadas - opção traduzida pela publicação do Decreto-Lei n.° 418/73, de 21 de Agosto.

Daí que tenha votado vencido, em parte, quanto à alínea c) da conclusão do acórdão.

Apontar-se-ão, de seguida, as razões que fundamentam tal juízo.

2 - O signatário partilha do ponto de vista da maioria do Tribunal de que o princípio constitucional de progressiva gratuitidade do ensino superior público não impede ou proíbe em absoluto que o valor das propinas, fixado em 1941 e mantido em 1973, seja actualizado pelo legislador.

Aparta-se, porém, do ponto de vista maioritário, de considerar que a actualização deve remontar a 1941, ano em que foi fixada a propina de 1200$, que vigorou até ao ano lectivo de 1992-1993.

Na verdade, bastará ler o preâmbulo do diploma que actualizou as propinas do ensino universitário em 1941, para se alcançar que a realidade jurídico-constitucional era profundamente diversa da actual, como diversa era a situação social então existente em Portugal.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.° 31 658, de 21 de Novembro de 1941, indica-se que o Governo de então pretendeu fazer «não propriamente a actualização, mas um aumento que marque a tendência para aproximar o sistema das propinas do ensino superior do sistema geral de taxas a pagar pelos outros serviços públicos», afirmando-se que o justo seria actualizar tais taxas sem qualquer limitação muito embora se entendesse «que neste momento se não podia ir até aí». E o legislador de 1941 teve o cuidado de esclarecer que a fixação da propina em 1200$ anuais implicava um aumento significativo, visto que a anterior propina média anual, na Universidade Clássica, atingia pouco mais do que um quarto do novo valor (334$80), sendo certo que a propina média anual em 1911 era apenas de 73$98: «não se podendo, por se considerar excessivamente oneroso neste momento, nem aplicar ao ensino superior o coeficiente de actualização aplicado ao ensino liceal, nem o coeficiente legal da desvalorização monetária em relação a 1911, foi-se para a solução apontada, que representa o produto do que, em média, se pagava em 1911 por 16,2».

No momento de actualização de 1941 não havia qualquer preceito constitucional que apontasse para a gratuitidade do ensino superior.

O Decreto-Lei n.° 31 658 foi publicado numa altura em que o ensino universitário era exclusivamente assegurado por instituições públicas e em que o número de alunos matriculados nas diferentes universidades não ultrapassava 9000, numa população que rondaria os 8 milhões de portugueses (cf. A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal, vol. III, 2.ª ed., Lisboa, 1981, pp. 479 e 503). A universidade portuguesa era frequentada por uma exígua elite na década de 40, num período de conjuntura económica depressiva e de guerra, em que a percentagem do produto nacional bruto aplicada à educação não atingia 1%.

Seguindo ainda a explicação constante do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 31 658, verifica-se que o aumento das propinas se destinou a custear uma actualização dos vencimentos do pessoal docente, de forma a possibilitar um alargamento e renovação constante da base de recrutamento de professores e de outro pessoal docente ou técnico auxiliar do ensino. O Governo afirmava então que a propina estabelecida se não podia considerar gravosa para os alunos que podiam suportá-la, esclarecendo depois que, «dos que não podem, e de todos até, só interessa ao Estado que sigam cursos superior os que realmente valem. Mas destes interessa-lhe que se não perca um único por se lhe tornar incompatível o pagamento das propinas. Por isso se institui a faculdade para as escolas de conceder o benefício da isenção de propinas e emolumentos de secretaria até 10% dos alunos que as frequentem. Pareceu que bastaria instituir este benefício dentro daquele limite, porque ele já existia e, na generalidade das escolas, não só o referido limite nunca foi atingido, mas o número de isenções concedidas ficou sempre muito aquém dele». Acrescente-se que o legislador de 1941 acentuou que a actualização das propinas do ensino universitário visava pôr termo a uma anomalia, rotulada de «injustiça», decorrente de ter havido uma actualização anterior de propinas no ensino secundário liceal, que implicava que o valor destas (1050$ anuais) fosse quase o triplo das propinas do ensino universitário.

3 - O anterior regime jamais actualizou a propina fixada em 1941, no que toca ao ensino universitário.

Desde essa data até 1974 não cessou de aumentar a população universitária, beneficiando do crescimento económico verificado no País nas décadas de 50 e 60. Dos 9000 alunos de 1940, passou-se para 14 000 em 1950, 20 000 em 1960, 35 000 em 1968 e 58 600 em 1973 (cf. A. H. de Oliveira Marques, ob. cit., p. 503). Mas as propinas de 1200$ anuais mantiveram-se imutáveis durante esses 30 anos.

No governo de Marcello Caetano, sendo Ministro da Educação Veiga Simão, foram expressamente mantidas em vigor as propinas de 1941, não obstante se ter procedido a uma reorganização dos serviços administrativos e financeiros das universidades (cf. artigo 3.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 418/73).

Embora não estivesse previsto na Constituição de 1933 o princípio da progressiva gratuitidade do ensino superior, como se disse, a opção legislativa de 1973 mostrou que se procurava alargar o acesso à universidade pela via da não actualização das propinas, a par de outras medidas de apoio escolar.

4 - É no contexto de uma manutenção de propinas num nível relativamente baixo que chega a Revolução de 25 de Abril de 1974.

A Constituição de 1976 veio consagrar uma visão democratizante do ensino, estabelecendo o n.° 2 do artigo 74.°, na sua versão originária, que o ensino deve ser modificado «de modo a superar a sua função conservadora da divisão social do trabalho». Na realização da política de ensino, passava a incumbir ao Estado o asseguramento do ensino básico universal, obrigatório e gratuito, a criação de um sistema público de educação pré-escolar, a garantia da educação permanente e eliminação do analfabetismo, o estabelecimento progressivo da gratuitidade de todos os graus de ensino, de forma a garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística [v. as alíneas a) a e) do n.° 3 do mesmo artigo 74.°]. A progressiva gratuitidade de todos os graus de ensino foi aprovada com quatro abstenções, praticamente sem discussão (cf. Diário da Assembleia Constituinte, n.os 62 e 63, de 11 e 15 de Outubro de 1975, em especial pp.

1950 e segs.).

Ora, se este quadro constitucional não vedava em 1976, como não veda hoje, em absoluto, uma actualização da obrigação pecuniária em que se traduz a propina - não pode, de facto, dizer-se que a gratuitidade progressiva impede uma qualquer actualização monetária, «de modo a restabelecer, entre a prestação e a quantidade de mercadorias a que ela equivale, a relação existente na data em que a obrigação se constituiu» (cf. artigo 551.° do Código Civil)-, há-de considerar-se que tal actualização não pode determinar-se, remontando a uma qualquer fixação longínqua de propinas (parece que a tese maioritária teria considerado constitucionalmente legítima, como momento inicial da actualização, a data de 1911, se tal tivesse sido a opção do legislador de 1992!), antes havendo de considerar ou o momento de entrada em vigor da Constituição ou, eventualmente, a última reafirmação legislativa dos montantes das propinas universitárias feita em 1973 (cf.

Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1978, p. 182; estes comentadores admitem eventualmente a legitimidade constitucional de aumento das propinas em termos reais, desde que tal aumento pudesse ser compensado com o aumento de isenções para os mais carecidos).

5 - Nas revisões constitucionais concluídas em 1982 e em 1989, manteve-se intocada a regra da progressiva gratuitidade de todos os graus de ensino público.

Na 1.ª revisão constitucional nenhum partido ou coligação propôs a eliminação da regra da progressiva gratuitidade de todos os graus de ensino público [cf.

Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.° 2, 2.° suplemento, de 17 de Outubro de 1981, pp. 24-(27) e 24-(28)], não tendo a questão sido objecto de debate em comissão ou no Plenário da Assembleia da República [cf. Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.° 84, suplemento, de 29 de Abril de 1982, pp. 1562-(4) e 1562-(5); mesma publicação, 1.ª série, n.° 108, de 25 de Junho de 1982, pp. 4434 e segs.].

Já nos trabalhos parlamentares que precederam a 2.ª revisão constitucional, a questão da eliminação da cláusula de progressiva gratuitidade do ensino superior foi amplamente debatida. O PPD/PSD propôs a eliminação da alínea e) do n.° 3 do artigo 74.° da Constituição, ao passo que o CDS preconizou a substituição dessa norma por outra, nos termos da qual deviam ser criadas «condições, designadamente de carácter económico, que permitam o acesso a todos os graus de ensino» (Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.° 25-RC, de 13 de Julho de 1988, pp. 727-728). No dizer da então Deputada Maria da Assunção Esteves, a proposta de tal eliminação, apresentada pelo PPD/PSD, decorria de uma vontade de contrariar «uma certa omnipresença do ensino público que a Constituição ainda tem», entendendo-se que «a gratuitidade como forma absoluta não é compatível com as margens de escolha que no nosso projecto se consagram em matéria de ensino e com o modo claro como com isso pretendemos alcançar também o ensino particular» (mesmo Diário e número, p. 729). No decurso do debate parlamentar, foi de um modo geral aceite que esta norma se revestia de carácter programático, tendo o Deputado Almeida Santos acentuado que a progressividade vinha referida «aos graus de ensino e não aos sectores de ensino», tratando-se da parte que incumbe ao Estado e não aos particulares, do mesmo modo que o Deputado José Magalhães afirmava que a norma, tal como estava redigida, evita «certos desmandos ou certas regressões , embora, naturalmente, não imponha ao legislador um ritmo preciso, rigoroso, metronómico» (mesmo Diário e número, pp. 735 a 737. A verdade, porém, é que a proposta de eliminação não logrou obter o número de votos necessário para ser aprovada, mantendo-se em vigor a referida norma;

6 - Sem pôr em causa o carácter programático da norma da alínea e) do n.° 3 do artigo 74.°, considero que a norma contém uma cláusula constitucional específica de proibição de retrocesso social em termos tais que ela impede as actualizações das propinas de qualquer grau de ensino, para além das decorrentes da mera desvalorização da moeda, desde a entrada em vigor da Constituição ou, pelo menos, desde o momento de tempo em que se fez a última intervenção do legislador, num quadro social e institucional semelhante ao actualmente existente. De facto, e como põem em relevo Gomes Canotilho e Vital Moreira, achamo-nos perante «uma imposição constitucional permanente, de realização progressiva, de acordo com as disponibilidades públicas» (Constituição, cit., 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 367). Não foi alegado, nem está demonstrado, que a chamada reserva do possível (a tal existência de disponibilidades financeiras públicas) impusesse uma qualquer actualização das propinas, sob pena de a salus populi ficar em perigo.

Por essas razões, considerei que violava a Constituição a norma sobre o aumento das propinas no segmento que legitima uma actualização superior à decorrente da aplicação da variação dos índices de preços sobre o valor de 1200$, fixado à data da entrada em vigor da Constituição de 1976 ou, eventualmente, considerado à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 418/73, de 21 de Agosto.

A actualização, tida por conforme à Constituição pela maioria do Tribunal, implica indiscutivelmente um retrocesso social, invertendo a tendência para a progressiva gratuitidade, que está traçada pelo legislador constituinte e a que o legislador ordinário deve acatamento.

Acrescentarei, por último, que o juízo de inconstitucionalidade feito abstrai de quaisquer considerações, por mais pertinentes que sejam, sobre a vantagem da eliminação, em futura revisão constitucional, da norma referida.

7 - Do mesmo modo, numa mesma linha de coerência, o signatário considerou ainda inconstitucional o n.° 1 do artigo 11.° da Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, norma relativa à actualização das taxas de matrícula - para além do segmento inconstitucionalizado por este acórdão- na parte em que permite a fixação de um novo valor dessas taxas acima do resultado da actualização, por aplicação dos índices de variação de preços, com referência ao montante vigente no momento da entrada em vigor da Constituição da República ou, pelo menos, da fixação em 1973 desse valor (100$, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 418/73).

8 - O signatário considerou igualmente contrária à Constituição, por violação do princípio da igualdade, a norma do n.° 2 do artigo 6.° da Lei n.° 20/92 na parte em que admite valores variáveis para as propinas, por decorrência do modo de fixação das mesmas, quer quando se considerem alunos que frequentam o mesmo curso superior em diferentes universidades (ou institutos politécnicos) quer quando se consideram alunos que frequentam cursos diferentes em universidades ou institutos politécnicos distintos.

De facto, depois de o n.° 1 deste artigo 6.° estabelecer que o montante das propinas é fixado anualmente pelo órgão competente das universidades ou pelo Conselho Geral dos Institutos Politécnicos, o n.° 2 desse artigo, norma questionada pelo Presidente da República também na perspectiva da violação do princípio da igualdade, estatui que tal valor «é fixado entre o montante mínimo, correspondente a uma percentagem determinada nos termos do n.° 2 do artigo 16.°, do resultado da divisão das despesas de funcionamento e de capital do ano imediatamente anterior pelo número total dos alunos inscritos nessa instituição nesse mesmo ano lectivo e o máximo a determinar pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas ou pelo Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos, consoante os casos, cuja expressão percentual não poderá ser superior ao dobro da correspondente ao montante mínimo».

Conforme consta do acórdão, por dados publicados na imprensa, a média do valor das propinas por universidade do continente rondou os 56 000$ anuais, no ano lectivo de 1992-1993, correspondendo as propinas mais caras a um acréscimo de cerca de 20% sobre o valor das mais baratas.

Da Constituição não resulta que tenha de haver um valor único das propinas para todas as universidades ou institutos politécnicos públicos portugueses.

A verdade, porém, é que os candidatos ao ensino superior politécnico ou universitário públicos não dispõem de liberdade de escolha entre as diferentes universidades e institutos politécnicos públicos, pois vigora um regime de admissão de numerus clausus, como é de todos sabido. Tal regime implica que os alunos que não atingem a classificação mínima para entrar em certa escola de uma determinada universidade ou instituto politécnico são forçados a candidatar-se a diferentes escolas de outras universidades ou institutos, na esperança de lograrem a admissão.

Ora, sendo esta a presente situação do acesso às universidades e institutos politécnicos públicos, bem se compreende que parte dos candidatos acabe por ser discriminada face a outros, por estes terem de ingressar em escolas que não pretendiam frequentar como primeira escolha, ficando, por regra, sujeitos a propinas diferentes e, porventura, mais caras.

Assim sendo, considero fundada a dúvida formulada pelo Presidente da República de que a fórmula de cálculo do montante das propinas, constante do artigo 6.°, n.° 2, da Lei n.° 20/92, «poderá ser geradora de diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes».

O estudante residente em Lisboa que só obtém vaga em certa faculdade da Universidade do Porto, apesar de ter indicado como primeira escolha uma faculdade das Universidades Clássica, Técnica ou Nova de Lisboa, ficará, com toda a probabilidade, sujeito a uma propina diferente, resultante de uma divisão, em si aleatória, das despesas de funcionamento e de capital da Universidade do Porto no ano imediatamente anterior pelo número total dos alunos inscritos na mesma Universidade em idêntico ano lectivo.

Tal significa, a meu ver, que este estudante poderá ser privilegiado ou, com mais probabilidade, prejudicado pela colocação fortuita nessa Universidade, ficando sujeito a um tratamento discriminatório, sem qualquer justificação razoável.

Daí que considere que a norma em causa viola também o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição. - Armindo Ribeiro Mendes.

Declaração de voto

1 - Votei vencido, em parte, nos mesmos termos que o Ex.mo Conselheiro Armindo Ribeiro Mendes, cuja declaração de voto, no essencial, acompanho.

Apenas acrescentarei uma nota e assinalarei um ligeiro afastamento relativamente a essa declaração de voto.

2 - Antes, contudo, permito-me sublinhar que não consegui descortinar a lógica subjacente ao acórdão no que respeita à admissibilidade de uma actualização das propinas, com base no valor fixado em 1941.

Com efeito, para além das razões avançadas na declaração de voto do Ex.mo Colega Ribeiro Mendes no sentido de a data a relevar ser a da entrada em vigor da Constituição de 1976, a verdade é que a fixação do actual valor das propinas remonta indubitavelmente a 1973 e não a 1941.

Na verdade, o Decreto-Lei n.° 418/73, de 21 de Agosto, veio estabelecer expressamente no seu artigo 3.°:

1 - Pela matrícula nas universidades e nas escolas de ensino superior e pelas inscrições são devidas propinas.

2 - O pagamento da propina de matrícula será feito por uma só vez, no acto da assinatura do boletim, sendo o seu valor de 100$.

3 - As propinas de inscrição em todas as disciplinas correspondentes a um ano ou a um semestre do plano de estudos respectivo são de 1200$ ou de 600$.

4 - As propinas de inscrição em cada disciplina isolada anual são de 300$ e de metade desta importância, se for semestral.

5 - .......................................................................................................................

Nesta conformidade, tendo o legislador renovado, de forma incontroversa, em 1973, a sua vontade quanto ao valor das propinas, afigura-se de todo em todo inintelegível que se tenha vindo a recorrer ao ano de 1941, como base para a actualização desse mesmo valor.

3 - Subscrevo integralmente o entendimento de que, embora não existindo na nossa Constituição uma cláusula geral de proibição do retrocesso social, o artigo 74.°, n.° 3, incorpora uma cláusula específica de proibição desse retrocesso, no que se refere ao preço do ensino público, ao determinar a sua progressiva gratuitidade.

A nota que gostaria de acrescentar consiste apenas em assinalar que não vale aduzir, em sentido contrário, com o facto de a justiça social se assegurar melhor através de um sistema em que os mais ricos paguem o ensino, ficando os mais pobres isentos desse pagamento.

É que o princípio da universalidade dos direitos sociais, igualizando todos os cidadãos no respectivo gozo, não se destina a beneficiar os mais favorecidos, mas antes a não discriminar os mais carenciados. A lógica do Estado-providência, vertida na nossa Constituição, assenta na ideia de que os seus benefícios são atribuídos a todos, como direitos, e não apenas aos mais desprotegidos, como esmolas, numa perspectiva meramente assistencial.

A universalidade do gozo dos direitos sociais é, assim, uma decorrência da igual dignidade social de todos os cidadãos.

E a isto acresce, in casu, que os destinatários das normas respeitantes às propinas são os estudantes, jovens adultos, sendo certo que a situação económico-social relevante, de acordo com a lei, é a das respectivas famílias, o que contribui para fazer aumentar o grau de dependência desses jovens.

4 - O ponto em que me afasto da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Ribeiro Mendes, é tão-só o que respeita à fundamentação do julgamento de inconstitucionalidade da norma do n.° 2 do artigo 6.° da Lei n.° 20/92, por violação do princípio da igualdade.

Muito embora considere existir aqui essa violação, tal decorre, a meu ver, da excessiva e desproporcionada diferença que pode ocorrer entre os valores das propinas nas diversas universidades, já que a percentagem máxima pode atingir o dobro da percentagem mínima e que o resultado da divisão das despesas de funcionamento e de capital pelo número de alunos será muito mais gravoso nas universidades com componentes tecnológicas ou com reduzido número de alunos, como acontece nas Regiões Autónomas.

O princípio da igualdade tem de ser conjugado com o princípio da autonomia das universidades, sendo certo que a aplicação deste último há-de permitir - e, quiçá, exigir- uma certa margem de discricionariedade aos órgãos próprios de cada universidade. Essa margem, contudo, não pode ser de tal modo elevada - como acontece no caso vertente- que coloque certos estudantes em situação de chocante desigualdade em relação a outros. - Luís Nunes de Almeida

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1994/05/03/plain-58693.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/58693.dre.pdf .

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2003-02-12 - Acórdão 509/2002 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4º, nº 1, do decreto da Assembleia da República nº 18/IX (titulares do direito ao rendimento social de inserção). Proc. nº 768/2002.

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