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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 9/2024, de 9 de Julho

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Sumário

«O Ministério Público mantém a legitimidade para o exercício da ação penal e o assistente a legitimidade para a prossecução processual, nos casos em que, a final do julgamento, por redução factual de acusação pública por crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal, são dados como provados os factos integrantes do crime de injúria p. e p. no artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, desde que o ofendido tenha apresentado queixa, se tenha constituído assistente e aderido à acusação do Ministério Público.»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2024



Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência 560/19.2PATVD.L1

Acórdão de Fixação de Jurisprudência

Acordam, em conferência, no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

I.1. A Assistente AA, não se conformando com o acórdão proferido em 13 de outubro de 2022 pela Relação de Lisboa, no processo 560/19.2PATVD.L1, 9.ª secção, acórdão recorrido 1, e invocando o artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), veio, em 28 de novembro de 2022, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Trouxe como acórdão fundamento o proferido em 25 de setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do proc. n.º 505/15.9GAPTL.G1, publicado in www.dgsi.pt, ambos transitados em julgado.

Aduziu, além do mais, que os acórdãos proferiram decisões opostas sobre a mesma questão de direito.

Assim:

Acórdão recorrido:

Tendo sido o arguido acusado pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal (doravante CP), com base em factos atentatórios da dignidade, da integridade física e da honra da ofendida, apesar de o arguido não ter sido condenado por falta de elementos típicos de tal crime, o arguido não pode ser condenado pela prática de um crime de injúria, p e p. no artigo 181.º, n.º 1, do CP, (e de um crime de difamação), pese embora se tenham dado como provados todos os seus elementos típicos, mesmo tendo em conta que a ofendida, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persiste em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos, por faltar a acusação particular. Falta essa que retira legitimidade ao ofendido e ao Ministério Público (doravante MºPº) para prosseguirem a acusação num crime de natureza particular.

Acórdão fundamento:

Tendo sido o arguido acusado pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do CP, com base em múltiplos factos atentatórios da dignidade pessoal, da integridade física e da honra da ofendida, apesar de o arguido não ter sido condenado por falta de elementos típicos de tal crime, o arguido pode ser condenado pela prática de crime de injúria p. e p. no artigo 181.º, n.º 1, do CP, uma vez que se deram como provados todos os seus elementos típicos e inexiste obstáculo processual a tanto dado que a ofendida, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persiste em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos. O que, mesmo sem acusação particular deduzida, confere legitimidade ao ofendido e ao MºPº para prosseguirem a acusação num crime de natureza particular.

Peticionou a recorrente que se dirimisse o conflito no sentido do entendimento do acórdão fundamento.

I.2. Recebido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, a Conferência da 3.ª secção, criminal, por acórdão de 10/01/2023, julgou verificados todos os requisitos formais e substanciais, aqui incluída a oposição de julgados, e determinou o seu prosseguimento, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP.

I.3. Notificados os interessados, ut 442, n.º 1, na sequência do despacho de 07/02/2023, vieram o Recorrente e o Ministério Público apresentar alegações.

I.4. Sintetizou o Ministério Público em sede de conclusões:

“[...] 3) - Ao aderir à acusação pública, mormente por crime de “violência doméstica”, o assistente, acusando também, manifesta a sua vontade de prossecução criminal e punição do arguido por todos os factos ali descritos, incluindo os factos susceptíveis de poderem integrar autonomamente os crimes de natureza particular.

[...]

9) - Se o hipotético “concreto recorte da vida” (relativo aos crimes de “injúria” e de “difamação”) que, por falta de prova do restante, passou a constituir o único “objecto do processo” constava já da acusação pública, não é lógico-processualmente viável afirmar que o assistente, ao aderir à acusação, não acusou por esses factos.

[...]

12) - Se os factos provados, integradores de crime-particular, constavam já da acusação do Ministério Público, pelo crime de violência doméstica, está plenamente salvaguardado o direito de defesa do arguido, tendo o mesmo tido oportunidade de, em julgamento, se fazer ouvir e garantir plenamente a sua defesa quanto a esses factos e a sua juridicidade.

13) - Findo o inquérito, o assistente não tem de ser notificado, pelo Ministério Público, para deduzir acusação particular, se os indícios, em face da prova recolhida durante a investigação, apontarem para o crime de “violência doméstica”, de natureza pública, ainda que também integrado por factos atinentes a crimes-particulares.

14) - Perante a acusação do Ministério Público por um crime-público, não poderá o assistente tomar outra posição que não seja a de deduzir acusação pelos factos da acusação-pública, por parte deles ou por outros que não importam alteração substancial daqueles (ou, simplesmente, não acusar).

15) - O Acórdão Recorrido, ao negar à assistente a legitimidade para prosseguir a acção-penal pelos crimes de “injúria” e de “difamação” apurados em julgamento, decidiu em irrazoável desconsideração pela efectiva realização do interesse da ofendida, com prejuízo para o seu direito à Justiça e para a paz-social, conquanto não o tenha decidido em prol de uma tutela apta e necessária à defesa do contraditório.

[...]

20) - Tal como o crime de “violência doméstica”, de natureza pública, sofreu um efeito de degradação ético-normativa nos crimes de “injúria” e de “difamação” - cujo bem-jurídico constitui uma parcela de um mais complexo, atinente àquele -, de natureza particular, o acto pelo qual a assistente acompanhou a acusação pública, converteu-se, normativamente, na “acusação-particular” que teria sido formulada caso fosse essa a indiciação operada pela conclusão do inquérito. [...]”

E rematou com a seguinte proposta de fixação de jurisprudência:

“O assistente que se queixou atempadamente e aderiu à acusação pública tem legitimidade para prosseguir na acção penal contra arguido que, devendo, em julgamento, ser absolvido da prática de um crime de “violência doméstica”, p. e p. na disposição do artigo 152/1-b) do Código Penal, comprovadamente cometeu os factos imputados que autonomamente são susceptíveis de integrar também a prática de crimes de “difamação” e de “injúria”, p. e p. p., respectivamente, nas disposições dos arts 180/1 e 181/1 do mesmo Código.”

I.5. Por seu turno a Recorrente invocou, em síntese, a inequívoca manifestação, por parte da aqui Recorrente, da vontade de persecução da tutela penal em relação à parte dos atos imputados ao arguido com a idoneidade bastante ao preenchimento do crime de injúrias e difamação, de entre a pluralidade de atos em que se analisava a descrição contida na acusação. Que tal vontade foi, inclusivamente, expressa, desde logo, na apresentação de queixa, pela constituição de assistente, pelo acompanhamento da acusação pública e pela prestação de declarações em audiência. Por isso, tendo em conta quer o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva quer a teleologia ou as intenções político-criminais que presidem ao pressuposto processual não pode sustentar-se a falta de promoção pelo MP, tendo este Órgão promovido a ação penal nos exatos termos que a lei lhe impunha. E pugna que o acompanhamento da acusação pública equivale para preenchimento do pressuposto a dedução de acusação particular. “Pelo que no caso em apreço mostra-se inteiramente preenchido o desiderato prosseguido pelo legislador com o instituto da acusação particular, e assim que a falta de autónoma acusação pela assistente não constitui motivo para inutilizar a adesão da mesma à acusação proferido pelo MP, que detinha a legitimidade para o efeito.

20 - Face a tudo quanto supra exposto, mostra-se assegurada a tutela dos interesses inerentes ao instituto da acusação particular, entendendo a assistente ser a mais correta a posição defendida no acórdão fundamento, entendimento e jurisprudência que se afigura a mais adequada e proporcionada às situações descritas em ambos os processos, sendo a solução que melhor se adequa ao espírito da lei, aos princípios em que a mesma se baseia e que tem um mínimo de correspondência na sua letra, cf. artigo 9.º do C. Civil.”

E finalizou a propor que o Supremo Tribunal de Justiça decida “em termos de uniformização da jurisprudência no sentido de que verificadas as circunstâncias fácticas supra citadas não se impõe a exigência de acusação particular, mantendo-se a legitimidade da assistente e do MP para a condenação do arguido pela prática do crime de injurias e difamação, p.p. previstos respetivamente nos artigos 181.º n.º 1 e 180.º n.º 1 do CP expresso no Acórdão Fundamento.”

I.6. Foram colhidos os vistos e reuniu o Pleno das Seções Criminais.

I.7. Da verificação dos pressupostos do recurso de fixação de Jurisprudência

Porque a antecedente decisão de verificação da oposição de julgados plasmada no precedente acórdão de 10/01/2023 que julgou verificada a oposição não vincula o Pleno das Secções Criminais, impõe-se revisitar a contraditoriedade dos acórdãos e a verificação dos pressupostos de fixação de jurisprudência ainda que de forma sucinta, e, se for caso disso, recuperando o aí dito.

O recurso de fixação de jurisprudência encontra-se previsto no Capítulo I, do Título II, do Livro XIX do CPP, e os arts 437.º (Fundamento do recurso) e 438.º (Interposição e efeito) disciplinam os requisitos de natureza formal e substancial para a admissibilidade deste recurso extraordinário.

Constituem pressupostos formais da admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência:

(i) a legitimidade e interesse em agir do recorrente;

(ii) a tempestividade (interposição no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido);

(iii) a invocação e identificação de um único acórdão fundamento, com menção da publicação e junção de cópia;

(iv) o trânsito em julgado dos dois acórdãos de tribunais superiores conflituantes, ambos do STJ; ou ambos da Relação, ou um da Relação, o recorrido, de que não seja admissível recurso ordinário e o outro, o fundamento, do STJ, salvo se a orientação perfilhada no recorrido da Relação estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo STJ;

(v) a justificação, de facto e de direito, da oposição.

Como pressupostos de natureza substancial identifica a jurisprudência os seguintes:

(i) o proferimento dos dois acórdãos, sob o domínio da mesma legislação;

(ii) que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;

(iii) que as decisões em oposição sejam expressas;

(iv) que as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões.

Reapreciando a verificação dos pressupostos formais:

Legitimidade e interesse em agir: A assistente recorrente tem legitimidade uma vez que se está perante decisão contra ela proferida, nos termos do artigo 401.º, n.º 1, al. b), e 437.º, n.º 5, do CPP. E tem interesse em agir, uma vez que sai beneficiada com a eventual reversão da decisão.

Tempestividade: Nos termos do art. 438.º, n.º 1, do CPP, o recurso para fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.

O acórdão recorrido foi proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa em 13/10/2022, notificado ao MP por termo nos autos em 14/10/2022, e notificado aos mandatários das partes, via eletrónica, em 14/10/2022.

O presente recurso entrou em 28/11/2022, portanto dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do mesmo (438.º, n.º 1).

O acórdão fundamento, proferido em 25 de setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do proc. n.º 505/15.9GAPTL.G1, publicado in www.dgsi.pt, também já se mostrava transitado em julgado.

Assim, o pressuposto da tempestividade mostra-se igualmente preenchido.

Invocação, identificação, cópia do acórdão fundamento (só um e indicação da sua publicação (art. 438.º, n.º 2): Para oposição de julgados como acórdão fundamento\\justica.local\dfs\STJ\FileServer\DDIJ\ACÓRDÃOS\2023\3.ª Secção\Ac├│rdãos Anonimizados\2023-01-10\Ac. 560-19.2PATVD.L1 - 10-01-23-generated.docx - _ftn2 a Recorrente invocou o acórdão proferido em 25 de Setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do proc. n.º 505/15.9GAPTL.G1, transitado em julgado e publicado no sítio da dgsi. E do mesmo juntou cópia.

Com o que preenchido está também este pressuposto de invocação de um único acórdão fundamento.

Trânsito em julgado dos dois acórdãos contraditórios de tribunais superiores: está em causa a contraditoriedade de dois acórdãos de duas Relações e os dois transitaram em julgado (arts 438.º, n.º 1, e 437.º, n.º 4).

Justificação da oposição, de facto e de direito (438.º, n.º 2): A assistente recorrente explicita bem a oposição entre o decidido num e o decidido no outro. E, na concretização das idênticas situações de facto e na comparação das opostas decisões de direito, resume-a assim: “se, não tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica e demonstrados comportamentos que poderiam enquadrar a prática de um crime de injúria e de difamação, poderia este ser condenado pela prática dos referidos crimes, não obstante a falta de dedução de acusação particular pela Assistente, tratando-se, assim, da mesma questão fundamental de direito.”

Verificado, pois, se mostra o pressuposto da justificação da oposição.

Não se conhece jurisprudência fixada pelo STJ na questão que suscitada vem.

E, assim, estão verificados todos os pressupostos formais de que depende a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Em reapreciação da verificação dos pressupostos substanciais:

Oposição de dois acórdãos de tribunais superiores tirados sob o domínio da mesma legislação (sem ocorrência de alteração no texto da lei que regula a situação controvertida) (art. 437.º, n.os 1 e 2): A oposição tem de ocorrer entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tirados em processos diferentes, ou um acórdão da Relação que não admite recurso ordinário e que não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do STJ.

Aqui estamos efetivamente na presença de dois acórdãos de diferentes tribunais superiores, o recorrido prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o fundamento proferido pela Tribunal da Relação de Guimarães. A Recorrente descreveu a oposição e delimitou a visada uniformização.

Os acórdãos em oposição foram proferidos no âmbito da mesma legislação, (437.º, n.º 3) ou seja, durante o intervalo de tempo da sua prolação, não sobreveio modificação legislativa que interferisse, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida. No caso, não houve alteração legislativa nem no que concerne ao concurso de crimes, nem no que tange aos pressupostos processuais de queixa e de acusação particular. Concretizando, na convocação da normação aplicável, no intervalo entre a prolação dos dois acórdãos, não se alteraram, no para aqui pertinente, nem os artigos incriminadores, 152.º, n.º 1, e 188.º, n.º 1, do CP, nem os relativos aos pressupostos positivos de punição, artigos 113.º e 117.º do Código Penal, nem os artigos definidores da legitimidade processual penal, artigos 48.º a 50.º do CPP, nem os artigos definidores dos termos da acusação pública ou da acusação particular, artigos 283.º a 285.º do CPP, nem os artigos reguladores do instituto da alteração substancial, ou não substancial, dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, artigos 358.º, 359.º do CPP. As alterações sobrevindas ao artigo 152.º do CP, no intervalo de prolação dos acórdãos, não alteram o que quer que seja de pertinente para o caso sub judicio. Nem a Lei 44/2018, de 09/08, nem a Lei 57/2021, de 16/08, alteram o abrangente tipo no que toca ao multímodo das ações delituosas que aí cabem. Idem para as alterações sobrevindas ao artigo 283.º do CPP por via das Leis 33/2019, de 22/05, e 94/2021, de 21/12, que se mostram irrelevantes para este caso.

Em proferição de decisões opostas (437.º, n.º 1): in casu, as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos consagraram soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, id est, ditaram “soluções opostas” na interpretação e aplicação das mesmas normas perante factos idênticos. É evidente a consagração de soluções opostas, no acórdão fundamento decidiu-se pelo preenchimento de todos os pressupostos substantivos e processuais para a condenação, dispensando-se o assistente de adicional dedução de acusação particular e acabando a condenar o arguido pela prática de crime particular de injúria; ao contrário, o acórdão recorrido não condenou pela prática de crime de violência doméstica mas igualmente recusou-se a condenar pela prática de crime de injúria, pese embora reconhecendo o preenchimento factual do tipo, no objetivo e no subjetivo, recusa sustentada na inexistência de dedução de acusação particular pelo assistente por se estar perante crime de natureza particular.

Decisões opostas e que expressas se mostram: No caso sub judicio a questão de direito em causa foi objeto de decisões expressas contraditórias e que se negam mutuamente, evidenciando claramente a oposição de julgados.

As soluções opostas a partir de idêntica situação de facto mostram-se expressas, tendo, aliás, num caso e noutro merecido prévia enunciação e sequente atenção de estudo e de fundamentação em cada um dos arestos. Oposição de soluções que se refere à própria decisão e não aos seus fundamentos, em homologia encontrada nas situações de facto apreciadas em cada um dos dois acórdãos em confronto. (cfr acórdãos do STJ de 28/10/2020, proc. n.º 2536/17.5T9PDL.L1-A.S1, Manuel Augusto Matos e de 21.04.2021, proc. n.º 169/19.0GBOAZ.P1-A.S1, Nuno Gonçalves).

Ambos enunciaram e se debruçaram sobre a questão, com remissão até para outros acórdãos que igualmente já a haviam tratado.

E os dois expressamente, com base nos contraditórios entendimentos assim expressos decidiram de maneira oposta. Depois de claramente terem separado até a questão. O acórdão fundamento na enunciação das questões a decidir coloca em “D-”: “A possibilidade de prosseguimento dos autos, em lugar do imputado crime de violência doméstica, quanto a um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181.º do C. Penal;”; por sua vez, o acórdão recorrido interroga-se igualmente, em termos subsidiários, sobre se “Não sendo o arguido condenado pelo crime de violência doméstica, deve ser condenado pela prática de crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.º-A, n.º 1, do CPP; e o arguido não sendo condenado por um crime de perseguição, deve ser condenado por um crime de injúria e um crime de difamação previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, e 180.º, n.º 1, do Código Penal;”

Identidade da questão de facto e da questão jurídica: A identidade das situações de facto e de enquadramento jurídico é evidente nos dois acórdãos em conflito, e, nessa comparação, logo se conclui que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas.

A mesmidade da questão de facto é manifesta. Em ambos os casos o assistente apresenta queixa e se constitui assistente, e, depois de o MP deduzir acusação por factos integrantes de um crime de violência doméstica, em concurso aparente com um crime de injúria, acompanha a acusação pública. Em ambos os casos, soçobra a acusação pública por crime de violência doméstica e o arguido é absolvido da prática de tal ilícito. Num e noutro o tribunal dá como provados os factos integrantes do tipo legal de crime de injúria. Quer no fundamento quer no recorrido falece a acusação particular. Questão de facto idêntica mas que, como se viu, levou a decisões de direito contraditórias. Sendo que a questão jurídica é idêntica, ou seja, tem a mesma incidência fáctico-normativa.

I.8. Objeto do presente recurso

Ultrapassada que ficou a fase de verificação de oposição de julgados, surge aqui controvertida a questão jurídica de saber se, tendo sido o arguido acusado pelo Ministério Público pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do CP, com base em múltiplos factos atentatórios da dignidade pessoal, da integridade física e da honra da ofendida, na impossibilidade, a final do julgamento, de condenação do arguido por falta de elementos típicos de tal crime, o processo pode prosseguir para condenação, em minus, pela prática de crime de injúria p. e p. no artigo 181.º, n.º 1, do CP, tendo-se dado como provados todos os seus elementos típicos já que a ofendida, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persistiu em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos. Ou seja, saber se, mesmo sem uma formal “acusação particular” deduzida, se mantém a legitimidade do ofendido/assistente e do MºPº para prosseguirem a acusação e a prossecução processual em tal crime de natureza particular.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Fundamentos e decisão do acórdão recorrido

O acórdão recorrido aceitou os factos dados como provados pela 1.ª instância e que descritos em pontos “1.” a “14.” integravam a prática de ilícito penal de um crime de injúria e de um crime de difamação previstos, respetivamente, nos artigos 181.º, n.º 1, e 180.º, n.º 1, do CP, tanto no que toca aos elementos objetivos como ao elemento subjetivo.

Todavia, em “3.3”, na impossibilidade de condenação por violência doméstica, sob a interrogativa; “O arguido não sendo condenado por um crime de perseguição, deve ser condenado por um crime de injúria e um crime de difamação previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, e 180.º, n.º 1, ambos do Código Penal”? disse o seguinte:

“A recorrente, ainda de forma subsidiária, vem peticionar a condenação do arguido por um crime de injúria e difamação, no que é acompanhado no seu douto parecer pela Digna Procuradora Geral Adjunta.

Não desconhecendo os acórdãos citados (RG 25/09/2027, 505/15.9…, RP 13/01/32021, 799/18.8… e RP 30/01/2013, 1743/11.9…) pela recorrente nas suas doutras alegações, entendemos que, não tendo havido acusação particular, em relação a estes crimes não pode o arguido ser condenado pelos mesmos.

A argumentação de que a assistente apresentou queixa, constitui-se como tal e acompanhou a acusação do Ministério Público pelo crime de violência doméstica e como tal não lhe era exigível qualquer outra conduta processual é, manifestamente, improcedente.

Nada processualmente impedia que a assistente tivesse acompanhado a acusação pública em relação ao crime de violência doméstica e, ao mesmo tempo, tivesse deduzido acusação particular, porquanto estas injúria e difamação já constavam da acusação e não eram os únicos factos constantes da mesma para preencher o tipo legal de violência doméstica.

A questão não é saber, com o devido respeito, se a injúria é um minus relativamente ao imputado crime de violência doméstica, mas, antes, se as normas processuais relativas à legitimidade e à acusação particular, (artigos 188.º do Código Penal e 285.º do Código de Processo Penal) foram cumpridas.

A justiça e a verdade apenas podem ser obtidas no processo no estrito cumprimento das normas processuais, o que, manifestamente, não seria o caso com a eventual condenação do arguido por crime diferente relativamente ao qual não foi deduzida acusação particular como a lei exige. Não há justiça aceitável fora do processo e das regras do mesmo.

A argumentação de que a vítima, neste entendimento, ficaria desprotegida e poderia considerar-se uma deslealdade processual, não colhe porquanto a mesma tem conhecimento que a acusação pública incluía crimes particulares e, por isso, poderia ter deduzido, em tempo, a respetiva acusação, inexistindo acusação particular por parte da assistente em relação aos crimes de injúria e difamação, não pode o arguido ser condenado por tais crimes.

Improcede também esta conclusão da recorrente.”

Em resumo, considera que, no incumprimento do artigo 285.º do CPP, a falta de dedução de acusação particular obsta ao prosseguimento do processo por falta de legitimidade do assistente. E acaba a negar provimento ao recurso da assistente que pugnava, subsidiariamente, pela condenação do arguido pela prática daqueles dois crimes (injúria incluída).

II.2. Jurisprudência no sentido do acórdão recorrido

Acórdão da Relação de Évora de 15/12/2016, proc. n.º 33/14.0GBADV.E1, Maria Filomena Soares, (apesar de verificados os elementos objetivos e subjetivos do ilícito de injúria p. e p. no artigo 181.º, n.º 1, do CP, e pese embora se reconhecer a tempestividade de apresentação da queixa, a oportuna constituição de assistente e o acompanhamento da acusação pública por violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do CP, a Relação não aceitou a convolação para condenação em minus pelo crime particular, porque “o Ministério Público perdeu legitimidade para o exercício da ação penal a partir do momento em que se cristalizou aquela alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação pública ou na pronúncia, atento o disposto nos artigos 50.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 188.º, n.º 1, do Código Penal.”).

II.3. Fundamentos e decisão do acórdão fundamento

O acórdão fundamento em “D”, sob o enunciado: “A possibilidade de prosseguimento dos autos, em lugar do imputado crime de violência doméstica, quanto a um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181.º do C. Penal”, afirmou o seguinte 2 (transcrição):

“Defende a recorrente, a título subsidiário, que, em face da alteração da qualificação jurídica dos factos dados como assentes, deveria o tribunal a quo ter condenado o arguido pela prática de um crime de injúria, porquanto, tratando-se de um minus face ao crime de violência doméstica, não se subsume à previsão das normas dos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal e, porquanto, a assistente apresentou queixa e acompanhou a acusação pública.

Na sentença recorrida, depois de se ter concluído pela absolvição do arguido da prática do crime de violência doméstica que lhe havia sido imputado, fundamentou-se a não condenação pela prática de um crime de injúria, aduzindo o seguinte:

“No mais, de acordo com o disposto no artigo 181.º do Cód. Penal, quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe facto, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras ofensivas da sua honra e consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.

Acontece, porém, que o crime de injúria reveste natureza particular, pelo que exige não só que o titular do direito se queixe e se constitua assistente, como também deduza acusação particular (artigos 113.º, n.º 1, e 188.º do C.P. e artigos 48.º a 52.º do CPP).

Ora, no caso dos autos, a denúncia apresentada pela assistente não individualizou os concretos factos apurados, a assistente não deduziu acusação particular, pelo que o Ministério Público não tem legitimidade para exercer a acção penal quanto ao indicado crime.

Poderia argumentar-se que a assistente acompanhou a acusação do Ministério Público, sanado assim o obstáculo processual invocado. Porém, a falta de acusação do assistente, num crime particular, anteriormente à acusação do Ministério Público, integra a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea b) do CPP.

Com efeito, este artigo comina com nulidade insanável a falta de promoção do Ministério Público, nos termos do artigo 48.º do CPP. O artigo 48.º, por seu turno, refere que o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º do CPP. Ou seja, o Ministério Público deve promover o processo penal de acordo com o regime previsto nos artigos 49.º a 52.º, sob pena de nulidade insanável.

Nos termos do artigo 50.º, 1 do CPP, quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.

Nestes casos (procedimento dependente de acusação particular), a acusação particular é a dominante, isto é, o Ministério Público - mesmo que pretenda também acusar - não o pode fazer por factos que importem uma alteração substancial daqueles - artigo 285.º, n.º 4 do CPP.

Assim, cabe ao assistente, nos crimes particulares, delimitar o tema do processo, definir os factos e proceder ao enquadramento jurídico dos mesmos, no crime que imputa ao arguido.

A adesão a uma acusação do Ministério Público não pode, portanto, equiparar-se a uma acusação principal. Isto é assim porque, como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 07-04-2010, proferido no processo 547/08.0PAMTJ.L1 3.ª Secção, “a ordem da sucessão das acusações do MP e do assistente é imperativa, surgindo no tocante aos crimes públicos e semi-públicos, a deste necessariamente na sequência da acusação proferida por aquele e condicionada a esta (art. 284.º, 1 e 2).

Ora, a ordem da sucessão das acusações tanto é imperativa quando a acusação dominante seja a do Ministério Público, como na situação inversa.

Por outro lado, a consequência de uma adesão do Ministério Público a uma acusação particular, num crime público ou semi-público, é a nulidade insanável prevista no art. 119.º, b) do CPP, como se decidiu no Assento 1/2000 do Supremo Tribunal de Justiça (DR 1.ª série - A, de 6 de Janeiro de 2000 (citado por GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal II, Verbo, 2002, pág. 81), numa situação inversa: “integra a nulidade insanável da alínea b) do artigo 119.º do Código de Processo Penal a adesão posterior do MP à acusação deduzida pelo assistente relativamente a crimes de natureza pública ou semi-pública e fora do caso previsto no art. 284.º, 1 do mesmo diploma legal”.

É certo que o Supremo Tribunal de Justiça estava perante um caso em que a acusação dominante era a do Ministério Público, mas a questão não muda de natureza se, na ordem da sucessão das acusações, a do assistente devesse surgir em primeiro lugar. Ou seja, a adesão posterior do assistente à acusação do Ministério Público, num crime particular, também integra a nulidade prevista no art. 119.º, b) do CPP.

Resulta do exposto que, no presente caso, a partir da alteração da qualificação jurídica, o Ministério Público não tem legitimidade para prosseguir a acção penal pelo crime de injúria (previsto no art. 181.º do CP) já que o mesmo, nos termos do artigo 188.º, 1 do C. Penal, “depende de acusação particular”.

Deste modo, como vimos o arguido não pode ser condenado pela prática dos factos que integram o crime de injúria, posto que o procedimento criminal quanto a tal crime, não é legalmente admissível e, por isso, o tribunal não pode dele conhecer.”

Vejamos se será de atender aos argumentos da decisão recorrida.

Tal como vem referido pela Exma Magistrada do M.P. no tribunal a quo, quanto à consequência processual no caso de o tribunal concluir que os factos apurados não permitem a condenação pela prática do crime de violência doméstica, mas antes pela prática de um crime de injúria, na jurisprudência, tendo presente também a conduta processual tida pelo ofendido, é possível descortinar três posições.

“A primeira vem entendendo que, encontrando-se o arguido acusado ou pronunciado como autor de um crime de violência doméstica e não se apurando, em julgamento, factos bastantes para o preenchimento dos requisitos típicos de tal crime, mas apenas suficientes para lhe atribuir a autoria de um crime particular contra a honra e não se tendo o queixoso constituído assistente e não tendo deduzido acusação particular (nos termos do artigo 285.º do Código de Processo Penal), o Ministério Público carece de legitimidade para fazer prosseguir a ação penal, devendo o arguido ser absolvido definitivamente de tal crime particular. Neste sentido, AC TRP, de 25/11/2015, in www.dgsi.pt

Uma outra corrente jurisprudencial, embora reconhecendo legitimidade do ofendido para exercer a ação penal pelo crime particular, apenas permite que a mesma se exerça após o cumprimento do artigo 359.º do C.P.P., no atual (não havendo oposição) ou num novo processo (em caso de oposição ao prosseguimento, vale como notícia do crime), em que se dê cumprimento ao disposto no artigo 285.º do C.P.P. Neste sentido, Ac TRC de 28/1/2010, in www.dgsí.pt

A terceira posição que reconhece o cumprimento dos requisitos de legitimidade do ofendido no caso de aquele se ter previamente constituído como assistente e aderido à acusação pública pelo crime de violência doméstica - em que se continham também os factos que se vieram a provar, consubstanciadores do crime particular - também entende como desnecessário o cumprimento do preceituado nos artigos 358.º ou 359.º do C.P.P. Neste sentido: AC TRP, 30-01-2013, relator: Pedro Vaz Pato, AC TRP, 27-04-2016, relator: Vítor Morgado e AC. TRL, 17-06-2015, Relator Graça Santos Almeida (todos in www.dgsi.pt.)”.

Tal como se referiu supra, quanto a esta questão a Exma Magistrada do M.P. no tribunal a quo, defendeu a procedência do recurso, aderindo à ultima solução jurisprudencial mencionada, com a nuance de dever ser cumprido o disposto no artigo 358.º, n.º 3 do C.P.Penal.

O Exmo Sr. Procurador Geral Adjunto nesta Relação, no seu parecer defendeu a procedência do recurso nesta parte, aderindo àquela última solução jurisprudencial, pelo que estando provados os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de injúria do artigo 181.º do C. Penal, o arguido deverá ser condenado pela prática de tal ilícito criminal.

Quanto a nós, diga-se desde já, que não podemos concordar com a posição sustentada na sentença recorrida, uma vez que, sem sombra de dúvidas, a solução jurisprudencial referida supra em último lugar, é aquela que melhor se adequa ao espírito da lei, aos princípios em que a mesma se baseia e tem um mínimo de correspondência na sua letra, cf. artigo 9.º do C.Civil.

Na verdade, não tendo resultado provados, em julgamento, factos suscetíveis de integrar a perpetração de um crime de violência doméstica, o certo é que a ofendida, no tempo próprio, apresentou queixa, constituiu-se assistente e o M.P. deduziu acusação pela prática de um crime de violência doméstica, acusação esta que a assistente declarou acompanhar.

E, sendo assim, a situação é em tudo idêntica à que foi objeto do atrás citado Ac. RL de 17.06.2015, de que foi relatora Graça Santos Silva, e com a qual concordamos e que aqui se reafirma. No sumário deste aresto pode ler-se:

“1 - O âmbito punitivo do tipo de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º/CP, abarca todos os comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesam a dignidade humana, quer no âmbito dos maus-tratos físicos, quer no dos maus-tratos psíquicos, abrangendo comportamentos tipificados como crimes, se individualmente considerados, que se encontram numa relação de consumpção aparente com o referido crime de violência doméstica.

2 - No caso, a acusação foi deduzida por uma série de atos delituosos, subsumíveis ao tipo de violência doméstica, mas apenas se provam factos que, ainda que parcialmente coincidentes com os acusados, foram entendidos como suscetíveis de integrar, apenas, o tipo de crime de injúrias.

3 - Estando, necessariamente, em causa, um menos relativamente ao mais constante da acusação, entendemos que a situação não se subsume à previsão das normas dos artºs 358.º ou 359.º, do CPP.

4 - A autonomização dos factos relativamente ao crime maior, no âmbito do qual foram acusados, não tem a virtualidade de desprovir de legitimidade para o exercício da acção penal o Ministério Público, órgão que, quando do exercício dessa mesma acção, a tinha e a usou de acordo com a lei.

5 - A exigência de dedução de queixa-crime e de constituição de assistente, nos crimes particulares, reconduz-se à colocação na disponibilidade da vontade do ofendido da efectivação da punição pelos crimes de que foi vítima.

6 - Ora, a manifestação da vontade, por parte da ofendida, da vontade de persecução da tutela penal dos direitos violados expressa pela dedução de queixa, constituição de assistente, acompanhamento da acusação e prestação de declarações em sede de audiência é suficiente e adequada a prover à tutela dos interesses inerentes ao instituto da acusação particular.

7 - Exigir que, a par de todas essas inequívocas manifestações de vontade de ver condenado o autor dos factos delituosos, a vítima tivesse praticado um acto puramente formal de acusação, que depende de notificação para o efeito, quando tal notificação não foi feita nem tinha campo de aplicação, seria impor uma perversidade ao sistema, sem vantagem para qualquer dos direitos ou interesses em colisão.

8 - Manifestando-se a vontade de persecução penal, inequivocamente, por outra via - a única compatível com a indiciação processual à data da acusação - não há fundamento que permita ignorá-la, em benefício de uma pura formalidade - processualmente descabida, em face dessa indiciação processual e das normas processuais vigentes à referida data, que excluíam a possibilidade de dedução de uma acusação particular.”

Ainda relativamente à questão de saber se no caso vertente deverá ou não ser dado cumprimento ao disposto no artigo 358.º, n.º 3 do C. P. Penal - trata-se de uma simples alteração da qualificação jurídica, uma vez que os factos considerados provados já constavam integralmente da acusação deduzida pelo M.P., sendo um minus relativamente a esta - julgamos que a resposta deverá ser negativa.

A este propósito é extremamente elucidativo o vertido no Ac. de Fixação de Jurisprudência 7/2008, in DR, 1.ª série, de 30.07.2008, quando refere:

“Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido - n.º 1 do artigo 32.º -, consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado.

Assim e atenta a ratio do instituto, vem-se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido - artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República - o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder-lhe prazo para preparação da defesa. Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou "menos agravado", quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou "menos agravado", ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado.

O mesmo sucede quando a alteração resulta na imputação de um crime menos grave que o da acusação ou da pronúncia em consequência de redução da matéria de facto na sentença, quando esta redução não constituir, obviamente, uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido, ou seja, quando não consubstanciar uma alteração substancial dos factos da acusação.

Tal acontece, ainda, face a alteração decorrente da requalificação da participação do agente de co-autoria para autoria, bem como perante alteração resultante da requalificação da culpa do agente de dolo directo para dolo eventual.”

No caso em apreço, considerando a acima mencionada relação que existe entre o imputado crime de violência doméstica e o crime de injúria, julgamos não se verificar nenhum elemento de surpresa que determine que seja atribuída ao arguido uma maior amplitude de defesa. E, nessa medida, julgamos não haver lugar ao cumprimento do disposto no artigo 358.º, n.º 3 do C.P.Penal, pelo que se concorda na integra com a aquela última solução jurisprudencial. No mesmo sentido do aqui defendido, em que estava em causa o crime de violência doméstica, mas em que os crimes sobrantes ou residuais eram os crimes de ameaça e de ofensa à integridade física simples, vide Ac. RG, de 02.11.2015, proc. 77/14.1TAAVV.G1, relatora Manuela Paupério; Ac. RG de 21.10.2013, proc. 353/11.5GDGMR.G1, relator Filipe Melo; e Ac. RP de 28.03.2007, proc. 0710448, relatora Élia São Pedro, todos acessíveis em www.dgsi.pt..

Nesta conformidade, também nós concluímos no sentido de que não se verifica qualquer obstáculo legal /processual impeditivo da apreciação da responsabilidade criminal do arguido quanto ao crime de injúria p. e p. pelo arguido 181.º do C. Penal.” (fim de transcrição).

Em suma, perante a apresentação de queixa pelo ofendido, a sua subsequente constituição como assistente e o acompanhamento da acusação pública considerava-se verificada a condição de prosseguibilidade de acusação particular, mantendo-se quer a legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal quer do assistente para a prossecução processual, acentuando-se que à assistente “nada mais lhe era processualmente exigível.”.

II.4. A tese do acórdão fundamento mostra-se corroborada pela seguinte jurisprudência, (por ordem de antiguidade):

Acórdão da Relação do Porto de 30/01/2013, proc. n.º 1743/11.9TAGDM.P1, Vaz Patto, (admitiria, regista, o prosseguimento do processo se o assistente tivesse acompanhado a acusação pública, suprindo dessa forma a falta de acusação particular, o que não ocorreu);

Acórdão da Relação de Lisboa de 17/06/2015, proc. n.º 48/13.5PFPDL.L1-3, Graça Santos Silva, (no sentido de que a manifestação, por parte da ofendida, da vontade de persecução da tutela penal dos direitos violados expressa pela dedução da queixa, constituição de assistente, acompanhamento da acusação pública e prestação de declarações em sede de audiência é suficiente e adequada a prover à tutela dos interesses inerentes ao instituto da acusação particular);

Acórdão da Relação do Porto de 27/04/2016, proc. n.º 780/13.3GALSD.P1, Vitor Morgado, (no sentido de que ocorrendo a absolvição pelo crime (público) de violência doméstica, mas persistindo provados factos consubstanciadores de um crime de injúria - também constantes da acusação pública acompanhada pelo assistente -, a falta de cumprimento do formalismo da acusação prévia da assistente por este crime particular [acusação particular - art. 285.º, CPP] não obsta ao conhecimento do crime “residual”.);

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/09/2017, processo 573/16.6PBCVT.G1, Ausenda Gonçalves, (acusação de violência doméstica, com prova, a final, somente de injúria verificava-se dedução de queixa, constituição de assistente, acompanhamento da acusação pública e manifestação de vontade em audiência de que o processo prosseguisse; o arguido foi condenado pela prática de crime de injúria);

Acórdão da Relação do Porto de 13/01/2021, proc. n.º 799/18.8GBPNF.P1, Vaz Patto, (houve constituição de assistente e acompanhamento da acusação pública; o arguido foi absolvido do crime de violência doméstica, mas foi condenado pela prática de crime de injúria p. e p. no artigo 181.º, n.º 1);

Acórdão da Relação de Coimbra de 03/02/2021, proc. n.º 231/16.1GABBR.C1, João Novais, (considerou-se que “A degradação do crime de violência doméstica em crime de injúria agora operada não implica a ilegitimidade do Ministério Público e/ou do Assistente para a promoção do processo e não exige, supervenientemente, a apresentação de queixa, nem a dedução de acusação particular, pelo ofendido/assistente. De outro modo, seria apresentada ao assistente uma exigência de satisfação de uma condição de procedibilidade com a qual não poderia anteriormente contar, porque então inexistente. Só assim não será quando o ofendido/assistente emita declaração no sentido de não pretender o prosseguimento do procedimento criminal.”)

Acórdão da Relação de Évora de 13/04/2021, proc. n.º 1173/18.1T9STC.E1, Martinho Cardoso, (aceita condenação pela prática de crime de injúria desde que haja constituição de assistente e este acompanhe a acusação pública pela prática de crime de violência doméstica);

Acórdão da Relação do Porto de 28/04/2021, proc. n.º 668/19.4GAFLG.P1, Paulo Costa, (o crime de violência doméstica caiu, em recurso do arguido, na Relação, entendendo esta que recobrou autonomia o crime de difamação. Apesar de faltar acusação particular, o acórdão considerou que a apresentação de pedido de indemnização civil “revelando, desde logo, querer ser ressarcida, sentindo-se ofendida e, por conseguinte, pode-se efetivamente concluir-se que desejou procedimento criminal quanto a estes factos.” E acabou a condenar pela prática de crime de difamação dispensando a acusação particular remetendo para os acs da Relação do Porto de 09/03/2020, proc. n.º 383/18.6GAVNG.P1, e para aquele da Relação de Lisboa de 17/06/2015).

Acórdão da Relação de Guimarães de 21/03/2022, proc. n.º 704/20.1GAVNF.G1, Paulo Serafim, (concordante, mas sem ter havido condenação por inverificação do elemento subjetivo do tipo de crime de injúria e ter faltado a adesão à acusação pública);

Acórdão da Relação do Porto de 16/11/2022, proc. n.º 218/21.2GBMAT.P1, Raul Cordeiro (na primeira instância o arguido tinha sido condenado pela prática de crime de violência doméstica. Na Relação, não se mostrando preenchidos os respetivos elementos típicos, o arguido foi absolvido da prática desse crime. Mas porque, “a ofendida BB, quando foi ouvida nos autos, como testemunha, formulou o desejo de procedimento criminal contra o arguido (fls. 51 a 52 verso/81 a 84), além de que posteriormente se constituiu assistente e deduziu acusação, acompanhando também a acusação proferida pelo Ministério Público (fls. 384 a 388), estando, por isso, assegurada a legitimidade para o exercício da acção penal (arts. 49.º e 50.º do CPP)” acabou a ser condenado, além do mais, pela prática de um crime de injúria p. e p. no artigo 181, n.º 1, do CP).

II.5. Situações excluídas do contraponto aqui objetivado

II.5.1. Não deixamos passar em claro que, é certo, o acórdão fundamento refere o descortino de três posições sobre a questão. Todavia as questões subjacentes nesses três casos são distintas, no primeiro caso nem sequer houve constituição de assistente e, claro, não podia haver dedução de acusação particular; no segundo verificou-se a constituição de assistente mas não houve acusação particular e também não houve acompanhamento da acusação pública; só o terceiro, no que tange à manutenção da legitimidade do Ministério Público e do assistente, pode entrar na questão que hic et nunc se dilucida e decide.

II.5.2. Outras situações se mostram evidenciadas por outros vários acórdãos que, porém, estão excluídas do contraponto aqui objetivado e que só se enunciam (por ordem de antiguidade) para mais ampla compreensão do objeto do processo, no que toca ao que excluído dele se mostra.

No acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2008, proc. n.º 679/05.7GAMMV.C1, Ribeiro Martins, resume-se que “1. Carece o Ministério Público de legitimidade para acusar quanto a factos autonomamente integrados num crime de injúrias.

2 - Deste modo o tribunal deve abster-se de se pronunciar de mérito por um crime de injúrias, por falta de acusação particular, apesar da respectiva factualidade estar integrada na acusação pública por maus-tratos a cônjuge e constar dos factos provados.”

Mas, no caso, falecia a constituição de assistente e o acompanhamento da acusação pública.

No acórdão da Relação de Évora de 28/01/2014, proc. n.º 1617/11.3PBFAR.E1, António Latas,: “ Absolvido o arguido da prática do crime de um crime de violência doméstica e operada a convolação dos factos para um crime de ofensas à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1 do CP, e de um crime de injúria, p. e p. pelo art.181.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, não pode o arguido vir a ser condenado pela prática deste último crime, por não ter sido deduzida acusação particular.”

Mas neste caso, a ofendida não tinha sequer se constituído assistente (e, claro, nem deduzido acusação particular). A convolação abrangeu tão só a ofensa corporal, uma vez que tinha havido queixa).

No acórdão da Relação de Évora de 30/09/2014, proc. n.º 556/12.0PBSTB.E1, Ana Brito, também se sumaria que “Tendo sido o arguido inicialmente acusado por crime de violência doméstica, mas provando-se factos integrantes de crimes de ameaça agravada e de injúria, não havendo assistente nem acusação particular, o Ministério Público carece de legitimidade para prosseguir na acção penal relativamente ao crime de natureza particular.”

A igual resultado se chegou no acórdão da Relação de Évora de 25/10/2016, proc. n.º 40/15.5GAORQ.E1, António Latas, uma vez que também neste caso faltavam a constituição de assistente (com consequente falta de acusação particular) e o acompanhamento de acusação pública.

No acórdão da Relação de Coimbra de 05/02/2020, proc. n.º 71/16GGCBR.C1, Maria José Nogueira, nem sequer houve constituição de assistente. Mas o acórdão avança: “Quer-nos, pois, parecer que com a constituição de assistente e a dedução, pelo mesmo, de acusação ou com a mera adesão à acusação do Ministério Público (artigo 284.º do CPP), no seio da qual se incluem as condutas lesivas da honra, se assegura a legitimidade deste último para a prossecução da ação penal. Não foi, porém, o que ocorreu no presente caso em que a vítima tão pouco se constituiu assistente.”

No acórdão da Relação do Porto de 04/03/2020, proc. n.º 351/18.8PBBRG.P1, Mota Ribeiro, onde se sumariou “Tendo-se os autos iniciado para apuramento de um crime de violência doméstica sem que tenha sido apresentada qualquer queixa pela ofendida, sem que esta tenha deduzido acusação particular ou sequer tenha aderido à acusação do MP, fica o Tribunal impedido de conhecer de um eventual crime de injúria para o qual aquele venha a ser convolado.”

No acórdão da Relação do Porto de 14/10/2020, proc. n.º 986/18.9PAVNG.P1, Paula Guerreiro, entendeu-se que “Acusando o MP por um crime de violência doméstica sem que a já então assistente tenha acompanhado a acusação do MP, fica o Tribunal impedido de conhecer de um eventual crime de injúria se improceder a acusação pelo crime de violência doméstica.” Faltava, pois, o acompanhamento da acusação pública.

No acórdão da Relação do Porto de 10/11/2021, proc. n.º 263/20.5GBOVR.P1, Nunes Maldonado, sumariou-se que “No âmbito de uma acusação pública de violência doméstica convolada, entre outros crimes, para o crime de injúria, de natureza particular, a ausência de acusação particular ou de acusação como assistente pelos mesmos factos, até por adesão, determina a extinção do procedimento criminal relativamente ao mesmo.” Também aqui faltou o acompanhamento da acusação pública.

No acórdão da Relação de Coimbra de 11/10/2023, proc. n.º 570/19.0GCLRAR.C1, Maria José Guerra, sumariou-se: que “III. Tendo a ofendida apresentado queixa por factos que o Ministério Público entendeu configurarem o crime de violência doméstica e que integravam, numa relação de concurso aparente, vários crimes, nomeadamente de injúria, a constatação, após o julgamento, de que os factos julgados provados integram a prática de um crime de natureza particular não tem qualquer efeito sobre o procedimento iniciado e desenvolvido de forma válida, designadamente sobre a legitimidade do Ministério Público de promover a acção penal.

IV - Nesta situação não renasce, nesta fase, a questão relativa à procedibilidade do procedimento ou legitimidade do Ministério Público para a prossecução do processo, pois a imputação criminosa inovatória resultou de actividade cometida ao tribunal, apenas obstando ao curso normal do processo a apresentação de desistência de queixa por parte do ofendido.”

Como se vê, neste processo a ofendida apresentou queixa, mas só se constitui assistente depois da sentença e para interposição de recurso, não tendo havido nem acusação particular nem acompanhamento da acusação pública.

II.6. Breve excurso sobre o multímodo bem jurídico protegido pela incriminação da violência doméstica no artigo 152.º do CP e a relação de concurso aparente entre o crime de violência doméstica e o de injuria

II.6.1. O crime de violência doméstica está previsto no artigo 152.º do CP com última redação fixada pela L. 57/2021, de 16/08.

Assim:

Artigo 152.º

Violência doméstica

1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou

d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;

e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:

a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou

b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;

é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:

a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;

b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.

5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.”

O texto original do DL 400/82, de 23/09, que aprova o CP sofreu as alterações dos seguintes diplomas: DL 48/95, de 15/03; Lei 65/98, de 02/09; Lei 7/2000, de 27/05; Lei 59/2007, de 04/09; Lei 19/2013, de 21/02; Lei 44/2018, de 09/08; e Lei 57/2021, de 16/08 (redação atual).

É com a Lei 59/2007 que, que em tutela específica reforçada, se dá a autonomização do crime de violência doméstica perante quer o crime de maus tratos quer o crime de infração de regras de segurança, “em homenagem às variações de bem jurídico protegido” (in Exposição e motivos da Proposta de Lei 98-X”). 3

O crime de violência doméstica é público.

7 - A incriminação da injúria estabeleceu-a o CP no seu artigo 181.º, que com a alteração da L. 65/98, de 02/09, se apresenta com a seguinte redação:

Artigo 181.º

Injúria

1 - Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.

2 - Tratando-se da imputação de factos, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo anterior.”

O bem jurídico protegido é a honra, “bem jurídico, necessariamente complexo - como o interesse da estima que cada um tem por si próprio, e simultaneamente, como valor de não desconsideração social.” (in “Comentário do Código Penal”, Pinto de Albuquerque, Universidade Católica Editora, 4.ª edição atualizada, nota ao artigo 181.º)

Assume natureza particular por força do disposto no artigo 188.º, n.º 1, do CP.

No particular do ilícito penal de violência doméstica, quanto ao bem jurídico protegido, a posição dominante, tanto na doutrina como na jurisprudência, tem sido, até ao presente, a posição sufragada por Taipa de Carvalho (cfr Comentário Conimbricense do Código Penal”, I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2012, pags 511 e 512). Na ótica do autor, o bem jurídico diretamente tutelado pelo crime de violência doméstica é a saúde, nas suas vertentes física, psíquica e mental, cuja ratio se funda “na proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana”

O que não é mais do que a concretização na lei ordinária dos ditames constitucionais dos artigos 1.º e 26.º, n.º 2, da CRP, garantias da dignidade pessoal, e 25.º, inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas e proibição de tortura e de tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos e também dos direitos fundamentais que a denominada Convenção de Istambul quer salvaguardar. 4

Fala-se, portanto, de um bem jurídico plural ou complexo que poderá ser atingido por uma multiplicidade de condutas previstas na previsão legal.

Na génese de tal incriminação está, assim, de forma decisiva, a tutela da pessoa humana na sua irrenunciável dimensão de liberdade e dignidade. Está, por isso, diretamente abrangida pelo âmbito da proteção dispensada por aquela norma penal, não só a integridade física propriamente dita, mas a saúde da pessoa ofendida, na sua globalidade e, enquanto tal, abrangendo o bem-estar físico, psíquico e mental, enquanto elemento essencial, indispensável à mais livre realização possível da personalidade de cada pessoa na comunidade 5. No entanto Teresa Féria considera que o bem jurídico tutelado pelo artigo 152.º n.º 1 do Código Penal, não se confina à proteção jurídico-penal da saúde, física ou psíquica, por tal carecer de suficiente apoio constitucional (cf. “O Crime de Violência Doméstica: o antes e o depois da convenção de Istambul” in “Combate à Violência de Género: da Convenção de Istambul à nova legislação penal ” Universidade Católica Editora 2016, pág.185-209).

O crime de violência doméstica é, assim, mais que a soma dos diversos ilícitos que o podem preencher, não sendo as condutas que integram o tipo consideradas autonomamente, mas antes valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento revelador daquele ilícito. (cf. Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2012, Tomo I, pág. 512, e ac. do STJ de 05/11/2008, processo 08P2504, Maia Costa)

Múltiplas ações de episódios de maus-tratos reiterados podem enquadrar ofensas à integridade física, sequestros, coações, ameaças, injúrias. Mas, quando praticadas em determinado contexto de relação de proximidade íntima podem configurar crime de violência doméstica.

Daí que tipos penais como as ofensas simples (artigo 143.º, n.º 1, CP), a injúria (artigo 181.º), a ameaça (artigo 153.º), a coação (artigo 154.º), o sequestro simples (artigo 158.º, n.º 1), a devassa da vida privada (artigo 192.º, n.º 1. al. b)), as gravações e fotografias ilícitas (artigo 199.º, n.º 2, al b)) mantenham uma relação de grande proximidade com o tipo violência doméstica. E entre eles podem estabelecer-se relações de concurso: de concurso homogéneo e/ou heterogéneo (em relação de especialidade ou em relação de consunção), e de concurso aparente ou efectivo consoante as circunstâncias de cada caso. Uma decisão definitiva sobre o concurso de crimes pressuporá ainda a avaliação da realidade e das concretas circunstâncias do caso em apreciação 6.

Materializando-se nessa multiplicidade de comportamentos o crime de violência doméstica, abarca ações que maioritariamente se traduzem em crimes contra a integridade física, contra a liberdade pessoal, contra a reserva da vida privada e contra a honra. E, sendo assim, entre o crime de violência doméstica, art. 152.º, e o crime de injúria, 181.º, depara-se-nos um concurso aparente, só se aplicando, portanto, a pena estabelecida para aquele iniciando-se e prosseguindo o processo com tal desiderato. Não cabe entrar aqui, porém, na qualificação da relação existente, se especialidade, se consunção, já que há divergência na matéria, como bem o assinala Cristina Cardoso, in “O crime de violência doméstica e o concurso de normas e de crimes”, e-book CEJ, em tema de “Violência doméstica e de género e mutilação genital feminina”.

A multiplicidade de condutas que, se consideradas atomisticamente poderiam integrar vários tipos legais de crimes, acabam por perder autonomia subsumindo-se ao crime de violência doméstica.

Não é aqui o local ou a hora de diferenciar em termos de dogmática penal ou de completa exegese os tipos de ilícito de violência doméstica e de injúria. O breve bosquejo lavrado serviu tão só para assinalar o concurso aparente, que eventualmente se pode configurar, no para aqui pertinente, entre os crimes de violência doméstica e de injúria.

II.6.2. Donde, configurando-se um concurso aparente, pode deparar-se a situação processual de, a final do julgamento, em redução da factualidade subjacente ao acusado/pronunciado crime de violência doméstica sobreviver como provada só a factualidade integrante do crime de injúria, recobrando então este ilícito a sua autonomia.

E é perante tal sobrevivência de prova, em menos, que ao tribunal se coloca a questão da possibilidade, ou não, de prosseguir o processo e condenar só pela prática de crime de injúria.

Daí a questão a dirimir e que provoca a intervenção deste Supremo.

Tem o STJ de responder à pergunta:

Tendo sido o arguido acusado pelo Ministério Público pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do CP, com base em múltiplos factos atentatórios da dignidade pessoal, da integridade física e da honra do ofendido, verificando-se, a final do julgamento, não poder o arguido ser condenado por falta de prova dos elementos típicos de tal crime, pode o processo prosseguir, em convolação para crime de injúria, p. e p. no art. 181.º, n.º 1, do CP, perante a prova de todos os seus elementos típicos e uma vez que o ofendido, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persiste em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos?.

Ou seja, mesmo sem acusação particular deduzida, (por, ao tempo, desnecessária), mantém-se a legitimidade do MP e do ofendido/assistente para prosseguirem a acusação num crime de natureza particular.?

Confrontados com ela têm os tribunais fornecido respostas diferentes.

II.6.3. De registar, porém, que a resposta que aqui o Supremo Tribunal de Justiça é convocado a dar é a das soluções opostas no direito entre os dois acórdãos e não aqueloutras, diferentes, que com nuances distintas se surpreendam. É nessa latitude e delimitação que o STJ responderá e não mais do que isso. Em suma: na inexistência de adicional obstáculo processual, a falta de dedução de acusação particular constitui obstáculo ao prosseguimento dos autos?

A questão coloca-se no plano da manutenção, ou não, da legitimidade do MP para o exercício da ação penal num crime particular e do assistente para promover a condenação do acusado pela prática do mesmo crime. E só.

Por outro lado, se é certo que o confronto das posições expressas nos arestos se coloca nos mesmos termos e o acórdão recorrido dá como provado ao lado do crime de injúria um crime de difamação, certo é que no acórdão fundamento está em questão decidenda tão só a prática de ilícito de crime de injúria, donde só em relação ao crime de injúria se pode configurar contradição e consequentemente só em relação ao crime de injúria nos pronunciaremos. O carácter normativo do presente recurso não dispensa a especial exigência que a jurisprudência lhe vem sucessivamente emprestando.

A economia e a finalidade do presente acórdão de fixação de jurisprudência partem do princípio de que, todas as questões processuais a montante se mostram solucionadas e que a única questão hic et nunc a resolver é a de saber se a falta de acusação particular impede o avanço do processo para condenação do arguido pelo minus de injúria.

E se, nunca é demais enfatizá-lo, qualquer decisão jurisdicional se há de conter fora da esfera de afronta dos direitos de defesa do arguido, de tal precaução não cabe aqui curar já que a precaução e o respetivo modo se situam a jusante da convolação e se, em termos de instrumento garantístico, o acórdão fundamento enunciou a dispensa do cumprimento do artigo 358.º, n.º 3, do CPP já o acórdão recorrido nada disse sobre a matéria, donde contradição nesse conspecto nem sequer se vislumbra.

II.7. Da legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal e da legitimidade do assistente para a prossecução processual; a queixa, condição de procedibilidade, e a acusação particular, condição de prosseguibilidade, como pressupostos positivos da punição

II.7.1. Como se sabe, o princípio da oficialidade do processo consagrado no artigo 219.º, n.º 1, da CRP, refletido nos artigos 48.º do CPP, 2.º e 4.º da L. 68/2019, de 27/08, (EMºPº) e 3.º da L. 62/2013, de 26/08,(LOSJ), segundo o qual a promoção processual dos crimes é tarefa estadual a realizar oficiosamente e em completo alheamento da vontade e da atuação dos particulares, atribuindo-se ao MºPº a iniciativa e promoção processuais, não vale para os crimes semipúblicos, cujo procedimento está dependente de prévia queixa, nem para os crimes particulares, cujo procedimento, além da prévia queixa e da prévia constituição como assistente, depende também de dedução de acusação particular. (48.º, 49.º e 50.º CPP). Quer a queixa 7 quer a acusação particular são pressupostos positivos de punição e, nos casos em que o procedimento depende das respetivas pré-existências, sem elas falha a legitimidade do MP para o exercício da ação penal.

Queixa é a manifestação de vontade de procedimento criminal corporizada em qualquer meio capaz de a levar ao conhecimento do Ministério Público em tempo, apresentada pelo respetivo titular do direito, em regra, o ofendido, para que, com os factos relatados, o MP exerça a ação penal contra o autor do crime. (111.º CP e 49.º CPP). Trata-se de um pressuposto processual, um pressuposto positivo de punição, “cujo conteúdo contende com o próprio direito substantivo, na medida em que a sua teleologia e as intenções político-criminais que lhe presidem têm ainda a ver com condições de efetivação da punição, que nesta mesma encontram o seu fundamento e a sua razão de ser” 8 (cfr arts 113.º, 114.º, 115.º e 116.º do CP). Como condição de procedibilidade é conditio sine qua non do início do processo.

A acusação particular é, nos casos em que desta depende o prosseguimento do processo, a acusação deduzida pelo queixoso, já constituído assistente, findo o inquérito e, depois de notificado para tanto, independentemente do MP e da posição que este venha a tomar na matéria (CPP, art. 285.º). Como condição de prosseguibilidade ou pressuposto de prosseguimento o processo não avança sem a sua dedução.

Nos crimes particulares a acusação particular deduzida pelo assistente além de decisiva no prosseguimento do processo é igualmente decisiva na definição do seu objeto, como do artigo 285.º, n.º 4, do CPP se extrai.

Nos crimes estritamente particulares, titular da acusação é primariamente o particular assistente, como sujeito processual, não o MºPº. E é o particular assistente titular da disponibilidade de deduzir acusação particular ou não que se afirma como instrumento indispensável de realização do jus puniendi estadual. Sem acusação particular do assistente o processo não prossegue. E se é verdade que a sua atividade se subordina ao MP, ut artigo 69.º do CPP, não menos verdade é que a lei lhe concede poderes de conformação autónomos como se extrai dos artigos 284.º, n.º 1, 287.º, n.º 1, al. b), 13.º, n.º 2, e 69.º, n.º 2. Por isso, com Damião da Cunha, in “RPCC”, ano 5, abril-junho 1995, se reafirma "não haver dúvidas que a figura do assistente corresponde a uma especificidade do direito processual português. Não se encontra uma figura análoga no direito comparado e pode dizer-se ainda que significa uma peculiaridade face aos cânones tradicionais do processo penal, centrado na tríade "tribunal - MP - arguido".

Quando o procedimento criminal depender de queixa, caso dos crimes semipúblicos e particulares, em regra, tem legitimidade para apresentá-la “o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.” (arts 113.º, n.º 1, e 117.º do CP e 68.º, 1, a), do CPP).

Mas para o que aqui releva, nos crimes particulares a legitimidade do MP depende dessa prévia apresentação de queixa pelo portador do bem jurídico, mas também da sua tempestiva constituição do assistente (art. 68.º do CPP) e da dedução de acusação particular em tempo, depois de, para tanto, ser notificado pelo MºPº (art. 285.º do CPP).

Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do CPP, “Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.” Falhando uma destas condições de procedibilidade ou de prosseguibilidade falhará a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal nos crimes particulares e faltará igualmente a legitimidade do assistente para a prossecução processual.

Nos termos do artigo 285.º, n.º 1, do CPP, “Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular.”

A acusação particular materializa assim o poder de promoção processual conferido ao assistente. E, não se estando perante um procedimento privatístico, é decisiva tanto para a definição do objeto do processo (285.º, n.º 3, do CPP) como para o seu prosseguimento (50.º, n.º 1, do CPP).

II.7.2. É isento de dúvidas que, tendo o crime de violência doméstica natureza pública, em ambos os casos o processo nasceu e prosseguiu com plena legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal, sem qualquer entorse ou desvio processual até final da produção de prova em audiência de julgamento.

Mas deve sublinhar-se já que, no para aqui pertinente, nos dois casos foi apresentada queixa, o ofendido se constituiu assistente e em ambos os casos o assistente acompanhou a acusação pública e, a final da audiência de julgamento, persistiu na vontade de prossecução processual.

Ora, finalizada a produção de prova em sede de audiência de julgamento, não se tendo provado a factualidade integrante do ilícito de violência doméstica, sobrou, contudo, prova de factos integrantes de todos os elementos típicos de crime de injúria, já sinalizados na acusação pública, com o que ao tribunal depara-se-lhe a questão de saber se estão reunidos ou se se mantêm todos os pressupostos processuais para levar a cabo a condenação pelo crime de injúria, concretamente a condição de prosseguibilidade de dedução de acusação particular. E pergunta-se: face à transmutação/degradação da natureza do crime de público para particular e na falta de acusação particular, o Ministério Público continua com legitimidade para o exercício da acção penal e o assistente com legitimidade para prossecução processual?

A resposta maioritária da jurisprudência e da doutrina é a de que o MºPº mantém legitimidade para o exercício da ação penal, não se podendo dar como verificada a falta da condição de prosseguibilidade de acusação particular, e o tribunal pode condenar pelo minus de injúria, provados que estejam todos os seus elementos típicos e adicional obstáculo processual inexista.

Se para condenação pela prática do crime de injúria se impõe a verificação do pressuposto processual positivo ou condição de prosseguibilidade da acusação particular devemos então começar por perguntar se, nessa fase final da degradação, podemos dar por assente a verificação da dita condição ou a sua dispensa, para o efeito de condenação.

A análise do concreto caso obriga a registar já que o crime de injúria tem natureza particular, ut artigo 188.º, n.º 1, do Código Penal, e que não foi deduzida acusação particular pelo assistente. Mas obriga igualmente a salientar que, em corretos termos processuais, não foi nem o poderia ter sido, porque, face à indiciação em causa houve acusação pública pela prática de crime de violência doméstica, com subsequente realização do julgamento.

Referindo-se à queixa, como condição de procedibilidade, e à acusação particular, como condição de perseguibilidade, André Teixeira dos Santos, in “Queixa, participação e acusação particular versus crime público convolado em crime particular em sentido amplo por força de redução dos factos objeto do processo”, in RMP, n.º 173, pags 87-138, defende: “Tratando-se de condições que se traduzem em momentos temporais, têm de verificar-se nos tempos chave a que se reportam. Isto é, a queixa e a participação, enquanto conditio sine qua non do processo, têm de existir no seu início, antes de se encetar diligências de investigação e probatórias, sem prejuízo das medidas cautelares e de polícia. Já a acusação particular tem de se verificar no final do inquérito. É nesses momentos-chave que cumpre aferir se o crime objeto do processo reclama o preenchimento dessas condições. Ultrapassado o marco temporal a que se reporta a condição de procedibilidade, os actos praticados posteriormente são válidos. Logo, deduzida uma acusação por crime público, se no julgamento este crime for convolado em crime particular, por somente se terem provado os factos descritos na acusação pública respeitantes a este crime contra a honra, poderá ocorrer a condenação [...]. Nesse ponto do processo não renasce a questão da procedibilidade ou da legitimidade do MP para a prossecução do processo. [...] Em suma, a pedra de toque de todo o edifício jurídico das condições de procedibilidade assenta nos factos que dão azo à instauração do processo-crime e que permitem tal instauração, bem como à fase de julgamento. Marcos temporais delimitados e circunscritos na lei, nisso consistindo a sua definição de pressupostos processuais que, uma vez verificados, não deixam de existir e permitem que haja unidade e um fio condutor no sistema processual penal.”

Colocando o enfoque no tempo processual já antes tinha afirmado que “as exigências legais quanto a essas condições remontam à data em que tais atos deveriam ter sido praticados.” E “nessa medida, sob pena de defraudação da opção legal, (de perante uma determinada ofensa dum bem jurídico os interesses da comunidade se bastarem com a vontade do ofendido diretamente afetado pelo crime e que será afetado pelo processo), o ofendido deve ter tido oportunidade de manifestar a sua vontade, não sendo surpreendido com uma absolvição ou um arquivamento por falta de queixa ou de dedução de acusação particular, num cenário em que os factos objeto dos autos foram perspetivados pelo MP e/ou pelo Juiz de forma assumida como consubstanciando, sem erro nem lapso na sua qualificação jurídica.”

II.7.3. Questão similar foi já apreciada pela doutrina e pela jurisprudência no que toca à sucessão de leis penais.

Louvando a correção do decidido pelo acórdão da Relação de Lisboa de 29/04/1997, com sumário aí citado, diz Taipa de Carvalho, in “Sucessão de Leis Penais”, Coimbra Editora, 3.ª edição revista e atualizada, 2008: “A legitimidade do Ministério Público para iniciar e prosseguir com o procedimento criminal afere-se pela vigente no momento em que se inicia o processo. Pois [...], as normas processuais materiais realizam-se, isto é, produzem e esgotam os seus efeitos no momento da sua aplicação. Logo, se o crime é público e o respetivo procedimento se inicia no momento em que ainda está em vigor a respetiva lei, a sua legitimidade mantém-se, mesmo que, posteriormente, entre em vigor uma lei que o converta em crime semipúblico. A exigência da queixa é “apenas” uma condição para o início do procedimento criminal, não tendo que ver com a legitimidade e titularidade da ação penal, as quais são sempre do Ministério Público. A queixa é apenas uma condição (posto que com uma fundamentação material político-criminal) para que o processo se possa iniciar, e não para que o processo possa prosseguir. Assim, tendo o Ministério Público legitimidade para ex officio, iniciar o procedimento criminal, ele mantém a legitimidade para prosseguir o processo. [...] Esta mesma argumentação aplica-se à sucessão de leis em que a lei nova converta o crime de público ou semipúblico em particular. Só que, agora, estamos, não diante de uma condição de procedibilidade, mas sim diante de uma condição de prosseguibilidade, que é a exigência da dedução de acusação particular (CPP, art. 285/1). Neste caso, iniciado o procedimento criminal ex officio (se o crime era público) ou mediante apresentação de queixa (se o crime era semipúblico), durante a vigência da lei anterior, estamos diante da seguinte alternativa: se, no momento em que entra em vigor a lei que converte o respetivo crime em particular, já tiver sido deduzida acusação pública (pelo Ministério Público), esta acusação mantém-se válida e o Ministério Público mantém a legitimidade para prosseguir com o processo, não sendo necessária a dedução da acusação particular; se, diferentemente, apesar do processo já se ter validamente iniciado, ex officio, ou por força da queixa, consoante o crime fosse público ou semipúblico, mas ainda não tiver sido deduzida a acusação pública, então o processo só pode prosseguir com a dedução de acusação particular.”

Também no acórdão do STJ de 05/04/2001, proc. n.º 579/01, Carmona da Mota, se assinala que “mesmo que no caso não tivesse havido “queixa”, não haveria lugar - com a emergência de uma nova lei que passasse a considerar o crime, antes público, como quase público - à ilegitimação do MP para continuar um procedimento já aberto, oficiosamente, por crime, ao tempo, público (“o que já se iniciou legitimamente, iniciado está e permanece”). E cita Taipa de Carvalho in “Sucessão de Leis Penais”, 2.ª edição revista, Coimbra Editora, pags 301-303,: “Conclusão: se, quando entra em vigor uma lei que converte um crime de público em semi-público ou particular, ainda não se iniciou o procedimento criminal, o início deste passa a ficar dependente da apresentação da queixa; mas se, quando entra em vigor a referida lei, o procedimento criminal já foi iniciado, não é necessária a queixa (pois, o que já se iniciou iniciado está; o que já se produziu produzido está), mas pode o ofendido extinguir o processo, desistindo do (impedindo o) prosseguimento da acção penal.” (Também no mesmo sentido André Lamas Leite in “A falta de condições de procedibilidade para a ação penal e verdadeiras “decisões-surpresa”: interrogações e proposta de iure condendo”, RMºPº, n.º 155, julho-setembro de 2018, paga 154, e acs. da RG de 04/07/2005, proc. n.º 2247/04-1, Ricardo Silva, da RC de 12/03/2014, proc. n.º 308/12.2T3AND.C1, Elisa Sales, e da RP de 24/10/2007, proc. n.º 0742054, Artur Oliveira).

André Lamas Leite, ibidem, pag. 155, referindo-se a seguir à questão de que hic et nunc curamos cita o aqui acórdão fundamento para reconhecer “um meritório esforço da jurisprudência no sentido de, em hipóteses paralelas à que começamos por apresentar, se impedir a falta de regularidade da instância.” E assinala que no caso do acórdão, “o dito ofendido fez mais do que aquilo que processualmente lhe era exigível para a inexistência de dúvidas quanto a uma condição de procedibilidade.”

Mariana Vilas Boas, em RPCC, Ano 33, n.º 1, janeiro-abril 2023, comenta o acórdão da Relação do Porto, de 02/02/2022, proc. n.º 927/20.3KRPRT.P1, Deolinda Dionísio, de cujo sumário, para o aqui pertinente, se extrai: “V - Iniciando-se validamente o procedimento sem necessidade de queixa, vindo a questão a colocar-se apenas na sequência de alteração ocorrida na sequência da prova produzida em julgamento não renasce, em tal fase, a matéria relativa à procedibilidade do procedimento ou legitimidade do Ministério Público para a prossecução do processo - até porque a imputação criminosa inovatória não resulta de ato próprio deste, mas antes de atividade cometida ao tribunal -, pelo que o curso normal do processo apenas poderá ser impedido pelo surgimento de um obstáculo, como seja a apresentação de desistência de queixa pelo ofendido.

VI - Mesmo nos casos em que o procedimento se inicie por crime público, a ulterior imputação e responsabilização por crime de natureza semi-pública resultante da prova produzida em audiência de julgamento, dependerá necessariamente dos factos terem chegado ao conhecimento do Ministério Público dentro do prazo legal de seis meses, sob pena de, a não ser assim, se violar o princípio da igualdade relativamente a ofendidos e arguidos que, em idênticas circunstâncias mas em que o procedimento se iniciasse logo como relativo a crime semipúblico, seriam confrontados com a caducidade do direito de queixa (ofendidos) e beneficiariam do arquivamento do processo (arguidos).”

E pese embora estar a analisar um caso próximo, não idêntico, acaba a entrar na matéria deste acórdão quando compara a sua posição com a de André Lamas Leite. Assim: “enquanto o autor pugna, de jure constituto, pela impossibilidade de fundamentar a procedibilidade de crimes convolados em semipúblicos e particulares quando não tenha sido feita denúncia no prazo legal e, no segundo caso, acusação particular ou não se tenha procedido ao acompanhamento da acusação pública, nós entendemos que interpretar os requisitos de procedibilidade enquanto pressupostos processuais que cumprem com a sua função no momento em que teriam que se verificar, resulta na procedibilidade das ações em que se determine a alteração da qualificação jurídica ou dos factos que dite a condenação por crimes semipúblicos ou particulares.”

Não estamos aqui perante caso de sucessão de leis penais. Mas não podemos desprezar os resultados da reflexão aí produzida. Até porque os fundamentos da manutenção de legitimidade do Ministério Público para prosseguir com o processo são aqui igualmente válidos e procedentes. “O que já se iniciou, iniciado está; o que já se produziu, produzido está.” Dito de outra forma, o Ministério Público, que já a tinha porque o processo foi iniciado sem anomalia e de forma válida e eficaz, mantém a sua legitimidade para prosseguir o processo.

Aliás, fora do tema da sucessão de leis penais, ao lado, Taipa de Carvalho, in “Sucessão de Leis Penais”, Coimbra Editora, 3.ª edição revista e actualizada, 2008, debruça-se também sobre a “situação em que, no início do procedimento criminal há a possibilidade de se estar perante um crime público, (no caso sub judice, crime de homicídio por negligência - CP, art. 137/1), acabando no julgamento, por se concluir e decidir que houve, sim, um crime semipúblico (no caso, crime de ofensa à integridade física por negligência - CP art. 148/1 e 4).” Sendo que, adita, “este caso coloca, materialmente, a mesma questão jurídica que a colocada pela conversão legal de um crime de público em semipúblico.”

Também nessa situação se colocava a questão da falta da condição de procedilidade da queixa, em processo iniciado antes por crime público, cuja natureza a dispensava.

Considera o ilustre Professor, comentando e citando o ac. da RP de 24/10/2007, proc. n.º 0742054, que não faltou legitimidade ao MP para iniciar e promover o processo, porque quando o processo se iniciou até à fase de degradação, no julgamento, para crime semipúblico o início e promoção do processo não dependia da satisfação de qualquer condição de procedibilidade. A promoção do processo decorreu de forma válida e eficaz, perante as circunstâncias do caso e à luz dos elementos que então se conheciam. E citando-o, “Além do mais, não se pode exigir às assistentes que antecipassem a configuração de uma condição de procedibilidade que ao tempo em que podia ser exigida não o era. Nem é possível fazer repercutir uma conjuntura futura sobre a legalidade dos actos assegurada no tempo próprio (passado). No fundo, se o processo se iniciou com plena legitimidade, é abusivo surpreender agora as assistentes com uma exigência que nunca se prefigurou; e fazê-lo sem lhes dar sequer a oportunidade de se manifestarem sobre o que é decisivo e medular: saber se querem perseguir criminalmente o autor dos factos (agora que aquele e estes estão apurados).”.

No mesmo sentido António Gama et alii, in Comentário Judiciário do CPP”, I, Almedina, 2021, pag. 516,: “A mudança da natureza do crime (particular/semipúblico/público) durante o procedimento e a, consequente, aplicação da lei nova processual (art. 5/1) não poderá fazer questionar a posteriori a legitimidade do MP para iniciar e promover a acção penal.”

Também no nosso caso não se pode agora, a destempo, exigir ao assistente uma condição seja de procedibilidade, a queixa, seja de prosseguibilidade, a acusação particular, que no andamento normal e correto do processo nunca lhe podia ter sido exigida. Nem pode ser penalizado pela sua falta porque nunca teve a possibilidade legal de a deduzir e a única posição que podia tomar em defesa do seu interesse processual era a de acompanhar a acusação pública. O que fez. Tudo apresentado em próprio tempo e em correto andamento processual.

Em perentória manifestação de vontade de promoção processual e de consequente perseguição criminal acompanhou a acusação pública no complexo de factos abrangente quer da tipicidade da violência doméstica quer, em círculo concêntrico menor, da tipicidade do crime de injúria. Este, em si mesmo, estava integrado na unidade de acção factual típica narrada na acusação.

Passa também por esta exigida inequivocidade, que perpassa nos sucessivos actos processuais de que depende o andamento processual, desde a apresentação de queixa e a constituição como assistente, que determinam o início do processo investigativo e a passagem a verdadeiro sujeito processual do queixoso, até à dedução da acusação particular, sedimentadora da vontade do assistente de perseguição criminal e de prossecução penal, a modelação processual com tal inexigibilidade da acusação particular a final do julgamento e pós-convolação. Queixa, constituição de assistente e acusação particular são instrumentos processuais disponibilizados pelo legislador ao particular assistente. Seria absurdo que, pese embora a total inequivocidade de propósito, tão abundantemente demonstrado, lhos conferisse com uma mão e lhos retirasse com a outra, com base não na falta de acusação que essa existe, mas sim na falta de um formal nomen juris.

Referindo a necessidade da justa ponderação entre o interesse do arguido e o interesse do ofendido, o Tribunal Constitucional, para situação similar, ac. n.º 523/99, registou também o absurdo a que a exigência de uma regularidade formal a destempo pode conduzir. “Seria absurdo, além de praticamente impossível, obrigar o ofendido a retroceder no tempo e a apresentar uma queixa num prazo que a lei estabelecia para crimes de outra natureza, a fim de impedir a extinção do procedimento criminal. O ofendido não contava, nem tinha razoavelmente motivos para contar, com a alteração legislativa. Logo, não estava sujeito a qualquer prazo para desencadear o exercício da acção penal. Fê-lo, na altura, sem que tal fosse exigido, assim se comprovando o seu interesse em ver o agente penalmente perseguido pelo comportamento adoptado.”

O acompanhamento da acusação pública substitui a dedução da acusação particular. Seja, a partir da degradação/convolação, o acompanhamento da acusação pública transmuta-se em dedução de acusação particular, materialmente tem de haver-se como substitutiva ou equivalente ou equiparada à acusação particular. Transmutação essa que só uma pura férrea lógica formal o impediria. Com o gravame do julgamento finalizado, com factos apurados e juízo de culpabilidade assente.

No sentido de tal equivalência, se apontava já no ac. da Relação do Porto de 30/01/2013, proc. n.º 1743/11.9TAGDM.P1, Vaz Patto: “Mas poderia ter acompanhado a acusação pública (nos termos do artigo 284.º do Código de Processo Penal) e poderia considerar-se que este acompanhamento continha implicitamente a acusação pela prática de crimes de injúria. Se assim fosse, penso que poderia estar superado o obstáculo processual que impede, no caso vertente, a condenação do arguido pela prática de crimes de injúria. Mas não se verificou esse acompanhamento, pelo que o obstáculo persiste.”

E em termos de interpretação não pode deixar de ter-se como a solução mais acertada já que absurdo seria reiniciar o processo com exigência de uma acusação particular que, ela e os termos subsequentes, não seriam mais do que a repetição do acompanhamento da acusação pública.

Salientando a equivalência no supracitado acórdão da Relação de Coimbra de 03/02/2021, sublinha-se mesmo que a ofendida se constituiu assistente e “deduziu acusação particular, acompanhando a acusação pública”.

Havemos, pois, de concluir que a inequívoca e reiterada manifestação de vontade, por parte da ofendida, de prossecução processual e de persecução do crime de que é vítima, traduzida na tempestiva dedução de queixa, na constituição de assistente atempadamente, e no oportuno acompanhamento da acusação pública e inequívoca prestação de declarações em sede de audiência no sentido de continuação do processo é suficiente e adequada a prover à tutela quer do jus puniendi estatal quer da pretendida efetivação da punição pelo assistente.

O artigo 20.º do Diploma Básico, no que ao direito fundamental de acesso e princípio da tutela jurisdicional efetiva respeita, não toleraria outra solução. O princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, proclamado pelo artigo 2.º da Lei Fundamental, acolitado pelo espírito da lei, também não acolhe que o ofendido seja negativamente surpreendido a final do processo criminal, apesar do julgamento efetuado, factos provados e juízo de culpabilidade definido.

Aqui a falta de acusação particular não pode sequer ser sancionada como vício ou invalidade porque esse ato processual não tinha lugar no iter processual. Estar aí a deduzi-la é que seria criar uma entorse ou uma anomalia, no processo.

Com o que, concluindo, no estabilizado quadro processual, a final da audiência de julgamento e feita a convolação, se deve considerar que o Ministério Público mantém a legitimidade para o exercício da ação penal e o assistente mantém a legitimidade para a sua pretensão de prossecução processual.

II.7.4. Como se disse, na impossibilidade de dedução de acusação particular (e de prévia impossibilidade legal de notificação pelo MP para tanto), no caso, não pode deixar de se equivaler o expresso acompanhamento da acusação pública a uma dedução de acusação particular, no que à função material desta cabe, a saber, a expressa e inequívoca vontade de que o arguido seja sujeito a julgamento e a condenação pela prática dos factos imputados.

Não pode deixar de se considerar o acompanhamento, efetivado ao abrigo do artigo 284.º, n.º 1, do CPP, na impossibilidade processual de ter deduzido acusação particular, como suprindo e superando o instrumental processual desta, com a material manifestação inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por todos aqueles factos.

Sintomaticamente no que toca a equivalência de atos no processo Teixeira dos Santos, ibidem, pag. 116, também escreve que “Já no caso de arquivamento total seguido de requerimento de abertura de instrução pelo assistente, em que se imputa ao arguido a prática de crime público, não existe qualquer óbice a pronunciar o arguido por crime semipúblico ou particular por esse requerimento encerrar uma inequívoca vontade no procedimento criminal e uma verdadeira acusação particular.”

E equivalência a acusação particular se teve igualmente no ac. da Relação do Porto de 12/10/2022, proc. n.º 370/19.7GBAGD.P1, Pedro Lucas: “Caso o juiz de instrução criminal não concorde com o enquadramento jurídico propugnado pelo assistente, mas entender existirem indícios apenas para os crimes na sua natureza particular (por exemplo, injúrias e difamação simples), deverá proferir despacho de pronúncia remetendo para o requerimento de abertura de instrução entendida enquanto acusação particular (sendo que, em tal circunstância, não se mostrará ultrapassado o objeto do processo), sob pena de o assistente já não ter oportunidade de deduzir por si acusação particular, o que seria uma restrição inadmissível dos seus direitos processuais e substantivos.” Ou seja, aqui o direito de o assistente ver prosseguir os autos para julgamento foi salvaguardado com o “aproveitamento” do requerimento de abertura da instrução para tal prossecução.

Não podendo deixar de se ter a adesão à acusação pública como necessariamente correspondente/equivalente à acusação particular. Efetivamente, se num processo linear, no sentido de começar só com base nos factos denunciados integrantes de injúria se disponibiliza ao ofendido a acusação particular para ele manifestar a inequívoca vontade de perseguição penal, num processo não tão linear como é aquele de que agora curamos, a adesão à acusação pública, porque particular não pode haver, não pode deixar de materialmente corresponder à dedução de acusação particular no caso de, a final, cair a violência doméstica e persistir a injúria. Essa adesão materializa a vontade do ofendido de prossecução penal pelos factos (todos) que aí se imputam. E que a minus final se reduzem. Até porque, de outra forma não dispondo para manifestar tal vontade, abraçou a que lhe era oferecida.

II.7.5. Cremos mesmo que a densidade material do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP e 6.º, n.º 1, da CEDH) reclamará tal equivalência. Densidade material essa que obrigando a tratar como igual aquilo que materialmente é igual, - no caso a exigida componente volitiva de prossecução penal está inequivocamente depositada e demonstrada no acompanhamento da acusação pública, - impõe a ultrapassagem do escolho formal de faltar àquele acompanhamento o nomen juris “acusação particular”. O conteúdo volitivo, o propósito aí expresso, sobrepõe-se a tal nomen.

Excluído o nomen juris, não se vislumbra diferença material entre a atuação processual do assistente que, notificado, manifesta a sua vontade na dedução da acusação particular e a atuação processual do assistente que, trilhando caminho processual distinto por inafastável imposição legal, manifesta a mesma vontade no acompanhamento da acusação pública, visando os distintos caminhos igual finalidade.

Ora, sendo casos que, na sua identidade substantiva, merecem igual tratamento a regra da primazia do sistema resultante do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil impõe o funcionamento do sistema na sua plenitude, em unidade e harmonia.

E a unidade do sistema jurídico arvorada em regra de interpretação pelo artigo 9.º do Código Civil não deixa margem para outra solução.

II.7.6. Estar a exigir que à cautela ou em antecipada previdência o assistente deduzisse acusação particular, em meramente académica antecipação da redução factual, além de se exigir outrossim que, a montante, o Ministério Público, na mesma académica antecipada previsão, o notificasse para deduzir acusação particular, (e depois o Ministério Público a acompanhasse), seria estar a entrar no domínio da futurologia ou da especulação ou do anormal que a lógica, a coerência e a congruência processuais repelem. Não se olvide que o processo é uma instrumental sucessão ordenada de múltiplos e interdependentes atos finalisticamente orientada para a justa decisão do caso concreto.

A dar prevalência a essa regra de cautela ou de previdência estar-se-ia a introduzir, sem qualquer razoável sentido finalístico-processual, entorses e enviesamentos processuais e a afastar as pretendidas soluções mais acertadas que se presume o legislador consagrou e o intérprete tem de almejar (cfr artigo 9.º do C. Civil).

Esse excesso cautelar seria certamente fulminado logo a seguir com a declaração de nulidade quer da acusação particular pela injúria quer da acusação do MºPº que a acompanhou, ambas subsidiárias da antecedente acusação pública por violência doméstica integrante, além do mais, dos factos subjacentes à injúria, como, por exemplo, o foi por despacho que a Relação de Évora manteve por acórdão de 13/04/2021, proc. n.º 1173/18.1T9STC.E1, Martinho Cardoso. Porque, fundamentou, em corretos termos processuais seria sim de acompanhar a acusação pública pela violência doméstica, o que fez em devido tempo, “pelo que podia considerar-se que esse acompanhamento continha implicitamente a acusação pela prática do crime de injúria.”.

II.7.7. A conclusão de que seria extemporâneo e absurdo a exigência de dedução de uma formal acusação particular, a decalcar parte da acusação pública já deduzida e em tempo processual correto já acompanhada pelo assistente particular, é também a única solução condizente com a ratio da exigência da acusação particular como condição de prosseguibilidade nos crimes particulares.

Como vimos supra, a existência de crimes particulares funda-se na circunstância de ou se estar perante infrações em que o maior interessado na sua não perseguição pode ser a própria vítima, dada a intimidade ou privacidade do bem jurídico atingido, e o melhor guardião dessa privacidade, sabe-se, é o próprio ofendido, ou se estar perante ilícitos de menor densidade jurídico-penal, bagatelas penais e pequena criminalidade, ou o ocorrerem dentro de relações pessoais de grande proximidade 9. E com tais fundamentos se coloca na inteira vontade, interesse ou conveniência do ofendido a tutela do seu bem jurídico, conferindo-lhe o legislador a total disponibilidade do processo, por considerá-lo o melhor juiz da sua decisão de promoção ou não promoção processual nesses tipos de ilícito.

O legislador, em sistema unitário, organizado e coerente para todas essas situações, confere ao ofendido inteira disponibilidade mas cobra-lhe correspetivamente um “custo”, o máximo empenhamento no iter processual, dependendo da sua vontade o início, com a queixa, e o andamento subsequente, com a constituição de assistente e com a dedução e sustentação de acusação particular.

Se assim é, inconcebível se torna, (i) afrontar no domínio legislativo a vontade do legislador, com total afastamento da teleologia de concessão dessa disponibilidade processual; (ii) afrontar no domínio político-social a vontade da sociedade materializada na intenção político-criminal que à natureza de crime particular subjaz; e (iii) afrontar no domínio processual o lógico, coerente e congruente andamento do processo, arredando a vontade inequívoca e atual do ofendido/assistente só porque subscreveu uma acusação pública, que materialmente englobou a acusação particular deduzível, (se tal dedução processualmente tivesse sido possível), acusação pública essa que revela a sua manifesta e inequívoca intenção de perseguimento criminal e prosseguimento processual por toda a factualidade imputada e que acaba a provar-se em redução factual, concretamente na parte em que maior disponibilidade de ação processual é concedida ao ofendido/assistente. E cuja atuação no processo não enferma nem de omissão nem de erro nem de incúria. O assistente respondeu no processo com todo o esforço processual correspondente ao empenhamento que o legislador exige ao ofendido/assistente.

Igualmente falha não se surpreende na atuação do MP porque, se ab initio e até final do julgamento se investigou e acusou o crime público de violência doméstica, estruturado o processo fáctica e juridicamente em torno do respetivo objeto, estabilizados que estavam os pressupostos processuais nessa conformidade acusatória, seria destituída de fundamento processual a notificação do assistente para dedução de acusação particular (cfr artigo 285.º, n.º 1, do CPP).

In casu a disponibilidade que o legislador atribuiu ao assistente materializou-a este no acompanhamento que subscreveu da acusação pública. Outra ação ou empenhamento processual lhe não eram exigidos. Mais, a dedução da formalmente denominada “acusação particular” estava-lhe proibida. Mas inelutável se afigura que aquela materialização em acompanhamento da acusação pública é materialmente uma acusação particular no que, em objeto reduzido, ao crime de injúria toca. E no que aos respetivos elementos objetivos e subjetivos e integração jurídica tange e em que Ministério Público e assistente estiveram e estão de acordo. Com o que condição de prosseguibilidade, forçoso é concluir, por aí não falece. Sob pena de o formal nomen juris determinar a dinâmica e a teleologia processual, alheando-se o intérprete e aplicador da finalidade do processo penal e da intentio legis de realização da justiça material, do princípio constitucional da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio equitativo, do princípio da confiança e do princípio da lealdade (art. 2.º da CRP), do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva e da obtenção de decisão em prazo razoável, (art. 20.º da CRP), da consecução célere da paz social e do equilibrado sopesamento dos interesses de todos os sujeitos processuais, em procedere criminal trinomial.

Assim se disse no acórdão da Relação de Lisboa de 17/06/2015, 48/13.5PFPDL.L1-3, Graça Santos Silva, que rematou a sua fundamentação nos seguintes termos:

"A autonomização dos factos relativamente ao crime maior, no âmbito do qual foram acusados, não tem a virtualidade de desprovir de legitimidade para o exercício da acção penal o órgão que, quando do exercício dessa mesma acção, a tinha e a usou de acordo com a lei. Com a agravante de que a questão da protecção da tutela dos interesses de recato da vítima (fundamento do instituto da queixa e/ou acusação particular) na fase processual do julgamento se mostra absolutamente ultrapassada porque o procedimento criminal existiu e culminou com um julgamento, no decurso do qual a factualidade constitutiva do crime particular foi publicitada, discutida e apurada.

Quer a queixa quer a acusação são condições positivas do procedimento criminal cujo significado se reconduz à colocação na disponibilidade da vontade do ofendido da efectivação da punição pelos crimes de que foi vítima. Manifestando-se essa vontade, inequivocamente, por outra via - a única compatível com a indiciação processual à data da acusação - não há fundamento que permita ignorá-la, em benefício de uma pura formalidade - processualmente descabida, em face dessa indiciação processual e das normas processuais vigentes à referida data, que excluía a possibilidade de dedução de uma acusação particular”.

De enorme contrassenso se revelaria se, querendo o legislador dar a máxima disponibilidade ao ofendido/assistente na consecução da sua pretensão, viesse logo a seguir retirar-lha.

Com o que, mister é concluir, quer o elemento teleológico de interpretação da instrumentalidade da acusação particular quer a unidade do sistema nos obrigam a afirmar que o pressuposto processual, em condição de prosseguibilidade, se deve ter como preenchido.

II.7.8. A igual resultado se chegará na convocação da posição processual do assistente e do princípio da lealdade processual, na interpenetração com fundamentos que supra já se expuseram e que, em parte, se repetem

Como é dito frequentemente, o assistente é uma figura característica do direito processual penal português, um sujeito processual que não tem paralelo nos sistemas processuais mais próximos.

E por isso no AFJ n.º 1/2011 do STJ se afirma que “é especificidade do direito português conseguir parificar a intervenção activa dos ofendidos na aplicação da lei penal, nos termos da lei (artigo 32.º, n.º 7, da Constituição), através da respectiva constituição como sujeitos processuais - os assistentes - e a sustentação da acção penal como função pública, representada pelo Ministério Público e orientada segundo o princípio da legalidade (artigo 219.º da Constituição), monopólio do exercício da acção penal pelo Ministério Público.”

Ora, sem prejuízo da intervenção sempre autónoma do Ministério Público, (art. 50.º, n.º 2, do CPP), mesmo nos crimes particulares, o relevo processual e os direitos conferidos à figura do assistente, que, assim, acaba a ser determinante na prossecução penal e na realização do julgamento e a final na condenação do arguido, hão de coerentemente representar correspetiva capacidade ativa de intervenção processual.

Estando em relação de colaboração subordinada ao MP (69.º, n.º 1, do CPP) enquanto o processo segue termos com a incriminação por pública violência doméstica bem se pode dizer que na convolação desse ilícito para o particular de injúria o assistente retoma o seu lugar de primacial e preponderante assistente-acusador, com plena disponibilidade do processo.

Foi apresentada queixa, pressuposto processual positivo, condição de procedibilidade, que se traduz na manifestação de vontade do respetivo titular do direito de que o agente seja perseguido criminalmente. Uma vez exercido, de forma processualmente válida, o direito de queixa, o MP está legitimado para dar início ao processo.

Com o que satisfeita ficou a exigência de primeiro passo para a “legitimidade em procedimento dependente de acusação particular”, inscrita nos artigos 48.º, e 50.º, n.º 1 do CPP.

Também, em cumprimento de tais normativos, o ofendido constituiu-se assistente. E segundo passo se cumpriu.

E só não deduziu acusação particular porque, sendo o crime ali processualmente perseguido de natureza pública, tal nem se impunha nem podia ter lugar. Mas, sublinhe-se, o assistente acompanhou a acusação pública, em expressa e inequívoca manifestação de vontade de que os autos prosseguissem pela matéria de facto aí imputada ao arguido. Com o que o terceiro passo se deve ter como finalizado.

O titular do direito de acusação (particular), nunca do direito desistiu, nunca a ele renunciou. O que podia processualmente exercer para o satisfazer, fê-lo. A tudo o que lhe era e foi exigido pontual e legalmente obedeceu.

É verdade que nos termos do artigo 50.º, n.º 1, sob a epígrafe “legitimidade em procedimento dependente de acusação particular”, em procedimento criminal por crime particular, se faz depender o andamento processual também da apresentação da acusação particular.

E se extrai do artigo 285.º, n.º 1, sob a epígrafe “acusação particular”, que “Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular.”

Significa isto que, se o processo se inicia e prossegue com base em crime público, não haverá, não pode haver, notificação da dedução de acusação particular.

Tal não pode, porém, significar que o ofendido fica desarmado da sua vontade de prossecução penal e que ao Ministério Público seja cerceada a legitimidade para o exercício penal. Sob pena de se sancionar o assistente por uma falta (de acusação particular) que nunca poderia ter cometido.

Desde logo porque o ofendido cumpriu tudo quanto processualmente lhe era exigível, apresentou queixa, constituiu-se assistente, acompanhou a acusação pública, redundando tudo em manifestação inequívoca de prossecução penal do arguido e daqueles factos.

Estar a exigir agora e a final uma condição de prosseguibilidade que antes era inexigível seria estar a driblar a pretensão do ofendido e a, deslealmente, desarmá-lo.

Tanto mais incongruente esse desarme quanto os crimes particulares são aqueles onde o legislador maior operacionalidade quer conferir à disponibilidade da vontade do ofendido na perseguição criminal (seja porque se trata de ilícitos de menor gravidade, seja porque se quer evitar a intromissão na esfera das relações pessoais, seja porque deixa ao domínio do ofendido a vontade da reserva da sua vida mais privada, etc), hipóteses em que ao significado pessoal ou criminal relativamente pequeno do crime se liga uma alta medida de disponibilidade do bem jurídico respetivo.

Com a 4.ª Revisão Constitucional, introduzindo-se o n.º 7 ao artigo 32.º da CRP, conferiu-se dignidade constitucional ao direito do ofendido a intervir no processo e, em posição reforçada, como sujeito processual de assistente. Por isso, “O critério que transparece da jurisprudência do Tribunal Constitucional traduz-se na inadmissibilidade de o legislador ordinário restringir o direito de intervenção do ofendido no processo de forma desadequada, desnecessária ou arbitrária” (Acs n.os 338/06 e 325/06). [...] No que respeita ao exercício dos direitos que a lei processual atribui ao assistente decide-se, de modo idêntico, que o mesmo não pode sofrer restrições excessivas ou desproporcionadas - ou seja, o ofendido não pode ser privado “daqueles poderes processuais que se revelam decisivos para a defesa dos seus interesses. Acs n.os 205/01 e 464/03 [...].” (in “Constituição Portuguesa Anotada”, Jorge Miranda e Rui Medeiros, I, UCE, 2.ª edição revista)

E a posição reforçada do assistente como sujeito processual levou já o STJ no seu AFJ n.º 5/2011 a entender que, “Em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público.” Porque, como aí se disse, remetendo para Cláudia Santos, in RPCC, 2008, páginas 159 e 160, "o assistente tem um interesse próprio e concreto na resposta punitiva que é paralelo ao interesse comunitário na realização da justiça", sendo nessa "coincidência (ainda que apenas relativa e tendencial)" entre o "interesse da comunidade na administração da justiça penal" e o "interesse concreto do assistente em que a justiça penal encontre uma resposta adequada para a ofensa que lhe foi causada" que deve ser encontrado "o fundamento para a possibilidade de recurso autónomo do assistente em matéria penal" (RPCC, 2008, páginas 159 e 160). E é com a aquisição dessa qualidade que o assistente afirma a pretensão de fazer valer no processo esse interesse próprio.

Taipa de Carvalho, in “Sucessão de Leis Penais”, Coimbra Editora, 1990, pag 245, sobre “o problema quanto ao termo a quo da contagem do prazo para exercer o direito de queixa (ou de acusação particular), quando a L.N., que converte o crime de público em semipúblico, entrar em vigor num momento em que já tenha decorrido o prazo para apresentar queixa (cf CP, 112,1.º) e o Ministério Público ainda não tenha promovido o processo penal” e sobre o problema idêntico que surge “quando a LN que encurta o prazo para exercer o direito de queixa, entre em vigor num momento em que o novo prazo - que não o antigo - já correu”, assinala igualmente que “é preciso ter em conta as especialidades da queixa e da acusação particular” já que “na queixa e na acusação particular, confluem razões (públicas) político-criminais e razões pessoais do ofendido para concluir que “ressalvado o princípio da aplicação retroactiva da lei nova favorável ao infrator, seja razoável consagrar uma solução que também contemple a posição pessoal do ofendido, posição que o legislador também teve em atenção ao estabelecer a exigência da queixa.”

Posição pessoal e processual de um sujeito processual, o assistente, que não pode ser desconsiderada em visão exasperadamente formalista, ao arrepio da razoabilidade e da proporcionalidade, em violação da teleologia da condição de prosseguibilidade e da sua funcionalidade, e em ostensiva quebra da “harmonia e unidade dos vários actos do processo” 10, ademais quando um tribunal já julgou como provados factos integrantes de um ilícito penal e já emitiu um juízo de culpabilidade.

Desconsideração ao arrepio do reforço da posição processual do assistente a partir do novo enfoque que se vem emprestando à figura do ofendido/lesado “olhando a outra margem do crime, ao nível do resultado, do ofendido, não apenas do seu autor, mas da vítima” (in ac. do STJ de 20/11/2014, 87/14.9YFLSB, Raul Borges) ou a “outra realidade do crime, a dos interesses da vítima, cuja importância tem vindo a ser reconhecida em crescendo, sendo que, embora a figura da vítima se não confunda com a do assistente (este, enquanto sujeito processual), ambas as figuras coexistem, as mais das vezes, na mesma pessoa” (in AFJ n.º 2/2022, Francisco Caetano); sem chamarmos à colação o direito internacional e europeu 11 que, para sua proteção efetiva e integral, reintegração dos valores ofendidos e evitação de vitimização secundária, tem vindo a dar foros de cidadania à vítima e a relevar e revalorizar o seu direito de participação ativa no processo penal, este com consagração já no n.º 4 do artigo 67.º-A do CPP.

No direito ao processo justo cabem igualmente os “direitos do ofendido (eventualmente na condição de assistente) que deve também ser admitido em paridade com o arguido a defender os seus direitos.” (Germano Marques da Silva, “Direito Processual Penal Português”, I, UCE, 2020, pag. 50).

Destarte, também a posição de aceitar a legitimidade do MP e do ofendido/assistente é a que melhor entronca na posição da pessoa do assistente como sujeito processual e no princípio da lealdade processual 12 (cfr acs do TC n.os 429/95, 39/2004, 44/2004, 159/2004 e 722/2004).

Aqui, igualmente postergando uma leitura exasperadamente formalista e privilegiando a substância e a finalidade do processo penal.

II.7.9. A solução de que a degradação/convolação do crime de violência doméstica em crime de injúria agora operada não implica a ilegitimidade do Ministério Público e/ou do Assistente para a promoção do processo e não exige, supervenientemente, a apresentação de queixa, nem a dedução de acusação particular, pelo ofendido/assistente, é a única compaginável com os fins do processo penal que o Código de Processo Penal encimou em “8.” do seu preâmbulo: “realização da justiça, tutela de bens jurídicos, estabilização das normas, paz jurídica dos cidadãos”.

Na sempre presente lição de Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, Coimbra Editora, 1974, “poderemos ver o fim do processo penal em obstar à insegurança do direito que necessariamente existe “antes” e “fora” daquele, declarando o direito do caso concreto, i. é, definindo o que para este caso é, hoje e aqui justo. O processo penal, longe de servir apenas o exercício de direitos assegurados pelo direito penal, visa a comprovação e realização, a definição e declaração do direito do caso concreto, hic et nunc válido e aplicável.”

E, mais adiante, o processo penal “tendo de dar solução a tantas tensões e conflitos que se geram no seu seio, deve ele por força estruturar-se dialeticamente e de molde a prestar a mais atenta consideração às diferentes possibilidades e pontos de vista que se lhe oferecem num momento dado. Quanto à forma como, em concreto, hão de ser superadas as suas antinomias e resolvidas as suas tensões e contradições, tem aí uma palavra a proferir o direito constitucional.”

Ora, se é verdade que temos um processo penal primacialmente orientado para a defesa do arguido não menos verdade é que, apesar da assimetria de posições, a figura do ofendido/assistente e a sua posição processual tem vindo a ganhar cada vez mais relevo.

E, resolvendo a antinomia entre os direitos e interesses do ofendido/assistente por um lado e do arguido por outro, a solução há de advir exatamente do decisivo confronto, antolhando as finalidades do processo e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, entre a necessidade de tutela da vítima, de um lado, e o sagrado e intangível direito de defesa do arguido, por outro.

Refere o Prof. Figueiredo Dias, em “Direito Processual Penal”, I, pág. 95 que “o problema da interpretação da lei não ganha, em direito processual penal, autonomia: trata-se aí, como em geral, da necessidade de uma actividade (...) tendente a descortinar o conteúdo de sentido ínsito em um certo texto legal. Só convirá aqui relembrar dois pontos já devidamente acentuados: é o primeiro, o da relevância que, para uma interpretação axiológica e teleológica nos domínios da nossa disciplina, assume a consideração do fim do processo; é o segundo, o da necessidade de, por ser o direito processual penal verdadeiro “direito constitucional aplicado”, se tornar na devida conta o princípio da interpretação conforme à Constituição”.

Ou seja, devem ter-se aqui presentes as finalidades do processo, no que toca à posição do assistente, e o princípio da interpretação conforme à Constituição, na intangibilidade das garantias de defesa do arguido.

O processo penal não pode descurar as expectativas e a pretensão do assistente, pois, como diz Cláudia Cruz Santos, RPCC, 2008, pags 159 e 160, “o assistente tem um interesse próprio e concreto na resposta punitiva que é paralelo ao interesse comunitário na realização da justiça” apontando para “coincidência (ainda que apenas relativa e tendencial)” entre o interesse da comunidade na administração da justiça penal” e o interesse concreto do assistente em que a justiça penal encontre uma resposta adequada para a ofensa que lhe foi causada.”

Por outro lado, como regime adjetivo que é, não pode o processo penal deixar de revelar-se funcionalmente adequado aos fins do processo, em conformação também com os princípios da proporcionalidade, da adequação e da razoabilidade.

Com a apresentação da queixa, com a constituição de assistente e com o acompanhamento da acusação pública e a persistência em sede de julgamento da vontade consubstanciada naquelas peças processuais o ofendido manifestou inequívoca e reiteradamente a sua vontade de que o processo fosse desencadeado, prosseguisse e terminasse com a condenação do arguido.

Com o que, para célere e equitativa declaração do direito ao caso em realização da justiça material e em restabelecimento da paz jurídica, quer no plano individual do arguido e do assistente quer no plano global da comunidade onde se inserem, a finalidade do processo só se satisfará com a manutenção da legitimidade quer do MºPº para o exercício da ação penal quer do assistente para a prossecução processual do seu interesse legalmente protegido.

II.7.10. O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição dispõe que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, o que, como o Tribunal Constitucional tem entendido, implica o reconhecimento da garantia da via judiciária, a qual se estende necessariamente a todos os direitos e interesses legítimos, ou seja, a todas as situações juridicamente protegidas.

É indiscutível a existência de um legítimo interesse específico do ofendido/assistente ver a sua pretensão conhecida e decidida em tempo útil, em sujeição a julgamento do ou dos autores do crime de que foi vítima. (cfr acs do TC n.os 24/88 e 690/98). E se assim é nos crimes públicos por maioria de razão o é nos crimes particulares.

Este interesse já vinha sendo juridicamente protegido através do próprio instituto do assistente e do direito à sua constituição e dos diversos poderes de intervenção e de conformação processual que a lei lhe vinha reconhecendo e continua a reconhecer.

Mas enfaticamente a revisão constitucional de 1997 veio consagrar expressamente no n.º 7 do seu artigo 32.º que “o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei”, concedendo legitimação constitucional ao direito de o ofendido intervir no processo.

Claro que, aparentemente, se limita a consagrar, de forma ampla e genérica, o direito de o ofendido intervir no processo penal, não especificando as dimensões fundamentais do direito do ofendido intervir no processo, remetendo para a lei (“nos termos da lei”) essa tarefa, diferentemente do que acontece em relação ao arguido.

Mas a remissão para a lei, constante do n.º 7 do artigo 32.º, sendo compreensível, tendo em conta a particular ordenação do processo penal e as suas especiais características, não pode ser interpretada como permitindo privar o ofendido daqueles poderes processuais que se revelem decisivos para a defesa dos seus interesses.

Tal direito de intervenção há de traduzir-se em sede de legislação ordinária na legitimidade de o ofendido se constituir assistente, na definição do seu estatuto processual, na concessão de direitos de conformação processual e sua delimitação, de forma integrada e sequencial de forma a, nomeadamente, obstar-se ao seu desarme de direitos por superveniente viés processual.

Mas, além disso, a expressa consagração constitucional visa proibir o legislador de proceder a um “esvaziamento” do núcleo essencial da intervenção do assistente em processo penal, densificado no direito (poder) de acusar, no poder de requerer a instrução (no caso de arquivamento dos autos por deliberação do Ministério Público), no poder de recorrer da sentença absolutória [...]”. (cfr “CRP Anotada”, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, pags 523 e 524).

Citando o ac. do TC n.º 462/2016, “O artigo 20.º da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão 440/94, acessível na internet em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, assim como os restantes acórdãos adiante referidos sem outra menção expressa).

Como resulta também da vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, o direito de ação ou direito de agir em juízo, efetivado através de um processo equitativo, entendido num sentido amplo, significa não apenas que o processo deverá ser justo na sua conformação legislativa, mas também que deverá ser um processo informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais, de modo a que seja adequado a uma tutela judicial efetiva.

Neste mesmo sentido, a doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios: (1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias; (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas; (3) direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de ação ou de recurso; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas. (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 415 e 416).

Por outro lado, conforme tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, se é certo que a exigência de um processo equitativo não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, impõe, contudo, no seu núcleo essencial, que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.

Na densificação do processo equitativo cabe, ut Gomes Canotilho e Vital Moreira, “CRP Anotada”, C. Editora 2007, 4.ª edição, I, nota ao artigo 20. além do mais, o direito à decisão em prazo razoável, e o direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas.”

Ou seja, é de exigir que a arquitetura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando regimes processuais que se revelem funcionalmente inadequados aos fins do processo, isto é, que se traduzam numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável ou que se mostrem desconformes com o princípio da proporcionalidade.

Veja-se que, em caso similar, a determinação do momento a partir do qual se há de contar o prazo para apresentação de queixa quando a lei nova exige a queixa e a anterior não o exigia, Germano Marques da Silva, em “Direito Penal Português Introdução e Teoria da Lei Penal”, I, 3.º edição, Verbo, reconhecia, em reponderação de solução que antes defendia, a sobrelevação do interesse da vítima desta forma: “[...] mas a solução preconizada por Taipa de Carvalho é a que tem sido seguida pela jurisprudência maioritária e que parece tutelar também os interesses das vítimas. Esta orientação parece impor-se pelo direito constitucional de acesso aos tribunais e de protecção contra a vitimização secundária (arts 20, n.º 1, 32, n.º 9, da CRP)”.

Obrigar o assistente a recomeçar todo o processo seria limitar o exercício do seu direito constitucional de intervenção no processo de forma desproporcionada, ademais quando o direito de defesa do arguido persiste incólume e, como acentuámos, o julgamento findou com factos dados como provados e juízo de culpabilidade assente.

Tal gravosa “sanção” além de, por aí, desproporcionada, violaria, além do princípio pro actione, outrossim os princípios constitucionais da celeridade processual (arts 32.º, n.º 2, da CRP e 6.º da CEDH), e da economia processual (em economia de atos e economia de formalidades), da certeza e da segurança e estabilidade das situações jurídicas, da proteção da confiança e do due process of law.

A regressão não se compaginaria seguramente com os melhores ensinamentos da Vitimologia, naquilo em que se objetiva a evitação de um novo processo de vitimização secundária do ofendido. Propósito de evitação de que a unidade e a teleologia do sistema não se podem alhear e não se alheia como se extrai, por exemplo, do disposto nos artigos 22.º, n.º 1, e 16.º, n.º 2, da L. 112/2009, de 16/09.

Além de que, mesmo sob a perspetiva do arguido, mais depressa este obterá a paz e a segurança jurídica que, no seu direito, sem morosa multiplicação de atos ou de processos, certamente reclamará. Retornando ao preâmbulo do CPP, in “8.”: “Acresce que a celeridade é também reclamada pela consideração dos interesses do próprio arguido, não devendo levar-se a crédito do acaso o facto de a Constituição, sob influência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, lhe ter conferido o estatuto de um autêntico direito fundamental. Há, pois, que reduzir ao mínimo a duração de um processo que implica sempre a compressão da esfera jurídica de uma pessoa que pode ser - e tem mesmo de presumir-se - inocente. Como haverá ainda que prevenir os perigos de uma estigmatização e adulteração irreversível da identidade do arguido, que pode culminar no compromisso com uma carreira delinquente. De resto, a aceleração processual redundará tanto mais em favorecimento do arguido quanto mais ela tiver por reverso - como sucede no presente Código - um reforço efectivo da sua posição processual.”

O que também está ligado ao princípio da utilidade da atividade processual e do aproveitamento dos atos processuais. Na verdade, a tolher-se a prossecução do processo, sem que se afronte o direito de defesa do arguido, estaria a inutilizar-se todo um manancial de atividade processual sem justificação bastante que colha. Nada obstará, portanto, após convolação, à passagem de uma fase processual de julgamento para a imediatamente seguinte.

Aliás, se, em princípio geral, o artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, estabelece que "A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção", mister é concluir que também o CPP, na conformidade constitucional, se há de configurar como um código capaz de acautelar o efeito útil da ação e de se apresentar como um código de exercício e consecução de direitos de todos os sujeitos processuais, assistente incluído.

“O direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efetiva, impõe, por conseguinte, a prevalência da justiça material sobre a justiça formal, isto é, sobre uma pretensa justiça que, sob a capa de “requisitos processuais”, se manifeste numa decisão que, afinal, não consubstancia mais do que uma simples denegação de justiça. [...] o princípio pro actione impede que simples obstáculos formais sejam transformados em pretextos para recusar uma resposta efetiva à pretensão formulada. A ideia de favor actionis aponta, outrossim, para a atenuação da natureza rígida e absoluta das regras processuais.” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, ibidem, nota ao artigo 20.º)

Assim, também na consideração do princípio da tutela jurisdicional efetiva se concluirá que a melhor solução no caso é a do prosseguimento do processo com a manutenção da legitimidade do Ministério Público e do assistente para os ulteriores termos processuais.

II.7.11. Com o que, na conformidade de todo o supra exposto, se deve optar pela posição sufragada pelo acórdão fundamento.

III. DECISÃO

Em face do exposto, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, decide

1. fixar a seguinte jurisprudência:

“O Ministério Público mantém a legitimidade para o exercício da ação penal e o assistente a legitimidade para a prossecução processual, nos casos em que, a final do julgamento, por redução factual de acusação pública por crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal, são dados como provados os factos integrantes do crime de injúria p. e p. no artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, desde que o ofendido tenha apresentado queixa, se tenha constituído assistente e aderido à acusação do Ministério Público.”

2 - Reenviar o processo à Relação de Lisboa para substituição da decisão recorrida em conformidade com a jurisprudência ora fixada - artigo 445, n.º 2, do CPP.

3 - Sem custas.

4 - Cumpra-se o disposto no artigo 444.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 29 de maio de 2024. - (Processado e revisto pelo relator) - Ernesto Carlos dos Reis Vaz Pereira (Relator) - Agostinho Soares Torres - António Latas - Jorge Gonçalves - João António Gonçalves Fernandes Rato - Heitor Vasques Osório - Jorge Manuel Almeida dos Reis Bravo - Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira - Celso José das Neves Manata - Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira - José Luís Lopes da Mota - Nuno A. Gonçalves - Maria Teresa Féria Gonçalves de Almeida - Ana Maria Barata de Brito - Maria do Carmo da Silva Dias - Pedro B. Ferreira Dias - Leonor Furtado.

1 Tirado sobre acórdão proferido em 24/05/2022, Juízo Central Criminal de Loures, Juiz 5, Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Norte.

2 Transcrição sem notas de rodapé.

3 Pode ver-se uma breve síntese da evolução legislativa do tipo legal de violência doméstica em “Sobre o(s) mau(s) trato(s) punível(eis) no crime de violência doméstica - contributos para a sua compreensão”, MARGARIDA SANTOS, “A Revista” STJ, n.º 4, 173 e segs.

4 Trata-se da “Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica”, concluída em Istambul em 11/05/2011, assinada por Portugal nessa data e com início de vigência relativamente a Portugal em 01/08/2014. Foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21/01 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, de 21/01.

5 Não cabendo aqui o desenvolvimento da problemática do bem jurídico protegido, remete-se para o exaustivo acórdão do STJ de 30/10/2019, proc. n.º 39/16.4TRGMR.S2, Vinício Ribeiro, onde se esquematizam as várias correntes e se remete para a inúmera doutrina e jurisprudência sobre a matéria.

6 Cfr “Concurso de crimes e violência doméstica”, Ana Barata Brito, “Revista do CEJ”, n.º 2, 2018, pags 91-113.

7 A queixa não se confunde com a denúncia (cfr 242.º a 244.º do CPP) nem com a participação de autoridade pública (arts 188.º, n.º 1, al.b), 319.º, n.º 2, 324.º, 383.º, n.º 3, do CP).

8 Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, p. 663.

9 Cfr “Direito Penal”, I, 2.ª edição, Simas Santos e Leal Henriques, Rei dos Livros, 798; e também, acentuando o carácter pragmático da distinção da natureza dos crimes, Germano Marques da Silva, “Direito Processual Penal Português”, I, UCE, 2020, pag. 253.

10 “Harmonia e unidade dos vários actos do processo” é princípio que o CPP reivindica, a propósito da aplicação da lei processual no tempo, no seu artigo 5.º, n.º 2, al. b).

11 Em breve síntese, v. “A vítima no Direito Internacional e Europeu dos Direitos Humanos”, in “O papel da vítima no processo penal português”, Filipa Pereira, universidade católica editora, 2019.

12 A respeito de um processo leal e respeitador da “confiança legítima” dos cidadãos nas decisões dos tribunais, decorrente do conceito de Estado de Direito, Paulo Pinto de Albuquerque, ibidem, cita o “enfático” acórdão do TEDH Scoppola v. Itália (n.º 2) (GC), de 17/02/2009.

117869528

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5806798.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-09-02 - Lei 65/98 - Assembleia da República

    Altera o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.

  • Tem documento Em vigor 2000-01-06 - Assento 1/2000 - Supremo Tribunal de Justiça

    Uniformiza a jurisprudência no sentido de que integra a nulidade insanável da alínea b) do artigo 119.º do Código de Processo Penal a adesão posterior do Ministério Público à acusação deduzida pelo assistente relativa a crimes de natureza pública ou semipública e fora do caso previsto no artigo 284.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

  • Tem documento Em vigor 2000-05-27 - Lei 7/2000 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei nº 400/82, de 3 de Setembro, que aprova o Código Penal e o Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprova o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 2007-09-04 - Lei 59/2007 - Assembleia da República

    Altera (vigésima terceira alteração) o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação. Introduz ainda alterações à Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho(adapta a legislação penal portuguesa ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional), ao Decreto-Lei n.º 19/86, de 19 de Julho (Sanções em caso de incêndios florestais), ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Julho (revê a legislação de combate à droga), à Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho (Procriação medicamente assist (...)

  • Tem documento Em vigor 2013-02-21 - Lei 19/2013 - Assembleia da República

    Altera (29.ª alteração) o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, e altera (primeira alteração) a Lei 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas.

  • Tem documento Em vigor 2018-08-09 - Lei 44/2018 - Assembleia da República

    Reforça a proteção jurídico-penal da intimidade da vida privada na Internet (quadragésima sexta alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro)

  • Tem documento Em vigor 2021-08-16 - Lei 57/2021 - Assembleia da República

    Alarga a proteção das vítimas de violência doméstica, alterando a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, o Código Penal e o Código de Processo Penal

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