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Assento 6/94, de 30 de Março

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Sumário

Formula o seguinte assento: invocado um contrato de seguro celebrado em Portugal, no âmbito de causa complexa do pedido, ainda que também decorrente de má estiva ou mau manuseamento de mercadorias não ocorridas em território português, aquele facto desencadeia a competência internacional do foro português, face ao disposto no artigo 65º, numero 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28 de Dezembro de 1961.

Texto do documento

Assento 6/94
Acordam no pleno do Supremo Tribunal de Justiça:
I - Nievelt Goudarian and Co. e Dionikos Shipping Company Ltd. recorreram, com base no artigo 763.º do Código de Processo Civil, para o pleno deste Supremo do Acórdão deste mesmo Tribunal de 7 de Novembro de 1985, proferido nos autos de agravo n.º 73313, em que eram agravantes e agravado Grupo Segurador MSA, E. P.

As recorrentes invocaram como acórdão fundamento o aresto do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 22 de Abril de 1966, nos autos de revista n.º 61037, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 156, p. 333, ora nestes autos a fls. 77 e seguintes.

No Acórdão de 22 de Abril de 1966 tinha-se concluído que, sendo causa de pedir má estiva e mau manuseamento de mercadoria ocorridos fora do território português, os tribunais nacionais careciam de competência internacional, independentemente do contrato de seguro com seguradora portuguesa.

Pelo contrário, no acórdão recorrido entendeu-se que a causa de pedir radicava no contrato de seguro e que, portanto, daqui resultava competência internacional do foro nacional, nos termos do artigo 65.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

Em 7 de Junho de 1988 foi proferido acórdão, por unanimidade, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, reconhecendo a existência de oposição entre os acórdãos citados (fls. 29 e 30).

As recorrentes alegaram a fls. 34 e seguintes, concluindo:
a) Existe oposição entre o acórdão de 1966 e o acórdão de 1985, no referente à definição do «C. P.» (sic) numa acção em que a seguradora pede ao transportador uma indemnização pelo incumprimento do contrato de transporte marítimo titulado por conhecimento de embarque;

b) Os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, relevante para a determinação da definção da «C. P.» (sic), ou seja, artigo 498.º, n.º 4, do Código de Processo Penal e Convenção de Bruxelas;

c) Em tempo, foi interposto recurso do acórdão de 1985 para o tribunal pleno, pelo que deve ser resolvido o conflito de jurisprudência, lavrando-se assento;

d) Tendo em atenção as normas referidas na alínea b), o conflito deve ser resolvido decretando-se que, nas acções em causa, a «C. P.» (sic) é a falta e a avaria verificadas à descarga, mas não mencionadas no conhecimento de embarque;

e) Lavrado esse assento, verifica-se a incompetência absoluta para o tribunal português julgar o caso dos autos, pelo que o acórdão recorrido deve ser revogado e as recorrentes absolvidas da instância, em obediência aos artigos 101.º, 493.º, n.º 2, e 494.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Civil.

A recorrida, agora dita Fidelidade - Grupo Segurador, E. P., contra-alegou, defendendo que a causa de pedir é complexa, abrangendo o contrato de seguro (fls. 40 e seguintes).

O Ministério Público emitiu o douto parecer a fls. 43 e seguintes, concluindo por três versões possíveis de assento, todas baseadas em complexidade da causa de pedir.

Seguiu-se um dilatado período de vistos, no qual se atravessou uma renúncia ao respectivo mandato pelo Exmo. Advogado das recorrentes (fl. 56), que veio a ficar sem efeito (fls. 66 e 67 v.º).

Houve redistribuições do processo, até que chegou ao actual relator (fl. 75).
II - Nada justifica que se decida em sentido contrário à 1.ª Secção relativamente à oposição reconhecida.

Isto se referencia face ao teor do artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

O que releva é a divergência quanto ao problema nuclear, como já foi reconhecido e se não altera.

III - Embora nenhuma norma exista sozinha no mundo do direito e, portanto, nenhuma possa ser devidamente entendida isoladamente (artigo 9.º do Código Civil), a questão em apreço radica, essencialmente, no artigo 65.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, a saber:

1 - A competência internacional de alguma das seguintes circunstâncias:
...
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção.

Face a esta norma, a essência da questão está na definição do que é causa de pedir e na verificação do que o é em concreto.

Logo, é de trazer à colação o disposto no artigo 498.º, n.º 4, do Código de Processo Civil:

[...] Nas acções reais, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

IV - A primeira nota a retirar do que se deixou exposto é que, jurisprudencialmente, o direito não deve ser visto ou pensado abstractamente. A partir, naturalmente, de bases legais gerais, há que atender à situação concreta ou específica perante a qual o tribunal se encontra.

O direito, conforme temos assumido, não é campo de diletantismo ou de análises puramente abstractas. Em especial no âmbito jurisprudencial, o direito tem de ser pensamento ao serviço da vida, o que vale por dizer que, na sua aplicação prática, não pode deixar de atender às situações reais, concretas, perante as quais o Tribunal se encontra. Caso contrário, o próprio direito se contraditaria, frustrando a sua causa final, isto é, a regulamentação da vida dos homens em sociedade.

Destas simples notas retiram-se razões adjuvantes para o entendimento do que é, em processo civil, causa de pedir e para o significado que pode ter uma alegada situação contratual de seguro.

É o que veremos adiante.
V - O artigo 498.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, literalmente, referencia «facto» como causa de pedir.

Mas mais uma vez anotamos esta verdade tão simples quanto exacta e importante - ler a lei é uma coisa; entendê-la é outra.

É necessário lê-la. Mas tanto não é suficiente para conhecê-la (cf. artigo 9.º do Código Civil).

Em verdade, o n.º 4 do artigo 498.º emprega a expressão «facto» para frisar que uma causa de pedir não é a normatividade mas, sim, ocorrência real, concreta, específica, factualidade.

É a vivência da substanciação, que o Prof. A. Reis reflectiu e exemplificou (cf. Anotado, pp. 121 e segs.).

E, naturalmente, numa questão jurídica pode acontecer que haja factos jurídicos entre a causa de pedir.

É que as mais das vezes, ou muitas vezes, uma causa de pedir, sendo fáctica, é complexa.

Tudo depende da moldura da instância concreta e, nesta, do pedido concreto ou meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (Profs. A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 245).

Para a teoria da substanciação acolhida pelo direito processual civil português vigente o que releva como causa do pedir é o facto concreto gerador do direito cujo reconhecimento o autor pretende (Dr. Luso Soares, Processo Civil de Declaração, p. 587). Mas isto equivale a dizer que o autor pode invocar, conforme as circunstâncias, ou um facto simples causal ou um «facto» complexo ou, dito de outra forma, factualidade causal.

VI - Ora, a alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do Código de Processo Civil decorre do princípio da causalidade e, longe de pretender restringir, implica o reconhecimento de uma certa amplitude, larga, à competência internacional dos tribunais portugueses.

Note-se que a versão originária (1939) do Código de Processo Civil nesta alínea b) falava no «acto ou facto de que a acção directamente emerge». E já então o Prof. A. Reis não hesitava em considerar competente o foro português se o contrato questionado tivesse sido praticado, realizado, em Portugal, atenta essa conexão com a causa (Comentário, I, p. 131).

Hoje, a lei fala em ter sido praticado em território português «o facto que serve de causa de pedir na acção».

Ora, tratando-se de causa complexa, se um dos factos causais relevantes ocorreu em Portugal, razão não há para não se considerar a situação abrangida pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

VII - Concretizando, isto significa que se no âmbito da causa de pedir estão apenas má estiva e mau manuseamento da mercadoria, a competência internacional dos tribunais portugueses estará dependente do local onde isso aconteceu.

Mas, se, como é o caso, do que se trata é de pedido formulado por uma seguradora, tendo como causalidade «sine qua non», ao abrigo do artigo 441.º do Código Comercial, não só má estiva ou mau manuseamento da mercadoria mas também o facto de ter celebrado em Portugal um contrato de seguro, por força do qual ficou desembolsada daquilo que pede, é certo que esta factualidade contratual se integra na complexidade causal do pedido e justifica a aplicação do artigo 65.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil. E a linha de orientação, por exemplo, do Acórdão deste Supremo de 25 de Junho de 1974 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 238, p. 196), com o aplauso da Revista dos Tribunais (Revista dos Tribunais, n.º 5, p. 105).

Assim se infere, e mais não será necessário dizer, que o acórdão recorrido aplicou a doutrina que temos por adequada e deve ser vertida em assento.

Esclarece-se que não vem ao caso o artigo 30.º do Decreto-Lei 352/86, de 21 de Outubro.

VIII - Donde, concluindo, nega-se provimento ao recurso.
Formula-se o seguinte assento:
Invocado um contrato de seguro celebrado em Portugal, no âmbito de causa complexa do pedido, ainda que também decorrente de má estiva ou mau manuseamento de mercadorias não ocorridas em território português, aquele facto desencadeia a competência internacional do foro português, face ao disposto no artigo 65.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 1994. - Cardona Ferreira - Cura Mariano - Carlos Caldas - Ferreira Dias - Ferreira da Silva - Sousa Macedo - Lopes de Melo - Ferreira Vidigal - Ramos dos Santos -Martins da Fonseca - Mário Noronha - César Marques - Sá Nogueira - Sampaio da Silva - Roger Lopes - José Magalhães - Mora do Vale - Ramiro Vidigal - Santos Monteiro - Abranches Martins - Guerra Pires - Coelho Ventura - Costa Raposo - Miranda Gusmão - Araújo Ribeiro - Raul Mateus - Sá Couto - Zeferino Faria - Faria de Sousa - Silva Cancela - Dias Simão - Sousa Guedes - Alves Ribeiro - Cardoso Bastos - Pereira Cardigos - Chichorro Rodrigues - Sá Ferreira - Teixeira do Carmo - Calixto Pires - Machado Soares - Figueiredo de Sousa - Amado Gomes - Silva Reis - Correia de Sousa - Oliveira Branquinho - Costa Pereira - Gelásio Rocha.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/57924.dre.pdf .

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