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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 4/2024, de 12 de Janeiro

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Sumário

Acórdão do STA de 21-06-2023, no Processo n.º 11/23.8BALSB - Pleno da 2.ª Secção Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: «sedimentar o entendimento de que, quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental, falta de fundamentação, ou equivalente), não são devidos juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do art. 43.º n.º 1 da LGT.»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2024

Sumário: Acórdão do STA de 21-06-2023, no Processo 11/23.8BALSB - Pleno da 2.ª Secção Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos:

«sedimentar o entendimento de que, quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental, falta de fundamentação, ou equivalente), não são devidos juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do art. 43.º n.º 1 da LGT.»

Acórdão do STA de 21-06-2023, no Processo 11/23.8BALSB - Pleno da 2.ª Secção

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A autoridade tributária e aduaneira (AT), com apoio no disposto pelos artigos (arts.) 25.º n.os 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de janeiro(1) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, objetivando uniformização de jurisprudência, da decisão (singular), proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo 402/2022-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad), que, além do mais, decidiu "Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, ficando o pagamento de juros indemnizatórios condicionado à prova, pela Requerente, do pagamento das liquidações em sede de execução de julgado".

Imputa-lhe contradição/oposição, com o decidido no acórdão, do STA, datado de 4 de fevereiro de 2009, lavrado no processo 0766/08.

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com estas conclusões:

«a) O presente recurso por oposição de acórdãos vem interposto do acórdão arbitral de 13/12/2022, proferido nos autos que correram termos no CAAD com o n.º 402/2022-T, na parte em que o mesmo julga procedente a pretensão da Requerente, ora Recorrida, ao pagamento de juros indemnizatórios, com fundamento no n.º 1 do art. 43.º da LGT.

b) O acórdão arbitral ora recorrido anulou as liquidações adicionais de IVA impugnadas pela Requerente, todas referentes ao ano de 2016, por entender que houve preterição do direito de audição prévia e que essa preterição constitui vício formal do procedimento invalidante das liquidações impugnadas, as quais foram assim anuladas com fundamento em vício formal, de natureza procedimental, sendo que este entendimento não está minimamente em causa no presente recurso.

c) O presente recurso tem por objecto apenas a parte em que o tribunal arbitral entende, ainda assim, que estão reunidos os pressupostos do art. 43.º, n.º 1 da LGT, determinando o pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia de imposto paga em excesso pela Requerente, ora Recorrida.

d) O presente recurso fundamenta-se no facto de o referido segmento decisório se encontrar em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão fundamento, acórdão do STA, de 04/02/2009, prolatado no processo 0766/08, e cujo sumário se transcreve:

Não são devidos juros indemnizatórios, por não se apurar a existência de erro imputável à Administração sobre os pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação, que foi anulado com exclusivo fundamento em vício de forma por preterição de formalidade essencial, traduzida na omissão da concessão do direito de audição antes da liquidação.

e) Em causa nos dois acórdãos está a interpretação do n.º 1 do art. 43.º da LGT, mais concretamente saber se estão reunidos os pressupostos legais para atribuição de juros indemnizatórios à impugnante nas situações em que a liquidação impugnada é anulada com fundamento em vício de forma, por preterição do direito de audição prévia.

f) Quanto aos critérios que permitem concluir pela oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, os mesmos foram já sobejamente concretizados pelo STA, nomeadamente no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, acórdão de 26/09/2018, no processo 0406/18.9BALSB, disponível em www.dgsi.pt.

g) Não sendo exigível uma coincidência absoluta entre os factos descritos na decisão recorrida e no acórdão fundamento, exige-se apenas que os factos em causa sejam subsumíveis às mesmas normas legais, devendo, por conseguinte, a solução jurídica ser a mesma para ambas as situações.

h) Entende a Recorrente que estão reunidos os pressupostos para o presente recurso uma vez que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento se pronunciam sobre a aplicação do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT quando a liquidação impugnada é anulada com fundamento na preterição do direito de audição prévia.

i) O acórdão arbitral recorrido conclui haver preterição do direito de audição prévia porque a Recorrida arrolou testemunhas para serem inquiridas no exercício do seu direito de audição sobre o projecto de relatório da inspecção tributária sem que a AT tenha ouvido as testemunhas arroladas ou sequer justificado a sua não audição.

j) Justamente, as liquidações de IVA impugnadas nos autos de processo arbitral em referência foram anuladas com fundamento em vício formal de natureza procedimental sem que o tribunal arbitral se tivesse pronunciado sobre qualquer erro de facto ou de direito subjacente às referidas liquidações.

k) No acórdão fundamento as liquidações impugnadas também foram anuladas com fundamento na preterição do direito de audição prévia, vício formal de natureza procedimental, sem que o tribunal se tivesse pronunciado sobre os erros de facto ou de direito invocados pela impugnante.

l) Mais concretamente, o acórdão fundamento anulou a sentença, que decidiu anular a liquidação impugnada, no caso referente a IRC de 1990, na parte em que a mesma condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios,

m) Uma vez que aquela sentença determinou a anulação da liquidação impugnada apenas com fundamento no vício procedimental de preterição de formalidade essencial, no caso a preterição do direito de audição, sem conhecer as demais questões suscitadas pela impugnante, nomeadamente erros de facto ou de direito subjacentes ao acto tributário impugnado.

n) A jurisprudência do STA tem vindo a entender de forma reiterada e uniforme que os juros indemnizatórios não são devidos quando a impugnação do acto de liquidação procede com fundamento em vício de forma.

o) Justamente a preterição do direito de audição constitui um vício de forma de natureza procedimental por preterição do direito de audição.

p) A ora Recorrente entende que o segmento decisório sob recurso incorreu em erro de julgamento quanto ao direito, estando em oposição com o acórdão fundamento e com a jurisprudência uniforme do STA quanto conceito de "erro imputável aos serviços", utilizada no artigo 43.º, 1 da LGT.

q) A jurisprudência uniforme do STA tem adoptado um conceito restritivo da expressão, por considerar que esse conceito respeita apenas e tão só ao erro sobre os pressupostos de facto e ao erro sobre os pressupostos de direito, não abrangendo os vícios de forma e a incompetência.

r) O reconhecimento destes dois últimos vícios não comporta, na verdade, qualquer juízo seguro sobre a relação jurídico-tributária, sua existência e eventuais vícios que a inquinam, não sendo, por isso, susceptíveis de suportar uma conclusão sobre eventual excesso dos montantes pagos.

s) Concluindo, entende-se que estão preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo a semelhança entre as situações de facto em causa por serem subsumíveis ao mesmo quadro normativo e estando as soluções jurídicas em causa em manifesta contradição entre si quanto à mesma questão fundamental de direito,

t) Requerendo-se a admissão do recurso e o seu conhecimento de mérito, com a procedência do mesmo e a anulação da decisão arbitral na parte ora recorrida, com as devidas consequências legais.»

*

Por despacho do relator, foi o recurso admitido, liminarmente, com efeito suspensivo, nos termos do art. 26.º n.º 1 do RJAMT.

*

Não se registou contra-alegação.

*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto, notificado, emitiu pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 146.º n.º 1 do CPTA, concluindo "no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, devendo ser mantido o entendimento uniforme, adoptado pelo STA, de que não são devidos juros indemnizatórios, em caso de anulação de liquidação, por vício de forma".

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

A decisão arbitral recorrida efetuou julgamento factual, da forma que se transcreve:

«1 - Factos provados

Com relevo para a decisão importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

1 - A Requerente é uma sociedade anónima registada para o exercício da atividade principal de preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas (CAE 10395) e, como secundárias, comércio por grosso de produtos alimentares, bebidas e tabacos (CAE 046170), fabricação de outros produtos alimentares diversos N.E. (CAE 10893) e comércio por grosso de batata (CAE 046312).

2 - Em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado, configura-se como um sujeito passivo que se encontra enquadrado no regime normal com periodicidade mensal.

3 - Para efeitos de análise da sua situação tributária e de controlo declarativo, a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial, credenciado pela Ordem de Serviço n.º ...71, levado a efeito pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Vila Real.

4 - Este procedimento teve por base a ação inspetiva efetuada ao abrigo do Procedimento Inspetivo n.º OI201900771, na Direção de Finanças de Braga, ao sujeito passivo B..., Unipessoal, Lda., ("B..."), através do qual os referidos Serviços da AT concluíram que aquela entidade efetuou várias transmissões para sujeitos passivos da referida unidade orgânica, incluído à Requerente, concluindo que as faturas emitidas pela B... não tinham subjacente efetivas vendas de bens, mas operações simuladas, não correspondendo a operações reais, não dispondo de estrutura organizacional, quer logística quer de recursos humanos, para o exercício da atividade, designadamente, de compra e venda de castanhas.

5 - Em sede de audição prévia ao projeto de relatório, a Requerente apresentou a sua defesa e indicou três testemunhas, AA, BB e CC.

6 - A AT não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas, não tendo apresentado nenhuma razão para a não realização desta diligência instrutória.

7 - No relatório final de inspeção tributária (RIT) foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética resultantes de imposição legal em sede de IVA e de IRC, relativas ao ano de 2016.

8 - O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto as liquidações de IVA n.os... 53 (16/09M),... 65 (16/10M),... 67 (16/11M), efectuadas no decurso do aludido procedimento inspetivo, nos valores, respetivamente, de (euro) 1.025,08, 3.081,78 e 2.785,66, as quais foram apreciadas administrativamente, tendo a ora Requerente apresentado reclamação graciosa e recurso hierárquico.

9 - Em conformidade com os registos contabilísticos da Requerente, em 2016, esta registou a aquisição de castanha à B..., sendo as mesmas suportadas por 12 faturas relativas à transacção de castanhas.

10 - O transporte das castanhas foi assegurado pelo fornecedor B...

11 - O fornecedor B..., não entregou à Requerente qualquer guia de transporte, não possuindo em arquivo documentos de transporte relativos às operações em causa inerentes ao fornecedor B...

12 - As faturas foram emitidas na forma legal pelo fornecedor B... aquando da entrega da mercadoria.

13 - Todas as faturas referentes às transações em causa foram apresentadas pela Requerente à AT.

14 - As castanhas adquiridas pela Requerente à B... foram objeto de controlo de rastreabilidade.

15 - Aquando da receção das castanhas nas instalações da Requerente, esta procedia à elaboração de fichas de rastreabilidade das quais consta a identificação do fornecedor bem como a quantidade e tipo de castanhas adquiridas.

16 - Nas fichas de rastreabilidade encontra-se registada a aquisição da castanha efetuada pela Requerente à B..., sendo utilizadas para o efeito as siglas correspondentes especificamente a este fornecedor e indicado o tipo e a quantidade em quilos das castanhas adquiridas.

17 - Das fichas de rastreabilidade consta um fator de correção de 2 % de aplicabilidade ao peso das castanhas adquiridas, dado tratar-se de um fruto fresco que sofre variações de peso devido a variações de hidratação.

18 - Existe sempre um desfasamento entre as quantidades adquiridas para venda e as quantidades constantes das faturas de alienação, devido às variações de hidratação das castanhas.

19 - As referidas fichas de rastreabilidade foram exibidas à AT.

20 - Os produtos foram objecto de controlo à entrada em armazém, calibragem e separação.

21 - Os meios de pagamento utilizados foram a transferência bancária para a conta da empresa ou o cheque nominativo cruzado.

2 - Factos não provados

Não se provou que a Requerente sabia ou deveria ter conhecimento de quaisquer irregularidades praticadas pela B... relativas a faturação falsa.»

No aresto fundamento, foi relevado:

«A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:

a) A Administração Fiscal procedeu à correcção da matéria colectável da impugnante relativamente ao exercício de 1990, nos termos da declaração Modelo DC-22 de folhas 40 a 42, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais e da qual consta a seguinte nota de fundamentação:

"Q 18 - A importância de 61.700.000$ corresponde à provisão criada no exercício de 1990 para créditos de cobrança duvidosa, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 34.º do CIRC para cheques recusados pelos bancos a pagamento (cheques sem provisão e outros). O contribuinte justifica a criação desta provisão pelo facto de o processo judicial ser imediatamente accionado com a entrega dos cheques na Polícia Judiciária. Ora, este procedimento não corresponde a reclamação judicial de créditos prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 34.º do CIRC, mas sim ao início de um processo crime que não tem conexão directa com o ressarcimento patrimonial do credor. A reclamação judicial de créditos, vem tipificada no art. 1146.º do CPC em caso de falência, agora regulado pelo art. 188.º do CPEREF, no art. 1345.º do CPC, em processo de inventário e no art. 865.º do CPC para o processo de execução.

Como a situação analisada não se enquadra em nenhum dos casos apontados para que exista uma reclamação judicial de créditos, não pode a provisão criada ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 34.º do CIRC ser considerada como custo fiscal no exercício de 1990, sendo por esse facto acrescido aquele montante ao resultado líquido do exercício. Mais se constata que a criação da provisão se verificou sem que o recurso de legitimação se pudessem encarar existirem quaisquer das outras hipóteses essenciais nos termos do quadro normativo do art. 34.º do CIRC consideradas nas alíneas a) e c). Daí que de forma categórica se possa julgar como tributariamente ilegal a provisão considerada pela empresa no montante de 61.700.000$.

Este assunto foi aliás objecto de reflexão doutrinária por parte do SAIR de que resultou o parecer constante da Informação...3 averbada com o parecer do Subdirector Geral do SAIR".

b) Com base na correção efectuada, a Administração Tributária emitiu a liquidação n.º ...18, no valor a pagar de 33.803.888$00, cuja data limite para pagamento ocorreu em 21/4/1995,

c) Em 19 de Abril de 1996, a impugnante apresentou reclamação graciosa da referida liquidação, a qual foi totalmente indeferida - cf. autos de reclamação apensos.

d) Em 4 de Maio de 1999, a impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

e) Através de ofício datado de 5 de Agosto de 1999, a impugnante foi notificada do projecto de despacho sobre o recurso hierárquico, para efeitos do disposto no art. 60.º, n.º 1 da LGT.

f) Em 31 de Março de 2003, a impugnante foi notificada de que foi negado provimento ao recurso hierárquico.

g) A presente impugnação foi apresentada em 29 de Maio de 2003 - cf. fls. 2 dos autos.

h) Em 27/12/2002, a impugnante pagou a quantia de 102.784,73 (euro), referente à liquidação impugnada, ao abrigo do DL 248-A/2002 - cf. fls. 87 dos autos.

i) Em 22 de Fevereiro de 1996, a impugnante prestou garantia bancária até ao montante de 51.845.998$00 no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...5 que corre termos pelo Serviço de Matosinhos 1 para obter a suspensão desse processo, relativo ao pagamento da liquidação ora impugnada, conforme documento de fls. 94, cujo teor se dá por reproduzido.

j) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos juntos a fls. 235 a 261, relativos a encargos suportados pela impugnante com a prestação da garantia bancária referida em i).

k) A impugnante exercia a actividade de comércio a retalho em grandes superfícies comerciais.

l) A impugnante aceitava todos os meios legais de pagamento, incluindo cheques.

m) Face à actividade e forma de cobrança, a impugnante não possuía contas correntes de clientes.

n) Após a devolução dos cheques não cobrados, a impugnante registava cada um dos cheques emitidos e não cobrados na conta de "clientes de cobrança duvidosa".

o) A impugnante após tentativas de contactar directamente (em regra, telefonicamente) os clientes no sentido de apurar se o pagamento ia ou não ser efectuado, remetia todos os cheques para os serviços de contencioso.

p) Por sua vez, estes serviços remetiam directamente tais cheques (independentemente do valor) para a Polícia Judiciária, apresentando as correspondentes participações criminais.

q) No final de cada exercício, a impugnante elaborava uma listagem dos clientes com denúncia crime (por emissão de cheques não cobrados) e constituía uma provisão pelo valor total dos valores inscritos nesses cheques.

r) No caso de algum desses cheques ser, entretanto, regularizado, através de pagamento do respectivo valor, a impugnante creditava a conta de "clientes de cobrança duvidosa".

s) Dá-se por reproduzido o teor do mapa referente aos cheques devolvidos, respectivos valores e mora, apresentado pela impugnante e junto a fls. 58 dos autos.

t) A impugnante apresentou em 18/6/1991 queixa crime contra ..., pelo crime de emissão de cheque sem provisão, no valor de 29.351$00 e deduziu o correspondente pedido de indemnização cível - cf. fls. 146/157.

u) A impugnante apresentou em 14/9/1990 queixa crime contra ..., pelo crime de emissão de cheque sem provisão, nos valores de 8.000$00, 12.698$00 e 4.933$00 e deduziu o correspondente pedido de indemnização cível - cf. fls. 161/170.

v) A impugnante apresentou em 1/1/1988 queixa crime contra ..., pelo crime de emissão de cheque sem provisão, no valor de 37.097$50$00 e deduziu o correspondente pedido de indemnização cível, a qual foi, por sentença de 17/2/1995, condenada a pagar à impugnante o valor correspondente ao montante do cheque acrescido de juros - cf. fls. 173/191.

w) Após vários contactos, a impugnante apresentou queixa crime contra ..., pelo crime de emissão de cheque sem provisão, no valor de 69.490$00 (emitido em 9/6/90) - cf. fls. 194/211.

x) A impugnante apresentou queixa crime contra ..., pelo crime de emissão de cheque sem provisão, no valor de 15.654$00 (emitido em 20/6/90) e deduziu o correspondente pedido de indemnização cível - cf. fls. 214/222.

y) A impugnante apresentou queixa crime contra DD, pelo crime de emissão de cheque sem provisão, no valor de 94.890$00 (emitido em 23/4/90) - cf. fls. 225/233.»

***

Não obstante, ter sido, em despacho liminar, admitido, pelo relator, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, impõe-se, aqui e agora, com a intervenção de todos os Exmos. Conselheiros, da Secção, que se avalie e julgue, em definitivo, dos pressupostos da sua admissibilidade/continuidade.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal(2) é, há muito, perentória, na afirmação de que o reconhecimento da ocorrência de oposição/contradição entre dois acórdãos, para efeitos deste tipo de apelo, pressupõe a verificação, cumulativa, das seguintes condições/requisitos:

- a existência de contradição entre os acórdãos recorrido e fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito;

- não ocorrer a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Adicionalmente, quanto à primeira (para estarmos diante da mesma questão fundamental de direito), impõe-se, também, em cumulação, avaliar e concluir, ainda:

- pela identidade substancial (essencial) das situações factuais envolvidas e versadas;

- que não haja ocorrido alteração substancial na regulamentação jurídica aplicável;

- pelo perfilhamento de solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas, ou seja, exige-se uma contradição decisória.

Reconfirmado o preenchimento das exigências formais de admissibilidade deste recurso (versadas no aludido despacho inicial), impõe-se avançar e indagar do cumprimento, acumulado, das demais condições/requisitos, substanciais, vindos de elencar.

No pressuposto de que, segundo a rte, a questão fundamental de direito, contraditória, diz respeito à "aplicação do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT quando a liquidação impugnada é anulada com fundamento na preterição do direito de audição prévia" - cf. conclusão h), podemos, desde logo, concluir pela identidade, na parte relevante, das situações fácticas, versadas na decisão arbitral recorrida e no acórdão fundamento.

Efetivamente, é o que decorre do confronto/comparação entre o conteúdo dos pontos 5. e. 6. dos factos provados da primeira e das alíneas (als.) e) e f) do segundo, com os complementos de, naquela, se haver, ainda, expendido que "A Requerente tinha o direito de se pronunciar sobre o projeto de indeferimento arrolando testemunhas, direito esse que lhe é atribuído pelos artigos 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 60.º, n.º 1, alínea b), da lei geral tributária (LGT) e 60.º do Regime do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA). Ao não proceder à respetiva inquirição, a AT incorreu em preterição de formalidade legal, porque não deu à Requerente oportunidade para se pronunciar sobre o projeto de decisão que lhe era desfavorável, antes da decisão final.", bem como, "Termos em que se conclui, como começámos por referir, que a verificada preterição constitui vício formal do procedimento, invalidante, e suficiente para que se anule a decisão final da AT, e de quanto causalmente se lhe seguiu no procedimento, designadamente, os atos de liquidação ora atacados.", enquanto, no aresto fundamento, se aduziu "O objecto do presente recurso consiste em saber se, tendo o acto de liquidação sido anulado por vício de forma por preterição de formalidade essencial, traduzida na omissão da concessão do direito de audição prévia à liquidação, ...". Regista-se uma diferença, cirúrgica, consubstanciada na assunção, no caso deste último, do pagamento da quantia referente à liquidação impugnada - al. h), mas, irrelevante para os termos deste apelo, porquanto, a decisão recorrida, embora não tendo dado como provado tal imprescindível facto, decidiu, com alcance similar, ficar "o pagamento de juros indemnizatórios condicionado à prova, pela Requerente, do pagamento das liquidações em sede de execução de julgado".

Se a isto aditarmos que as decisões em confronto se pronunciaram, expressamente, sobre a matéria dos juros indemnizatórios, na hipótese, igual, de anulação de liquidação tributária por motivo de preterição do direito de audição prévia e em sentidos opostos (serem devidos versus não serem devidos), estando, ainda, comummente, em causa a aplicação do disposto no art. 43.º n.º 1 da lei geral tributária (LGT)(3), temos, porque, ocorre, ainda, o não respeito da jurisprudência deste STA pela decisão sob recurso, de afirmar o preenchimento de todas as condições/requisitos, substanciais para uma apreciação de mérito.

Nesse quadrante (do fundo da causa), sem olvidar inúmeras outras manifestações e autorias, esta mesma formação de julgamento, em acórdão, datado de 4 de novembro de 2020, emitido no processo 37/19.6BALSB(4), patenteou o entendimento que, aqui, repetimos (só podemos, coerentemente, repetir).

«

[...], somente, se mostra necessário registar que o doutrinado no acórdão fundamento mantém plena atualidade, ao ponto de, além doutras pronúncias, no mesmo sentido, já, assumidas pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do STA, trazermos, agora, à colação uma das mais recentes.

Assim, no acórdão de 30 de setembro de 2020 (2009/18.9BALSB), sem dissidência, estando em causa, igualmente, uma decisão do CAAD, voltou a ser (re)afirmado: «

[...].

Com efeito, há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em "erro imputável aos serviços", designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios.

Já quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.

Mais, nos casos em que existam razões atendíveis (fundamentos que suportem a violação de um direito de natureza substantiva) para que o sujeito passivo cujo tributo anulado com fundamento em vício de forma se não deva considerar indemnizado pela mera restituição dos valores que tenha pago, pode sempre utilizar-se a acção de responsabilidade civil para obter a reparação dos respectivos danos.

Lembre-se, por fim, que o Tribunal Constitucional, confrontado com a antes mencionada interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT sufragada pela jurisprudência do STA, decidiu, no Acórdão 203/2013,"[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal".

É, pois, esta interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que uma vez mais se confirma e reitera.

[...].»

»

Em suma, a decisão arbitral recorrida errou ao condenar, a AT, no pagamento de juros indemnizatórios (ainda que, condicionado), pelo que, tem de, nesse segmento, ser anulada.

[Apesar de ser prática, deste Pleno, não expressar um típico/privativo conteúdo textual a uniformizar jurisprudência, quando a questão fundamental de direito envolvida já foi, reiterada e constantemente, tratada nos mesmos moldes, in casu, ficando a sensação de que a mensagem se pode estar a desvanecer, iremos voltar a estabelecer os termos da doutrina sufragada pelo STA.]

*******

# III.

Pelo exposto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concordamos:

- admitir e conhecer do mérito deste recurso, para uniformização de jurisprudência, concedendo-lhe provimento;

- anular a decisão arbitral recorrida, quanto à condenação, da AT, no pagamento de juros indemnizatórios - cf. alínea b) da "V. DECISÃO";

- sedimentar o entendimento de que, quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental, falta de fundamentação, ou equivalente), não são devidos juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do art. 43.º n.º 1 da LGT.

*

Custas pela recorrida, sem taxa de justiça, no STA.

*

Comunique-se ao caad e publique-se, no jornal oficial (art. 152.º n.º 4 do CPTA).

(DN)

*****

(1) Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT).

(2) Desde logo e em primeira linha, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário.

(3) Atente-se em que este normativo legal não sofre qualquer alteração da sua redação, desde a inicial, introduzida pelo Decreto-Lei 398/98 de 17 de dezembro, que aprovou a LGT; ou seja, tem os mesmos dizeres, originários, de 1 de janeiro de 1999.

(4) Presente, no sítio www.dgsi.pt.

[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 21 de junho de 2023. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.

117220579

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5609932.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-12-17 - Decreto-Lei 398/98 - Ministério das Finanças

    Aprova a lei geral tributária em anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante. Enuncia e define os princípios gerais que regem o direito fiscal português e os poderes da administração tributária e garantias dos contribuintes.

  • Tem documento Em vigor 2011-01-20 - Decreto-Lei 10/2011 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Regula, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária,

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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